O ágio interno e os reflexos fiscais na interpretação do pronunciamento técnico CPC 15

23/12/2016 às 13:20
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Como fator negocial relevante, o ágio relativo à aquisição de empresas é objeto de constantes questões sobre sua legalidade na incorporação de empresas sob controle comum, também denominado ágil interno.

1.                Identificação da problemática em tela.

Como fator negocial relevante, o ágio relativo à aquisição de empresas é objeto de constantes questões sobre sua legalidade na incorporação de empresas sob controle comum, também denominado ágil interno. Destarte, emerge a problemática acerca dos reflexos do Pronunciamento Técnico CPC 15 e a aplicação do Princípio Contábil da Essência sobre a Forma na possibilidade de reconhecimento do goodwill[1] nessas operações.

Tais critérios contábeis vêm ao encontro da novel lei no 12.973/14, de 13 de maio de 2014, especialmente ao tratar do aspecto fiscal da amortização do goodwill como despesa dedutível na apuração do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ e Contribuição sobre o Lucro Líquido - CSLL.

No entanto, antes da edição da Lei 12.973/14, diversas empresas reconheceram o ágil interno e realizaram sua amortização e dedução para fins fiscais, nos moldes do Decreto-lei no 1.598/77, de 26 de dezembro de 1977.

A problemática repousa no seguinte ponto: antes da Lei no12.973/14, a interpretação prevista no Pronunciamento Contábil CPC 15 (R1) – Combinação de Negócio e no Princípio Contábil da Essência sobre a Forma referendavam a vedação ao benefício fiscal da amortização do ágil interno?

2.                Contextualização teórica

2.1.            Conceito de ágil.

Diversas empresas e indivíduos realizam a aquisição de negócios no Brasil na perspectiva de investirem em uma nova atividade comercial.

É sabidamente mais oneroso adquirir um negócio “pronto” do que apenas adquirir ativos e criar uma nova empresa. Questiona-se, então, qual é a motivação de um adquirente realizar a aquisição de um negócio? A aquisição de um negócio envolve não apenas ativos tangíveis (ex. máquinas e equipamentos), mas ativos intangíveis com alto valor negocial e, muitas vezes, difíceis de avaliar seu preço de mercado, como, por exemplo, a clientela, marcas e know how.

Assim, essa fonte de geração de caixa já é estruturada e possui atividade negocial ativa, sendo que seu conjunto de ativos combinados possuem um valor comercial muito maior do que separados. De certo, se o adquirente do negócio pretendesse estruturar toda a atividade empresarial e atingisse o estágio empresarial da companhia adquirida até a data do fechamento do negócio, certamente despenderia muito tempo e dinheiro.

Diante desse cenário, é muito difícil avaliar o valor de mercado de um negócio, podendo ser avaliado por um critério subjetivo pelo vendedor de quanto ele acredita que vale seu negócio ou, ainda, objetivo, como, por exemplo, por meio de valuation realizada por consultoria especializada.

No entanto, ao se adquirir um negócio, o valor despendido pelo adquirente não se resume apenas aos ativos tangíveis e intangíveis, mas sim no incremento no lucro pela combinação entre os negócios (negócio presente e o negócio adquirido), potencializando seus lucros ao longo dos anos.

A empresa alvo da aquisição poderá incrementar a atividade da empresa adquirente, seja por oferecer sinergia em seus produtos ou serviços ofertados, seja por expor a adquirente às novas tecnologias da empresa adquirida, dentre outras razões que não são imediatamente identificáveis para fins de atribuição de preço de aquisição do negócio.

 Deveras, o ágil pago por expectativa de rentabilidade futura, sinônimo de goodwill, pode ser definido como esse incremento no lucro da adquirente ao longo dos anos, sendo representado pela diferença entre o excedente dos ativos avaliados a mercado até o valor do preço do negócio adquirido.

A definição de ágil revela-se um ponto de discussão entre diversos estudiosos:

“Um dos pontos mais relevantes no processo de aquisição do investimento é o da forma de contabilização do ágio ou do deságio na aquisição dos investimentos. Ao se interpretar financeiramente a aquisição de um investimento, há certa polêmica entre as perspectivas de muitos contabilistas sobre o ágio. Para uns, ele é o fundo de comércio, outros o chamam de goodwill, de tempo de amortização, de teste de recuperabilidade ou dão outras denominações (...) conceituaremos o valor do ágio ou deságio simplesmente como a diferença entre valor líquido contábil e o montante negociado na transação.” (COSTA, 2012. p. 61)

Assim, o CPC 15 define ágil por expectativa de rentabilidade futura[2]:

“(...) como um ativo que representa benefícios econômicos futuros resultantes de outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente reconhecidos”. (CFC; 2006)

Neste sentido, tem-se que o ágil corresponde ao seguinte: uma empresa realiza a aquisição de outra empresa ao valor de R$ 2.000,00, mas possui o patrimônio líquido com valor justo de R$ 1.000,00, o ágil corresponde a R$ 1.000,00. Assim, a empresa adquirente deverá separar o valor do ágil do valor do investimento calculado pelo percentual do capital social aplicado sobre o patrimônio líquido determinado a valor justo da empresa adquirida.

Esse valor inicial de reconhecimento do ágil sobre expectativa de rentabilidade futura é fixado com base em um fundamento econômico que determine a expectativa de resultados projetados em exercícios futuros. Caso esta contabilização esteja incompleta no período, este valor deverá ser ajustado no período de mensuração (até um ano) e alinhado por teste de impairment (valor recuperável de ativos – CPC 01)[3], retroagindo à data da aquisição.

Para fins contábeis, o CPC 15 impõe alteração relevante acerca do ágio por expectativa de rentabilidade futura, refutando sua amortização, já que deverá compor a subconta dos investimentos em coligadas ou controladas (inclusive controladas em conjunto) até́ a baixa do investimento por perda do controle, alienação ou ajustes pelo impairment[4]:

“A partir da adoção de normas contábeis brasileiras convergentes com as normas internacionais, o ágio por expectativa de rentabilidade futura – goodwill – não pode mais ser amortizado, devendo simplesmente permanecer como subconta dos investimentos em coligadas ou controladas (inclusive controladas em conjunto) até́ a baixa do investimento por perda do controle ou da influência, como quando da alienação total ou parcial do investimento, ou ainda pelo reconhecimento de perdas por impairment. Vale lembrar que, na perspectiva das demonstrações individuais do investidor, o que está sujeito ao teste de recuperabilidade é o investimento como um todo (no caso das coligadas e controladas em conjunto) e não o valor específico do goodwill (apesar de que, em havendo perdas, a subconta do goodwill é que será primeiramente baixada). Já no caso de goodwill por investimento em controlada, ele tambémnão é mais amortizado, mas o teste de impairment é feito de maneira isolada, sobre ele especificamente. Para isso consultar o capítulo sobre Recuperabilidade de Ativos. Lembrar que o goodwill, nos balanços individuais da controladora, também é apresentado dentro de Investimentos, e não no Ativo Intangível. Afinal, o goodwill é da investida, da controlada, e não da controladora. Para esta, trata‐se de um investimento. A subdivisão na sua conta de Investimentos é tão somente para controle interno”. (CFC, 2006)

O efeito do ágil para fins fiscais é a sua amortização ao longo do tempo,sendo condicionadas à elaboração e tempestivo protocolo do laudo de avaliação dos ativos e limitadas à sua fundamentação econômica[5]:

“Segundo o mesmo artigo, a pessoa jurídica que absorver o patrimônio da outra “poderá́ amortizar o valor do ágio fundamentado por expectativa de rentabilidade futura nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração’’ (inciso III). (...) Lembre que essa amortização não é permitida para fins contábeis (o goodwill não é amortizável, mas é sujeito à redução pelo reconhecimento de perdas por redução do investimento ao seu valor recuperável, e o ganho por compra vantajosa é reconhecido imediatamente no resultado).

