Gostaria de saber se a compra e detenção de armas brancas longas com fio como por exemplo: lanças, floretes, sabres e espadas bastardas é considerado crime, as mesmas estariam apenas expostas apenas em minha residência e teriam um uso ocasional em ambientes controlados. Agradeço desde já pela ajuda e a dedicação para ler este tópico.

Respostas

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    Adv. Antonio Gomes Terça, 17 de janeiro de 2012, 22h53min

    No Brasil, há restrição sobre a posse e o uso de armas brancas, especificamente as espadas e espadins das Forças Armadas e Auxiliares, consideradas privativas destas, segundo o regulamento de produtos controlados do Exército (R-105). Além disso, vigora o dispositivo do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais, já que a Lei 10.826/2003, Estatuto do desarmamento, que revogou o referido artigo, apenas o fez em relação às armas de fogo.

    Vejamos: in verbis:

    Promotora de Justiça da comarca de Ponta Grossa


    Resumo: Artigo 19 do Decreto Lei 3699/41, tipo anormal, dependente de norma regulamentar. Inexistência de lei ou decreto a regulamentar a posse de arma branca em território nacional (exceto espadas e espadins – Dec. 3665/00). Condenação lastreada na objetividade jurídica, sem análise do elemento normativo do tipo. Atipicidade da conduta, em se tratando de posse de faca, canivete e afins. Princípio da legalidade a ser observado (artigo 5º, XXXIX, Constituição Federal).

    Dispõe o artigo 19 do Decreto Lei 3688/41, em seu caput, que é contravenção trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade competente. A pena, prisão simples de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente.

    Por óbvio que a criminalização desta conduta – portar arma fora de casa, sem licença da autoridade competente – deu-se em razão, principalmente, das armas de fogo. Isto porque, data o diploma legal de 03 de outubro de 1941 (com vigência a partir de 1º de janeiro de 1942, conforme artigo 72 do DL 3688/41) e, somente, em 1997, com a edição da Lei 9.437 é que as armas de fogo passaram a ter atenção diferenciada.

    Enquanto vigente em sua inteireza o artigo 191, a doutrina construiu a distinção de armas próprias e impróprias, colocando na primeira categoria as armas de fogo, por excelência. Deixou para a segunda categoria, outros instrumentos que não teriam destinação originária como armas. Mas, considerada a potencialidade lesiva, poderiam ser usadas para tal. Ex.: facas, canivetes, socos inglês, etc.

    Com o advento da Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, o porte de arma de fogo passou a ser considerado crime. E, o entendimento primeiro foi o de que, residualmente, a figura contravencional do artigo 19 abarcaria o porte de arma branca.

    EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CONTRAVENÇÃO PENAL - CRIME DE PORTE DE ARMA BRANCA - ART. 19 DO DECRETO-LEI 3.688/41 (LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS) - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - APELANTE QUE TRAZIA CONSIGO ARMA BRANCA (FACA) EM LOCAL PÚBLICO (BAR). INFRAÇÃO DE MERA CONDUTA - INEXIGÊNCIA DE DANO CONCRETO - ABOLITIO CRIMINIS EM FACE DA LEI 9.437/97 - INOCORRÊNCIA. "Embora a faca seja tida como arma imprópria (a chamada arma branca), se possui potencialidade ofensiva e se presta à defesa, bem como ao ataque, de quem a porta, com possibilidade de dano físico, há que ser considerada como elemento caracterizador da contravenção do art. 19" (TACRIM-SP - AC - Rel. Silva Rico - RJD 11/153). "Com o advento da Lei 9.437/97, o porte ilegal de arma de fogo deixou de ser contravenção penal, restando apenas a subsunção típica do porte ilegal de arma branca "prevista no art. 19, caput e parágrafos da Lei das Contravenções Penais, quando se tratar de arma imprópria (objeto eventualmente utilizado para o ataque ou defesa da integridade física de alguém) ou arma branca (de fio ou gume, ponta ou corte, portáteis ou transportáveis)." (Eneida Orbage de Britto Taquary. Juris Síntese nº 18 - JUL/AGO de 1999) APELO CONHECIDO E IMPROVIDO2.


