Acúmulo de cargo público por profissionais da saúde em OSCIP (FAMESP) e Prefeitura

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10/09/2016 às 17:45
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O presente parecer visa estudar caso concreto de acúmulo de cargo público e emprego em entidade do terceiro setor com jornada acima de 60 horas e a caracterização de entidade privada nos moldes do julgamento do STF na ADI 1932.

ACÚMULO REMUNERADO DE CARGO PÚBLICO E EMPREGO POR PROFSSIONAIS DA SAÚDE – LIMITE DE 60 HORAS – INEXISTÊNCIA – ENTIDADE PRIVADA SEM FINS LUCRATIVOS – FAMESP – ORGANIZAÇÃO SOCIAL – TERCEIRO SETOR – MARCO LEGAL – LEI Nº 9.637/98 – CONSTITUCIONALIDADE –

CONSULTA

Excelentíssimo Senhor Secretário da Saúde de Bauru, José Fernando Casquel Monti, apresenta consulta e solicita elaboração de parecer jurídico a respeito da possibilidade legal de que servidores públicos municipais possam acumular o cargo público com emprego na FAMESP (FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO MÉDICO HOSPITALAR), entidade que atua no âmbito dos Hospitais Estaduais localizados no Município de Bauru, com jornada de trabalho acima de 60 horas.

Informa o consulente que a Secretaria de Administração, através do processo administrativo nº 13.012/2016, solicitou à Secretaria de Saúde que “verificasse as situações de compatibilidade de horários e acúmulo remunerado de cargos e/ou empregos públicos de servidores”, a fim de que seja cumprida Lei Municipal nº 5.795/09, bem como o fato de que o “Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o limite máximo da jornada semanal de trabalho para os profissionais da saúde é de 60 horas”.

Também, o Diretor de Departamento de Administração da Secretaria da Saúde, questiona a natureza jurídica da FAMESP, uma vez que, de acordo com parecer da Secretaria de Negócios Jurídicos proferido no processo administrativo nº 3353/13, entendeu-se que “a FAMESP deve ser considerada como pessoa jurídica de direito público, inclusive para fim de análise de acúmulo remunerado de cargos públicos”.

Levando em conta o parecer jurídico da Secretaria de Negócios Jurídicos, os servidores municipais que também atuam em órgãos públicos do Estado, já estariam acumulando dois cargos públicos e por serem empregado da FAMESP não poderiam atuar junto ao Município, pois haveria acúmulo de 3 (três) cargos públicos, o que é vedado pela Constituição Federal.

No processo administrativo nº 15.211/2016 que a Secretaria da Saúde faz questionamento sobre o acúmulo de horas e a natureza jurídica da FAMESP, informa a existência de defasagem em relação a profissionais não respostos até o início de março de 2016 (enfermeiro 156 horas semanais / técnico de enfermagem 1260 horas semanais), dando conta de que, “supondo que o profissional com duplo vínculo opte por reduzir a jornada, teríamos a redução de 66 horas de postos médicos e 184 horas de postos de enfermagem em uma situação onde já pagamos em torno de 10.000 horas extras/mês para cobrir as escalas médica e de enfermagem”.

Assim, faz o senhor Secretário as seguintes indagações:

 

a) Pode haver acúmulo de cargo público e emprego, de forma remunerada, acima da jornada de 60 horas semanais, para profissionais da saúde que atuam no Poder Executivo Municipal e na FAMESP?

 

b) Deve a FAMESP ser considerada órgão público para fins de acumulação de cargos e empregos nos termos do artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal?

 

Passo ao respectivo parecer jurídico.

 

 PARECER JURÍDICO

Excelentíssimo Senhor Secretário da Saúde,

 

1.                                                        Submeto à elevada consideração de Vossa Excelência parecer jurídico decorrente de consulta para analisar aspectos constitucionais e legais a respeito do acúmulo remunerado de cargos públicos acima do limite de 60 horas semanais, por profissionais da saúde que atuam no Município de Bauru e também na FAMESP (FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO MÉDICO HOSPITALAR).

