Exmo. Sr. Juiz de Direito da Unidade Jurisdicional da Comarca de
Autos n.
(nome), já qualificada, por seus advogados in fine assinados, nos autos epigrafados em que contende contra , qualificado na exordial, vem, respeitosamente, interpor o presente RECURSO INOMINADO[1], em face da v. sentença de mérito e sua r. decisão integrativa dos embargos de declaração, vide Ids. e , pelos e fundamentos aduzidos a seguir:
RAZÕES DO RECURSO INOMINADO
Objeto: Ação de indenização por danos morais e materiais
Autos n.:
Origem: Unidade Jurisdicional Cível da Comarca de
Recorrente:
Recorrido:
Colenda Turma Recursal do Juizado Especial Cível, Eminentes Julgadores.
I- BREVE ESCORÇO DA DEMANDA
Em apertada síntese, trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais distribuída por , afirmando ter contratado o instrumento particular de contrato de compra e venda de bem móvel com entrega futura junto à ora recorrente, comprometendo-se ao pagamento de 60 [sessenta] parcelas fixas, mensais e consecutivas, cada uma no valor de R$ [].
Atingido o termo final estabelecido, a ora recorrente emitiu um cheque pré-datado no valor de R$ [], descontada a última parcela inadimplente.
Como não foi possível sacar o valor descrito na cártula, concomitantemente distribuiu uma ação de execução autônoma para cobrança de seu crédito, bem como a presente ação indenizatória a fim de ser ressarcido por dívidas contraídas em nome próprio, o que supostamente acarretou em prejuízos de ordem material e moral.
Expedidos o mandado de citação para desde logo apresentar contestação, a ré apresentou sua contestação, rechaçando pontualmente, vide Id. :
(I) incompetência do Juizado Especial Cível devido a indispensabilidade da realização de provas extremamente completas, cuja sistemática não condiz com o rito do Juizado Especial; (II) ilegitimidade passiva, apontando como parte legítima a figurar no polo passivo da pretensão de recebimento dos valores de entrada apenas o ; (III) inversão do ônus da prova, vez competia a parte autora provar sua impossibilidade de obtenção dos meios a provar o seu direito; (IV) dano moral, pois o autor deixou de relatar de modo exato e bem articular as causas, prejuízos e os reflexos do evento gerado de dano; (V) dano material, vista a clara intenção do autor se enriquecer sem justa causa às custas da ora recorrente
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Foi apresentada impugnação à contestação pela parte autora [ora recorrida], momento em que refutados os termos contidos na peça de defesa apresentada e requerido a total procedência do pleito vergastado na exordial, vide Id.
Superada a instrução processual, o d. juízo sentenciante julgou parcialmente procedente os pedidos autorais, afastando a indenização por danos materiais e condenando a ora recorrente ao pagamento de R$ [] a título de danos morais, vide Id.
Foram aviados embargos de declaração para que fosse suprida a omissão observada, pois indeferidos os benefícios da gratuidade de justiça sem que oportunizasse à parte apresentar novos documentos comprovatórios de sua real e incontestável hipossuficiência [CPC, arts. 98 e 99, §2º][2]. Apesar de conhecidos, os aclaratórios foram rejeitados, vide Ids. e
Este o substrato do caderno processual.
II- PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Tempestividade
As decisões terminativas proferidas pela 1ª Instância do Juizado Especial podem ser atacadas via recurso inominado no prazo legal de 10 [dez] dias úteis, contados da ciência da sentença de mérito ou sua decisão integrativa dos embargos de declaração, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido recursal[3].
In casu, verifica-se que a expedição eletrônica de intimação da v. decisão dos embargos de declaração ocorreu em , tendo sua ciência automática em
Portanto, iniciada a contagem do prazo em ; havendo suspensão dos prazos desde e retorno da contagem apenas em , considerando as falhas intermitentes desde o início do ano, tem-se que as razões são apresentadas tempestivamente nesta oportunidade legal. [doc. n. ]
Isto posto, cumprido o pressuposto da tempestividade, requer o recebimento, processamento e conhecimento do presente recurso inominado.
Gratuidade de justiça
Incontestável que os benefícios da gratuidade de justiça podem ser estendidos às pessoas jurídicas que demonstrarem a ausência de recursos financeiros e sua impossibilidade de arcarem com as custas e despesas processuais, ainda que o pedido seja feito em grau recursal, ex vi:
CPC, art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
STJ, Súmula 481. Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.
