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A aplicabilidade do duplo grau de jurisdição em face à necessária efetividade do processo

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Agenda 18/06/2007 às 00:00

5 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS

            A Doutrina aponta alguns aspectos, danosos à efetividade do processo e ao sistema jurídico estatal, decorrentes da aplicação do duplo grau. Os principais argumentos desfavoráveis são: a excessiva duração do processo, o desprestígio ao juízo de primeira instância e o desrespeito ao procedimento oral.

            5.1 Excessiva duração do processo

            Francis Bacon já apontara no século XVI que "Se a injustiça da sentença torna-a amarga, as delongas fazem-na azeda" (apud LASPRO, 1995, p. 115).

            A morosidade do jurisdictio do Estado tem como uma de suas principais causas a existência do duplo grau, em virtude da dilatação do prazo para a prestação da tutela jurisdicional.

            Com efeito, o instituto não pode ser instrumento para a protelação do réu em prejuízo a outra parte, consubstanciando-se em ofensa ao devido processo legal.

            Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart insurgem-se contrários à aplicabilidade do duplo grau nas causas de menor complexidade, onde resta patente que o reexame está sendo utilizado como meio de postergar o cumprimento da sentença (2006, p. 508):

            A demora da prestação jurisdicional, [...], recomenda que o duplo grau não seja exigido ao menos naquelas causas de maior simplicidade, diante das quais o órgão de segundo grau dificilmente chegaria a uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo juiz de primeiro grau de jurisdição.

            5.2 Desprestígio ao juízo de primeira instância

            Outra conseqüência da aplicação do duplo grau, dentro de um sistema no qual as decisões de primeiro grau não têm aplicação imediata, é a profunda desvalorização da atuação do juiz monocrático.

            O jurista italiano Mauro Cappelleti ao se referir à atuação dos magistrados de primeiro grau, dentro do contexto de aplicação do duplo grau, não vislumbrava as decisões como sentenças, mas sim como "projetos de sentença", já que facultada a revisão, aquela somente surtirá efeito com o crivo do colegiado do tribunal (apud MARINONI, ARENHART, 2006, p.510).

            A crítica é no sentido de que o magistrado singular terá a importância de instruir o processo, coletar provas necessárias, prolatar uma sentença que não confere tutela efetiva ao direito do autor, a fim de que, tão-só posteriormente, o tribunal analise e julgue em definitivo. A figura do julgador, nesses casos, daria espaço a de um "instrutor".

            5.3 Desrespeito ao procedimento oral

            A oralidade, nos sistemas processuais modernos, consiste na realização dos principais atos processuais de forma verbal, onde se valoriza a percepção do julgador, que em contato direto com as partes, conduzindo a produção de provas, torna-se mais apto a dirimir o litígio com maior segurança.

            A aplicação do duplo grau choca-se com o ideal da oralidade, na medida em que o reexame se dará por um conjunto de magistrados que não estiveram presentes nos debates, na instrução, enfim, no contato com as partes e não presidiram a coleta de provas. Logo, é inconcebível pensar que esses julgadores figurem em melhores condições para examinar a questão.

            Exempli gratia, a Lei 9.099/95 ao instituir os Juizados Especiais Estaduais consagrou no art. 2°: "O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, economia processual, e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação ou a transação".

            Como mencionado acima, o art.41, § 1°, da Lei dos Juizados Especiais, prevê a interposição de recurso para o próprio Juizado, onde será julgado pela Turma Recursal, composta de três juízes togados em exercício no primeiro grau de jurisdição.

            Todavia, a razão de ser dessa hipótese é de difícil compreensão, porquanto o art.36, dessa mesma Lei, assevera que "a prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os informes trazidos nos depoimentos", de forma que um segundo juízo a ser realizado, com fundamento em excertos dos depoimentos das partes e das testemunhas não se configurará, para dizer o mínimo, tão confiável quanto o primeiro.

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            Por conseqüência, se o reexame é menos confiável que o primeiro, e por se tratar de causas de "menor complexidade" as discutidas nos Juizados, o duplo grau, nesse caso específico, poderia ser extinto sem maiores prejuízos ao devido processo legal, em favor da efetividade e celeridade processual.


6 SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSOS E A MITIGAÇÃO DO DUPLO GRAU

            O legislador pátrio, ante a morosidade da prestação jurisdicional do processo civil brasileiro, elaborou a Lei 11.276/2006 que veio mitigar o duplo grau de jurisdição, com a instauração da súmula impeditiva de recursos.