Para fins fiscais, o “ágio” que tiver sido fundamentado por fundo de comércio, intangíveis ou outra razão econômica continua não sujeito a amortização (inciso II), mas ele pode ser baixado como perda no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de comércio ou intangível que lhe deu causa (§ 3o, II); a não ser e em situações especiais como as discutidas no Capítulo sobre Consolidação. Mas é bom atentar que essa disposição fiscal não faz o mínimo sentido, já que não existem essas situações: fundo de comércio, se entendido como goodwill, tem seu tratamento próprio já discutido, e se entendido como fundo empresarial, tem seus ativos já computados na mais ou menos valia; os intangíveis já estão abrangidos na figura da mais ou menos valia; finalmente, “outra razão econômica” é figura de ficção, já que só́ há duas razões para pagamento de valor maior do que o patrimonial contábil: mais‐valia de ativos líquidos ou expectativa de rentabilidade futura (no caso de pagamento por valor menor: menos valia de ativos líquidos ou compra vantajosa).”(Martins et al., 2012)

2.2.            A amortização do ágil por expectativa de rentabilidade futura para fins fiscais.

Em um cenário de incentivo à aquisição de empresas em razão de privatizações, o Governo Federal buscou promover o interesse de empresas pela aquisição de novos negócios. Assim, surgiu a perspectiva de criar a possibilidade de deduzir do lucro tributável pelo Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas e Contribuição sobre o Lucro Líquido a amortização do ágil, com fundamento no art. 20 do Decreto-lei no 1.598/77 combinado com o art. 7º da lei no 9.532/97, a seguir transcritos em sua redação original:

“Art 20 - O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:

I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e

II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I.

(...)

§ 2º - O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico:     

a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;      

b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros;

c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.      

§ 3º - O lançamento com os fundamentos de que tratam as letras a e b do § 2º deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração”. (Brasil, 1977)

“Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977

(...)

III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2° do art. 20 do Decreto-lei n° 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; (Brasil, 1997)

O instituto do ágio, não obstante sua definição contábil como sendo uma parcela do custo de aquisição do investimento decorrente de valores existentes no patrimônio da investida não contabilizados, possui um conceito próprio trazido pela legislação tributária através do artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77 (reproduzido no artigo 385 do Decreto nº 3.000/99, denominado Regulamento do Imposto de Renda), que o define como sendo a diferença entre o custo de aquisição de investimento realizado em sociedade coligada ou controlada[6], avaliado pelo método da equivalência patrimonial, e o valor do patrimônio líquido contábil da investida.

Vale destacar que, em que pese o dispositivo mencionar investimentos em empresas coligadas ou controladas, não há nenhuma restrição, na legislação do imposto de renda, a que uma pessoa jurídica adquira participação societária em outra pessoa jurídica com pagamento de ágio por rentabilidade futura, sendo sua utilização condicionada à norma tributária.

Conforme mencionado acima, a própria legislação tributária pretérita definiu um conceito para o ágio, adicionalmente a isso, também disciplinou o seu tratamento, que, em regra, consiste na demonstração do ágio com base no desdobramento do custo de aquisição do investimento (artigo 385 do RIR/99) em:

i) valor de patrimônio líquido na época da aquisição determinado de acordo com o disposto no artigo 387 do RIR/99, ou seja, com base em balanço patrimonial ou balancete de verificação levantado na mesma data do balanço; e

ii) ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor do patrimônio líquido.

Outro aspecto a se avaliar consiste no fato de que o ágio deve ser registrado com base no fundamento econômico de sua origem, que, conforme disposto no §2º do artigo 385 do RIR/99, pode decorrer de três fatores:

i) valor de mercado de bens do ativo, superior ou inferior do valor registrado na contabilidade;

ii) valor da rentabilidade com base na previsão de resultados futuros;

iii) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.

Com isso, a empresa que adquiriu outra empresa mediante o pagamento de ágio, deveria segregar o seu custo de aquisição com base no valor do patrimônio líquido da investida e o ágio conforme seu fundamento econômico que deve estar devidamente respaldado em laudo de avaliação.

Importante lembrar que pelas denominadas novas regras contábeis brasileiras, determinadas pela Lei 11.638/07, baseadas nas normas do International Financial Reporting Standards - IFRS, o ágio deve ser calculado de forma diferente. Segundo o CPC 15, o excesso do valor pago pela aquisição em relação ao Patrimônio Líquido da adquirida deverá ser atribuído inicialmente aos ativos identificáveis adquiridos e passivos assumidos.

Ademais, segundo o novo regramento contábil, o ágio calculado na forma acima deverá estar sujeito ao teste de impairment. No entanto, as regras acima não eram aplicáveis ao cálculo do Imposto de Renda até o advento da Lei 12.973/14. Desde 2008, nos termos da Lei 11.941/09, vigorava o Regime Tributário Transitório (RTT) que obrigava o contribuinte a não se utilizar das novas regras contábeis para o cálculo do IRPJ e CSLL.

Considerando a alteração da legislação fiscal para vir ao encontro das normas contábeis internacionais referendadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, a regra prevista no Decreto-lei no 1.598/77 sofreu importante alteração pela lei no 12.973/2014, alinhando o conceito de goodwill ao disciplinamento normativo do CPC 15, como se segue:

“Art. 20.  O contribuinte que avaliar investimento pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:

I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e

II - mais ou menos-valia, que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor de que trata o inciso I do caput; e       

III - ágio por rentabilidade futura (goodwill), que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores de que tratam os incisos I e II do caput.       

§ 1o  Os valores de que tratam os incisos I a III do caput serão registrados em subcontas distintas.       

§ 3o  O valor de que trata o inciso II do caput deverá ser baseado em laudo elaborado por perito independente que deverá ser protocolado na Secretaria da Receita Federal do Brasil ou cujo sumário deverá ser registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos, até o último dia útil do 13o (décimo terceiro) mês subsequente ao da aquisição da participação.”(Brasil, 2014)

Sendo assim, para fins fiscais, antes da edição da lei no12.973/14, as operações efetivadas até então de amortização de ágio interno poderiam ser atribuídas à rentabilidade futura sem considerar os ativos identificáveis e passivos assumidos.

A amortização do ágil deverá ocorrer no prazo, extensão e proporção dos resultados projetados, ou pela alienação ou perecimento do investimento, conforme disciplina a Instrução CVM 247/96, alterada pela 285/98, artigo 14, §2º, alínea “a”. Em regra, o ágio é amortizado quando da realização do investimento através de incorporação, fusão ou cisão.

Neste sentido, é o artigo 386 do RIR/99, in verbis:

Art. 386. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no artigo anterior (Lei nº 9.532, de 1997, art. 7º, e Lei nº 9.718, de 1998, art. 10):

I - deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso I do § 2º do artigo anterior, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;

II - deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso III do § 2º do artigo anterior, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;

III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;

IV - deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados durante os cinco anos-calendário subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no mínimo, para cada mês do período de apuração. (Brasil, 1999)

Assim, fica muito claro que a regra mais ampla da redação original do Decreto-lei no 1.598/77 possibilitava uma maior abrangência de ágil para fins de amortização e redução da tributação.

Utilizando-se do exemplo do item 4.3.1, segue uma comparação entre a regra anterior (Decreto-lei) e a regra nova (Lei no 12.973/14 e CPC 15):

Regra Antiga

Regra nova

Preço de aquisição

R$ 2.000,00

R$ 2.000,00

Patrimônio líquido

R$ 500,00

R$ 500,00

Mais valia dos ativos

-

R$ 500,00

Goodwill

R$ 1.500,0

R$ 1.000,00

No entanto, essa alteração não é a única veiculada pela Lei no 12.973/14 que impactou significativamente na amortização do ágil para fins fiscais.