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Por isso, necessário evidenciar a esta d. Turma Recursal que ao longo de décadas de funcionamento, a única fonte de renda da ora recorrente era o comércio de veículos automotores fabricados pela na região de Distrito de []. Todavia, a concessão comercial foi rescindida unilateralmente pela montadora em , visto que apresentava insatisfatório desempenho comercial e também insuficiência de capital de giro para exercício de suas atividades nos padrões da Multinacional. [doc. n. ]
Não bastando sua única fonte de renda ser proibida, por se tratar de empresa voltada ao comércio de veículos automotores, enfrenta os impactos econômicos provocados pela crise econômico-financeira brasileira desde os idos de Basta uma singela leitura do recentíssimo Balancete para perceber que no ano de o déficit financeiro da empresa ultrapassou a vultosa cifra de (-) R$ []. [doc. n. ]
Os prejuízos acumulados desde a crise financeira vivenciada do país se somam aos impactos avassaladores provocados em decorrência da pandemia do Novo Coronavírus Covid19, o que são fatos notórios e públicos que dispensam prova nos presentes autos[4].
E ainda, são centenas de demandas distribuídas e em curso promovidas em face da ora recorrente, basta uma singela leitura do PJe para constatar essa infeliz realidade. [doc. n. ]
Assim sendo, comprovado até não mais poder que a ora recorrente não possui condições econômico-financeiras de arcar com os ônus processuais, requer a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça nesta oportunidade legal.
III- MÉRITO PROVIMENTO DO RECURSO
Reforma da v. sentença de mérito: o dano moral não se presume e depende de documentação idônea comprovando o preenchimento de seus requisitos.
Extrai-se da v. sentença que a premissa para condenação da ora recorrente ao pagamento de indenização por danos morais partiu de sua inadimplência, representada pela emissão de cheque pré-datado não quitado a tempo e modo devido, vide sentença Id.
Data venia, muito grave imputar essa responsabilidade civil quase presumida apenas e tão somente pelo atraso no pagamento, se em contrapartida não há nos autos documentos robustos que comprovem a prática de ilícito civil que tenha ocasionado dano e principalmente a extensão desse dano.
Ademais, eventual manutenção da v. sentença de mérito nos mesmos termos pode se tornar precedente nefasto, podendo até mesmo atingir o próprio recorrido, que confessa a existência de diversos débitos em sua peça pórtica, vide Id.
De conhecimento que o dano moral é compreendido pela reparação pela prática de ilícito civil por determinada pessoa, que cause inegavelmente lesão a bem ou direito, seja pela redução de patrimônio ou então à imagem de outrem [CC, arts. 186, 187 e 927][5].
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Para eventual condenação, não basta que a parte lance meras alegações de prejuízos. A lesão deve ser inegavelmente comprovada por meios idôneos que demonstrem com exatidão as implicações sofridas em decorrência da prática de ilícito civil que possa responsabilizar civilmente aquele transgressor.
Verifica-se pela previsão legal, que o dano é fator preponderante na configuração da responsabilização do indivíduo que causa prejuízo a outrem. Desde os tempos antigos, a prova do dano vinculava o agressor à sua reparação e isto era regra em matéria de violações ao patrimônio.
Conforme aponta Carlos Alberto Bittar, o dano é pressuposto da responsabilidade civil, entendendo-se como tal qualquer lesão experimentada pela vítima em seu complexo de bens jurídicos, materiais ou morais, como o entende a melhor doutrina[6].
Em sua peça de ingresso não consta uma linha sequer que demonstre qualquer prática de ilícito civil que enseje a condenação da ré [ora recorrente] ao pagamento de indenização por danos morais, data venia.
Na realidade, verifica-se que as razões que açambarcaram o pedido indenizatório surgiram das dívidas particulares para pagamento de despesas pessoais que nada possuem relação jurídica entre os contenderes. E o juízo primevo acolheu parcialmente suas pretensões, vide Id.
Permissa maxima venia, a mera inadimplência desacompanhada dos pressupostos não pode ser único elemento de convicção para condenação de qualquer parte ao pagamento de indenização por danos morais.
Ulterior deliberação por esta d. Turma Recursal poderá se tornar precedente nefasto neste Eg. Tribunal de Justiça de acaso mantidos os termos da sentença, pois condenar uma pessoa jurídica como único fundamento sua inadimplência/atraso no pagamento causará com toda certeza embaraços na vida comercial de qualquer empresa, principalmente na esfera automotiva.