    Todavia, é de se notar que o tipo contravencional não se esgota na descrição da conduta de trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta. Soma-se ao tipo objetivo o elemento normativo: a inexistência de licença da autoridade competente, para que se considere preenchido o tipo penal.

    Pergunta-se: qual a licença a se obter para trazer consigo fora de casa ou de dependência desta, p.ex., a faca de cozinha, um facão de lavoura, um canivete ou mesmo um chicote ???

    Não existe regulamentação para tanto. Anota Guilherme de Souza Nucci (in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 1. ed., São Paulo : RT, 2006, p. 19) que a expressão sem licença da autoridade constitui, na realidade, elemento ligado à ilicitude. Porém, por ter sido inserido no tipo, havendo permissão, o fato seria atípico (o grifo é do autor).

    Sem dúvida, era o caso da concessão do porte de arma, antes da Lei 9.437/97, para que o sujeito pudesse andar com seu revólver fora de casa. Mas, não tendo para quem pedir permissão – para o porte de arma branca – depreende-se que este porte é permitido. Afinal, reza o dito popular, que o que não é proibido é permitido.

    PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

    (...)

    a) Da Reserva Legal

    O postulado da Reserva Legal está claramente prescrito no artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal vigente (...) não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

    (...)

    ... Ou seja: somente não é lícito aquilo que a lei proíbe. Dentre esses direitos se insere o da Reserva Legal, ou seja: somente a lei, e anteriormente ao fato, pode estabelecer que este constitui delito, e a pena a ele aplicável.3

    Exaustiva pesquisa levou à conclusão que somente as espadas e espadins encontram referência legal como armas brancas de uso restrito pelas Forças Armadas, conforme art. 16, inciso XV do Decreto nº 3.665/2000 (R-105). E, portanto, estariam sujeitos à autorização especial para porte.

    Neste sentido, Marcelo Pereira (Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo), no artigo O porte de arma branca – o uso de arma branca, traz que

    a única restrição sobre a posse e o uso de armas brancas diz respeito a espadas e espadins das Forças Armadas e Auxiliares, consideradas privativas destas segundo o regulamento de produtos controlados do Exército(R-105). Nada mais juridicamente válido existe sobre o assunto, pois no Brasil é crime portar arma de fogo sem condição legal para tanto (artigo 14 da Lei Federal n.º 10.826/2003 – estatuto do desarmamento). Tal condição ou decorre de uma específica situação funcional do indivíduo, como é o caso por exemplo do policial, ou decorre de uma autorização outorgada pela autoridade competente, como sucede com o porte de arma dado ao civil honesto pela autoridade policial (que na prática não existe mais).

    A Constituição Federal estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, a não ser em virtude da lei (artigo 5.º, inciso II). É a regra do Estado de Direito, no qual vigora o princípio da liberdade (artigo 3.º, inciso I). A legislação no Brasil proíbe o porte ilegal de arma de fogo, disciplinando inclusive as condições legais para o exercício do porte licitamente. Nada mais estabelece, estando revogado tacitamente o artigo 19 da Lei das Contravenções Penais desde a Lei Federal n.º 9437/97 (revogada pelo estatuto do desarmamento), que previa como infração penal o porte ilegal de armas de fogo (artigo 21 da Lei Federal n.º 9437/97), o qual aliás se referia apenas a estas, já que nunca houve autorização para porte de armas brancas, que são as lâminas em sentido amplo4.

    Mesmo assim, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná tem confirmado condenação pelo porte de arma branca, sob o argumento de que o objeto material da contravenção tem potencialidade lesiva e expõe a perigo o bem jurídico tutelado pela norma (segurança pública). Não aborda, o tribunal a presença, ou não, do elemento normativo do tipo (!?!).

    Nº do Acórdão: 20236; Órgão Julgador: 2ª Câmara Criminal; Tipo de Documento: Acórdão; Comarca: Paranavaí; Processo: 0385622-6; Recurso: Apelação Crime (det); Relator: João Kopytowski; Julgamento: 15/03/2007 17:48; Ramo de Direito: Criminal; Decisão: Unânime; Dados da Publicação: DJ: 7334

    Ementa: DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em desprover o recurso, conforme o voto, do Relator. EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL. PORTE DE ARMA BRANCA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. IRRELEVÂNCIA. EXPOSIÇÃO DE BEM JURÍDICO À PERIGO CONCRETO. INOCORRÊNCIA. DELITO DE PERIGO ABSTRATO. RECURSO DESPROVIDO. 1) Portar faca de cozinha na cintura, dentro de um bar e sem qualquer justificativa plausível, configura a contravenção penal prevista no art. 19 do DL 3.688/41. 2) Não tendo havido questionamentos acerca da potencialidade ofensiva da faca e estando ela aparentemente normal é desnecessária perícia. 3) Prescindível a ocorrência de perigo concreto5.

