Sentença Arbitral (Didática) - Toledo Prudente

07/04/2020 às 07:53
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Tribunal Arbitral da Toledo Prudente.

Procedimento Arbitral nº: 0001200-25.2015.8.26.0482.

Requerente: SINDOMAQ (Sindicato dos Operadores de Máquinas Pesadas) – CNPJ: 000.000.001/0001-00.

Requerida: Plano de Saúde “Saúde para todos” – CNPJ: 111.111.111/0002-00.

I - RELATÓRIO

Vistos.

SINDOMAQ (Sindicato dos Operadores de Máquinas Pesadas, pessoa jurídica de direito privado, escrito sob o CNPJ 000.000.001/0001-00, ingressou com o presente procedimento arbitral em face do Plano de Saúde “Saúde para todos”, pessoa jurídica de direito privado, devidamente inscrito sob o CNPJ 111.111.111/0002-00. Alega a autora, na peça inicial, que desde o mês de dezembro do ano de 1997, firmou contrato de um plano de saúde coletivo com a parte requerida. Esclareceu que, no transcorrer deste ano, após realizar uma campanha de conscientização junto a seus sindicalizados, no tocante aos direitos das minorias, especialmente aos transgêneros, houve a manifestação de interesse de três sindicalizados, sendo eles, Sr. Gigi Máquina de Costura, Sr. Lulu Máquina de Lavar e Zezé Britadeira. Esclareceu que os sindicalizados retros contam atualmente, com 27, 32 e 35 anos de idade, sendo que, desde a infância, enfrentam diversas turbulências, diante da infelicidade do sexo masculino, ocorrendo inclusive, tentativas de suicídio. Aduziu que, durante a campanha realizada, os sindicalizados tomaram conhecimento da existência de uma Portaria do Ministério da Saúde (nº 2803/2013), da qual autorizada o SUS a realizar a cirurgia de mudança sexual. Todavia, após tentativa de realização, os sindicalizados restaram frustrados, uma vez que a fila de espera extrapola o prazo de 05 anos. Apontou que, após consultar o requerido, este absteve-se de custear as cirurgias, baseando-se em uma cláusula contratual. Todavia, os três sindicalizados, após coleção de economias particulares, arcaram com a cirurgia no valor de R$ 100.00,00 cada. Por fim, após satisfeitos os interesses pessoais, os sindicalizados requerem o ressarcimento dos respectivos valores, tendo em vista que são contemplados com o plano de saúde firmado entre autor e réu.

O requerido, em sede de resposta, pleiteou pela não aplicação da Lei nº 9.656/98, tendo em vista que o contrato foi elabora antes do referidos dispositivos normativo, devendo, portanto, ser respeitado o princípio constitucional da não retroatividade da Lei para a proteção do negócio jurídico perfeito. Afirmou que, com o advento da Lei nº 9.656/98, ofícios com o título de “TERMO DE OPÇÃO” foram encaminhados ao contratante SINDOMAQ, para que, após deliberação com seus beneficiários, se manifestasse sobre a adaptação do contrato à nova regulamentação (Lei nº 9.656/98), com maior abrangência de cobertura, contudo, tal proposta foi recusada pelos beneficiários, tornando infrutífera a negociação da migração para um contrato regulamentado. Pugna então, pela total improcedência do pedido.

É o relatório.

II - FUNDAMENTO E DECIDO.

As partes são livres para contratar, o que de fato fizeram. O contrato é válido, pois, ausentes quaisquer causas de nulidade ou anulabilidade (Art. 166, 138, 145, 151, 171, ambos do Codex Civile).

Plenamente vigente, conforme é cediço, o contrato possui força de Lei perante os interessados, possuindo direitos, obrigações, faculdades, entre outros.

Cabível o procedimento arbitral, uma vez que fora eleito pelos contratantes, e devidamente possível, por expressa previsão legal (Art. 3, § 1º, do Código de Processo Civil).

O sindicato é pessoa legítima a representar seus sindicalizados, com fulcro no artigo 5, inciso XXI, da Magna Carta. Nesse sentido: STF – RE 573.232.

No caso dos autos, tenho que não há de se falar na aplicação da Lei nº 9.565/98.

Vejamos.