Muito se discutiu acerca da possibilidade de amortização do goodwill em caso de empresas do mesmo grupo econômico, as quais incorporavam empresas relacionadas e se valiam do benefício fiscal acima. Tal embate repousou na questão da ausência de substrato econômico na operação, ou seja, a operação apenas ocorria para que se pudesse utilizar a benesse fiscal descrita no art. 7º da Lei no 9.532/97, sem que houvesse qualquer justificativa econômica na operação a não ser a fruição do benefício fiscal.

O ágio interno, também conhecido como “ágio em si mesmo”, é aquele que decorre de operações entre empresas do mesmo grupo econômico (grupo de empresas sob controle comum ou partes relacionadas).

Configura-se, por exemplo, quando uma empresa, depois de passar por reorganizações societárias passa a amortizar o ágio que foi pago em virtude de sua própria aquisição. Para melhor ilustrar tal instituto, apresenta-se típica operação de ágio gerado internamente:

1. Situação que envolve três polos: acionistas “A”, empresa “B” e empresa “C”;

2. Os acionistas “A” controlam a empresa “B” e resolvem constituir a empresa “C”;

3. Em operação de aumento de capital, os acionistas “A” subscrevem participação na empresa “C” com ações da empresa “B”, sendo que, em razão de tal subscrição, houve contabilização de ágio em “C”.

4. A empresa “C” é incorporada pela empresa “B”, operacional, levando o ágio para a empresa “B”.

Nesses casos, não existe uma aquisição de empresa estranha ao grupo econômico, mas sim a geração de ágil “artificial”.

Diversas foram as manifestações fazendárias no sentido de vedar a fruição do benefício fiscal nessas condições[7], mas tangenciavam em um difícil argumento em favor dos contribuintes: o Decreto-lei no 1.598/77[8], em nenhum momento, restringiu a fruição do benefício às empresas que possuíam controle comum.

No entanto, o Pronunciamento Contábil CPC 15 já indicava que a posição dos contribuintes não era legítima acerca da possibilidade de reconhecer o goodwill na combinação de negócios sob o mesmo controle, o qual será melhor analisado no item seguinte.

A fim de pacificar a questão, lei no 12.973/14 alterou o Decreto-lei no 1.598/77 no sentido de vedar expressamente a fruição do benefício entre aquisição de partes dependentes:

“Art. 20.  Nos casos de incorporação, fusão ou cisão, o saldo existente na contabilidade, na data da aquisição da participação societária, referente à mais-valia de que trata o inciso II do caput do art. 20 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes, poderá ser considerado como integrante do custo do bem ou direito que lhe deu causa, para efeito de determinação de ganho ou perda de capital e do cômputo da depreciação, amortização ou exaustão.

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§ 1o  Se o bem ou direito que deu causa ao valor de que trata o caput não houver sido transferido, na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora, esta poderá, para efeitos de apuração do lucro real, deduzir a referida importância em quotas fixas mensais e no prazo mínimo de 5 (cinco) anos contados da data do evento.

Art. 25.  Para fins do disposto nos arts. 20 e 22, consideram-se partes dependentes quando:       

I - o adquirente e o alienante são controlados, direta ou indiretamente, pela mesma parte ou partes;

II - existir relação de controle entre o adquirente e o alienante;

III - o alienante for sócio, titular, conselheiro ou administrador da pessoa jurídica adquirente;

IV - o alienante for parente ou afim até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro das pessoas relacionadas no inciso III; ou

V - em decorrência de outras relações não descritas nos incisos I a IV, em que fique comprovada a dependência societária.

Parágrafo único.  No caso de participação societária adquirida em estágios, a relação de dependência entre o(s) alienante(s) e o(s) adquirente(s) de que trata este artigo deve ser verificada no ato da primeira aquisição, desde que as condições do negócio estejam previstas no instrumento negocial.

Art. 37.  No caso de aquisição de controle de outra empresa na qual se detinha participação societária anterior, o contribuinte deve observar as seguintes disposições:

(...)

§ 3o  Deverão ser contabilizadas em subcontas distintas:

I - a mais ou menos-valia e o ágio por rentabilidade futura (goodwill) relativos à participação societária anterior, existente antes da aquisição do controle; e

Art. 38.  Na hipótese tratada no art. 37, caso ocorra incorporação, fusão ou cisão:       

(...)

III - não poderá ser excluída na apuração do lucro real a variação do ágio por rentabilidade futura (goodwill) de que trata o inciso II do § 3o do art. 37.

Parágrafo único.  Excetuadas as hipóteses previstas nos incisos II e III do caput, aplica-se ao saldo existente na contabilidade, na data da aquisição da participação societária, referente a mais ou menos-valia e ao ágio por rentabilidade futura (goodwill) de que tratam os incisos II e III do caput do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, o disposto nos arts. 20 a 22 da presente Lei”. (negrito não presente no original) (Brasil, 2014)

Considerando o referido benefício fiscal, em uma combinação de negócios sob o mesmo controle, anterior à lei no 12.973/14, surge a questão central do presente estudo. Como será abaixo indicado, os efeitos da amortização para fins fiscais também era vedada pelo disciplinamento normativo vigente.

2.3.            O Pronunciamento CPC 15 e o Princípio da Essência sobre a Forma.

A Lei no 9.532/97 define a possibilidade de fruição do benefício fiscal decorre da possibilidade de incorporação de uma empresa por outra que foi adquirida com ágil:

“Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977

(...)

III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2° do art. 20 do Decreto-lei n° 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; (grifo não consta no original) (Brasil, 1997)

O conceito de absorção de uma empresa pela outra empresa deve ser perseguido para aplicação do dispositivo retro com fundamento nos conceitos disponíveis aos contribuintes. Nesse sentido, faz-se necessário entender como é definida a combinação de negócios pela normações disponíveis antes da lei no 12.963/14.

O Pronunciamento Técnico CPC 15, pela definição de combinação de negócios, apresenta a ideia de troca em que se faz jus o pagamento ou retribuição para a aquisição do negócio: “Combinação de negócio é uma operação ou outro evento por meio do qual um adquirente obtém o controle de um ou mais negócios.”

Para reconhecimento da combinação de negócios, mister se faz identificar os seguintes requisitos:

“(a) identificação do adquirente; (b) determinação da data de aquisição; (c) reconhecimento e mensuração dos ativos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e das participações societárias de não controladores na adquirida; e (d) reconhecimento e mensuração do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa”. (CFC, 2009)

Deteve-se maior análise, no presente estudo, nos itens “c” e “d” acima. Porém, primeiramente, necessário se faz contextualizar o que vem a ser negócios para incluir o ágil nesta problemática acima exposta.

A CPC 15 define que a combinação de negócios é a aquisição de controle de um ou mais negócios mediante o pagamento em dinheiro, assunção de passivos ou emissão de ações ou contrato independente. Destarte, determina que a combinação de negócios ocorre apenas na hipótese de aquisição de um negócio e não de simples ativos.

O CPC 15 determina que o adquirente deve identificar e reconhecer os ativos identificáveis adquiridos individualmente, incluindo aqueles que atendam à definição de ativo intangível e o critério para seu reconhecimento de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 04 – Ativo Intangível, e os passivos assumidos. O custo do grupo deve ser alocado individualmente aos ativos identificáveis e aos passivos que o compõem com base em seus respectivos valores justos na data da compra. Como fator relevante ao presente estudo, as operações e eventos desse tipo não geram ágio por expectativa de rentabilidade futura[9].

