Procedimento Arbitral nº: 0001200-25.2015.8.26.0482.
Requerente: SINDOMAQ (Sindicato dos Operadores de Máquinas Pesadas) – CNPJ: 000.000.001/0001-00.
Requerida: Plano de Saúde “Saúde para todos” – CNPJ: 111.111.111/0002-00.
I - RELATÓRIO
Vistos.
SINDOMAQ (Sindicato dos Operadores de Máquinas Pesadas, pessoa jurídica de direito privado, escrito sob o CNPJ 000.000.001/0001-00, ingressou com o presente procedimento arbitral em face do Plano de Saúde “Saúde para todos”, pessoa jurídica de direito privado, devidamente inscrito sob o CNPJ 111.111.111/0002-00. Alega a autora, na peça inicial, que desde o mês de dezembro do ano de 1997, firmou contrato de um plano de saúde coletivo com a parte requerida. Esclareceu que, no transcorrer deste ano, após realizar uma campanha de conscientização junto a seus sindicalizados, no tocante aos direitos das minorias, especialmente aos transgêneros, houve a manifestação de interesse de três sindicalizados, sendo eles, Sr. Gigi Máquina de Costura, Sr. Lulu Máquina de Lavar e Zezé Britadeira. Esclareceu que os sindicalizados retros contam atualmente, com 27, 32 e 35 anos de idade, sendo que, desde a infância, enfrentam diversas turbulências, diante da infelicidade do sexo masculino, ocorrendo inclusive, tentativas de suicídio. Aduziu que, durante a campanha realizada, os sindicalizados tomaram conhecimento da existência de uma Portaria do Ministério da Saúde (nº 2803/2013), da qual autorizada o SUS a realizar a cirurgia de mudança sexual. Todavia, após tentativa de realização, os sindicalizados restaram frustrados, uma vez que a fila de espera extrapola o prazo de 05 anos. Apontou que, após consultar o requerido, este absteve-se de custear as cirurgias, baseando-se em uma cláusula contratual. Todavia, os três sindicalizados, após coleção de economias particulares, arcaram com a cirurgia no valor de R$ 100.00,00 cada. Por fim, após satisfeitos os interesses pessoais, os sindicalizados requerem o ressarcimento dos respectivos valores, tendo em vista que são contemplados com o plano de saúde firmado entre autor e réu.
O requerido, em sede de resposta, pleiteou pela não aplicação da Lei nº 9.656/98, tendo em vista que o contrato foi elabora antes do referidos dispositivos normativo, devendo, portanto, ser respeitado o princípio constitucional da não retroatividade da Lei para a proteção do negócio jurídico perfeito. Afirmou que, com o advento da Lei nº 9.656/98, ofícios com o título de “TERMO DE OPÇÃO” foram encaminhados ao contratante SINDOMAQ, para que, após deliberação com seus beneficiários, se manifestasse sobre a adaptação do contrato à nova regulamentação (Lei nº 9.656/98), com maior abrangência de cobertura, contudo, tal proposta foi recusada pelos beneficiários, tornando infrutífera a negociação da migração para um contrato regulamentado. Pugna então, pela total improcedência do pedido.
É o relatório.
II - FUNDAMENTO E DECIDO.
As partes são livres para contratar, o que de fato fizeram. O contrato é válido, pois, ausentes quaisquer causas de nulidade ou anulabilidade (Art. 166, 138, 145, 151, 171, ambos do Codex Civile).
Plenamente vigente, conforme é cediço, o contrato possui força de Lei perante os interessados, possuindo direitos, obrigações, faculdades, entre outros.
Cabível o procedimento arbitral, uma vez que fora eleito pelos contratantes, e devidamente possível, por expressa previsão legal (Art. 3, § 1º, do Código de Processo Civil).
O sindicato é pessoa legítima a representar seus sindicalizados, com fulcro no artigo 5, inciso XXI, da Magna Carta. Nesse sentido: STF – RE 573.232.
No caso dos autos, tenho que não há de se falar na aplicação da Lei nº 9.565/98.
Vejamos.
