Habeas corpus: arbitramento de fiança

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Ilegalidade da manutenção da presente custódia cautelar com fulcro na ausência do pagamento da fiança arbitrada, vez que o paciente é hipossuficiente, razão pela qual se revela necessária a concessão de sua liberdade provisória sem fiança.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

                                   FULANO DE TAL, nacionalidade, estado civil, advogado inscrito na OAB/UF sob o número 0000, com endereço profissional na Rua, bairro, Cidade, Estado CEP: 0000000, vem, respeitosamente perante essa Egrégia Corte de Justiça, na condição de impetrante, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, c/c o artigo 648, inciso VI, do Código de Processo Penal – impetrar ordem de

HABEAS CORPUS

com pedido de LIMINAR em favor do paciente FULANO DE TAL, nacionalidade, estado civil, profissão, atualmente recolhido no ............................, apontando como autoridade coatora a MM. Juíza do ...............................da Circunscrição Judiciária de ...................................., nos autos nº 0000000, o que faz pelas razões de fato e de direito adiante aduzidas:

1. NATUREZA E SITUAÇÃO DA CAUSA:

O Paciente foi preso em flagrante por supostamente ter infringido os art. 129, § 9º do Código Penal, c/c, art. 5º inciso III, da Lei 11.340/2006, conforme cópia do Auto de Prisão em Flagrante nº 00000/2015, oriunda da Delegacia de Polícia de ...........

Após ser comunicado da referida prisão em flagrante, o nobre Juízo de 1ª Instância, verificando a ausência dos requisitos necessários à conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, concedeu ao paciente a liberdade provisória, aplicando, no entanto, as medidas protetivas favoráveis a vítima impondo ao ofensor o: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: proibição de contato com a ofendida e de seus familiares, exceto filhos, por qualquer meio de comunicação, inclusive com a utilização da rede mundial de computadores, e proibição de se aproximar da ofendida e de seus familiares, exceto filhos, ficando fixado como limite mínimo a distância  de 300 (trezentos) metros. Além do recolhimento da fiança arbitrada em R$ 3.000,00 (três mil reais).

Da Impossibilidade do Pagamento da Fiança Arbitrada  

O paciente exerce a função de Auxiliar de Serviços Gerais recebendo renda mensal de R$ 900,00 (novecentos reais) não possuindo condição financeiras de arcar com o valor arbitrado, assim como seus familiares que são pessoas de poucas posses e não podem proceder o pagamento sem comprometer a sua própria subsistência.

Com efeito, conforme se verifica dos documentos acostados aos autos o indiciado possui 3 filhos, não possuindo, portanto, qualquer condição de arcar com o efetivo pagamento da fiança arbitrada.

Tais fatos fazem incidir, portanto, a norma contida nos arts. 325 e 350 do Código de Processo Penal, que determina a concessão da isenção da fiança na hipótese dos réus serem pobres.

            Corroborando com os fatos acima, imperioso ressaltar que o indiciado é absolutamente destituído da possibilidade de pagar por sua liberdade, até porque, se não o fosse, certamente já o teria feito, vez que o indiciado percebe renda mensal de R$ 900,00 (novecentos reais)

Dessa feita, o indiciado, é presumidamente pobre, fato este que torna imperiosa a dispensa da fiança arbitrada, nos termos do artigo 325, § 1º, inciso I, que estabelece que em casos como este a fiança deverá ser dispensada, na forma do artigo 350 do Código de Processo Penal, in verbis:

 “Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será revogado o benefício.”

Neste sentido, inúmeros são os julgados deste Egrégio Tribunal de Justiça, reconhecendo a hipossuficiência daqueles que não podem arcar com as custas e, portanto, tornando imperiosa a concessão da liberdade provisória sem o arbitramento de fiança.

A propósito:

HABEAS CORPUS. AMEAÇA, INJÚRIA E DESOBEDIÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. ARBITRAMENTO DE FIANÇA. NÃO PAGAMENTO. ACUSADO HIPOSSUFICIENTE FINANCEIRAMENTE. AUSÊNCIA DE FATOS QUE DEMONSTREM A NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR. ORDEM CONCEDIDA.
1. O não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar da paciente.
2. O paciente não tem condições de arcar com o valor estipulado na decisão que concedeu a liberdade provisória, mediante o pagamento de fiança, estipulada no valor de R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais). Não causando o paciente qualquer embaraço à instrução criminal; se não há informes de que pretenda se furtar à aplicação penal e, se nada indica que possa causar ameaça à ordem pública, a privação de sua liberdade, no presente momento, pode denotar simples "resposta punitiva antecipada", com consequente ofensa ao princípio da presunção de não-culpabilidade.
3. Ordem concedida.
(Acórdão n.846214, 20150020010905HBC, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 29/01/2015, Publicado no DJE: 04/02/2015. Pág.: 150)