Para se entender como negócio objeto desta normação,o CPC 15 assim delimita:

“(...) conjunto integrado de atividades e ativos capaz de ser conduzido e gerenciado para gerar retorno, na forma de dividendos, redução de custos ou outros benefícios econômicos, diretamente a seus investidores ou outros proprietários, membros ou participantes” (CFC, 2009).

Nesse sentido, a definição indicada não limita ao conceito corrente de empresa, já que não exige a formalização como uma entidade, mas unidade de negócio capaz de gerar caixa.

Para tanto, não é necessário apenas analisar a mudança de controle (aquisição), mas também que este negócio seja realizado entre partes independentes:

“Este Pronunciamento é aplicável às operações ou a outros eventos que atendam à definição de combinação de negócios. Este Pronunciamento não se aplica:

(...)

(c) em combinação de entidades ou negócios sob controle comum (os itens B1 a B4 contêm orientações adicionais)”. (grifo não consta no original)

Para normatizar a questão, o Apêndice B – Guia de Aplicação do Pronunciamento bem delimita a questão do controle comum:

“B1. Este Pronunciamento não se aplica a combinação de negócios de entidades ou negócios sob controle comum. A combinação de negócios envolvendo entidades ou negócios sob controle comum é uma combinação de negócios em que todas as entidades ou negócios da combinação são controlados pela mesma parte ou partes, antes e depois da combinação de negócios, e esse controle não é transitório.

B2. Um grupo de indivíduos deve ser considerado como controlador de uma entidade quando, pelo resultado de acordo contratual, eles coletivamente têm o poder para governar suas políticas financeiras e operacionais de forma a obter os benefícios de suas atividades. Portanto, uma combinação de negócios está fora do alcance deste Pronunciamento quando o mesmo grupo de indivíduos tem, pelo resultado de acordo contratual, o poder coletivo final para governar as políticas financeiras e operacionais de cada uma das entidades da combinação de forma a obter os benefícios de suas atividades, e esse poder coletivo final não é transitório.

B3. A entidade pode ser controlada por um indivíduo ou grupo de indivíduos agindo em conjunto sob acordo contratual e esse indivíduo ou grupo de indivíduos pode não estar obrigado às exigências de divulgação de demonstrações contábeis nos padrões do CPC. Portanto, nesse caso, não é necessário que as entidades da combinação sejam incluídas no mesmo conjunto de demonstrações contábeis consolidadas para uma combinação de negócios ser considerada como envolvendo entidades sob controle comum.

B4. A extensão da participação de não controladores em cada entidade da combinação, antes ou depois da combinação de negócios, não é relevante para determinar se a combinação envolve entidades sob controle comum. Da mesma forma, não é relevante para determinar se uma combinação envolve entidades sob controle comum o fato de uma das entidades da combinação ser uma controlada e ter sido excluída das demonstrações contábeis consolidadas.”

Veja que tal comando é repetido em outros pontos do Pronunciamento, conforme a seguir indicado: “Neste Pronunciamento, o termo abrange também as fusões que se dão entre partes independentes (inclusive as conhecidas por true mergers ou merger of equals)”.

Não há dúvida que é elemento vital para a combinação de negócios que as partes sejam independentes entre si, sendo que o controle desempenhado pelas partes não imponha as condições negociais para concretização da operação.

No Manual de Contabilidade Societária de Martins, Gelbcke, Santos e Iudícibus, 2012, a essência econômica sobre a operação entre grupos econômicos é levada em conta para que não ocorra distorções, inclusive na consolidação das demonstrações contábeis:

“Considerando a essência econômica da operação, em verdade, a mudança na base de avaliação dos ativos e passivos da entidade combinada só́ se justifica cabalmente quando da alteração do bloco de controle acionário (alteração do controlador), envolvendo arranjos negociados entre partes independentes. Tal constatação é facilmente percebida pela análise de demonstrações contábeis consolidadas. Incorporar, fundir ou cindir formalmente sociedades cujo controle antes e depois da operação permanece com a mesma entidade e não promove alteração nas demonstrações contábeis consolidadas".

Se o controle é o “poder coletivo final para governar as políticas financeiras e operacionais de cada uma das entidades da combinação de forma a obter os benefícios de suas atividades”, fica evidente que um grupo econômico formado por empresas controladas por uma mesma empresa ou, inclusive, grupo familiar (“indivíduo ou grupo de indivíduos agindo em conjunto sob acordo contratual”) não estaria contemplada no arcabouço da combinação de negócios e seus efeitos perante o reconhecimento do ágil.

A definição de controle é próxima daquela prevista na Lei no 6.404/1976, como se observa abaixo:

“Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício.

§ 1º São coligadas as sociedades quando uma participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.

§ 1o São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa.

§ 1o São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)

§ 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

(...)

§ 5o É presumida influência significativa quando a investidora for titular de vinte por cento ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la. (Incluído pela Medida Provisória nº 449, de 2008)

§ 4º Considera-se que há influência significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

§ 5o É presumida influência significativa quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la”. (Brasil, 1976)

Embora não aplicável ao caso, mas possui importante conceito de controle, o CPC 36 também reputa a influência do controle na seguinte hipótese: “controla a investida quando está exposto a, ou tem direito sobre, retornos variáveis decorrentes de seu envolvimento com a investida e tem a capacidade de afetar esses retornos por meio de seu poder sobre a investida”.

Após definir que as partes são independentes na operação de aquisição, bem como a operação seja efetivamente a aquisição de um negócio e o conceito de combinação de negócios é atendido ao caso concreto, o CPC 15 possibilita o reconhecimento do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill).

Por outro lado, a criação de instrumentos societários para o simples fim de criar o ágil interno também fere o Princípio da Essência sobre a forma. Isso porque é expediente de alguns contribuintes a criação de atos societários com o simples fim de gerar um ágil que efetivamente não possui substrato econômico, com dispêndio de recursos e previsão de ganho.

O Princípio da Essência sobre a Forma propõe valorizar a essência de cada operação ao invés do que está formalizado em contratos e documentos fiscais.

Não é outro senão o entendimento de Martins, Gelbcke, Santos e Iudícibus no “Manual de Contabilidade Societária”, os quais defendem que o profissional contábil a análise da situação econômica efetiva e busca pela demonstração fidedigna da operação, não se restringindo à sua formalização:

“São baseadas na Prevalência da Essência sobre a Forma: isso significa que, antes de qualquer procedimento, o profissional que contabiliza, bem como o que audita, devem, antes de mais nada, conhecer muito bem a operação a ser contabilizada e as circunstâncias que a cercam. Assim, não basta simplesmente contabilizar o que está́ escrito. É necessário ter certeza de que o documento formal represente, de fato, a essência econômica dos fatos sendo registrados.Assim, se a empresa está vendendo um imóvel para alguém, comprometendo‐se a alugá‐lo e recomprá‐lo daqui a quatro anos, quando o empréstimo estiver pago, é necessário analisar e verificar se, ao invés de uma venda, um contrato de aluguel e uma recompra, o que está́ ocorrendo, na verdade, não é uma operação de empréstimo em que o imóvel esteja sendo dado como garantia. Com isso, o registro contábil deverá seguir a essência, e não a forma, se esta não representar bem a realidade da operação.No Brasil tínhamos, praticamente, antes dessa mudança legislativa, uma única situação em que isso era de fato praticado. (...) A consolidação de balanços é também uma forma de prevalência da essência sobre a forma, provavelmente a experiência mais antiga da Contabilidade: juntam‐se os balanços e produz‐se uma informação como se as várias entidades, controladora e controladas, fossem uma só́; representa‐se a entidade econômica, e não a entidade jurídica. E é tão relevante essa informação (a consolidada) que somente ela é, basicamente, a utilizada no mercado financeiro mundial hoje em dia. No caso dos norte‐americanos, é a única informação disponibilizada publicamente. (...) Esse conceito fundamental tem, é claro, seus problemas, porque exige do profissional conhecimentos de gestão, de economia, de direito, de negócios em geral, da empresa, das transações que ela pratica, da terminologia envolvida etc. Por isso precisa ele estar sempre atualizado e cercando‐se de cuida‐ dos para obter todo o conhecimento necessário. E exige dele também julgamento, bom senso, e coragem de representar a realidade, o que é sua obrigação mais importante, por sinal. Essência sobre a forma não significa arbitrariedade a qualquer gosto, disponibilidade para fazer o que se acha deva ser feito etc. É preciso muito cautela, julgamento e bom senso, mas também é preciso que se registre, e bem claramente, todas as razões pelas quais chegou‐se à conclusão de que a essência não está́ bem representada formalmente”.

