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Breve anatomia psicológica das decisões em matéria criminal

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Agenda 19/06/2007 às 00:00

"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração."

(Fernando Pessoa).


SUMÁRIO:INTRODUÇÃO; 1.BREVE ESCORÇO SOBRE A SENTENÇA CRIMINAL. 1.1.Conceito. 1.2.Sentença –a necessidade de outro conceito; 2. A SENTENÇA COMO MICROCOSMO DE VALORES; 3. A FALÁCIA QUE CIRCUNDA O CONCEITO DE NEUTRALIDADE; 4. O ART. 59, DO CÓDIGO PENAL – A PORTA ABERTA; 5. VARIÁVEIS INFLUENCIADORAS DO JUÍZO DECISÓRIO CRIMINAL, 5.1. Variáveis política, 5.2. Variáveis psicológicas, 5.3.Uma forma de combater tais distorções; CONCLUSÃO SISTEMATIZADA; BIBLIOGRAFIA


INTRODUÇÃO.

O poema eleito como epígrafe deste trabalho chama-se "autopsicografia", de autoria do notável Fernando Pessoa. Nestes versos, o poeta fala de sua própria arte, esclarecendo que a poesia é uma ficção, porém uma "ficção real", vez que finge uma dor, que, na verdade, sente. Muito mais que isso, encerra dizendo que o coração (símbolo da sensibilidade) gira, e neste giro entretém a racionalidade.

Cuidaremos, aqui, de tema delicado, e que muitas vezes passa despercebido pela doutrina e jurisprudência pátrias, qual seja, a questão referente a todo microcosmo de fatores que envolve o solitário e árduo ofício do Juiz criminal, no momento em que, aplicando a lei a um caso concreto, define e entrega, não só ao réu, mas também à sociedade, uma sentença.

Atentos para os novos paradigmas do Direito Penal, cuja inauguração em nosso ordenamento em muito se deve à Constituição Federal de 1988, pensamos haver extrema necessidade de uma revisitação desses fatores, quiçá um estudo mais aprofundado sobre os mesmos, a fim de decidir, inclusive, se existe lugar, no plano da prática, para o denominado princípio da imparcialidade.

Como cediço, embora se defenda, classicamente, que o Juiz criminal, no seu mister de decidir sobre a liberdade ou cárcere de determinado indivíduo, deve ser imparcial, e levar em consideração apenas os elementos concretos, sem juízos de valor, quaisquer que sejam, uma pergunta se faz: será possível aplicar o Direito, que por nascença é fruto da valoração humana, sem interferências externas ou internas, ou, parafraseando Pessoa, o Juiz finge que sente o que deveras sente?

De fato, a resposta parece óbvia. Ademais, a questão não se encerra simplesmente em si mesma, mas traz consigo uma necessidade de identificar estes fatores capazes de influenciar a tomada de decisão do magistrado, na seara criminal.

Decerto que tais fatores estarão presentes em qualquer atividade judicante, não se constituindo em privilégio da área criminal. Contudo, é de se admitir, que, aqui, as distorções da natureza humana se acentuam, e o choque de ideologias, preconceitos e estereótipos colidem mais acirradamente.

Certo, também, é que muitos desses fatores influenciadores passam despercebidos no capítulo da "fundamentação", agindo sorrateiramente, muitas das vezes de forma determinante no "sentir" das decisões.

No mais, o relevante é não se olvidar da necessidade premente de se aplicar o Direito sempre sob uma ótica garantista, buscando afinar a ciência com os ditames da nova ordem constitucional, e tentando abrir essa "caixa de pandora" que se tornou a ciência jurídica penal para a nova realidade do mundo.