Em que pese as alegações e circunstâncias apresentadas pela autora, o referido diploma legal é expresso em seu artigo 35, expondo o seguinte:

Artigo 35 – Aplicam-se as disposições desta lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores..., a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta lei.

7º – Às pessoas jurídicas contratantes de planos coletivos, não optantes pela adaptação prevista neste artigo, fica assegurada a manutenção dos contratos originais, nas coberturas assistenciais neles pactuadas”,

Isto é, a aplicação da Lei é obrigatória somente aos contratos celebrados a partir da sua vigência, isto em 03/09/98 (Art. 36 da Lei 9.656/98 – Final do vacatio legis). Todavia, mesmo que o contrato das partes seja anterior à Lei, ele ainda poderia estar submetido às suas diretrizes, desde que as partes tivessem optado por sua adaptação ao sistema previsto nesta Lei.

Destarte, não foi o que aconteceu, mesmo que oportunizado. Conforme bem elenca o requerido, após o advento da Lei nº 9.656/98, foram expedidos ofícios intitulados como “Termo de Opção” em face do requerente, para que se manifestasse sobre a adequação do contrato à nova regulamentação, porém, tal proposta foi refutada, tornando inviável a negociação migradora. Anoto ainda, que as cláusulas contratuais não podem ficar sujeitas a simples vontade momentânea das partes, tendo em vista que o negócio jurídico deve ser pactuado e cumprido com seriedade.

Posto isto, devemos obedecer ao princípio constitucional da irretroatividade da Lei para a proteção do ato jurídico perfeito, mantendo os mesmos diretrizes inicialmente contratados. Ora, foi oportunizada à requerente a adequar o contrato as novas regulamentações, não fazendo por simples ausência de interesse. Assim, caso procedente a demanda, escancarado seria o desrespeito à segurança jurídica. Os contratos devem ser firmes, não podendo estar maculados de incertezas. Isto é, uma vez dito e contratado, as partes só poderiam voltar atrás em casos excepcionalíssimos, o que não vislumbro in casu.

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Incabível a adequação a Lei nº 9.656/98, passo a análise do contrato firmado entra as partes.

O negócio jurídico realizado pelo autor e réu, é cristalino ao elencar os procedimentos exclusos do plano de saúde, mais especificadamente em seu capítulo V, artigo 9º.

O procedimento agitado pelos sindicalizados, encontra-se devidamente excluído no artigo 9, inciso X (cirurgia para mudança de sexo), não tendo o requerido obrigação de indenizá-los. É dizer que, não é em razão da extensa fila do SUS, somado a existência de um contrato particular, que os beneficiários estariam cobertos de todo e qualquer procedimento. Além de que, foram cientificados da negativa pelo próprio Plano.

Diferente ao acaso seria, caso o Plano de Saúde, possuindo o dever de abranger tal cirurgia, negasse a faze-la, pois, os requerentes, por conta própria, poderiam realizar com os próprios recursos financeiros, e após, pleitear o ressarcimento.

Importante frisar que, os contratantes devem respeitar os limites impostos no contrato. Em outras palavras, um não pode pedir mais do que faz jus, e o outro não está obrigado a fazer mais do que lhe é devido.

Cumpre-me trazer à baila que a assistência ilimitada à saúde é dever do estado, conforme artigos 196 e 198, inciso II, da Constituição Federal. Anoto, ainda, que nem todos os princípios jurídicos aplicados ao Sistema Único de Saúde são aplicados de maneira integral aos convênios particulares.

A exclusão aqui aplicada é devidamente válida, pois, não afronta os princípios teleológicos do contrato, nem tão pouco seu objeto. Não há de se falar também em abusividade, sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que aplicado ao caso em concreto, conforme Súmula 469 do STJ.

Por fim, imperioso ressaltar o popular e polêmico princípio do Pacta Sun Servanda. Princípio este, de grande importância a todos os contratos do Direito Brasileiro, que caminha conjuntamente com a segurança jurídica, já fundamentada nesta sentença.

III - DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTE o pedido do autor.

Kaio Nabarro Giroto, Árbitro Nomeado.

Presidente Prudente/São Paulo/Brasil, 23 de agosto de 2.017.

Sobre o autor
Kaio Nabarro Giroto

Estagiário Nível Superior do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Março/2016 - Janeiro/2019). Estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo (Outubro/2019 - atualmente)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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