2.                                                        Importante mencionar, desde logo, que este parecer jurídico tem como objetivo somente a verificação dos aspectos jurídicos do tema, apresentando uma nova luz a respeito da interpretação das normas constitucionais em debate, sem se atrever a adentrar ou mesmo fazer qualquer juízo de valor a respeito das questões políticas, administrativas e financeiras que envolvem a questão, uma vez que estas fogem à atribuição deste profissional e devem ser suportadas pelos agentes políticos responsáveis junto à esfera do Poder Executivo, no seu critério de conveniência e oportunidade.

3.                                                        Ao que se verifica, a questão central do debate se dá entre (1) as regras encartadas no artigo 37, inciso XVI[1] e XVII[2] da Constituição Federal, que dispõem sobre a possibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos e empregos aos profissionais da saúde, extensivos às autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e as sociedades controladas direta ou indiretamente pelo poder público, (2) à jurisprudência que se consolida no Superior Tribunal de Justiça sobre o limite da jornada em 60 horas semanais e, (3) o conceito jurídico que deve se nortear a FAMESP.

4.                                                        A respeito do artigo 37, XVI e XVII da Constituição Federal, maiores digressões são desnecessárias neste parecer, salvo as que se farão pontualmente, uma vez ser incontroverso o fato de que os profissionais da saúde, em âmbito municipal, estadual ou federal podem acumular dois cargos públicos e/ou empregos, por expressa autorização da carta maior da república.

5.                                                        A respeito da orientação apresentada pela Secretaria de Administração e de Negócios Jurídicos no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça vem consolidando a orientação de que os profissionais de saúde estão sujeitos ao limite de jornada máximo de 60 horas semanais[3],inclusive disponibilizando acórdãos sobre o tema em seu site no link “pesquisa pronta”[4], temos a meu ver, a necessidade de apresentar alguns pontos de divergência em decorrência de não haver enunciado de súmula ou recurso julgado em demanda repetitiva.

6.                                                        Em primeiro lugar, temos que considerar que a Constituição Federal define em seu artigo 105, inciso III, “a”, “b” e “c”[5] a competência de julgamento através de recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça, de leis ou tratados federais, já que este Tribunal tem o objetivo precípuo a uniformização da jurisprudência infraconstitucional e não interpretar definitivamente dispositivos constitucionais, competência esta que cabe, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal (artigo 102, III, “a” da CF)[6].

7.                                                        Digo isto porque nos julgamentos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça que definiram o limite máximo de 60 horas semanais pelo acúmulo de cargo ou emprego pelos profissionais da saúde, houve uma interpretação de normas da Constituição Federal, o que, salvo melhor juízo, usurpa a competência do Supremo Tribunal Federal, possibilitando o questionamento pelos interessados no caso concreto, quando e se judicializada a questão em âmbito municipal, diretamente na Corte Máxima, através de recurso extraordinário ou reclamação constitucional, conforme adiante se verá.

8.                                                        Na matéria trazida às fls. 03 do processo administrativo nº 13.012/2016 e que menciona o julgado do STJ a respeito do limite máximo de 60 horas de jornada, temos que:

Um dos acórdãos do STJ cita a Constituição Federal e o artigo 118 da Lei nº 8.112/90 para ressaltar que é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, ressalvados os casos topicamente previstos, entre eles o de dois cargos ou empregos de profissionais de saúde que apresentem compatibilidade de horários e cujos ganhos acumulados não excedam o teto remuneratório previsto.

“Contudo, a ausência de fixação da carga horária máxima para a cumulação de cargo não significa que tal acúmulo esteja desvinculado de qualquer limite, não legitimando, portanto, o acúmulo de jornadas de trabalhos exaustivas, ainda que haja compatibilidade de horários, uma vez que não se deve perder de vista os parâmetros constitucionais relativos à dignidade humana e aos valores sociais do trabalho”referiu o acórdão.

9.                                                        Ou seja, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça, ainda que tenha interpretado texto infraconstitucional (artigo 118 da Lei 8.112/90), para decidir caso concreto, adentrou expressamente em sua fundamentação, na interpretação de dispositivos constitucionais (dignidade humana e valores sociais do trabalho), atividade única e exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

10.                                                     Importante mencionar ainda que somente se pode decidir sobre acúmulo de cargo público e emprego por profissionais da saúde com base no artigo 37, XVI e XVII da Constituição Federal, através de julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, única instância autorizada a interpretar definitivamente texto constitucional.