1. BREVE ESCORÇO SOBRE A SENTENÇA CRIMINAL.

1.1. Conceito.

Fazendo uso do clássico dicionário do Prof. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, encontramos o seguinte verbete:

SENTENÇA: Substantivo feminino. 1.Expressão que encerra um sentido geral ou um princípio ou verdade moral máxima. 2.Rifão, anexim, provérbio (q. v.). 3.Julgamento proferido por juiz, tribunal ou árbitro(s); veredicto. 4.P. ext. Qualquer despacho ou decisão. 5.Palavra ou frase que encerra uma decisão irrevogável. 6.Julgamento divino. 7.E. Ling. Desus. V. oração (4). 8.E. Ling. Desus. Período, frase. 9.Lóg. Proposição (6). [01]

No momento que se estuda tal verbete, é perceptível de imediato, a força significativa que encerra, a ponto de se traduzir sentença como "expressão que encerra um sentido geral ou um princípio ou verdade moral máxima".

Neste jaez, denota-se que, mormente declarada pela voz de uma única pessoa (o Juiz), a sentença é marcada pela generalidade, expressando "uma verdade moral máxima", ou seja, algo a se seguir e orientar a sociedade do momento espaço-temporal em que foi proferida.

Em sentido jurídico, a sentença pode ser definida como a decisão que pôe fim ao processo, decidindo sobre a procedência ou não da pretensão estatal de punir determinado individuo acusado de um crime.

Discorrendo sobre o tema, colacionamos o pensamento de NUCCI:

Conceito de sentença: é a decisão terminativa do processo e definitiva quanto ao mérito, abordando a questão relativa à pretensão punitiva do Estado, para julgar procedente ou improcedente a imputação (...). [02]

1.2. Sentença – a necessidade de outro conceito.

Mormente o conceito jurídico sobre o instituto não nos seja muito útil neste estudo, o fato é que, na própria etimologia da palavra, sentença vem de "sentire", que quer dizer "sentir".

Ou seja, tal ato emanado dos membros da judicatura é fruto de suas sensações (ou melhor, sentimentos). E, se os sentimentos navegam ao talante das marés dos humores, por via de conseqüência, as decisões também variarão, influenciadas pelos mesmos fatores que afetam os sentidos dos juizes.

A conclusão que se chega, destarte, é que, como a sentença é um emaranhado de sentimentos e fatores externos e internos e, estando o Juiz embebido nos aromas da sociedade de seu tempo, nada mais óbvio que considerá-la como um microcosmo de seu próprio tempo.


2. A SENTENÇA COMO MICROCOSMO DE FATORES.

A decisão judicial, em verdade, é um microcosmo de fatores, ou seja, nela se encerra um pequeno universo espelhado na (e para) a sociedade em que é proferida.

Ao proferir uma sentença criminal, o Juiz, representante do Estado, e em última instância, da sociedade, age como espelho de um grupo social, revelando o pensamento geral sobre aquele fato, ou melhor, o desejo do grupo em ver o denunciado punido ou não.

Citando Forst, o Prof. Fernando de Jesus faz o seguinte comentário:

As sentenças possuem uma importância fundamental dentro da imagem que a justiça transmite para a população, e são também, a forma pela qual a comunidade social desaprova a conduta social de seus membros, logo as sentenças exercem um impacto na vida social, e paralelamente, na ação e na pessoa que se encontra penalizada. [03]

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Deste modo, também a sentença possui forte impacto na vida social, pois revela em si a resposta social a uma conduta tida, a priori, como vedada.

Outro não é um dos sentidos expressos no "princípio da ofensividade", que preceitua que não existe crime se um bem jurídico não foi atingido ou, ao menos, sofreu algum perigo. Ora, em análise ampliativa, todo bem jurídico de certa forma pertence à sociedade em que está inserido.

Essa concepção encontra amparo ainda no pensamento de que a sentença seria muito mais fruto da dinâmica social do que, propriamente, fruto do labor solitário de um Juiz togado.

Mesmo sob a égide atual do princípio da legalidade, mais ainda em épocas de súmulas vinculantes, é opinião corrente na doutrina de que o Juiz possui ampla margem de discricionariedade no seu oficio de julgar.

