Compartilhamento de informações entre Unidade de Inteligência Fiscal e Receita e o Ministério Público

07/12/2019 às 08:50
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DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - SIGILO DE DADOS FISCAIS - PROVIMENTO 88 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA.

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - PRIVACIDADE E INTIMIDADE - SIGILO DE DADOS - RELATIVIDADE - SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS (Cartórios)

       

1. Os crimes contra ordem tributária são classificados de materiais, dependem, em regra, da constituição do crédito tributário - o resultado do crime material.

Portanto, apenas quando a Procuradoria da Fazenda inscreve o débito, constitui-se a dívida ativa, com emissão da certidão de débito tributário é que há o crime e possibilidade de se denúncia, conforme Súmula Vinculante n. 24 da Corte Suprema e legislação tributária (Código Tributário Nacional e Lei de Execução Fiscal).

 

Nos termos do artigo 1º da Lei 8.137/1990: “Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;”

 

2.  A regra a regra constitucional é a proteção à inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X), bem assim à inviolabilidade de dados (art. 5º, XII), que incluem os dados financeiros, sigilos bancário e fiscal.

 

1º Consideram-se operações financeiras, para os efeitos fiscais:

I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

V – contratos de mútuo;

VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;

VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;

VIII – aplicações em fundos de investimentos;

IX – aquisições de moeda estrangeira;

X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;

XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;

XII – operações com ouro, ativo financeiro;

XIII - operações com cartão de crédito;

XIV - operações de arrendamento mercantil; e

XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente

 

3. Em observância ao julgamento pelo STF do tema 990, definiu-se que a unidade inteligência financeira não é órgão de investigação penal, e sim de inteligência, competindo-lhe receber, examinar e identificar suspeitas de atividades ilícitas e disseminá-las as autoridades competentes (art. 15 da Lei 9.613/1998). Mas, para tanto, pressupõe manutenção do sigilo financeiro do indivíduo.

E mais: "É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil (RFB), que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional ( Tese 990, formulada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário, com repercussão geral, n. 1.055.941-SP).

Todavia, o compartilhamento pela UIF e pela RFB, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. Isso porque está a se falar de direito fundamental ao sigilo, decorrência do direito a privacidade e intimidade. Por consequência, há necessidade de critérios para proteção desses dados, os quais podem trazer sérios efeitos prejudiciais no âmbito privado.

O provimento n. 88 da Corregedoria Nacional de Justiça justamente determina aos notários e registradores que, preenchido requisitos, remetam informações suspeitas a Unidade de Inteligência Fiscal - UIF. Registros e averbações, bem como escrituras Públicas de venda e compra, doação, inventário e partilha serão informadas a este órgão, de acordo com critério fixados na normatização administrativa.

Muito embora, sua finalidade precípua tenha sido a fiscalização de negócios jurídicos suspeitos do crime de lavagem de dinheiro e terrorismo (LEI Nº 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998). As informações prestadas pelos notários e registradores terá imensa importância também na coibição dos crimes contra ordem tributária. Será ferramenta efetiva na fiscalização fiscal das transações imobiliárias, cambiárias, financeiras e creditídicias. 

 

3.1. Seus relatórios de inteligência financeiro (rifs) não são encomendados. classificam-se em verdade como meios de obtenção de prova, de modo que possuem natureza jurídica de peça de informação no processo penal e administrativo fiscal.

A esta entidade é vedada a quebra de sigilo fiscal e bancário. cabe-lhe apenas trabalhar a informação, produzir relatório, identificar a irregularidade e transmitir aos demais órgão, tal qual o parquet  e a receita.

 

4. Já a receita federal trabalha em duas fases no procedimento investigatório de fiscalização administrativa, com base na lei complementar 105/2001. Na primeira, avalia atividade suspeita, com base em informações genéricas, sem quebrar o sigilo; na segunda, caso seja encontrada atividade suspeita, avança no exame de atividades pontuais. Nesta parte, deve-se respeitar o due process e as garantias do contraditório. Desta forma, é condição necessária a instauração de procedimento administrativo fiscal por ordem de superior hierárquico e com prévia intimação do contribuinte. A finalidade é o lançamento definitivo para constituição do crédito tributário, no combate ao descumprimento de normas tributárias e práticas criminosas. (Lei Complentar n. 105/2001, art. 5º e 6º).

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Sua transmissão ao parquet para fins penais é admitida, possuindo natureza jurídica de prova emprestada. Somente serão enviadas as informações imprescindíveis e Excessos serão controlados pelo Poder Judiciário.

 

5. Não há liberdade pública incondicionada, todas podem ser relativizadas quando usadas para encobrir atividades ilícitas.

É o que a Declaração dos direitos humanos da ONU estabelece, em seu art. XXIX. Não há inconstitucionalidade em excepcionais restrições à intimidade, vida privada e ao sigilo, se a finalidade for a garantia e as liberdades dos demais membros da sociedade às justas exigência da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

A excepcional relativização das liberdades públicas, dentro de critérios razoáveis, é possível no âmbito dos três Poderes, salvo quando exista expressamente cláusula de reserva jurisdicional, que não é a situação em apreço.

 

6. É constitucional o compartilhamento, tanto pela Unidade de Inteligência Financeira, dos relatórios de inteligência financeira; quanto pela Receita Federal do Brasil, da íntegra do procedimento fiscalizatório que define o lançamento do tributo com órgãos de persecução penal, para fins criminais, que deverão manter o sigilo das informações.

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Sobre o autor
Fernando Keutenedjian Mady

Advogado, graduado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2005, pós-graduado em Direito Público pela Escola Paulista de Direito em 2007, cursando o Mestrado em Direito Administrativo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Informações sobre o texto

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