11.                                                     Em segundo lugar, é incontroverso que os julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, ainda que demonstrem a consolidação de sua jurisprudência, não foram proferidos em sede de demanda repetitiva ou enunciados de Súmula, fazendo coisa julgada somente entre as partes e nos limites da questão posta, sendo certo que existem julgados em sentido contrário permitindo acúmulo com mais de 60 horas de jornada semanal.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PROFISSIONAL DA SAÚDE. ACUMULAÇAO DE CARGOS. LIMITAÇAO DA CARGA HORÁRIA. INEXISTÊNCIA. PARECER AGU GQ-145/1998. AFASTAMENTO. FORÇA NORMATIVA. AUSÊNCIA.

1. É licita a acumulação de cargos nas hipóteses previstas na Constituição Federal, quando comprovada a compatibilidade de horários. Exegese do disposto nos arts. 37, inc. XVI, da Constituição Federal e 118, da Lei nº 8.112/1990.

2. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de afastar o Parecer AGU GQ-145/1998, no que tange à limitação da carga horária máxima permitida nos casos em que há acumulação de cargos, na medida em que o referido ato não possui força normativa para regular a matéria.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1.168.979/RJ, Rel. Min. OG FERNANDES, Sexta Turma, DJe 14/12/12)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE DA LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA SEMANAL COM A MERA APLICAÇÃO DO ACÓRDÃO 2.133/2005 DO TCU. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS A SER AFERIDA EM AVALIAÇÕES DE DESEMPENHO. VIOLAÇÃO A DIREITO SUBJETIVO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO ART. 118, § 2º DA LEI 8.112/90. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL QUE LIMITE A CARGA HORÁRIA, DIÁRIA OU SEMANAL. ACÓRDÃO EM SINTINIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INÚMEROS PRECEDENTES. SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO DESPROVIDO.

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1. O art. 37, XVI da Constituição Federal, bem como o art. 118, § 2º da Lei 8.112/90, somente condicionam a acumulação lícita de cargos à compatibilidade de horários, não havendo qualquer previsão que limite a carga horária máxima desempenhada, diária ou semanal.

2. Dessa forma, estando comprovada a compatibilidade de horários, não há que se falar em limitação de carga horária máxima permitida.

3. Agravo Regimental da UNIÃO desprovido.

(AgRg no AREsp 29919/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/04/2013, DJe 06/05/2013).

 

 12.                                                     O Tribunal de Contas da União, em casos análogos, também tem orientação diversa, conforme se verifica pelos julgados abaixo transcritos:

Acórdão TCU nº 1176/2014

“8. O entendimento desta Corte de Contas relativamente ao limite máximo de jornada de trabalho semanal dos servidores que exercem dois cargos, na forma da Constituição, de fato sofreu modificação. Atualmente, considera-se viável a acumulação acima de 60 (sessenta) horas semanais, desde que comprovada a compatibilidade de horários, em cada caso. Cito como precedentes as seguintes deliberações:

 

 Acórdão nº 1.008/2013-TCU-Plenário:

PESSOAL. RELATÓRIO DE AUDITORIA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS E JORNADA DE TRABALHO. EXAME DA REGULARIDADE DA ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS OU FUNÇÕES PÚBLICAS.

É possível o reconhecimento da licitude da acumulação com jornada de trabalho total superior a sessenta horas semanais, desde que devidamente comprovadas a compatibilidade de horários e a ausência de prejuízo às atividades exercidas em cada um dos cargos acumulados."

 

 Acórdão nº 3.294/2006-TCU-2ª Câmara

PESSOAL. ADMISSÃO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. ILEGALIDADE.

“A compatibilidade de horários, para os cargos acumuláveis na atividade, deve ser aferida caso a caso, pois a Constituição Federal não alude expressamente à duração máxima da jornada de trabalho."

13.                                                     Portanto, para o TCU, basta haver compatibilidade de horários para que a jornada de trabalho acima de 60 horas possa ser considerada lícita e regular, sendo certo que o TCE/SP, até onde se tem notícia não questionou o Município de Bauru acerca do tema, apontando qualquer tipo de irregularidade administrativa.