Repare-se que, dado o controle difuso de constitucionalidade das leis, derivado do leading case da corte suprema americana no caso marbury vs madison, datado de 1803, um Juiz singular pode, inclusive, declarar a inconstitucionalidade de uma lei, negando-lhe o cumprimento, o que lhe dá um poder que beira o sobrenatural.

No direito penal, como cediço, margem maior é oferecida ao julgador, pois o próprio Código Penal elege definições carregadas de subjetivismo, fazendo com que o Juiz acabe decidindo com base na gravidade do crime, na repercussão social, no comportamento da vítima, na individualização da pena, etc.

Se é certo que existem lacunas legais na regulação da atividade decisória do Juiz, também há de se concordar que estas lacunas são preenchidas pelos mais diferentes fatores e sujeitos sociais.

Relembre-se que, no curso de todo processo criminal existe um embate entre o advogado, o promotor e o Juiz, o que reforça a idéia de que a sentença longe está de ser uma atividade solitária.

Assim, ainda na lição de Fernando de Jesus:

Konecni e Ebbesen (1984) defendem a idéia de que existe um mito de que a decisão da sentença não é um fenômeno exclusivamente determinado pelo Juiz, mas se constitui no resultado da dinâmica social existente entre os diferentes atores judiciais (sentença pedia pelo promotor, atuação da defesa, pré-sentença recomendada) e também entre as diferentes avaliações da severidade da sentença, sendo o Juiz, então, apenas um emissor do produto final da dialética existente em juízo. [04]


3. A FALÁCIA QUE CIRCUNDA O CONCEITO DE NEUTRALIDADE.

Conforme célebre lição do filósofo grego Sócrates, "três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente."

O princípio da imparcialidade, mais do que uma norma, é uma necessidade para o exercício da jurisdição. Se o Estado decidiu trazer para si o monopólio da jurisdição (v. item 1.1, supra), também trouxe as responsabilidades que este decisão acarretaria. Este é o entendimento que predomina na doutrina, por todos, colacionamos a lição de Antonio Carlos Marcato:

Realmente, se à parte é defeso valer-se de suas próprias forças para diretamente solucionar o conflito em que se vê envolvida 4, deve o Estado, detentor único do poder-dever de prestar a tutela necessária à resolução daquele, agir no processo, através de seus órgãos, com absoluta isenção de propósitos, assim retribuindo à confiança que lhe é depositada pelo destinatário final da atividade jurisdicional; e essa retribuição pressupõe necessariamente que o Estado exija, daqueles que exercem a jurisdição em seu nome, a condução imparcial do processo, até porque, como salienta Dinamarco, para "que se legitime a imperatividade dos atos e decisões estatais no exercício da jurisdição, o primeiro requisito é a condição imparcial do juiz, o qual deve ser estranho à pretensão, ao litígio e aos litigantes". [05] (grifo do próprio autor).

Um Juiz parcial gera, inclusive, insegurança jurídica, pois ninguém respeitaria as decisões de um magistrado "peitado", visto que foram tomadas por interesses outros que não os ideais constitucionais de justiça e ordem.

O Art. 8º, do Pacto de San José da Costa Rica, ao tratar das garantias judiciais do acusado, também releva preocupação com a imparcialidade do julgador, apresentando a seguinte redação:

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (grifo nosso)

Como decorrência do sistema acusatório, pensamos que o Juiz deve se colocar em posição exterior às partes, vale dizer, o litígio se desenvolverá de forma alheia ao magistrado e ele nunca pode se envolver naquele nível para interferir, pena de desequilibrar a balança e tornar-se suspeito. Em suma, deve ser um terzietá (terceiro estranho às partes).

Contudo, se a imparcialidade é uma necessidade, a neutralidade é uma meta inalcançável e, por vezes, indesejável.

De fato, Juiz neutro, na concepção estrita do termo, seria aquele inerte, desconectado das "cargas" que a sociedade lhe tenta impor. Seria a figura máxima do magistrado refratário, tão inalcançável quanto odiável.

Tal neutralidade, diga-se de passagem, é impossível de ser alcançada em termos práticos. Basta pensar que o Juiz, na brevidade de sua condição humana, não pode se dissociar das influências e paixões que permeiam seu ser.