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. ARBITRAMENTO DE FIANÇA. NÃO PAGAMENTO. ACUSADO HIPOSSUFICIENTE FINANCEIRAMENTE. AUSÊNCIA DE FATOS QUE DEMONSTREM A NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR. ORDEM CONCEDIDA.
1. Trata-se de paciente hipossuficiente financeiramente, pois está encarcerado há 60 (sessenta) dias e até a presente data não honrou com o pagamento da fiança de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais).
2. As Autoridades Policiais, certamente em razão do acúmulo de trabalho e insuficiência de meios materiais, não vêm dispensando, de regra, a devida atenção no que se refere às informações da vida pregressa dos seus indiciados, conforme preceito lhas impositivo pelas disposições do inciso IX, do artigo 6º, do Código de Processo Penal, o que tem dificultado a determinação do valor ou da dispensa da Fiança.
3. O não pagamento da fiança arbitrada em desfavor de um operário "gesseiro", pessoa hipossuficiente, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar, pois, o Estado lhes assegura o direito à Assistência Judiciária.
4. Ordem concedida mediante termo.

(Acórdão n.860025, 20150020080003HBC, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 09/04/2015, Publicado no DJE: 14/04/2015. Pág.: 202)

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. ARBITRAMENTO DE FIANÇA. NÃO PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE FATOS QUE DEMONSTREM A NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR. ORDEM CONCEDIDA.
1. O não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar da paciente.
2. Não causando a paciente qualquer embaraço à instrução criminal; se não há informes de que pretenda se furtar à aplicação penal e, se nada indica que possa causar ameaça à ordem pública, a privação de sua liberdade, no presente momento, pode denotar simples "resposta punitiva antecipada", com consequente ofensa ao princípio da presunção de não-culpabilidade.
3. Ordem concedida.
(Acórdão n.843253, 20140020324320HBC, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 22/01/2015, Publicado no DJE: 27/01/2015. Pág.: 331)

            Insta ressaltar, também, que, de acordo com pacífica doutrina e jurisprudência, dentro dos limites estabelecidos pela Lei 12.403/2011, o valor da fiança será fixado de acordo com os seguintes critérios: a) a natureza da infração; b) as condições pessoais de fortuna e do indiciado; c) a sua vida pregressa; d) as circunstâncias indicativas de sua periculosidade; e e) a importância provável das custas do processo. (Edilson Mougenot Bonfim, “Reforma do Código de Processo Penal, Comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011”, p. 100).

            Ainda, considerando que a fiança deverá servir como uma caução, de forma a garantir o comparecimento do réu aos autos do processo, é relevante ter em conta sua situação financeira, “pois a fiança não pode ser de valor tão alto que inviabilize sua prestação, equivalendo tal situação à sua não concessão (...).” (ob. cit.) (g.n.)

Ora, evidente que a fixação de fiança em um valor tão alto a uma pessoa claramente hipossuficiente corresponde ao mesmo que a sua não fixação e, portanto, à manutenção automática da prisão do indiciado pela prática de um crime considerado pelo atual ordenamento jurídico de pouca gravidade, hipótese esta que a Lei 12.403 / 2011 claramente pretendeu afastar.

Frisa-se que referido diploma legal vem ao encontro da idéia da prisão processual como sendo a ultima ratio, isto é, a última opção ou alternativa, como medida extrema, nos moldes como vem sendo defendida pela doutrina penal e criminológica moderna.

Com efeito, a lei 12.403/11, cujo propósito principal é tentar corrigir os excessivos e abusivos decretos de prisão preventiva, encampou a idéia de que a prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, deve ser reservada às situações em que, de fato e devidamente comprovado e fundamentado, não for possível a substituição por outra medida cautelar, medidas estas previstas, agora, no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Em suma, a nova lei se resume na observação do princípio da presunção da inocência: simplesmente coloca o diploma processual penal em sintonia com a Constituição Federal, no sentido de que a prisão processual apenas e tão-somente poderá ser decretada, caso realmente não haja outro meio para garantir a satisfação da futura e eventual tutela jurisdicional. Conforme a Carta Magna, a liberdade é a regra, e a prisão, a exceção.