14.                                                     Voltando à espera do Poder Judiciário, ainda que o Superior Tribunal de Justiça decida algum recurso especial em sede de demanda repetitiva, consolidando efetivamente sua orientação – o que não existe até a presente data –, certamente a última palavra caberá, reafirmo novamente, ao Supremo Tribunal Federal, que deverá apreciar demanda em sede de repercussão geral que, ao final, valerá para todos os Tribunais do País – podendo ou não adotar o mesmo entendimento do STJ na interpretação do texto constitucional.

15.                                                     Partindo desta ótica, apesar da jurisprudência que se consolida no Superior Tribunal de Justiça, o que não se nega, temos que o Supremo Tribunal Federal entende de forma diversa a respeito do limite de jornada de 60 horas semanais para os servidores da saúde, conforme podemos verificar pelo julgamento do Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário que segue anexo a este parecer, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, tendo como ementa os seguintes dizeres:

AGRAVO DE INSTRUMENTO.  CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA SEMANAL. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITO NÃO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

16.                                                     Neste julgado é citado o RE 351.905, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 1.7.2005, na qual é afirmado expressamente:

 

 “Não pode, entretanto, sob o pretexto de regulamentar dispositivo constitucional, criar regra não prevista, como fez o Estado do Rio de Janeiro no presente caso, fixando verdadeira norma autônoma.”

 

 “O Tribunal a quo, ao afastar o limite de horas semanais estabelecido no citado decreto, não ofendeu qualquer dispositivo constitucional, razão por que conheço do recurso e nego-lhe provimento”.

 

 17.                                                     No julgamento, a Ministra Cármen Lúcia informa que 6. Pela jurisprudência do Supremo Tribunal, não é possível a limitação da carga horária semanal relativa ao exercício cumulativo de cargos públicos, por tratar-se de requisito não previsto na Constituição da República”. – grifo nosso

 

 

 18.                                                     No mesmo sentido RE 633.298/MG:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. EXISTÊNCIA DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE LIMITA A JORNADA SEMANAL DOS CARGOS A SEREM ACUMULADOS. PREVISÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA COMO IMPEDITIVA AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À ACUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - A existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos cargos a serem acumulados. II – Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade de horários entre os cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. III - Agravo regimental improvido. 

 

 19.                                                     Ainda, RE 833.057/RJ:

"Por outro lado, no tocante ao requisito da compatibilidade de horários, vê-se que a norma constitucional não estabelece qualquer limitação quanto à carga horária a ser cumprida, vedando, na realidade, a superposição de horários. Precedentes do STF e STJ. Assim, o que se extrai é que a incompatibilidade de horários não é aferida pela carga horária e, sim, pelo exercício integral das funções inerentes a cada cargo, de modo que o exercício de um cargo não impeça o de outro."

 

 

 20.                                                     De acordo com os julgados acima temos que até o momento a limitação de jornada em 60 horas não é de observância necessária, não podendo, este fundamento, impedir a acumulação pelos servidores e empregados, uma vez que, havendo compatibilidade de horário, não se pode alegar excesso de jornada, sob pena de restringir a aplicação da norma constitucional.

21.                                                     Certo é que o Supremo Tribunal Federal – detentor exclusivo da interpretação de dispositivo constitucional – tem entendimento pacífico no sentido de que o limite máximo semanal de 60 horas aos profissionais da saúde que acumulam cargo e/ou emprego, não se aplica da forma como pretende o Superior Tribunal de Justiça, a Secretaria de Administração e a Secretaria de Negócios Jurídicos do Município de Bauru.

22.                                                     Ou seja, profissionais da saúde estão autorizados a acumular cargos e/ou empregos, desde que haja compatibilidade de horários, sem qualquer necessidade de observância do limite de 60 horas semanais, já que Supremo Tribunal Federal, que detém a última palavra sobre o tema tem jurisprudência sedimentada em sentido diverso, sendo este o panorama jurídico atual sobre a questão.

23.                                                     Como demonstrado nos itens acima, existe divergência entre os julgados no próprio STJ e posicionamento pacífico do STF, no sentido de que pode haver acúmulo de jornada acima de 60 horas, razão pela qual não se aplica os comandos dos artigos 926[7] e 927[8] do Código de Processo Civil, em razão da inexistência de enunciados de súmulas de jurisprudência dominante ou mesmo de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade.