Portanto, se a operação não está representada fidedignamente, o interprete daquele dado não poderá estar adstrito ao documento societário ou laudo de avaliação para registrar o ágil sobre rentabilidade futura.

O que é mister ao reconhecimento do fato perante as demonstrações financeiras é relativizar a forma, como, por exemplo, os efeitos da incorporação de pessoa jurídica que já possuiu mesmo controle societário, a fim de se buscar a essência da operação (inexistência de fundamento econômico que demonstre a regularidade do ágil sobre rentabilidade futura).

Ademais, como será visto abaixo, a utilização de “empresa veículos” e “incorporações sem justificativa econômica ou negocial” não podem ser analisadas apenas pela forma de suas operações, mas sim se efetivamente atendem ao disciplinamento normativo vigente à época da operação para fins de atendimento do benefício fiscal.

Deveras, numa primeira análise, é possível sustentar que há possibilidade de aproveitamento do ágio interno em razão da incorporação apenas com fundamento na legislação fiscal, mas todo o arcabouço normativo do CPC 15 e o princípio em referência vedam tal interpretação.

Assim, a Receita Federal do Brasil, ao perceber que muitos contribuintes começaram a se valer de operações societárias sem justificativa econômica visando exclusivamente economia tributária através da geração de ágio, começou a ser mais rigorosa em suas fiscalizações, glosando a despesa de ágio sobre diversos argumentos.

2.4.            O entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais sobre o tema.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF[10] não tem sido unânime em seus julgados sobre o assunto, ora reconhecendo os argumentos dos agentes fiscais da Receita Federal, ora os argumentos dos Contribuintes.

A legislação tributária brasileira vigente à época dos fatos não veda a dedutibilidade de despesas com amortização de ágio interno. No entanto, as autoridades fiscais não admitem esse tipo de operação, negando-lhe os efeitos fiscais (a dedutibilidade dos valores correspondentes à amortização do ágio fundamentado em rentabilidade futura).

A questão da possibilidade de dedutibilidade de despesas de amortização de ágio criado internamente entre empresas do mesmo grupo econômico foi analisada em julgamento do CARF, do ano de 2012 (Processo 11065.002149/2009-31).

Na oportunidade, o colegiado entendeu ser indevida a dedutibilidade de despesas com amortização de ágio interno decorrente de operação de incorporação entre empresas do mesmo grupo econômico. O tribunal administrativo concluiu que a “criação de ágio por meio de reorganização societária entre empresas do mesmo grupo econômico, pautada em fortes indícios, além de prova direta da ocorrência de simulação revela-se artificial e não gera direito à dedução das respectivas despesas de amortização”.

No caso, a fiscalização desconsiderou as operações societárias realizadas pelo contribuinte, alegando tratar-se de operações simuladas e realizadas com o único intuito de reduzir os valores de IRPJ e CSLL a pagar.

Segundo este julgado, a vontade real das duas empresas envolvidas na operação era a fusão, que poderia ter sido feita por meio de um único ato societário, mas que, ao invés disso, por vislumbrar a possibilidade de “gerar” internamente ágio e, posteriormente, utilizar a amortização deste “ágio” para reduzir o seu resultado fiscal, a forma jurídica utilizada foi outra, criando-se diversos eventos societários distintos. Nesse sentido:

“Antes de iniciar sua atividade operacional, a CAIMI & LIASON “incorpora” a CAIMI BRASIL e a LIAISON, passando a desenvolver as atividades que anteriormente eram desenvolvidas por estas, evidenciado que o resultado pretendido sempre foi a fusão destas duas empresas. (...) Esta foi, portanto, a vontade aparente, materializada por intermédio dos eventos societários acima explicitados. Economicamente existiu uma única operação: a fusão das duas empresas. Mas, por vislumbrar vantagem fiscal, foram utilizadas formas jurídicas desconexas da realidade econômica com o propósito de alcançar a vantagem fiscal pretendida: a amortização do “ágio”. (CARF, 2009)

Em seu voto, a conselheira relatora destacou como fundamento o item 50 da Orientação técnica CPC nº 02/2008 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) segundo o qual:

(...) só pode ser reconhecido o ativo intangível ágio por expectativa de rentabilidade futura se adquirido de terceiros, nunca o gerado pela própria entidade (ou mesmo conjunto de empresas sob controle comum). E o adquirido de terceiros só pode ser reconhecido, no Brasil, pelo custo, vedada completamente sua reavaliação.(CARF, 2009)

E, ainda, ressaltou:

“a necessidade de uma aquisição onerosa de terceiros para formação do ágio deve ser considerada no exame das operações de reorganização societária, para fins de incidência tributária, já que tais operações podem ser utilizadas como instrumento de planejamento tributário, desde que demonstrem os fundamentos econômicos da operação (benefícios operacionais), o que não ocorre quando se adquire de partes interligadas. Por lhe faltar fundamentação econômica, a reestruturação entre empresas do mesmo grupo econômico, engendrada com o objetivo de reduzir a tributação, não pode ser oponível ao Fisco, como é o caso dos autos”.(CARF, 2009)

De forma diferente decidiu o tribunal administrativo no processo 11080.723702/2010-19 (Caso Gerdau) que autorizou a dedutibilidade de despesas com amortização de ágio gerado internamente.

No caso, a fiscalização considerou indedutíveis os valores correspondentes a ágio decorrente de operações de reorganização societária (subscrição de capital, incorporação e cisão) entre empresas do mesmo grupo econômico. Dentre os fundamentos para o posicionamento adotado pela fiscalização destacam-se:

a) O ágio foi questionado no sentido de que somente pode ser aproveitado para fins fiscais se decorrer de operações entre pessoas independentes e em casos em que há efetivo pagamento pela aquisição do investimento. Nesse sentido argumentou a fiscalização:

“Para a caracterização do ágio é necessário que haja dispêndio para obter algo de terceiros. A operação surge da vontade das partes independentes, que, no interesse comum, estabelecem um preço que reflita o valor real do investimento, baseado em fundamentos econômicos que demonstrem não estar plenamente representado na contabilidade da investida o seu valor justo. (...) Na geração do ágio amortizado pela fiscalizada não há partes independentes, mas somente pessoas jurídicas pertencentes ao mesmo grupo econômico, sob controle comum. A operação não redundou em ingresso de novos recursos, porque não teve origem em pagamento algum efetuado pela expectativa de resultado futuro.” (CARF, 2010)

b) Argumentou-se, ainda, que, do ponto de vista contábil, o ágio somente poderia existir na seguinte hipótese:

