Agradeço imensamente a atenção que recebi em minha proposição teórica para debate. De fato, apreciei deveras a resposta e, no afã de prolongar o debate, gostaria de aduzir o seguinte.
Quando da minha narração do caso sub examine, apontei expressamente o aspecto volitivo do agente, bem como salientei seu objetivo: a morte do feto. A conduta foi dirigida a exterminar o feto, independentemente de quaisquer danos que fossem causados à pessoa da mãe. Outrossim, a gravidez já se encontrava em estágio onde facilmente poderia ser constatada (e assim foi propositadamente), de modo que se tornaria impossível admitir pertinente a alegação de seu desconhecimento pelo agente.
Cabem, agora, as seguintes observações:
Primeiro: a doutrina civil acerca da personalidade não pode ter aplicação em casos de natureza penal de forma a suplantar a teoria da tipicidade, pois, sendo diversas, para efeitos penais, as naturezas do nascituro (ser humano após a concepção e antes do nascimento) e da pessoa como tal (ser humano após o nascimento), haver-se-á que levar em conta tais aspectos se vierem insculpidos em norma penal incriminadora na qualidade de elementares. Por outras palavras, desde que o aborto traz ínsita a figura do feto como alvo da conduta, diversamente do homicídio que consigna a pessoa, não se pode compreender um pelo outro e, principalmente (como, data venia, o ilustre colega parece fazer), em malefício do réu.
Em segundo lugar, é inegável que a conduta foi dirigida contra o feto, e não especificamente contra a mãe. Assim, descabe quaisquer referências aos fatos que originaram a discussão, uma vez que não existe no Ordenamento Jurídico qualquer excludente de ilicitude que viesse a legitimar uma incursão contra o feto, da forma faticamente descrita, e elidir a antijuridicidade da conduta do agente. Sendo claro o fato de ter se dirigido o agente direta e decididamente contra o feto, no afã de provocar-lhe a morte, tendo conhecimento de sua situação de FETO, parece-me ser impossível o entendimento de ter havido, in casu, a figura do homicídio, principalmente porque o delito praticado contra o feto, e que interrompe a gravidez, não perfaz homicídio, mas aborto. Ademais, trata-se de aplicação da teoria do tempo do crime, a qual proclama ser irrelevante o momento em que ocorrera o resultado do delito, sempre considerando-se como momento exato do seu cometimento AQUELE EM QUE SE VERIFICOU A AÇÃO OU OMISSÃO. Se a ação se deu quanto não existia pessoa, mas apenas feto, era apenas este que se encontrava NO ÂMBITO DE ALCANCE DO DOLO DO AGENTE. Não se pode alastrar seu dolo para entender-se, por via de mera interpretação, ter o mesmo cometido homicídio, se não pelos argumentos lógicos acima, mas principalmente por se tratar de delito mais gravemente apenado que o aborto.
Entendo, assim, tratar-se de aborto, e não de homicídio, por dois motivos:
PRIMEIRO: Considera-se cometido o delito ao tempo em que se verificou a ação ou omissão relevante, independentemente de quando se tenha verificado o resultado. Se o ato se deu quando ainda era aquele ser (exterminado) apenas um feto, logicamente observa-se que, se o evento morte há de retroagir à data da ação, esta (a morte daquele ser) teria definitivamente interrompido a gravidez e, assim, ter-se-ia por adimplidas todas as elementares do delito de aborto.
SEGUNDO: Entende-se que o crime foi cometido sempre contra aquele objeto que visou o dolo do agente. Se intentou mater o irmão e acertou terceiro, responde pelo homicídio com a agravante. Denomina-se aberratio ictus, ou desvio no golpe. Aplica-se in pejus ou in mellius. Sendo assim, no momento de sua conduta, visou o agente especificamente atingir um feto, e não um ser humnano nascido e formado, de modo que o fato pretendido abrangia, em seu dolo, ser diverso daquele apontado no delito do artigo 121, mas um especifico constante da descrição típica do crime de aborto. Destaca-se, destarte, o dolo do sujeito para, atribuindo-lhe a força de orientar o delito cometido (uma vez que não se pode presumir, de forma nenhuma, o dolo do sujeito, nem o seu alvo), compreender-se que jamais pretendera cometer crime de homicídio, MAS APENAS DE ABORTO.
Reitero aqui meus agradecimentos e peço encarecidamente que apresente o caso aos seus professores para colher-lhes igualmente as opiniões a respeito.
Peço igualmente que envie a resposta diretametne ao meu email ([email protected]) e, caso queira, apresente casos práticos tão interessantes quanto este que estamos a debater. O intercâmbio, sem dúvida, será por demais proveitoso a todos quantos dele participar.
Um grande abraço, do amigo.
Roberto Abreu.