24.                                                     De acordo com o que foi mencionado no item 3 deste parecer, resta enfrentarmos a questão do conceito jurídico a respeito da FAMESP (FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO MÉDICO HOSPITALAR) e suas implicações sobre os servidores públicos municipais que também são empregados desta Fundação.                                   

25.                                                     De acordo com sua página na internet[9], a FAMESP disponibiliza seu estatuto de criação, onde consta no Capítulo I – Da Denominação, Duração, Regime Jurídico, Sede e Foro, artigo 1º, Parágrafo Primeiro que:

A FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO MÉDICO HOSPITALAR – FAMESP, com prazo de duração indeterminado, é pessoa jurídica de direito privado de fins não lucrativos, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, e reger-se-á pelo presente Estatuto Social, pela Lei Federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro), por seus Regimentos Internos, e demais legislações aplicáveis.

 

Parágrafo primeiro - A FAMESP entidade de caráter beneficente de assistência social, não tem caráter político-partidário ou religioso e nem fins de lucro, tampouco subordinação ao Poder Público, tendo de outro lado, como pessoa jurídica de direito privado, personalidade e patrimônio distintos de seus dirigentes.

 

 

26.                                                     Em seu artigo 3º, o Estatuto define os objetivos da Fundação:

 

 A FAMESP tem por objetivo, atividades de utilidade pública consistentes na prestação e desenvolvimento da assistência integral à saúde no Serviço de Ambulatórios Especializados de Infectologia Domingos Alves Meira, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - e, em outras Unidades Assistenciais de Saúde sob sua gestão, por intermédio de instrumentos jurídicos, em benefício da sociedade em geral, de caráter beneficente.

 

27.                                                     Portanto, nos termos dos atos de constituição, a FAMESP foi criada de acordo de acordo com as encartadas no Código Civil, artigo 44 e 62, respectivamente.

 

 Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.

 

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de:        

I – assistência social;       

II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; 

III – educação;        

IV – saúde;       

V – segurança alimentar e nutricional;

VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;

VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;

IX – atividades religiosas; e 

X – (VETADO).       

28.                                                     Ao ser instituída como fundação, desde já fica afastada qualquer possibilidade de terminologia comparada com sociedade controlada pelo Poder Público, já que estas celebram contrato de sociedade de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica e partilha, entre si, dos resultados, conforme dispõe o artigo 981 do Código Civil, em nada se aproximando do que se entende por fundação de direito privado.

29.                                                     A FAMESP - Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar – é uma fundação privada, instituída sob a égide da legislação civil, sendo sua Escritura registrada no Cartório de Títulos e Documentos Civil de Pessoa Jurídica da comarca de Botucatu, tendo sido seu Estatuto Social aprovado pelo Ministério Público local, não havendo qualquer autorização legislativa, conforme preceitua o artigo 37, inciso XIX[10], da Constituição federal, ou mesmo Decreto Estatal regulamentador.

30.                                                     É sabido também que a FAMESP é qualificada como Organização Social, nos termos da Lei nº 9.637/98, que definiu o marco legal do terceiro setor, lei esta julgada constitucional pelo STF quando da análise da ADI 1932.

31.                                                     Quando da obtenção da qualificação de organização social de saúde pelo Estado de São Paulo, cuja publicação se deu no Diário Oficial em 28/07/2011, através do processo SS 001.0001.00973/2010, restou consignado no despacho a seguinte assertiva:

“À vista dos elementos que instruem os presentes autos, com especial destaque para a representação formulada pelo Secretário da Saúde, tendo presentes, ainda, Parecer CJ/SS nº 718/2011 às fls. 601/605, Parecer CJ/SGP n.º 27/2011, às fls. 486/498, e manifestação da CJ/SGP nº 26/2011 ás fls. 608/610, com fundamento na LC 846/98 e o disposto no Decreto nº 53.375/08, QUALIFICO a FUNDAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO TÉCNICO MÉDICO E HOSPITALAR - FAMESP entidade sem fins lucrativos, CNPJ nº 46.230.439/0001-01, como organização social da área da saúde, de modo a habilitá-la à celebração de contrato de gestão com o Estado, por intermédio da Pasta da Saúde, observadas, na oportunidade, as normas legais e regulamentares pertinentes e as recomendações contidas no referido parecer”.