 “(...) quando estiverem envolvidas partes independentes não relacionadas, ou seja, quando o ágio for resultado de um processo de barganha negocial não viciado, que concorra para a formação de um preço justo dos ativos líquidos em apreço. (...) à luz da teoria da contabilidade é inadmissível o surgimento de ágio em uma operação realizada dentro de um mesmo grupo econômico”.(CARF, 2010)

c) Utilizou-se como fundamento o Ofício Circular CVM SNC/SEP nº 01/2007 segundo o qual é inadmissível o reconhecimento de ágio interno:

 “Em nosso entendimento, ainda que essas operações atendam integralmente os requisitos societários, do ponto de vista econômico-contábil é preciso esclarecer que o ágio surge, única e exclusivamente, quando o preço (custo) pago pela aquisição ou subscrição de um investimento a ser avaliado pelo método da equivalência patrimonial, supera o valor patrimonial desse investimento. E mais, preço ou custo de aquisição somente surge quando há dispêndio para se obter algo de terceiros. Assim, não há, do ponto de vista econômico, geração de riqueza decorrente de transação consigo mesmo. Qualquer argumento que não se fundamente nessas assertivas econômicas configura sofisma formal, e portanto, inadmissível. Não é concebível, econômica e contabilmente, o reconhecimento de acréscimo de riqueza em decorrência de uma transação dos acionistas com eles próprios”.(CARF, 2010)

Apesar dos argumentos da fiscalização, o CARF decidiu que as determinações existentes na esfera contábil quanto ao ágio interno não se aplicam para se determinar seus efeitos fiscais. Nesse sentido:

“Como visto, é a legislação tributária que define os efeitos tributários. No caso do ágio, é a legislação tributária (e não orientações de cunho contábil) que define os efeitos da subscrição e integralização que "A" faz em "C" com as ações que tem de "B", que do ponto de vista de "C" significa a aquisição das ações de "B. (...) Vale destacar que não existe nenhuma restrição na legislação fiscal operações dentro do grupo, de sorte que a alegação de que operações dentro do grupo não tem fundamento econômico viola a lei.”(CARF, 2010)

Segue, abaixo, a ementa do processo analisado:

“ÁGIO. REQUISITOS DO ÁGIO. O art. 20 do Decreto-Lei n° 1.598, de 1997, retratado no art. 385 do RIR/1999, estabelece a definição de ágio e os requisitos do ágio, para fins fiscais. O ágio é a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor patrimonial das ações adquiridas. Os requisitos são a aquisição de participação societária e o fundamento econômico do valor de aquisição. Fundamento econômico do ágio é a razão de ser da mais valia sobre o valor patrimonial. A legislação fiscal prevê as formas como este fundamento econômico pode ser expresso (valor de mercado, rentabilidade futura, e outras razões) e como deve ser determinado e documentado.  ÁGIO INTERNO. A circunstancia da operação ser praticada por empresas do mesmo grupo econômico não descaracteriza o ágio, cujos efeitos fiscais decorrem da legislação fiscal. A distinção entre ágio surgido em operação entre empresas do grupo (denominado de ágio interno) e aquele surgido em operações entre empresas sem vinculo, não é relevante para fins fiscais.ÁGIO INTERNO. INCORPORAÇÃO REVERSA. AMORTIZAÇÃO. Para fins fiscais, o ágio decorrente de operações com empresas do mesmo grupo (dito ágio interno), não difere em nada do ágio que surge em operações entre empresas sem vinculo. Ocorrendo a incorporação reversa, o ágio poderá ser amortizado nos termos previstos nos arts. 7° e 8° da Lei n° 9.532, de 1997. (...) ART. 109 CTN. ÁGIO. ÁGIO INTERNO. É a legislação tributária que define os efeitos fiscais. As distinções de natureza contábil (feitas apenas para fins contábeis) não produzem efeitos fiscais. O fato de não ser considerado adequada a contabilização de ágio, surgido em operação com empresas do mesmo grupo, não afeta o registro do ágio para fins fiscais. DIREITO TRIBUTÁRIO. ABUSO DE DIREITO. LANÇAMENTO. Não há base no sistema jurídico brasileiro para o Fisco afastar a incidência legal, sob a alegação de entender estar havendo abuso de direito. O conceito de abuso de direito é louvável e aplicado pela Justiça para solução de alguns litígios. Não existe previsão do Fisco utilizar tal conceito para efetuar lançamentos de oficio, ao menos até os dias atuais. O lançamento é vinculado a lei, que não pode ser afastada sob alegações subjetivas de abuso de direito. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. ELISÃO. EVASÃO. Em direito tributário não existe o menor problema em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação). ELISÃO. Desde que o contribuinte atue conforme a lei, ele pode fazer seu planejamento tributário para reduzir sua carga tributária. O fato de sua conduta ser intencional (artificial), não traz qualquer vicio. Estranho seria supor que as pessoas só pudessem buscar economia tributária licita se agissem de modo casual, ou que o efeito tributário fosse acidental. SEGURANÇA JURÍDICA. A previsibilidade da tributação é um dos seus aspectos fundamentais.”(CARF, 2010)

No entanto, referido posicionamento gerou muita polêmica entre contadores e demais profissionais da área tributária, de tal sorte que ocorreu uma investigação criminal pela Polícia Federal, denominada Operação Zelotes.

Após a paralisação do CARF em razão da operação citada, este órgão já julgou um caso análogo sobre ágio interno. Para a maioria dos conselheiros, é irregular aproveitar o ágio advindo de operações entre empresas do mesmo grupo econômico.

O processo 16643.000079/2009-90 foi analisado pela última instância do CARF, no dia 20 de fevereiro de 2016, acerca da possibilidade de dedução da despesa de amortização de ágil pela Johnson Controls do Brasil Automotive. O relator considerou que o ágio, para ser aproveitado, “deve se  dar  entre  partes  que  seriam  partes  não  relacionadas  anteriormente  à  operação  de aquisição”[11].

Segue parte do acórdão com destaque na parte em que reputa necessário que a operação deve se dar entre partes que seriam partes não relacionadas anteriormente à operação de aquisição, nos termos da Lei no 9.532/97:

“No presente caso, a acusação fiscal gira, basicamente, em torno da questão relativa aos encargos de amortização de ágio por terem sido gerados internamente ao grupo econômico. Ou seja, a glosa foi efetuada por ter sido considerado que a transação se deu entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico e que não houve efetivo dispêndio financeiro, inexistindo propósito negocial e efetivo substrato econômico. (...) Por outro lado, não se pode considerar que os requisitos autorizadores da amortização do ágio na aquisição de participação societária, quais sejam, o propósito negocial — compreendido como a motivação para adquirir um investimento por valor superior ao custo original —, e o substrato econômico — entendido como decorrente da aquisição de negócio comutativo entre partes independentes, com dispêndio de recursos e previsão de ganho —, além do desembolso financeiro, possam ser buscados em negócio jurídico celebrado por pessoas jurídicas diversas daquela que efetivamente procedeu à amortização do ágio. (...) Adicionalmente, cumpre destacar, mas seguindo outra linha argumentativa, que, porém, desagua na mesma conclusão, é que o alegado ágio (construído internamente, pois quando surge em 18/12/2003 a Hoover já controlava a JCAE e a JCBA) é indedutível, pois a absorção patrimonial requerida pela Lei (no caso, uma incorporação da JCAE pela JCBA), deve se dar entre partes que seriam partes não relacionadas anteriormente à operação de aquisição (nos termos da Lei n. 9532/1997, art. 7º caput: “A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra...”). Porém, a aquisição foi consubstanciada no aumento do capital da JCBA, mediante subscrição e integralização pela controladora comum HOOVER das cotas da JCAE; assim, não existe no presente caso a possibilidade da confusão (por absorção) patrimonial requerida pela lei, pois investidora e investida já faziam parte de uma mesma unidade econômica antes das operações que originaram o suposto ágio (ágio de si mesmo, por “aquisição” de participação de si mesmo —, pois nesta fase da operação não há outra pessoa jurídica envolvida, no sentido que lhe empresta a Lei, pois ninguém adquire algo de si mesmo) — portanto, a previsão legal que permite a aproveitamento de ágio não se aperfeiçoou. Assim, tem-se que o suposto ágio apurado — seja no exterior, seja no Brasil,—, não atendem às prescrições legais e, por conseguinte, não pode ser objeto de amortização dedutível.”(CARF, 2016)

Em outra oportunidade, o CARF julgou caso que envolvia outra figura analisada com frequência pelo tribunal administrativo em situações envolvendo ágio interno: a existência de empresas “veículo” (Processo nº 16561.000027/2007- 61).