    Especificamente no julgamento da apelação criminal 327.410-6, de Mandaguaçu, sendo apelante Nildo Tiburcio e Apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO6, no corpo do acórdão, constou o Decreto 6.911/35 (artigo 5º, § 1º, h), como sendo a norma legal que traria as condições para o regular porte de arma branca fora da residência.

    Este mesmo acórdão paranaense, valeu-se do julgamento do REsp 54056, 5ª Turma do STJ, que teve como relatora a Ministra Laurita Vaz.

    Consultado o corpo do acórdão oriundo do STJ, constatou-se que, também, não houve enfrentamento do tema quanto à licença da autoridade competente.

    RECURSO ESPECIAL Nº 549.056 - SP (2003/0108902-4)

    RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

    Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, que absolveu o Réu nos seguintes termos, litteris:

    "O recurso está no caso de ser provido. A conduta é atípica . Efetivamente:

    (1) de lege ferenda, o porte de arma certamente deveria ter, mas, de lege lata, não tem nenhuma significação em termos de punibilidade.

    (2) a verdade é que, por escandaloso cochilo do legislador, não se trata de arma cujo porte esteja 'condicionado à autorização de autoridade competente', de conformidade com o mais recente estatuto disciplinador do uso de arma - de fogo, exclusivamente - (Lei n.º 9.437/97), já em vigência à época do fato;

    (3) viola o sacratíssimo princípio da reserva legal assim a tentativa artificiosa de incluir armas brancas na categoria daquelas cujo porte é disciplinado normativamente, após a edição da citada lei, como supor mantido o art. 19 da L.C.P para a hipótese de arma branca, com suporte em decreto estadual de inequívoca, patente e flagrante inconstitucionalidade (C.F, art. 22, I, terceira hipótese)." (fls. 95/96)

    O Recorrente, alegando negativa de vigência ao art. 19 da Lei das Contravenções Penais, aduz, em suma, que "pelo fato de o porte de arma de fogo haver sido retirado da esfera de incidência da norma contravencional, erigido agora em crime e ampliadas as hipóteses de crimes tendo por objeto esse tipo de armas, não há como inferir haja sido inteiramente revogado o dispositivo da Lei das Contravenções Penais." (fls. 104)

    Contra-razões oferecidas às fls. 116/119.

    A douta Subprocuradoria-Geral da República, em seu parecer às fls. 132/136, opinou pelo provimento do recurso.

    É o relatório.

    (...)

    VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

    Assiste razão ao Recorrente, uma vez que, com a edição da Lei n.º 9.437/97 (diploma que instituiu o Sistema Nacional de Armas e tipificou como crime o porte não autorizado de arma de fogo), o art. 19 da Lei das Contravenções Penais foi apenas derrogado, subsistindo a contravenção quanto ao porte de arma branca.

    Pelas percucientes considerações adoto, como razões de decidir, os argumentos expendidos pela ilustre Representante do Ministério Público Federal, Dra. Helenita Caiado de Acioli, in verbis:

    "O art. 19 da Lei de Contravenções Penais (Dec-Lei n.º 3.688/41), assim dispõe: 'Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença de autoridade: Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente."

    Por sua vez, a Lei n.º 9.437/97, que elevou à categoria de crime o porte não autorizado de armas de fogo, reza em seu art. 10, verbis: (...)'

    Não obstante o porte ilegal de arma de fogo haver sido retirado da esfera de incidência da norma contravencional, e erigido à natureza de crime, não há como inferir que haja sido inteiramente revogado o art. 19 da LCP. A derrogação do referido dispositivo deu-se tão somente em relação às armas de fogo, não se estendendo às armas brancas, cuja posse fora de casa ou de dependência desta, sem licença de autoridade, constitui a contravenção do art. 19 da lei respectiva, que guarda, portanto, residual vigência.

