Parecer

21/08/2020 às 14:58
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Trata-se de consulta formulada pelo servidor público federal aposentado Sr.JALES BORGES FONSECA acerca de acumulação de dois cargos público por ele ocupado.

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PARECER JURÍDICO

INTERESSADO: J. B. F.

ASSUNTO: ACUMULAÇÃO DE PÚBLICOS

             Trata-se de consulta formulada pelo servidor público federal aposentado Sr.J. B. F. acerca de acumulação de dois cargos públicos por ele ocupado, sendo o primeiro de Professor do Magistério Superior-Departamento de Pediatria – matricula n° ---, na Universidade Federal de Goiás-UFG, com horários das 7 as 11hs e das 13 as 17hs, perfazendo um total de 40 hs semanais, no período de 01/06/1980 a 24/08/2009.

          No outro cargo, laborou em função técnico cientifica como médico pediatra do Hospital Materno Infantil, sob vínculo efetivo, cedido pelo Ministério da Saúde em regime de plantões alcançáveis aos finais de semana, no período de 01/06/2008 a 24/09/2009 com plantão de 20 hs semanais.

          Notificada pelo Tribunal de Contas da União a Universidade Federal de Goiás notificou o Requerente para apresentar esclarecimentos a respeito da acumulação dos dois cargos públicos.

        É o nosso parecer, passamos a opinar

       A Constituição Federal, no art. 37, inciso XVI, e o art. 118, § 2°, da Lei n. 8.112/1990, condicionam a acumulação de cargos à compatibilidade de horários, não fazendo referência à carga horária, o que levou a jurisprudência ao entendimento de que a Administração não podia fazê-lo, por falta de previsão legal.

    Esse entendimento jurisprudencial, todavia, veio a ser modificado, passando o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que decidiu o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.133/2005, e consoante o Parecer GQ 145/1998, a entender que o limite de 60 (sessenta) horas semanais atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser prestigiado.

          A acumulação de cargos, empregos e funções públicas desde há muito tempo é tratada como possibilidade excepcional no Direito brasileiro, pois a regra é o exercício de um único cargo, emprego ou função, subordinado ao regime de dedicação integral (que não se confunde com dedicação exclusiva).

         A Constituição de 1988 seguiu a tradição e, após algumas alterações pontuais, dispõe que:

Art.37, XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

a) a de dois cargos de professor; (Incluída pela Emenda Constitucional no 19, de 1998);

b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional no 34, de 2001)”.

                 Para além da natureza do cargo ou emprego (técnico, professor ou de profissionais de saúde com profissões regulamentadas), o constituinte exigiu a compatibilidade de horários — obviamente porque a acumulação dos cargos não poderia trazer prejuízos ao exercício de ambos os cargos ou empregos ocupados pelo servidor. Registre-se a inexistência de qualquer definição específica sobre o número de horas trabalhadas semanalmente pelo servidor, em ordem a determinar qual seria o montante máximo a determinar a possibilidade ou não de acumulação dos cargos, empregos ou funções públicas.

             Nos idos de 1998, a Advocacia-Geral da União emitiu o Parecer Normativo GQ-145 (com força vinculativa para a administração federal, no sentido de que “a acumulação de cargos públicos exige compatibilidade de horários para ser considerada legal, sendo o limite máximo do somatório das jornadas de trabalho 60 horas”.

              Esse parecer, com o devido respeito, fez uma indevida analogia entre as disposições sobre servidores públicos estatutários (não regidos pela CLT) e as regras da Consolidação das Leis do Trabalho. A CLT prevê descanso mínimo diário de 11 horas para o trabalhador (artigo 66), com uma hora de intervalo para descanso ou alimentação (artigo 71). Assim sendo, restaram 12 horas diárias de trabalho e 12 x 5 dias = 60 horas/semana.

O Tribunal de Contas da União, que antes não reconhecia a limitação constante do parecer, passou a se manifestar favoravelmente a partir do Acórdão 2.133/05 (1ª Câmara, ministro Marcos em  querer, revendo, todavia, este mesmo posicionamento em julgados mais recentes, como se pode verificar do Acórdão 1.412/2016 (Plenário), do Acórdão 5.827/2018 (1ª Câmara), do Acórdão 9.098/2018 (2ª Câmara) e do Acórdão 2.296/2019 (2ª Câmara).

           No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, também prevalecia o entendimento contrário ao Parecer GQ 145 da AGU, até que a 1ª Seção, no julgamento do MS 19.336/DF, DJE 14/10/2014, passou a compreender que “a acumulação de cargos constitui exceção, devendo ser interpretada de forma restritiva, de forma a atender ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho.

              Desse modo, revela-se coerente o limite de 60 (sessenta) horas semanais, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos. É limitação que atende ao princípio da eficiência sem esvaziar o conteúdo do art. 37, XVI, da Constituição Federal”.

            A atual jurisprudência do TCU, acertada, registra a necessidade de apuração da compatibilidade caso a caso. Havendo extrapolação da carga horária de sessenta horas semanais, a instância responsável pela análise da viabilidade da acumulação deve verificar, junto à autoridade hierarquicamente superior ao servidor, a qualidade e o não comprometimento do trabalho, fundamentando sua decisão e anexando ao respectivo processo administrativo a documentação comprobatória.