            Antes de se dar início a análise do que se trata essa inovação, faz-se mister uma objeção à expressão súmula impeditiva de recursos. É imprópria essa conceituação, uma vez que a norma restritiva ao direito de recorrer, adicionada pela Lei 11.276/2006 ao art. 518, § 1° do Código de Processo Civil, concerne exclusivamente ao recurso de apelação, dessa forma, seria mais apropriado chamá-la de súmula impeditiva de apelação.

            Sobre a inovação, o art. 518, § 1° dispõe que:

            Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará da vista ao apelado para responder. §1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. [...].

            O óbice ao recebimento de apelação em conformidade com as súmulas do STJ e STF trata-se de valioso regramento com a finalidade de mitigar o duplo grau, dando maior celeridade ao processo, nos casos em que os tribunais legitimamente encarregados de interpretar o direito federal e constitucional, respectivamente, já o fizeram. Estando, portanto, a sentença em conformidade com o entendimento sumulado não haveria razão para apelar.

            Obviamente, os juízes têm independência jurídica, subordinam-se somente à Lei, logo, não estão vinculados a decidir nos termos das súmulas, excetuadas as vinculantes, de modo que as sentenças que não estiverem vinculadas continuam recorríveis.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Como visto, as principais vantagens alegadas pelos defensores do duplo grau não resistem a uma análise crítica-objetiva, haja vista serem alicerçadas em critérios subjetivos.

            No entanto, não se pode pugnar pela extinção do duplo grau, uma vez que os erros e falhas são inerentes à espécie humana. Não se pode deixar de reconhecer que para a efetivação da Justiça, deve existir a possibilidade de revisão dos julgados.

            O que não pode ocorrer é a sacralização do instituto, visto que compromete a efetividade do processo e a garantia ao acesso à justiça, pois na tentativa de se dar maior segurança às decisões, acarreta grande prejuízo ao jurisdicionado, ver o seu direito frustrado face à má utilização do duplo grau para postergar ao máximo a obrigação a ser cumprida pela parte vencida.

            No Brasil, o sistema recursal é exercido, em alguns casos, em até quatro instâncias, de modo que não causa estranhamento os clamores sociais por mais celeridade e efetividade.

            Bem como, a Carta Constitucional brasileira é analítica, o que oportuniza aos litigantes de má-fé, suscitá-la para poder recorrer até o STF com muita facilidade com o intuito de protelar o cumprimento das sentenças, onde a possibilidade de mudança através de revisão é mínima.

            Cumpre aos mandatários, a despeito de mitigações benéficas como a introduzida pela Lei 11.276/2006, restringir ainda mais o campo de atuação recursal desse país, visando tornar o jurisdictio estatal mais efetivo, para que a duração razoável do processo possa ser uma realidade aos cidadãos.

            Conclui-se o presente trabalho pela inexistência do duplo grau nas causas de "menor complexidade", para tanto, deve-se utilizar critérios semelhantes aos utilizados pelos Juizados para a definição dessas causas. O papel do juiz de primeira instância deve ser reconsiderado, visando dar-lhe maior responsabilidade para o cumprimento da sua investidura como julgador.

            Outrossim, a oralidade deve ser otimizada pelo legislador, não se pode em decorrência do duplo grau, dispensar os benefícios intrínsecos a esse procedimento.


REFERÊNCIAS

            BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

            BRASIL. Lei n°. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 27 de set. de 1995.

            BRASIL. Lei n°. 11.276, de 7 de fevereiro de 2006. Altera os arts. 504, 506, 515 e 518 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativamente à forma de interposição de recursos, ao saneamento de nulidades processuais, ao recebimento de recurso de apelação e a outras questões. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 8 de fev. de 2006.

            CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

            LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

            MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

            MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

            NERY JR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.


Notas

            ¹ Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III - julgar mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face a Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

            ² STF- AI-AgR 513044 / SP – Rel. Min. Carlos Velloso- Segunda Turma- Julgado em 22.02.2005- DJ 08.04.2005 p.31;

            STF- AI-AgR 248761 / RJ – Rel. Min. Ilmar Galvão- Primeira Turma - Julgado em 11.04.2000- DJ 23.06.2000 p.10;

            ³ STF - RHC 79785/RJ - Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Pleno – julgado em 29.03.2000 - DJ 22.11.2002 p.57.

Sobre o autor
Djalma Andrade da Silva Neto

Bacharel em direito pela UFRN, Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, Djalma Andrade. A aplicabilidade do duplo grau de jurisdição em face à necessária efetividade do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1447, 18 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10032. Acesso em: 18 nov. 2024.

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