    A propósito do tema, vale destacar lição de DAMÁSIO E. DE JESUS: 'Concurso de normas: armas brancas e armas de fogo. O art. 19 da LCP foi derrogado pelo art. 10 da Lei n.º 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Tratando-se de arma branca, aplica-se o art. 19 da LCP; cuidando-se, entretanto, de armas de fogo, há crime, incidindo o art. 10 da lei nova.' (in LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS ANOTADA, Editora Saraiva, 8ª edição, 2001, pg. 56)." (fls. 135/136)

    Assim, opina, o Ministério Público Federal pelo conhecimento e provimento do recurso especial, restabelecendo-se a decisão de primeiro grau."

    Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO E DOU-LHE PROVIMENTO, a fim de que seja restabelecida a sentença de primeiro grau. É o voto.

    MINISTRA LAURITA VAZ7

    Pesquisa feita no site www.senado.gov.br, que contém toda a legislação federal (donde provém as normas de natureza penal), embora traga vinte e oito resultados para o argumento “decreto 6911”, nenhum deles é de 1935. Ou, ainda, diz respeito à autorização para posse de arma branca.

    Sabe-se que mencionado Decreto (6.911/35) é do Estado de São Paulo, de lavra do interventor federal (...) Armando de Salles Oliveira8. Todavia, exaustiva pesquisa feita no site http://www.imesp.com.br/PortalIO/Home_1_0.aspx9, com todos os argumentos possíveis (número do decreto, autor, objeto do decreto, data) não resultou em qualquer ocorrência.

    O jornal Gazeta de Limeira, edição de 09 de abril de 2004, em matéria intitulada “Produtos químicos eram mantidos irregularmente”, faz referência ao aludido decreto. In verbis:

    O decreto que regulamenta o uso de produtos de uso controlado tem 69 anos, mas somente mais recentemente passou a ser fiscalizado. Trata-se do Decreto Estadual 6911/35, assinado pelo interventor federal Armando Sales de Oliveira.

    Atualmente cada Município tem seu Setor de Produtos Controlados, que fiscaliza empresas de todas as áreas de produção que manipulam algum tipo de material dessa natureza.

    O mais curioso é que existe em Limeira aproximadamente 170 fábricas de jóias (banho), mas menos de 70 estão devidamente licenciadas. Estima-se que pelo menos 90 operem dentro da irregularidade10.

    Ou seja, não existe regulamento federal a ditar qual a autoridade competente para expedir licença para porte de arma branca11. Então, não se pode ter como crime a conduta de quem traz consigo fora de casa arma imprópria – que não seja a espada ou o espadin constantes do Decreto 3665/2000 – sob pena de ferir o princípio da legalidade.

    Já ensinava José Frederico Marques12 que a garantia constitucional do nullum crimen nulla poena sine lege cria uma limitação, pois que ninguém pode ser punido senão por normal penal expressa em lei “em sentido estrito” (...). Não há um direito penal regulamentar que possa conter normas incriminadoras. Só a lei em sentido formal pode descrever infrações e cominar penas e medidas de segurança.

    Adiante, tratando da lei em sentido formal, o mesmo autor esclarece que entre nós, a (...) iniciativa das leis sobre Direito Penal cabe ao Presidente da República e a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 61).13 (...) Logo, lei formal, no Direito Brasileiro, é a aprovada pelo Congresso Nacional com a sanção do Presidente da República (...). Sem estes requisitos formais, não há lei como fonte formal de normais penais incriminadoras (...) nem mesmo as normas permissivas ou finais, de Direito Penal, podem emanar de quaisquer dos poderes da soberania nacional, que não o Legislativo...

    Por fim, quanto aos regulamentos, José Frederico Marques diz que não pode o Executivo, no exercer suas funções regulamentares, alterar os limites entre o lícito e o punível traçados na lei regulamentada (...) a alusão (...) aos regulamentos como fonte de direito penal, só é aceitável se circunscrita à esfera de integração das leis em branco.

    E em sendo o artigo 19 da Lei das Contravenções Penais uma norma dependente de complementação, não se pode buscar num Decreto do Estado de São Paulo14 sua integração, sem ferir de morte o princípio da legalidade (!!!).