Ademais, conforme ressaltado acima, o ato de proferir uma sentença vem do latim "sentire", que significa "sentir". Ora, como querer então que um Juiz neutro, que paira incólume pelos anseios populares, "sinta" o teor do inconsciente coletivo e profira uma sentença legítima? Neste ponto, é possível perceber que a neutralidade torna-se sumamente indesejada.

Vejamos o magistério do Prof. Rodolfo Pamplona Filho, ao discorrer sobre o tema:

A neutralidade pressupõe, do ponto de vista científico, o não envolvimento do cientista com o objeto de sua ciência, o que é, em nosso entender, algo de uma impossibilidade palpitante.

Isto porque, em qualquer atividade do conhecimento humano, haverá sempre, no mínimo, uma escolha, nem que seja no que diz respeito ao próprio objeto de pesquisa.

Desta forma, quem exige e impõe uma neutralidade, ao contrário do que se pensa, não está de forma alguma sendo neutro, pois aquele que propugna pela neutralidade acaba tomando uma posição (ainda que seja por esta busca da neutralidade). [06]

E conclui o brilhante professor:

Mas o juiz é neutro?

A priori, já se pode responder que não.

Isto porque é impossível para qualquer ser humano conseguir abstrair totalmente os seus traumas, complexos, paixões e crenças (sejam ideológicas, filosóficas ou espirituais) no desempenho de suas atividades cotidianas, eis que a manifestação de sentimentos é uma dos aspectos fundamentais que diferencia a própria condição de ente humano em relação ao frio "raciocínio" das máquinas computadorizadas. [07]

Tudo o que se disse reforça a tese de que a sentença criminal não é uma atividade solitária do magistrado, muito pelo contrário, é um microcosmo formado pelas mais diversa influências advindas da sociedade, bem como das próprias experiências particulares do órgão julgador.


4. O ART. 59, DO CÓDIGO PENAL – A PORTA ABERTA.

Desde a antiga "escola da exegese", já se sustentava que todas as respostas estavam na Lei. Repare-se a lição do saudoso mestre Miguel Reale:

"Sob o nome de ‘Escola da Exegese’ entende-se aquele grande movimento que, no transcurso do século XIX, sustentou que na lei positiva, e de maneira especial no código civil, já se encontrava a possibilidade de uma solução para todos os eventuais casos ou ocorrências da vida social. Tudo está em saber interpretar o Direito. Dizia, por exemplo, Demolombe que a lei era tudo, de tal modo que a função do jurista não consistia senão em extrair e desenvolver o sentido pleno dos textos, para apreender-lhes o significado, ordenar as conclusões parciais e, afinal, atingir as grandes sistematizações." [08]

Mas será mesmo que a lei é a fonte máxima e uma do Direito? De fato, como fenômeno social, o Direito sofre influências relevantes do pensamento social, do inconsciente coletivo.

Em verdade, é corrente hoje na doutrina que a fonte primordial do direito é a Lei, bem como também faz parte de sua formação a jurisprudência, a doutrina e os usos e costumes. Neste último, sem sombra de dúvidas se encerrariam todo pensamento social vigente no período e influenciador da decisão a ser proferida.

No ramo do direito que aqui se trata, sabe-se que o art. 59 do Código Penal trata da fixação da pena, ou seja, os critérios chamados "judiciais", para a fixação da pena-base, primeira momento do método trifásico.

Eis o teor do referido artigo:

Fixação da pena

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

O artigo em comento, embora rotulado de inconstitucional, mais do que prestar um apoio aos ditames constitucionais da individualização da pena, funciona como verdadeira "porta aberta" para que o Juiz imparcial (mas não neutro) deixar fluir em sua sentença todos os fatores que o influenciam na tomada de decisão. Ocorre o mesmo, seja em se tratando de fatores políticos, religiosos...