32.                                                     Desta forma, a FAMESP, juridicamente, é uma entidade pertencente ao terceiro setor, termo utilizado para fazer referência ao conjunto de sociedades privadas ou associações que atuam no país sem finalidade lucrativa, sendo que atua exclusivamente na execução de atividades de utilidade pública.

33.                                                     Portanto, há que se definir que a FAMESP é uma fundação de direito privado, que atua na área da saúde, tendo a qualificação de organização social, pertencente ao terceiro setor[11] e não à Administração Pública.

34.                                                     Como dito no item 30 deste parecer, a Lei Federal nº 9.637/98 definiu o marco legal do terceiro setor e em julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal em abril de 2015, na ADI 1923/DF, declarou-se constitucional referida lei, que se aplica integralmente à FAMESP.

35.                                                     Antes de adentrarmos aos termos do julgamento da referida ação direta de inconstitucionalidade, há que se mencionar que, nos termos do artigo 102, § 2º da Constituição Federal[12], é certo que as decisões proferidas em ações diretas de inconstitucionalidade produzem eficácia contra todos de forma vinculante, tanto aos órgãos do Poder Judiciário como à administração pública direta e indireta.

36.                                                     Ou seja, a partir do momento que o Supremo Tribunal Federal entendeu ser constitucional a lei federal que define o marco legal do terceiro setor, num julgamento de eficácia erga omnes, todos os demais entes (Poder Judiciário e Administração Pública) devem, obrigatoriamente, seguir as regras ali definidas, ainda que entendam de forma diferente.

37.                                                     Em que pese os julgados apresentados pela Secretaria de Negócios Jurídicos do Município de Bauru ao fundamentar que a FAMESP deveria ser entendida como Fundação Pública para fins de acumulação de cargo – todos estes julgados oriundos da Justiça do Trabalho – a decisão do Supremo Tribunal Federal é em caminho totalmente diverso e deve ela ser observada e acatada.

38.                                                     Caso algumas cortes do Poder Judiciário insistam em entender de forma diferente do que o Supremo Tribunal Federal decidiu – o que é muito comum, principalmente na Justiça do Trabalho, notoriamente paternalista e parcial aos empregados – devem os advogados e procuradores fundamentar sua defesa de acordo com o disposto no artigo 927 do Novo Código de Processo Civil que assim dispõe:

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

 

39.                                                     Havendo insistência, caberia até mesmo uma medida jurídica interposta diretamente no Supremo Tribunal Federal, conhecida como reclamação constitucional, instrumento jurídico com status constitucional que visa preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões, prevista no artigo 102, I, “l” da Constituição Federal[13].

40.                                                     Delineadas estas questões, voltemos ao julgamento da ADI nº 1923/DF que definiu ser constitucional a lei federal que regulamenta o marco legal do terceiro setor (Lei nº 9.637/98).

41.                                                     Na ementa do mencionado julgado ficou definido que, para a contratação de empregados, não é necessária a realização de concurso público[14], o que já demonstraria a inexistência de qualquer ligação com entidade pública, obrigada pela Constituição Federal a realizar concurso público para preenchimento dos quadros de servidores, nos termos do artigo 37, II da CF.

42.                                                     No corpo do acórdão encontramos:

15. As organizações sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em suas contratações com terceiros, ao dever de licitar, o que consistiria em quebra da lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de todo o marco regulatório instituído pela Lei. Por receberem recursos públicos, bens públicos e servidores públicos, porém, seu regime jurídico tem de ser minimamente informado pela incidência do núcleo essencial dos princípios da Administração Pública (CF, art. 37, caput), dentro os quais se destaca o princípio da impessoalidade, de modo que suas contratações devem observar o disposto em regulamento próprio (Lei nº 9.637/98, art. 4º, VIII), fixando regras objetivas e impessoais para o dispêndio de recursos públicos.

 

 16. Os empregados das Organizações Sociais não são servidores públicos, mas sim empregados privados, por isso sua remuneração não deve ter base em lei (CF. art. 37, X), m as nos contratos de trabalho firmados consensualmente. Por identidade de razões, também não se aplica às Organizações Sociais a exigência de concurso público (CF, art. 37, II), mas seleção de pessoal, da mesma forma como a contratação de obras e serviços, deve ser posta em prática através de um procedimento objetivo e impessoal.