    Ressaltando a função garantidora do tipo, José Cirilo de Vargas15 diz da necessidade do legislador, ao definir o crime, ser o mais objetivo possível. Ressalta, todavia que em muitos casos o legislador não pode prescindir dos elementos normativos. E, em fazendo uso estes, não o deve ser de maneira excessiva, sob pena de enfraquecer a garantia do nullum crimen sine lege.

    Parece que é o que está se passando no Estado do Paraná. Frente a um tipo penal carente de complementação, o julgador passa a fazer uso de um diploma legal (Decreto 6911, de 1935), por verdadeira analogia (porque sem origem legítima, de vigência questionável e constitucionalidade, igualmente) – o que é vedado no Direito Penal –, para continuar punindo a conduta de trazer consigo fora de casa arma imprópria.

    Em sentido oposto, a Turma Recursal Criminal do Rio Grande do Sul tem reconhecido a atipicidade desta conduta.

    PORTE DE ARMA BRANCA. ARTIGO 19 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS.

    DECISÃO QUE EXTINGUIU A PUNIBILIDADE. INCONFORMIDADE MINISTERIAL.

    Inexistindo disciplina legal regulamentando o uso de arma branca, faca, a conduta de portá-la simplesmente não pode ser considerada típica.

    Para tanto, não basta a potencialidade lesiva do instrumento, mas também a ausência de licença da autoridade competente.

    NEGARAM PROVIMENTO.

    RECURSO CRIME - TURMA RECURSAL CRIMINAL Nº 71001203165 COMARCA DE BAGÉ - MINISTÉRIO PÚBLICO: RECORRENTE - DAGMAR GONCALVES MOURA: RECORRIDO

    ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

    Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras DR.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA (PRESIDENTE E REVISORA) E DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA.

    Porto Alegre, 16 de abril de 2007.

    ALBERTO DELGADO NETO, Relator.

    RELATÓRIO

    Dispensado, de acordo com o artigo 81, §3°, da lei 9.099/95.

    VOTOS

    ALBERTO DELGADO NETO (RELATOR): Trata-se de recurso de apelação (fls. 12/20) do Ministério Público contra decisão (fl. 11) que extinguiu a punibilidade do autor do fato em razão da atipicidade do delito de porte ilegal de arma branca (artigo 19 do Decreto-lei nº 3.688/41).

    Em contra-razões a defesa opinou pelo não provimento do recurso (fls. 22/23). O Ministério Público, nesta sede, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 27/28).

    A apelação é tempestiva, pois interposta no decêndio previsto no artigo 82 § 1º da Lei 9099/95.

    As Leis números 9.437/97 e 10.826/03 não vieram para descriminalizar o porte de arma branca, apenas elevaram o “porte ilegal de arma de fogo”, antes tipificado como contravenção penal, à categoria de crime.

    Relativamente à apreensão de uma faca, a discussão é saber se o instrumento tem potencialidade lesiva, ou seja, se é considerado arma branca dentro do contexto ao qual foi apreendida.

    Ao contrário do que ocorre em relação às armas de fogo, inexiste regulamentação de licença para porte ou uso de armas brancas, assim entendidas as facas, os punhais, os canivetes, as adagas, dentre outros. Ausente lei regulamentando as condições em que o uso de arma branca pode ser admitido, resta impossibilitado o pedido de autorização para seu porte e, com isso, a fiscalização do uso, não configurando em tese o porte de arma branca a contravenção prevista no artigo 19, da Lei das Contravenções Penais.

    Por tal motivo, portar uma faca não é uma conduta passível de ser enquadrada no artigo 19, da Lei das Contravenções Penais, tratando-se de fato atípico. Somente o poderia se o valor resguardado pela regra do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais estivesse ameaçado pelo contexto fático apresentado. Jamais por presunção conforme pretende a acusação

    Inclusive no sentindo da atipicidade tem decidido a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado:

    (...)

    “APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA BRANCA (ART. 19, CAPUT, DO DECRETO-LEI Nº. 3.688/41).

