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O cartório pode interferir na divisão desigual da partilha escolhida pelos herdeiros, de comum acordo?

Agenda 03/07/2023 às 16:15

O Oficial não pode interferir na divisão desigual escolhida e em comum acordo, desde que recolhidos com regularidade os impostos devidos.

Via de regra, todos os herdeiros terão direitos iguais quando e onde a Lei não fizer qualquer distinção que importe em quinhões diferenciados - essa é uma lição que extraímos ao analisar as complexas e atuais regras do direito sucessório (art. 1.829 e seguintes) de modo que não se desconhece que ordinariamente será a partilha igualitária entre todos, porém justamente esse pode ser o nascedouro de conflitos entre os futuros condôminos, razão pela qual a recomendação será sempre evitar o co-titularidade sobre bens da herança.

A doutrina clássica de MARIA HELENA DINIZ é clara e define a prevenção de litígios como uma importante premissa a se observar no momento da formulação da partilha:

"Prevenir litígios futuros: isto é, dever-se-á conseguir tanto quanto possível a igualdade da partilha, evitar divisão de bens ou prédios; declarar com exatidão as confrontações dos imóveis, e, quando estes se dividirem entre dois ou mais coerdeiros, é preciso esclarecer a respeito de servidões ou qualquer outro ônus real que os gravarem. Não se recomenda, ainda, o estado de comunhão, isto é, partilha que atribua, a cada herdeiro, parte ideal nos imóveis, ou que institua condomínio entre pessoas hostis. Todavia, há casos em que os herdeiros, ante a natureza dos bens, só poderão receber parte ideal deles, mas a esse respeito o Código Civil, art. 2.019, prescreve que o bem móvel ou imóvel, insuscetível de divisão cômoda, que não couber na meação do cônjuge supérstite ou no quinhão de um só herdeiro, poderá ser vendido judicialmente, dividindo-se o preço, exceto se o cônjuge sobrevivente ou um ou mais herdeiros requererem, de comum acordo, lhes seja adjudicado, repondo aos outros, em dinheiro (torna), a diferença, após avaliação atualizada (pretium succedit in loco rei)".

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Sabemos que o acervo hereditário deixado pelo de cujus pode ser composto por bens móveis e bens imóveis e que, nesse diapasão podem os interessados alienar a integralidade ou parte de seu direito hereditário (art. 1.793) mediante escritura pública tanto para co-herdeiros quanto para terceiros e o resultado disso será expresso no momento da partilha, seja ela feita de modo judicial ou extrajudicial. Nesse ponto é importante destacar que nem sempre a divisão igualitária será alcançada e - mais importante que isso - poderá num primeiro momento parecer uma divisão desigual se considerado cada bem da herança individualmente, todavia, o que realmente deve ser observada é a igualdade da divisão considerando o quinhão hereditário como um todo sob o prisma da UNIVERSALIDADE que compõe o acervo do Espólio. Não por outra razão assim reza o art. 1.791 do Código Civil:

"Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros".

A lição que aqui também se aplica com perfeição é aquela cunhada pelo ilustre e então Desembargador do TJSP, Dr. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, hoje Advogado:

"(...) Se na forma do artigo 1.791 do Código Civil a herança é um todo unitário, cuja posse e propriedade regulam-se pelas normas relativas ao condomínio, não há como se defender que, antes da partilha, cada herdeiro seja titular da metade ideal de cada bem que integra o monte partível. Cada herdeiro, na verdade, é condômino da universalidade formada pelos bens da herança, de modo que somente a partilha fixará a quota parte de cada um.

A atribuição de imóveis para um herdeiro e de bens móveis para outro, resultando essa operação em quinhões iguais, não implica transmissão de bens imóveis por ato oneroso. Trata-se simplesmente de se definir quem será proprietário de quais bens, sem qualquer operação subsequente. Não houve na espécie, portanto, transmissão por ato oneroso de bem imóvel, pressuposto estabelecido pela Constituição Federal para a incidência do ITBI, mas simples partilha de patrimônio comum".

(Proc. 1060800-12.2016.8.26.0100. J. em 06/06/2017)

Portanto, ressalvados casos de divisão teratológica dos bens em sede de Inventário (principalmente no âmbito extrajudicial, onde infelizmente as regras de direito sucessório possam ainda hoje não ser tão bem dominadas por alguns cartorários) não deve mesmo o Oficial se imiscuir na divisão desigual escolhida e em comum acordo pactuada entre os herdeiros e demais interessados na sucessão, mormente quando recolhidos com regularidade os impostos devidos (e, portanto, cumprido o art. 289 da LRP), como reconhece a acertada jurisprudência paulista:

"DÚVIDA REGISTRAL. INVENTÁRIO. Registro de Imóveis Recusa de ingresso de formal de partilha por falta de recolhimento de ITBI Valor do patrimônio imobiliário dividido desigualmente entre os herdeiros Hipótese de incidência prevista no artigo 2º, VI, da Lei do Município de São Paulo n.º 11.154/91 Exigência descabida Quinhões que devem ser analisados como um todo para fins de incidência de imposto Inocorrência de transmissão"inter vivos"de imóvel por ato oneroso Inaplicabilidade do artigo 289 da Lei n.º 6.015/73 e do inciso XI do artigo 30 da Lei n.º 8.935/94 Apelação provida".

TJSP. 1060800-12.2016.8.26.0100. J. em: 06/06/2017.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Julio. O cartório pode interferir na divisão desigual da partilha escolhida pelos herdeiros, de comum acordo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7306, 3 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100327. Acesso em: 24 nov. 2024.

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