Em que pese as alegações e circunstâncias apresentadas pela autora, o referido diploma legal é expresso em seu artigo 35, expondo o seguinte:
“Artigo 35 – Aplicam-se as disposições desta lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores..., a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta lei.
7º – Às pessoas jurídicas contratantes de planos coletivos, não optantes pela adaptação prevista neste artigo, fica assegurada a manutenção dos contratos originais, nas coberturas assistenciais neles pactuadas”,
Isto é, a aplicação da Lei é obrigatória somente aos contratos celebrados a partir da sua vigência, isto em 03/09/98 (Art. 36 da Lei 9.656/98 – Final do vacatio legis). Todavia, mesmo que o contrato das partes seja anterior à Lei, ele ainda poderia estar submetido às suas diretrizes, desde que as partes tivessem optado por sua adaptação ao sistema previsto nesta Lei.
Destarte, não foi o que aconteceu, mesmo que oportunizado. Conforme bem elenca o requerido, após o advento da Lei nº 9.656/98, foram expedidos ofícios intitulados como “Termo de Opção” em face do requerente, para que se manifestasse sobre a adequação do contrato à nova regulamentação, porém, tal proposta foi refutada, tornando inviável a negociação migradora. Anoto ainda, que as cláusulas contratuais não podem ficar sujeitas a simples vontade momentânea das partes, tendo em vista que o negócio jurídico deve ser pactuado e cumprido com seriedade.
Posto isto, devemos obedecer ao princípio constitucional da irretroatividade da Lei para a proteção do ato jurídico perfeito, mantendo os mesmos diretrizes inicialmente contratados. Ora, foi oportunizada à requerente a adequar o contrato as novas regulamentações, não fazendo por simples ausência de interesse. Assim, caso procedente a demanda, escancarado seria o desrespeito à segurança jurídica. Os contratos devem ser firmes, não podendo estar maculados de incertezas. Isto é, uma vez dito e contratado, as partes só poderiam voltar atrás em casos excepcionalíssimos, o que não vislumbro in casu.
Incabível a adequação a Lei nº 9.656/98, passo a análise do contrato firmado entra as partes.
O negócio jurídico realizado pelo autor e réu, é cristalino ao elencar os procedimentos exclusos do plano de saúde, mais especificadamente em seu capítulo V, artigo 9º.
O procedimento agitado pelos sindicalizados, encontra-se devidamente excluído no artigo 9, inciso X (cirurgia para mudança de sexo), não tendo o requerido obrigação de indenizá-los. É dizer que, não é em razão da extensa fila do SUS, somado a existência de um contrato particular, que os beneficiários estariam cobertos de todo e qualquer procedimento. Além de que, foram cientificados da negativa pelo próprio Plano.
Diferente ao acaso seria, caso o Plano de Saúde, possuindo o dever de abranger tal cirurgia, negasse a faze-la, pois, os requerentes, por conta própria, poderiam realizar com os próprios recursos financeiros, e após, pleitear o ressarcimento.
Importante frisar que, os contratantes devem respeitar os limites impostos no contrato. Em outras palavras, um não pode pedir mais do que faz jus, e o outro não está obrigado a fazer mais do que lhe é devido.
Cumpre-me trazer à baila que a assistência ilimitada à saúde é dever do estado, conforme artigos 196 e 198, inciso II, da Constituição Federal. Anoto, ainda, que nem todos os princípios jurídicos aplicados ao Sistema Único de Saúde são aplicados de maneira integral aos convênios particulares.
A exclusão aqui aplicada é devidamente válida, pois, não afronta os princípios teleológicos do contrato, nem tão pouco seu objeto. Não há de se falar também em abusividade, sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que aplicado ao caso em concreto, conforme Súmula 469 do STJ.
Por fim, imperioso ressaltar o popular e polêmico princípio do Pacta Sun Servanda. Princípio este, de grande importância a todos os contratos do Direito Brasileiro, que caminha conjuntamente com a segurança jurídica, já fundamentada nesta sentença.
III - DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTE o pedido do autor.
Kaio Nabarro Giroto, Árbitro Nomeado.
Presidente Prudente/São Paulo/Brasil, 23 de agosto de 2.017.