    Tipo contravencional que carece de regulamentação sobre as condições em que o porte de arma branca seria admitido e/ou inadmitido. Norma penal em branco não complementada. Absolvição que se impunha, com força no princípio da legalidade (art. 386, inc. III, do C.P.P.). Sentença mantida por seus próprios fundamentos. APELO IMPROVIDO.” (Apelação Crime n.º 70009858002, 6ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Aymoré Roque Pottes de Mello, julgado em 24.08.2005).

    (...)

    Entender-se de forma diferente levaria à conclusão de que toda pessoa que adquirisse facas em mercados presumidamente estaria infringindo a norma penal somente ao se encaminhar para sua residência com referida aquisição.

    (...)DR.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo. DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA - De acordo.

    DR.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA - Presidente - Recurso Crime nº 71001203165, Comarca de Bagé: "À UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO." Juízo de Origem: 1.VARA CRIMINAL BAGE - Comarca de Bagé16

    Concluindo: (a) com a edição da Lei 9.437/97, sem regulamentação específica para o porte de armas impróprias, o artigo 19 da Lei das Contravenções Penais foi revogado; (b) admitir a condenação pelo porte de arma branca, como vem ocorrendo no Estado do Paraná e, quiçá em outros Estados da Federação, viola o princípio da legalidade; (c) identificados processos ou procedimentos nos Juizados Especiais Criminais em trâmite pela prática, em tese, da contravenção do artigo 19 do DL 3644/41, que tenham por objeto faca, canivetes, facões ou outros instrumentos desprovidos de regulamentação legal para o porte, é de se pedir a extinção, por atipicidade da conduta.

    Em que pese a reconhecida danosidade social a conduta – e mesmo a efetividade da ação policial, em certos casos, quando da apreensão destes objetos, impedindo a prática iminente de outros delitos – por si só, trazer consigo fora de casa faca, facões, canivetes, soco inglês é penalmente irrelevante. Passarão a interessar ao Direito Penal, sem dúvida, se usados como instrumentos para a prática de outros crimes.

    1 É referido artigo daqueles classificados por MIRABETE (in Manual de Direito Penal, v. 1., 15. ed., São Paulo : Atlas, 1999, p. 116), um tipo anormal, porque “contém não só elementos objetivos referentes ao aspecto material do fato, mas também alguns outros que exigem apreciação mais acurada da conduta (...). Em primeiro lugar, têm-se os elementos normativos do tipo (...). A inclusão de um elemento normativo, nessas hipóteses, ocorre porque a conduta “normalmente” é lícita”. Ao exigir a licença da autoridade competente, o legislador inseriu um elemento normativo no tipo que, existindo, faz ser lícita a conduta do agente.

    2 Disponível no site www.tj.sc.gov.br, consultado em 14.05.2007 – sem grifo no original.

    3 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 14/15.

    4 PEREIRA, Marcelo. O porte de arma branca – o uso de arma branca, disponível no site http://blog.taymo.com/o-porte-da-arma-branca, consultado em 13.05.2007 – sem grifo no original.

    5 Disponível no site www.tj.pr.gov.br, consultado em 14.05.2007, sem grifo no original.

    6 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 327.410-6; VARA CRIMINAL DE MANDAGUAÇU; Apelante : NILDO TBURCIO; Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO; Relator: Des. Rogério Kanayama. EMENTA: CONTRAVENÇÃO PENAL. ARMA BRANCA. ARTIGO 19 DO DECRETO-LEI Nº 3.688/41. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. IMPROCEDÊNCIA. PORTE DE FACA TIPO "PEIXEIRA" DENTRO DE UM BAR. DEMONSTRAÇÃO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DO DESVIO DE FINALIDADE DO USO DA FACA. CONDENAÇÃO MANTIDA. REDUÇÃO DA QUANTIDADE DE DIAS-MULTA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

    a) "Com a edição da Lei n.º 9.437/97 (diploma que instituiu o Sistema Nacional de Armas e tipificou como crime o porte não autorizado de arma de fogo), o art. 19 da Lei das Contravenções Penais foi apenas derrogado, subsistindo a contravenção quanto ao porte de arma branca." (STJ - Resp 549056 - 5ª Turma - Rel. Ministra Laurita Vaz - DJ de 01.03.2004 p. 194).

    b) A pena pecuniária, quanto à quantidade de dias-multa, salvo exceção devidamente justificada, deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. (disponível no site www.tj.pr.gov.br, consultado nesta data- sem grifo no original).

