Processo seletivo simplificado. Parecer. Contração temporária. Prorrogação. Pessoal permanente. Irregularidade

26/11/2019 às 08:34

Resumo:


  • O parecer jurídico discute a legalidade e os princípios envolvidos na contratação temporária de servidores públicos, sublinhando a necessidade de excepcionalidade e temporariedade para tais contratações.

  • É destacada a importância do concurso público como regra para o ingresso no serviço público, com exceções limitadas e bem definidas pela Constituição Federal e pela legislação.

  • O documento conclui que contratações temporárias devem ser justificadas por necessidade de excepcional interesse público e alerta contra renovações sucessivas que possam caracterizar uma permanência irregular de pessoal temporário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Parecer Jurídico sobre a regularidade de prorrogação de contratações temporárias

Processo nº: 40554/2019

Interessado: Secretaria de Gestão e Planejamento

Assunto: Informa e Pede Providência

Parecer nº 138/2019 - PGM

EMENTA: PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO. PARECER. CONTRAÇÃO TEMPORÁRIA. PRORROGAÇÃO. PESSOAL PERMANENTE. IRREGULARIDADE.


1. Relatório

Cuida-se de procedimento administrativo instaurado no âmbito da Secretaria de Gestão e Planejamento a fim de obter parecer acerca da realização de contratação temporária.

Vieram os autos a esta Procuradoria Jurídica.

É o escorço. Passa-se ao estudo do caso.


2. Fundamentos Jurídicos

A Administração Pública, em consonância com a Constituição Federal, submete-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, finalidade e publicidade. E, para a temática em análise, cabe destacar a impessoalidade e a moralidade, inerentes ao Estado de Democrático de Direito, que determinam, respectivamente, que a Administração trate a todos os administrados sem discriminações benéficas ou detrimentosas e que atue na conformidade com os princípios éticos. Nesta esteira, enfrenta-se o tema suscitado, relativamente ao procedimento em questão.

A Constituição Federal é expressa ao determinar no art. 37, inciso II, e parágrafo 2º, a prévia aprovação em concurso público como condição sine qua non para o ingresso no serviço público. Estão ressalvadas as nomeações para cargo em comissão de livre nomeação e exoneração, bem como a contratação temporária, nos casos e hipóteses previstas em lei, sob pena de nulidade do ato.

Portanto, a dispensa de concurso público para a contratação de servidores configura medida extrema, que só pode ser admitida em situações excepcionais e identificadas, uma a uma, no caso concreto, conforme autorização contida na lei.

É o que se apreende da lição do constitucionalista José Afonso da Silva, cuja posição afirma que o concurso público é instituto essencial à defesa dos postulados republicados que regem a Administração Pública, uma vez que:

O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa essencialmente a realizar o princípio do mérito, que se apura mediante investidura por concurso publico de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.1

Preservando seu caráter republicano, contudo, a própria Constituição prevê no art. 37, inciso IX, restritivamente, os limites e as condições para contratação temporária. Nesse sentido, é a lição de Lucas Rocha Furtado:

a legitimidade para contratação temporária prevista na Constituição pressupõe a necessidade da contratação seja temporária, e não apenas que o contrato firmado com o servidor tenha um prazo limitado. Exemplo de evidente equívoco ocorre com a contratação de professores substitutos em universidade federais. Não obstante a contratação desses professores seja feita no prazo determinado, a necessidade da Administração é permanente, o que não autoriza a utilização do regime previsto no mencionado art. 37, IX.2

Por isso, propala Celso Antonio Bandeira de Melo, outro laureado autor jurídico:

Cabem alguns cuidados evidentes, tanto no reconhecimento do que seja a situação excepcional ensejadora do contrato a ser feito, quando na caracterização de seus requisitos, sem o que estar-se-ia desconhecendo o sentido da regra interpretada e favorecendo a reintrodução de ‘interino’, em dissonância com o preceito em causa

Desde logo, não se coadunaria com a sua índole, contratar pessoal senão para evitar declínio do serviço ou para restaurar-lhe o padrão indispensável mínimo seriamente deteriorado pela falta de servidores. Vale dizer: tais contratos não podem ser feitos simplesmente em vista de aprimorar o que já existia e tenha qualidade aceitável, compatível com o nível corrente a que está feita a coletividade a que se destina.

Em segundo lugar, cumpre que tal contratação seja dispensável; vale dizer, induvidosamente não haja meios de supri-la com o remanejamento de pessoal ou redobrado esforço dos servidores já existentes.