            Em 27 de março, mediante acórdão divulgado no DJe de 3/4/2019, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça voltou atrás no seu anterior entendimento para, com esteio um julgados da suprema corte, novamente compreender como indevida a orientação do Parecer GQ 145 da AGU, que limita a jornada cumulada dos servidores em 60 horas semanais. O acórdão apresente a seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS REMUNERADOS. ÁREA DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REQUISITO ÚNICO. AFERIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES DO STF. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

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               A Primeira Seção desta Corte Superior tem reconhecido a impossibilidade de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos privativos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho for superior a 60 (sessenta) horas semanais.


             Contudo, ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, posicionam-se "[...] no sentido de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal" (RE 1.094.802 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 11/5/2018, DJe 24/5/2018).


               Segundo a orientação da Corte Maior, o único requisito estabelecido para a acumulação é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. Precedentes do STF.


             Adequação do entendimento da Primeira Seção desta Corte ao posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1767955/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/03/2019, DJe 03/04/2019).

           Com efeito, nos julgamentos do RE 1.023.290 AgR-segundo (ministro Celso de Mello, 2ª Turma, julgado em 6/10/2017 – processo eletrônico DJe-251, divulgação em 31/10/2017, publicação em 6/11/2017), do ARE 859.484 AgR (ministro Dias Toffoli, 2ª Turma, julgado em 12/5/2015 – processo eletrônico DJe-118, divulgação em 18/6/2015, publicação em 19/6/2015), no MS 31.256 (ministro Marco Aurélio, 1ª Turma, julgado em 24/3/2015 – processo eletrônico DJe-073, divulgação em 17/4/2015, publicação em 20/4/2015), no RE 679.027 AgR (ministra Rosa Weber, 1ª Turma, julgado em 9/9/2014 – acórdão eletrônico DJe-185, divulgação em 23/9/2014, publicação em 24/9/2014) e no MS 24.540 (ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/5/2004 — DJ 18/6/2004, PP-00045 ement. vol. 02156-01, PP-00175 RTJ vol 00191-02 PP-00540), os eminentes ministros do STF afirmaram a convicção de que a acumulação lícita de cargos acumuláveis não se encontra limitada ao patamar de 60 horas semanais, restabelecendo, desta feita, as balizas constitucionais sobre o tema.

               Parecer aprovado pelo presidente da República e publicado na íntegra no Diário Oficial de 1º de abril de 1998, p.10. De acordo com o artigo 40 da LC 73/93, “os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República. § 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento”.
Capítulo constante da seguinte obra coletiva: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MOTTA, Fabricio; FERRAZ, Luciano. Servidores Públicos na Constituição Federal. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. v. 1. 238p.

                    

                É importante constar que a proibição geral de acumulação de cargos que excedem as 60 horas se estende a qualquer ente da administração pública direta ou indireta, seja federal, estadual e municipal e dentro do próprio ente federado e independe da natureza do cargo, seja ele efetivo ou comissionado. Isso significa dizer que é possível acumular um cargo municipal com outro federal, dois estaduais, um municipal e um estadual, um efetivo e outro comissionado e assim por diante, mas dentro das normas legais e respeitando o único requisito estabelecido para a acumulação que é a compatibilidade de horários no exercício das funções

                        Por fim, vale registrar que a acumulação indevida, ou seja, fora das ressalvas constitucionais, leva à nulidade do segundo contrato firmado pelo profissional. Isso porque se trata de flagrante desrespeito aos preceitos constitucionais, que são de ordem pública, não passíveis de alteração pela vontade das partes. Os Tribunais têm entendido que nem mesmo a suspensão temporária (suspender o recebimento de salário) do contrato firmado ilegalmente em função do acúmulo leva à validade do segundo contrato. O que importa para configuração do acúmulo é que o emprego ocupado fosse de fato remunerado, pouco importando que estivessem suspensos os pagamentos de salários temporariamente, como em casos de licença.

                   No presente caso, afigura-se possível a acumulação do cargo de Professor do Magistério Superior – Medicina – Departamento de Pediatria da UFG – submetido a jornada de 40 horas semanais com o cargo de Médico Pediatra – cedido pelo Ministério da Saúde ao Hospital Materno Infantil em regime de plantões alcançáveis de 20 horas semanais no período de 01/06/2008 a 24/09/2009.

                       Dessa forma, o profissional JALES BORGES FONSECA, insere-se nas excepcionalidades previstas nas alíneas “b” e “c” do Art. 37, ambas combinadas com o caput, ou seja, ocupando cargo de professor da UFG e o de  técnico ou científico ou no âmbito da saúde -médico pediatra do Hospital Materno Infantil num total de 60 hs semanais com compatibilidade de horários, tendo em vista que o cargo de médico foi em regime de plantões alcançáveis em fins de semana, prontamente legal e dentro das possibilidades.

É nosso parecer.

NILZETE APARECIDA DOS SANTOS

ADVOGADA

Sobre a autora
Nilzete Aparecida dos Santos

ESPECIALISTA EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO MESTRE EM LEGISLAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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