    7 Disponível no site www.stj.gov.br, consultado em 15.05.2007 – sem grifos no original. Note-se que a manifestação à qual aderiu a Ministra Relatora, diz da derrogação do artigo 19, do alcance residual às arma brancas, da licença da autoridade competente, mas passa ao largo de qual licença seria esta e qual a autoridade competente para expedir a mesma.

    8 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 1. ed., São Paulo : RT, 2006, p. 126.

    9 Site da imprensa oficial de São Paulo.

    10 Disponível no site www.gazetadelimeira.com.br, consultado em 15.05.2007, sem grifo no original.

    11 NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 126: “Cuida-se de tipo penal incriminador, razão pela qual não pode ficar ao critério do operador do direito aplicá-la ou não, a seu talante. Primamos pela legalidade (...) e não encontramos lei alguma que disponha sobre o tema. Não desconhecemos que há argumentos sustentando a vigência do Decreto 6911/35, que proíbe o porte de “armas brancas destinadas usualmente ã ação ofensiva, como punhais (...) ou quaisquer outros objetos contendo punhal, espada, estilete,espingarda”, além de “facas cuja lâmina tenha mais de 10 centímetros de comprimento e navalhas de qualquer dimensão...”(art. 5º). Entendemos, no entanto, que o referido decreto, de lavra do interventor federal no Estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, não foi recepcionado pelas Constituições posteriores (de 1937 até 1988). Não pode um decreto disciplinar matéria penal, que é, nos termos do atual texto constitucional, assunto privativo da União (art. 22, I, CF). Além do mais, cuida-se de um decreto estadual, não tendo qualquer abrangência para o restante do país. É natural que qualquer brasileiro possa carregar consigo uma faca, cuja lâmina tenha mais de 10 centímetros, por exemplo, pois não há nenhuma relevância o decreto estadual de São Paulo, neste contexto. Parece-nos, pois, que não se pode privar um cidadão de trazer consigo, onde bem entenda, em outra ilustração, uma faca de caça (mais vulnerante que um punhal) ou um simples martelo, pretendendo puni-lo por contravenção penal e dando margem a uma infinita e discutível argumentação de que tal medida seria instrumento e contenção de violência. Pior: a aplicação da contravenção penal de porte de arma branca ficaria dependente da na[alise da vontade do agente (...). Voltemos os olhos ao jovem, que pretende entrar em uma danceteria trazendo consigo um soco inglês (...). Não é necessário prendê-lo por porte ilegal de arma, mas apenas impedir seu ingresso, pois o objeto é inadequado ao local. O bom senso prevalece e não nos valemos do Direito Penal para conflitos dessa natureza.

    12 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. V. 1., Campinas : Bookseller, 1997, p. 178/179.

    13 Neste passo, os atualizadores da obra fazem referência à CF/88 conferindo legitimidade ao STF, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, nos casos expressos, para iniciativa das leis.

    14 Note-se que o próprio Tribunal de São Paulo reconheceu como inconstitucional o mencionado Decreto, conforme consta do corpo do acórdão STJ no Resp 549.056 – SP. A propósito o grifo foi nosso.

    15 VARGAS, José Cirilo de. Do tipo penal. Belo Horizonte : Mandamentos, 2000, p. 47.

    16 Disponível no site www.tj.rs.gov.br, consultado em 16.05.2007, sem grifos no original.

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    ?

    Caetano Nunes Quarta, 18 de janeiro de 2012, 1h03min

    Meus sinceros agradecimentos pelo seu tempo, com base nas informações repassadas creio que não haverá problemas mas por enquanto me limitarei a adquirir itens com o uso única e exclusivamente decorativos, contatarei um advogado local para verificar sem não há nenhuma brecha ou excessão que possa me causar prejuízo, mais uma vez muito obrigado.

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    A

    Adv. Antonio Gomes Quarta, 18 de janeiro de 2012, 1h19min

    Ok, o local certo que realmente deve procurar para obter informações concretas e no Exército Brasileiro no setor de controle de Armas e Explosivos.


    Boa sorte.

    Adv. Antonio Gomes
    [email protected]

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