Em terceiro lugar, sempre na mesma linha de raciocínio, não pode ser efetuada para instalação ou realização de servidores novos, salvo, é óbvio, quando a irrupção de situações emergente ou exigiria e já agora por motivos indeclináveis, como os de evitar a periclitação da ordem, segurança e saúde.3

Desta forma a contratação temporária de agentes públicos comporta, pois, visualização restrita, eis que sua utilização é “para atender a necessidade de excepcional interesse público”, conforme dicção do art. 37, inciso IX, final, da CF. Temática abordada, ainda que superficialmente, em outros pareceres emitidos por este Procurador.

Com essa entonação, cita-se o voto do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, por ocasião de seu voto na ADI 3430:

Este Tribunal, ademais, também já decidiu, de forma convergente com a doutrina, que, para a contratação temporária, é preciso que: a) os caos excepcionais estejam previsto em lei; b) o prazo de contratação seja pré-determinado; c) a necessidade seja temporária; e, d) o interesse público seja excepcional.

Cumpre, ainda, transcrever o fragmento de texto de Gustavo Alexandre Magalhães:

Necessidade transitória, refere-se à exigência de providências com duração pré-determinada, abrangendo situações de urgência que demandam providências imediatas, ou ainda atividades de natureza transitória que são incompatíveis com o provimento em caráter efetivo nos quadros da Administração Pública.4

Logo a necessidade transitória poderia consistir no exercício temporário de uma atividade permanente, como por exemplo, na hipótese de substituição de professor efetivo que esteja afastado em razão de gravidez, acidente, licença por licença saúde, licença para aperfeiçoamento, ou, também, para o caso de algum convênio com órgãos ou entes estatais cuja duração seja de curto prazo e nunca de longo prazo ou indeterminado.

Essas contingências para manutenção do serviço público são bem identificadas justamente por estas razões, por exemplo, na Lei Federal que regulamentou o regime de contratação temporária no âmbito da União, sobretudo ao estabelecer os prazos máximos de contratação (art. 4º, Lei Federal nº 8.745/1993).

No caso em vertente, suscita-se possível necessidade de contratação temporária ante o esgotamento das contratações temporárias anteriores e a não realização de concurso para servidores efetivos. Aqui estaria a grande dificuldade em se enquadrar os pressupostos de temporariedade e excepcionalidade pelo fato de, inevitável e inexoravelmente, estar prorrogando contratação temporária anterior, conforme se estriba as justificativas da autoridade solicitante.

É que a instauração do procedimento anterior, já em suas justificativas, deveria constar o prazo máximo e determinado até a supressão das faltas de pessoal e uma possível realização de certame cujo planejamento se mostra inevitável.

Não se configurar situação de excepcional interesse público, por isso, significa dizer que não se trata de necessidade “extraordinária” se não for fora do comum ou anormal ao serviço. O caso concreto, por sua vez, parece denotar o preenchimento de necessidade permanente, cuja atividade solene e contínua exige a natureza ordinária e permanente dos cargos. Por isso mesmo, somente devem ser prestados por servidor público efetivo e por concurso público.

O perigo, portanto, estaria em se realizar novas contratações temporárias sem que houvesse considerável justificativa de que o concurso não se realizou por entraves insuperáveis e devidamente comprovados, uma vez que o serviço não poderia ser simplesmente suspenso. Mas, por outro lado, não bastaria apenas alegar necessidade extraordinária e temporária pelo fato do concurso não ter sido realizado, sobretudo quando ultrapassados dois anos da contratação anterior. Ora, por que não foi feito o concurso?

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Não é suficiente que a lei simplesmente autorize a contratação de pessoa por prazo certo e limitado para haver conformação com a legislação e a Constituição, é necessária a demonstração da excepcionalidade das situações emergenciais e transitórias sob pena de caracterizar prorrogação ilícita de regime de contração temporária. Com essa consonância:

A prova dos autos evidencia que a contratação por prazo determinado se mostra ilegal, pois a autora foi contratada de forma temporária para o cargo de "Técnica de Enfermagem" sem qualquer vinculação à substituição de nenhum empregado que, neste cargo, estivesse com contrato suspenso. E sendo a contratação da autora praticada ao arrepio da legislação e do Edital de concurso - e, portanto, irregular - não há como convertê-la a prazo indeterminado e determinar sua reintegração, pois se trata de contratação nula, a qual somente tem o condão de gerar os limitados efeitos dispostos na Súmula 363 do C. TST. Recurso do reclamante improvido.