De fato, a volatilidade dos conceitos expressos no art. 59, do Código Penal, contribui, em muito, para este efeito. Mas, acredita-se que seja sumamente necessário tal grau de abstração. Como já dito, a sentença condenatória é resposta social de que determinado fato realmente violou um bem jurídico comezinho daquela sociedade. É preciso deixar espaço para as influências sociais no intelecto do julgador, a fim de se aferir a correlação entre o fato e a reprovação social.

Outro não é o entendimento de Jose Antonio Paganella Boschi:

"É inegável que neste processo de intelecção e de valoração o Juiz externalizará o que Nilo Bairros de Brum denomina de fundamentos retóricos da sentença, ou seja, todas aquelas formulações com as quais trabalha para atender aos ditames de sua consciência, e simultaneamente, as desencontradas aspirações da comunidade jurídica, desenhando soluções possíveis, reunindo e articulando argumentos que convençam a todos de que a base donde parte e a conclusão que pretende são absolutamente corretas." [09](grifo nosso).


5. VARIÁVEIS INFLUENCIADORAS DO JUÍZO DECISÓRIO CRIMINAL.

Existem vários fatores que influenciam na tomada de decisão do Juiz criminal, no momento em que profere uma sentença, seja absolutória ou condenatória, embora muitas vezes passe despercebido.

Tal constatação não passou despercebida nos dizeres de Piero Calamandrei, citado pelo Prof. Rodolfo Pamplona:

"Um estudioso alemão publicou, há cerca de dez anos atrás, um livro sobre a motivação das sentenças, em que demonstra, com uma análise muito penetrante de uma centena de decisões cíveis e criminais, que muitas vezes os motivos declarados são bem diferentes dos verdadeiros e que, com muita freqüência, a fundamentação oficial nada mais é que um biombo dialético para ocultar os móbeis verdadeiros, de caráter sentimental ou político, que levaram o Juiz a julgar assim." [10]

Dentre estas, longe de tentar esgotar a matéria, elegemos as que, a nosso ver, se destacam neste mister e passamos a dividi-las em dois grandes grupos: variáveis políticas e variáveis psicológicas.

Decerto que se sabe que tais fatores não afetam, a priori, a imparcialidade do magistrado criminal, contudo agem em sua neutralidade, consoante já restou demonstrado acima.

Vejamo-las, então:

5.1. Variáveis políticas.

Ns chamadas variáveis políticas podemos elencar todos os fatores sociais e conjunturas "de Estado" que venham a permear o fato de que se esta tratando.

As formas com que o magistrado pensa a Justiça, as ideologias vigorantes naquele momento social, a própria repercussão do delito, são fatores políticos que influenciaram sobremaneira a decisão a ser tomada.

De fato, não sendo o Juiz, no nosso sistema, representante eleito do povo, deve buscar sua legitimidade no seio popular, ao contrário, dos representantes dos outros poderes, que já o recebem, através do sufrágio popular.

No dizer, ainda, de Fernando de Jesus:

"O conjunto das percepções e atitudes morais, legais, ideológicas e sóciopolíticas dos juízes está determinando de maneira fundamental o output da sentença emitida. (Hogarth, 1971; Marzoa, 1995)." [11]

Estas considerações são mais facilmente visualizáveis se lembramos da influencia das massas em crimes de grande visibilidade: o assassinato de PC Farias, o caso Richtoffen, a morte da atriz Daniela Perez, na Bahia, o assassinato do menino Lucas Terra.

É inegável que, nestes casos, os anseios populares (embora pouco confiáveis) bem demonstram a necessidade de uma resposta do Judiciário efetiva sobre estes casos. Estes anseios interferem no juízo cognitivo dos magistrados e, aliados a outros fatores, ajudam-no na tomada da decisão.

Há quem diga, inclusive, que esta atuação da sociedade é de suma importância para a revitalização do Poder Judiciário. Eis o magistério de Celso Fernandes Campilongo.

"Em outras palavras: os novos atores procuram fazer do Juiz parte da sociedade e, conseqüentemente, a partir daí, buscam refundar a independência do Poder Judiciário, na imagem de um contra-poder da própria sociedade." [12] (grifo nosso).