Nesse novo desafio temático, tenho que os incisos V, VII e VIII do art. 4º e o inciso II do art. 7º, ambos da Lei 9.637/98, não padecem de vício maior da inconstitucionalidade. É que as organizações sociais, ainda que eventualmente habilitadas a empregar recursos públicos, não se caracterizam jamais como parcela da Administração Pública. Seus diretores e empregados não são servidores ou empregados públicos. Consequentemente, não se lhes aplica o disposto nos incisos II e X do art. 37 da Constituição Federal. Noutras palavras, mesmo sujeitas a procedimento impessoal na seleção de empregados e na fixação dos respectivos salários, não há que se falar em concurso público, ou remuneração por lei.

43.                                                     Disse o Ministro Luiz Fux no julgamento:

As organizações sociais, como já dito, não fazem parte da Administração Pública Indireta, figurando no Terceiro Setor. Possuem, com efeito, natureza jurídica de direito privado (Lei nº 9.637/98, art. 1º, caput), sem que sequer estejam sujeitas a um vínculo de controle jurídico exercido pela Administração Pública em suas decisões. Não são, portanto, parte do conceito constitucional de Administração Pública.

Se a OS não é entidade da administração indireta, pois não se enquadra nem no conceito de empresa pública, de sociedade de economia mista, nem de fundações públicas, nem no de autarquias, já que não é de qualquer modo controlada pelo poder público, não há como incidir a regra do art. 37, II, da CF.

44.                                                     Ou seja, temos assim que o julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal é bem claro ao informar que (1) as organizações sociais são pertencentes ao terceiro setor, (2) são entidades de direito privado e (3) não fazem parte da Administração Pública indireta, razão pela qual a FAMESP deve assim ser conceituada, não havendo que se falar em acumulação de cargos públicos para as pessoas que são servidoras municipais e também empregadas desta Fundação.

45.                                                     Os servidores municipais ocupam cargos públicos, acessados através da realização do competente concurso, nos termos do artigo 37, II da Constituição Federal e são empregados da FAMESP admitidos através do competente processo seletivo, situações distintas, ainda que sigam algumas regras parecidas (impessoalidade e publicidade, por exemplo).

46.                                                     Como já dito anteriormente no início deste parecer, o que a Constituição veda é a acumulação remunerada de 2 (dois) cargos públicos, exceto para os profissionais da saúde, e quem é empregado na FAMESP tem contrato de trabalho regido pelas normas privadas, não havendo que se falar em vedação à acumulação entre o Poder Executivo e esta entidade privada, já que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a FAMESP não pertence à Administração Pública e seus empregados não são contratados através de concurso público.

47.                                                     DIANTE DE TUDO O QUE FOI EXPOSTO, passo à resposta da questão a mim submetida pelo Senhor Secretário da Saúde:

Pode haver acúmulo de cargo e emprego, de forma remunerada, acima da jornada de 60 horas semanais, para profissionais da saúde que atuam no Poder Executivo Municipal e na FAMESP? Profissionais da saúde estão autorizados a acumular cargos e/ou empregos, desde que haja compatibilidade de horários, sem qualquer necessidade de observância do limite de 60 horas semanais, já que Supremo Tribunal Federal, que detém a última palavra na interpretação das normas constitucionais tem jurisprudência sedimentada sobre o tema – e que diverge do entendimento do STJ ora trazido pela Secretaria de Administração e da Secretaria de Negócios Jurídicos.

 

 Deve a FAMESP ser considerada órgão público para fins de acumulação de cargos e empregos nos termos do artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal? Não. De acordo com o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1923/DF, por se tratar, a FAMESP, de organização social pertencente ao terceiro setor, é entidade de natureza essencialmente privada.

 

Bauru, maio de 2016.

 

RAFAEL DE ALMEIDA RIBEIRO

OAB/SP 170.693

CONSULTOR JURÍDICO E PARECERISTA EM DIREITO PÚBLICO

Sobre o autor
Rafael Almeida Ribeiro

Advogado atuante em Direito Público e Eleitoral, Secretário de Negócios Jurídicos de Itapuí (2005/2008), Presidente do Departamento de Água e Esgoto de Bauru (2009/2010), Coordenador da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/BAURU (2013/2015), Membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB/SÃO PAULO (2016/2018). Parecerista e Consultor Jurídico.

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