As empresas “veículo” são aquelas criadas ou utilizadas, com o único fundamento de gerar e transferir ágio internamente. Geralmente são configuradas pelo seu curto prazo de duração, pela ausência de funcionários e de atividades operacionais e pela ausência de propósito negocial.

No julgado mencionado, a fiscalização glosou a amortização de ágio efetuada pela empresa fiscalizada obtido em operação de transferência total de ações da fiscalizada com geração de ágio para terceira empresa que deteve seu controle por apenas cinco dias, quando foi posteriormente cindida.

Nessa operação, o controle da fiscaliza retornou aos proprietários originais. Dentre os argumentos utilizados pela fiscalização para a glosa da amortização do ágio destaca-se que a terceira empresa foi utilizada como “peão” para gerar o ágio e posteriormente transferi-lo:

“A Magenta foi a empresa usada como peão nas operações efetuadas pelos sócios da Ache, tendo em vista a necessidade da transferência das ações dos três sócios para uma outra empresa para que o ágio fosse gerado e assim dar sequencia ao planejamento tributário pretendido pela empresa. Os fatos corroboram a conclusão, pois a parte cindida da empresa Magenta corresponde exatamente ao lançamento de reavaliação do investimento Ache.”(CARF, 2014)

Destacam-se trechos do voto:

“O planejamento tributário engendrado pela Recorrente, que ao menos no que tange aos seus efeitos fiscais revela o lado perverso das práticas adotadas sob esse manto, representou, em síntese, a criação de uma despesa que tem por base a própria mais valia do seu patrimônio, isto é, a contribuinte, a partir de uma avaliação encomendada por ela própria, fez refletir no seu ativo os resultados de uma suposta rentabilidade futura e, por meio de uma reorganização societária, sem despender um único centavo, transformou essa mais valia em uma despesa. Como salientado pela autoridade fiscal, o ágio objeto de amortização por parte da Recorrente, na forma como foi criado, representa a sua própria expectativa de lucro, nascida em decorrência da avaliação solicitada à empresa ERNST & YOUNG. O que salta aos olhos é que, como bem ressaltou a autoridade fiscal, a intenção da Recorrente foi, paralelamente aos interesses estritamente societários, forjar a existência de um ágio para, a partir da consequente redução da incidência tributária, propiciar ganhos para os seus acionistas.” (CARF, 2014)

Por outro lado, outra exigência da lei que trata da dedutibilidade fiscal é a exigência de um Laudo de Avaliação deve ser observada, sendo seus requisitos: data da elaboração do laudo, não podendo ser posterior ao pagamento do ágio, identificação de relatórios internos de avaliação e assinatura dos laudos por empresa reconhecida.

No entanto, o questionamento mais importante com relação ao Laudo, assim como com relação ao fundamento econômico do ágio, foi analisado em um Julgamento do CARF de 2010 (Processo nº 10882.001031/2004-95). A fiscalização questionou fortemente o Laudo de Avaliação principalmente quanto aos seguintes itens:

a) Questionou o critério de EBTIDA[12] para determinação do valor da Empresa adquirida, afirmando que:

“(...) trata-se de uma forma de medir desempenho da empresa em termos de fluxo de caixa e de auxiliar, de forma prática, no processo de avaliar a empresa como um todo, olhando basicamente a capacidade de gerações de recursos dos ativos da entidade. Ou seja, não se trata de uma ferramenta destinada a avaliar a rentabilidade da empresa nos moldes da legislação fiscal e societária.” Acórdão nº 140200.342, 4ª Câmara 2ª Turma Ordinária, 15/12/2010, Processo nº 10882.001031/200495, Recurso nº 146.122 De Ofício e Voluntário;(CARF, 2010)

b) Registra a fiscalização que para o fim de determinação da origem do ágio existem, no caso, outros fundamentos que não a expectativa de lucro.Nesse sentido, o Acórdão assim foi relatado:

“(...) a fiscalização não discute a não existência dos valores pagos a maior quando da aquisição, mas sim, que os mesmos não se devem a expectativa de lucros futuros e sim a uma riqueza existente à margem da gráfica do Balanço Patrimonial. Para tal situação o ordenamento consagra a regra especial alínea “c” do § 2º do art. 20 do DL 1598/77 – fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.” (CARF, 2010)

Assim, a fiscalização considerou que o ágio seria justificado pela existência de fundos de comércio e intangíveis subavaliados, lembrando que tal fundamento não permite a dedutibilidade para fins fiscais;

c) O ágio também foi questionado no sentido de que o mesmo só poderia ser aproveitado a medida que o lucro esperado fosse sendo auferido. Entendeu a fiscalização:

“(...) a contribuinte não estaria apta a fruir da autorização legal prevista no inciso III do art. 7º da Lei 9.532/97, porque não teriam ocorrido os resultados positivos.” Uma vez que os resultados não teriam sido confirmados, “a fiscalização reportou se à Instrução CVM 247/96, alterada pela 285/98, que em seu art. 14, § 2º, alínea “a”, prevê que o ágio ou deságio decorrente de expectativa de resultado futuro deverá ser amortizado no prazo, extensão e proporção dos resultados projetados, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento, devendo os resultados projetados serem objeto de verificação anual, a fim de que sejam revisados os critérios utilizados para amortização ou registrada a baixa integral do ágio.” (CARF, 2010)

Lembrando que a redação da IN CVM 247/967 não fala em realização do lucro, mas sim que o ágio decorrente da rentabilidade futura deve ser amortizado no prazo e na extensão das projeções que o determinaram.

A despeito das argumentações da fiscalização, o CARF afirma que não há “legislação fiscal que determine a metodologia de avaliação a ser adotada e os requisitos que devem ser atendidos”, e acaba determinando que “deve ser considerada improcedente a glosa da amortização do ágio[13]”.

Além do mais, em relação à forma de amortização do ágio o Acórdão foi categórico no sentido de que não existe na legislação fiscal qualquer correlação entre a amortização do ágio e a efetiva apuração dos lucros. Segue, abaixo, parte da Ementa do referido Acórdão[14]:

“LUCRO REAL. GLOSA DE AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. CONDIÇÃO DE EFETIVIDADE DO LUCRO. A legislação fiscal editada no contexto de incentivo às privatizações e que permaneceu em vigor nos períodos objeto da autuação não condicionou a dedutibilidade da amortização do ágio à efetiva apuração de lucro, e nem estabeleceu prazo para a geração de lucros. A Instrução CVM 247/96 alterada pela 285/98 não pode ser aplicada para efeitos fiscais. “(CARF, 2010)

Desta forma, analisando a Jurisprudência Administrativa acima mencionada, pode-se chegar as seguintes conclusões:

a) Não há formato do Laudo exigido pela legislação fiscal, sendo assim, ele deve ter as devidas formalidades (data, assinatura, etc) e ser consistente com os métodos utilizados pela ciência econômica na avaliação de empresas;

b) A dedutibilidade do ágio não está condicionada à efetiva apuração do lucro projetado no Laudo; da mesma forma, a amortização do ágio não está vinculada ao prazo e extensão estipulado nos laudos;

c) O fundamento do ágio (rentabilidade futura) deve ser aquele apontado pelo Laudo.