(TRT – 4, RO 12625220105040016 RS 0001262-52.2010.5.04.0016, Des. Rel. Flávia Lorena Pacheco, 17/05/12).

Assim, apesar de haver previsão de hipóteses excepcionais e temporárias na Lei Municipal nº 2.759/06, não será possível vislumbrar correição no objeto da contração se ela se evidenciar como sucessiva renovação de PSS, o que pode transmutar as situações tidas por transitórias em permanentes, sem muito esforço ao leitor mais atento.

Não bastasse isso, sendo o tipo de contratação em PSS regular caso tão raro nos municípios goianos, o Egrégio Tribunal de Contas dos Municípios não possui muitos julgados sobre a matéria, tornando a questão por demais pardacenta. É temerário romper por terrenos instáveis, nos quais a jurisprudência dos tribunais de outros Estados da Federação têm tido posições contrárias às sucessivas contratações tais como as apresentadas no presente objeto de análise. Notadamente, do que se observa no TCU:

“são ilegais as contratações temporárias que não se enquadram nas hipóteses autorizadas pelo art. 2º da Lei 8.745/93, com a redação dada pela Lei 9.849/99. Segundo o Parecer do Controle Interno e tendo por base informação contida nas fichas de concessões, verifica-se que a entidade de origem alegou a necessidade genérica de suprir a carência de docentes na Universidade. Essa hipótese, todavia, não se insere na possibilidade de contratação temporária prevista no art. 2º , § 1º, da Lei 8.745/93, a qual prescreve que a admissão temporária de professor substituto far-se-á exclusivamente para suprir a falta de docente de carreira, decorrente de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória.”5

“Em consequência, os recursos nada mencionam quanto o “reiterado expediente de contratação temporária de professores sem observância às condições e limites estabelecidos na Lei 8.745/93”; não contestam o “descumprimento de determinação do Tribunal exarada nos itens 9.3 e 9.4 do Acórdão nº 1.709/2007-2ª Câmara”; são silentes sobre a prorrogação indevida do contrato emergencial de nº 92/2004 – todas irregularidades devidamente caracterizadas nos autos e que, no conjunto, motivaram a rejeição das contas”6

Outra questão relevante que carece de observação, é que os pareceres da contabilidade examinados em outros procedimentos informam que o gasto com pessoal, se adicionado ao pretenso contrato almejado neste procedimento, estaria “acima do limite prudencial”. Não obstante, os gastos em tese já estivessem em execução e a advertência em questão não atinja o limite providencial do art. 22, da Lei de Responsabilidade Fiscal, cumpre a esta Procuradoria referendar o parecer jurídico contábil, por medida de cautela.

Essa dificuldade financeira é objetivamente tratada na disponibilidade financeira e a necessidade de contenção de gastos decretada pelo próprio Executivo (Decreto nº 3.375/2019).


3. Conclusão

Ante o exposto, s.m.j., tratando-se este caso de consulta genérica, manifesta-se esta Procuradoria Jurídica no sentido de que a realização de contratação temporária só deverá acontecer para atender a necessidade de excepcional interesse público devidamente justificado (não basta alegação genérica da necessidade), evitando-se tanto quanto o possível as contratações sucessivas ou renovações as quais só podem repetir-se com robusta justificativa evidenciada (comprovada) no procedimento de processo seletivo simplificado.

É o parecer. Encaminho para análise da autoridade superior.

Jataí, 6 de novembro de 2019.

Renato Luiz Barbosa Brandão

Procurador Jurídico Municipal

Mat. 8945 – OAB/GO nº 19.959


Notas

1 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextutal à Constituição. 3ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 338.

2 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 893.

3 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta. 2ª edição, São Paulo: RT, 1991. p. 83.

4 MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Contratação Temporária por excepcional interesse público – aspectos polêmicos. 2ª Edição, São Paulo: Atlas, 2012, pág. 124.

5 Acórdão 3.055/2006-2ª Câmara

6 Acórdão 2282/2011-2ª Câmara

Sobre o autor
Renato Luiz Barbosa Brandão

Advogado, Procurador Jurídico do Município de Jataí-Goiás, Pós-graduado em Direito e Direito Processual Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade Federal de Jataí-Goiás, Ex-Professor do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior de Jataí, membro da Comissão Especial de Regularização Fundiária do Município de Jataí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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