Ademais, os impactos dessa indenização por danos morais poderão atingir os colaboradores restantes da empresa recorrente. Exatamente os que tanto se empenham para solucionar, equacionar ou ao menos minorar esses impactos econômico-financeiros.
Trocando em miúdos: a mera inadimplência não poderia ser o único elemento de convicção para condenação por danos morais à recorrente, especialmente quando ocorrido quase que de forma presumida, automática e objetiva. As arguições expostas na inicial e vergastadas na v. sentença demonstram claramente que as situações vivenciadas foram meros dissabores, aborrecimentos e irritações. Essas assertivas estão fora da órbita do dano moral.
Segundo prescreve o renomado jurista CARLO ROBERTO GONÇALVES[7]:
observa-se que, embora possa haver responsabilidade sem culpa, não se pode falar em responsabilidade civil ou em dever de indenizar se não houve dano. Ação de indenização sem dano é pretensão sem objeto, ainda que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator.
No mesmo sentido o farto repertório jurisprudencial:
APELAÇÃO CÍVEL INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DANOS MORAIS NÃO CONFIGURAÇÃO MEROS ABORRECIMENTOS. Quando a situação vivenciada pela parte autora não ultrapassa a esfera dos meros dissabores, uma vez que não demonstrados os prejuízos por ela alegados, não há o dever de indenizar. Não é toda situação desagradável e incômoda, aborrecimento ou desgaste emocional, que faz surgir no mundo jurídico o direito à ao ressarcimento por danos morais, pois do contrário acabaríamos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenização pelos mais triviais aborrecimentos da vida cotidiana.., Restando superada a tese de ilegalidade do ato administrativo impugnado, rejeitam-se os pedidos indenizatórios (danos morais) pertinentes a abalo psicológico, porquanto não configurado requisito ensejador da indenização pleiteada (ato ilícito), não sendo necessário sequer se perquirir acerca da efetiva comprovação de danos. [TJMG, Apelação Cível 1.0000.20.043573-3/001, Relator(a): Des.(a) Baeta Neves, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/07/2020, publicação da súmula em 15/07/2020]
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO LIGAÇÕES INOPORTUNAS COBRANÇA INDEVIDA DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS MEROS ABORRECIMENTOS MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Embora a autora possa ter tido algum aborrecimento, não se pode considerar que tais desconfortos passageiros caracterizem prejuízo moral passíveis de indenização, posto que, a mera intranquilidade ou os sobressaltos cotidianos passíveis de solução desmerecem reparação pecuniária, caso contrário, estar-se-ia admitindo que quaisquer dissabores do dia-a-dia se transformassem em ilícito ressarcível em pecúnia. [TJMG, Apelação Cível 1.0000.20.005086-2/001, Relator(a): Des.(a) Otávio Portes, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/06/2020, publicação da súmula em 18/06/2020]
Isto posto, deve ser afastada a condenação da ora recorrente ao pagamento de indenização por danos morais, pois cristalino que o ora recorrido não cuidou de relatar de modo exato e bem articular as causas, prejuízos e os reflexos dos supostos eventos danosos mais ou menos calamitosos que sofreu ou tolerou. O breve relato de potencial lesivo, se não indicar os efeitos dos atos ou omissões, não pode ser admitido como fundamento da condenação da parte suplicada [ora recorrente], permissa maxima venia.
IV- PEDIDOS
Ex positis, a recorrente requer:
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a) seja RECEBIDO E PROCESSADO O PRESENTE RECURSO INOMINADO, DEFERINDO-LHE OS BENEFÍCIOS DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA, considerando a real hipossuficiência financeira, o que lhe garante o acesso ao Poder Judiciário independentemente do recolhimento das custas, despesas e taxas judiciárias [CPC, arts. 98 e ss.];
b) a intimação da parte recorrida através de sua advogada regularmente cadastrada nos autos para, querendo, apresentar suas contrarrazões ao presente recurso inominado;
c) seja PROVIDO O PRESENTE RECURSO INOMINADO, A FIM DE REFORMAR A V. SENTENÇA DE MÉRITO E SUA R. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA, para que no mérito seja AFASTADA A SUA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, VEZ QUE PATENTE A AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES;
d) subsidiariamente, acaso superada a premissa maior pelo afastamento total da indenização, seja o quantum estipulado pelo mínimo legal, observando e contrapondo seu delicadíssimo estado econômico-financeiro.
Deferimento.
(Local e data)
(Assinatura e OAB do Advogado)