Em relação a toda argumentação relacionada à ausência de fundamento da rentabilidade, ágio interno e ausência de propósito negocial não devem prosperar para fins de dedutibilidade da amortização do ágil, inclusive conforme indicado pelos julgamentos do CARF.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ao interprete da norma é mister investigar diversos aspectos das questões postas em análise para amplo entendimento acerca dos reflexos fiscais de conceitos contábeis. Nesse sentido, a convergência das normas contábeis internacionais possibilitou a normatização de diversas questões e tornou-se importante fonte interpretativa para diversos debates na área fiscal, em especial sobre tributos diretos.

Assim, dentre os diversos pontos enfrentados atualmente como sensíveis entre a dualidade entre os conceitos tributários e contábeis, o presente trabalho buscou enfrentar a problemática acerca da possibilidade de amortização fiscal do ágio por empresas que realizaram aquisições de negócios no Brasil.

Em linhas gerais, dentre os aspectos relevantes observados na área estagiada foram a possibilidade de analisar criticamente a evolução dos conceitos fiscais em consonância com as normas contábeis internacionais, incrementando os conceitos vigentes com as novas formas de negócio.

Como sabido, os Pronunciamentos contábeis possuem amplos comandos normativos e princípios que possibilitam a tutela de situações que não precisam estar exaustivamente descritas em lei. Isso porque as normas tributárias acabam por regular regras determinadas (ex. deduzir ágil), mas acabam por não terem como esgotar toda a possibilidade de atos negociais (ex. empresa veículo ou ágil interno).

Nesse sentido, mesmo que não tenham aplicação direta sobre as normas contábeis, é tarefa do interprete emprestar elementos nas normas contábeis e seus princípios para formatar juízo de valor sobre seus efeitos fiscais.

Reportando ao ponto central da problemática em tela, pode-se observar que o ágil interno, com fundamento sobre rentabilidade futura, não está em consonância com o Pronunciamento CPC 15 e o Princípio da Essência sobre a Forma, bem como o art. 7º da Lei no 9.532/97 deve ser interpretado de forma a exigir que a benesse fiscal seja fruída apenas quando exista partes não interdependentes.

Assim, a utilização de “empresa veículos” e “incorporações sem justificativa econômica ou negocial” são contrárias ao disciplinamento normativo vigente à época da operação para fins de atendimento do benefício fiscal.

Como não há como opinar que não existe o risco de ser lavrado autos de infração em relação ao aproveitamento do ágil interno, a empresa será aconselhada a tomar a decisão em suspender a amortização do goodwill para fins fiscais.

Por outro lado, deverá ser aconselhada a realizar ajustes em suas obrigações acessórias nos anos que realizou a dedução ilegítima e efetuar o pagamento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição sobre o Lucro Líquido eventualmente não recolhido em razão da dedução da despesa ou, ainda, realizar seu parcelamento, nos termos da lei no 10.522/02.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei no 12.973/14. Palácio do Planalto. http://www.planalto.gov.br /ccivil _03/_ato2011-2014/2014/Lei/L12973.htm, acesso em 16 de abril de 2016.

BRASIL.Decreto no 3.000/99. Palácio do Planalto. http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/d3000.htm, acesso em 16 de abril de 2016.

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CARF. Processo 11065.002149/2009-31. http://carf.fazenda.gov.br/sincon/ public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf.Decisão  publicada em 12/04/2012. Acesso em 16 de abril de 2016.

CARF. Processo 11080.723702/2010-19. http://carf.fazenda.gov.br/sincon/ public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf.Decisão  publicada em 22/05/2012. Acesso em 16 de abril de 2016.

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CARF. Processo 16561.000027/2007-61. http://carf.fazenda.gov.br/sincon/ public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf.Decisão  publicada em 11/06/2014. Acesso em 16 de abril de 2016.

CARF. Processo 10882.001031/2004-95. http://carf.fazenda.gov.br/sincon/ public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf.Decisão  publicada em 15/12/2010. Acesso em 16 de abril de 2016.

CFC. Pronunciamento Contábil CPC 15 (R1). http://www.cpc.org.br/CPC /Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=46. Acesso em 16 de abril de 2016.

CFC. Pronunciamento Contábil CPC 01. http://static.cpc.mediagroup. com.br/Documentos/27_CPC_01_R1_rev%2008.pdf. Acesso em 16 de abril de 2016.

CFC. Orientação técnica CPC nº 02/2008. http://static.cpc.mediagroup. com.br/Documentos/132_OCPC%2002_090209.pdf. Acesso em 16 de abril de 2016.

COSTA, Rosenei Novochadlo da. Contabilidade Avançada: uma abordagem direta e atualizada. Curitiba:2012. Editora Intersaberes.

GELBCKE, SANTOS E IUDÍCIBUS, Manual de Contabilidade Societária de Martins, 2012.


[1] Parte-se do pressuposto que ágil sobre rentabilidade futura e goodwill são sinônimos. Ao longo do trabalho, será objeto de definição o ágil, ágil interno e demais conceitos indicados no item 4.1.

[2]Dentre os objetivos do Pronunciamento CPC 15 é estabelecer princípios e exigências da forma como o adquirente irá reconhecer e mensurar o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill adquirido) advindo da combinação de negócios.

[3] Trata-se da redução do valor recuperável de um bem ativo. As empresasdevem avaliar, periodicamente, os ativos que geram resultados antes de contabilizá-los no balanço e ajustá-los a valor de sua realização, caso este seja inferior ao valor contábil.

[4]Manual de Contabilidade Societária - Martins, Gelbcke, Santos e Iudícibus. 2012.

[5] Idem 3.

[6] Tais conceitos serão objeto de análise posteriormente.

[7] Será objeto de item específico do presente estudo.

[8] Antes da Lei no 12.973/14.

[9] Também não se aplica a empreendimentos controlados em conjuntos, na modalidade joint ventures, o qual é tratado em CPC específico (Pronunciamento CPC 19).

[10] Segundo o site do Conselho, em http://idg.carf.fazenda.gov.br/perguntas-frequentes, “o CARF aprecia e julga a inconformidade dos contribuintes contra exigências tributárias e aduaneiras lançadas pela Administração Tributária. (...) A jurisprudência do órgão, fruto de decisões reiteradas sobre mesma matéria, tem peso relevante na redução dos litígios”.

[11]O julgamento foi com sete votos a três a favor da Fazenda Nacional. Apenas os conselheiros Luís Flávio Neto, Lívia De Carli Germano,  Ronaldo  Apelbaum  e  Maria  Teresa Martinez Lopez votaram de forma favorável à companhia.

[12] Earnings before interest, taxes, depreciation and amortization, conhecido no Brasil como LAJIDA (lucro antes dos juros, Impostos, depreciação e amortização).

[13]Acórdãos nº 140200.342, 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, 15/12/2010.

[14]Acórdão  nº 140200.342, 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, 15/12/2010, Processo nº 10882.001031/200495, Recurso nº 146.122  de Ofício  e Voluntário.

Sobre o autor
Rodrigo Lazaro

Sócio da FCR Law, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (2020/23), Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Mestre em Tributação Internacional pelo IBDT, Diretor Regional da ANEFAC, Pós-graduado em Direito Tributário e Empresarial, com MBA em Tributário e especialização em Business Law pela Concordia University.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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