Ainda, de acordo com o jurista Luiz Flávio Gomes, a prisão preventiva não é apenas a ultima ratio. Ela é a extrema ratio da ultima ratio. A regra é a liberdade; a exceção são as cautelares restritivas da liberdade (art. 319, CPP).  (Prisão e Medidas cautelares – Comentários à Lei 12.403/2011. São Paulo: RT, 2011.)

Sabe-se que a prisão preventiva, por trazer como conseqüência a privação da liberdade antes do trânsito em julgado, especialmente após a edição da lei 12.403/11, apenas se justifica enquanto e na medida em que for efetivamente apta à proteção da persecução penal, em todo seu iter procedimental, e, mais, apenas quando se mostrar a única maneira de se satisfazer tal necessidade.

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Assim, a prisão preventiva é medida excepcional que se deve guardar especialmente a casos de criminalidade violenta. No caso, considerando as circunstâncias fáticas descritas nos autos, o indiciado (primário), ainda que condenado, por certo, poderá vir a ser beneficiada por uma pena restritiva de direitos, não se justificando, portanto, o seu encarceramento nesta oportunidade.

            Se fosse possível permitir que o processo infligisse ao acusado uma situação pior que a que decorreria de sua condenação, estar-se-ia, com isso, subvertendo a própria natureza instrumental garantista do processo e, mais grave ainda, tratando o inocente de forma mais severa que o condenado.

Em outras palavras, a perenização da constrição cautelar do paciente afronta não apenas o princípio da proporcionalidade, vez que há patente desproporção entre a provável pena a ser aplicada e o rigor da medida constritiva processual, como afronta também a atual sistemática das medidas cautelares trazida pela Lei n.º 12.403 de 05 de maio de 2011, a qual tornou ainda mais explícito que a liberdade é a regra no ordenamento jurídico brasileiro.

Não é outro o entendimento de Paulo Sérgio de OLIVEIRA[1]:

[...] o juiz deve sempre partir do pressuposto de que, a princípio, nenhuma restrição à  liberdade do indiciado/acusado deverá ser aplicada. Excepcionalmente, por motivo absolutamente relevante é que o juiz deverá impor alguma medida, porém alternativa a prisão. Se esta medida, após a análise criteriosa de razoabilidade/proporcionalidade/eficácia/necessidade, não se mostrar suficiente para o caso em concreto, poderá o magistrado cumular mais de uma medida cautelar do art. 319 do CPP alterado. Superada esta análise, e verificada insuficiente esta medida, bem como se não houve outra possibilidade para o caso concreto, ou seja, sendo absolutamente necessária a segregação, somente aí estaria o juiz autorizado a decretar a prisão preventiva do agente, o que deve ser feito mediante concisa e inequivocada fundamentação [...] Grifou-se.

            Logo, ausentes os requisitos da prisão preventiva, mostra-se descabida e ilegal a manutenção da presente custódia cautelar com fulcro na ausência do pagamento da fiança arbitrada, vez que o paciente é hipossuficiente, razão pela qual se revela necessária a concessão de sua liberdade provisória sem fiança.

II- Da Ordem Liminar

Apontada a ofensa à liberdade de locomoção da paciente, encontra-se presente, in casu, o fumus boni iuris.

No mesmo sentido, verifica-se a ocorrência do periculum in mora, pois a liberdade do paciente, absolutamente primário, somente ao final importará em inaceitável e injusta manutenção de violação ao seu status libertatis.

Presentes, portanto, os requisitos autorizadores da medida liminar.

III - Do Pedido

            Ante o exposto, demonstrada a ilegalidade da ordem que mantém o paciente privado da liberdade, requer o impetrante a concessão LIMINAR da ordem, com a imediata expedição de alvará de soltura. Aguarda seja o presente pedido de habeas corpus julgado procedente ao final, confirmando-se a decisão liminar.

O prosseguimento ao feito para, ao final, conceder, de forma definitiva, a Ordem do presente writ.

Termos que

Pede deferimento.

LOCAL E DATA

_____________________________________

ADVOGADO

OAB


[1] OLIVEIRA, Paulo Sérgio. “A aplicação da Lei 12.403/11 durante a vacatio legis”. In Boletim Ibccrim. Ano 19, nº 223, junho de 2011, p. 14.

Sobre o autor
Aristoteles Talaguibonan F. Arruda

PROFISSIONAL NAS ÁREAS TRABALHISTA, CIVIL E CRIMINAL.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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