O tipo de delito supostamente praticado também é capaz de agravar ou diminuir a pena, de acordo com o grau de influência que o julgador recebe da sociedade (polis) em que vive.

Muito embora, de um ponto de vista constitucional a gravidade me abstrato de um crime não seja fator idôneo para o agravamento da pena, o fato é que muitas vezes se percebe o contrário. Esta é a constatação, mais uma vez, que se tira da psicologia:

"Levando-se em consideração que os delitos são percebidos, por quem toma decisões, como informações qualitativamente diferentes, mais que quantitativamente diferentes, determinadas variáveis na sentença estão influenciadas pelo tipo de delito julgado." [13]

È inegável que, por exemplo, numa sociedade de pudores, os crimes sexuais serão mais severamente punidos, muito embora se entenda que o grau de culpabilidade do infrator foi reduzidíssimo.

5.2. Variáveis Psicológicas.

As variáveis psicológicas também são fatores relevantes para a tomada de decisão. Os intricados processos emocionais e cognitivos, as crenças pessoais, a experiência, o estado de espírito, tudo acompanha o Juiz no seu labor decisório.

Durante algum tempo pensou-se que o Juiz togado, por sua vivência acadêmica, seu conhecimento científico apurado, estaria livre das distorções causadas, vez que a "cientificalização" do pensamento o deixaria incólume dessas influências. Reservou-se, então, o julgamento emocional aos juizes leigos (jurados), o que se maximiza no nosso sistema, vez que os crimes dolosos contra a vida, quase em sua totalidade possuem alto apelo social e passional.

Hodiernamente, percebe-se que as coisas não ocorrem bem assim.

Retornando à psicologia, transcreve-se o seguinte trecho:

"Evans e Gilbert (1975) consideram que os juizes são influenciados, em suas decisões, por fatores, como opiniões pessoais, ideologia (...) e implicações emocionais, podendo estar predispostos a assumirem determinadas posturas em função de seu treinamento, do clima social e da classe social." [14] (grifo nosso).

Outra questão intrigante, que nos trai quase constantemente, é a irremediável mania de simplificação das tarefas. Defeito maior não pode haver na arte de julgar.

Psicologicamente, aquelas pessoas que exercem tarefas repetidas tendem, para diminuir a fadiga intelectual, a criar "pequenas rotinas" a fim de realizar as tarefas repetitivas mais rapidamente.

Se, por um lado, criamos mecanismos para diminuir o gasto energético na realização mental de uma atividade, por outro, podemos criar sérias distorções do ponto de vista da Justiça.

Se um Juiz, quiçá por possuir milhares de processos idênticos quanto a uma circunstância fática, adota sobredito procedimento, natural dada sua condição humana, já é possível imaginar os prejuízos que daí adviriam.

No processo criminal, como em nenhuma área do direito, a interferência pessoal é muito presente e a automatização das decisões é algo que deve ser repudiado com toda força.

5.3.Uma forma de combater tais distorções.

Uma forma de minimizar as influências externas e internas, bem como filtrar aquelas nocivas nos é dado por M. Levine, no livro Scientific Method and the Adversary Model, citado por Fernando de Jesus:

"Levine (1984) apresenta quatro conjuntos de regras que se relacionam com o tipo de informação aceitável juridicamente: a) um conjunto se refere aos limites-espaço-temporais, que são as informações não-condizentes diretamente com os fatos e as que são publicadas pelos meios de comunicação, que podem ser pertinentes aos fatos constantes no juízo, porem não devem ser levadas em consideração. b) Outro conjunto de regras seriam aquelas informações obtidas por ameaça ou ilegalmente, que devem ser ignoradas. c) Um terceiro conjunto de regras seria evitar que sejam realizados juízos fundamentados em distorções irracionais e prejuízos, como, por exemplo realizar inferências sobre fatos da forma de ser ou de atuar de alguns dos litigantes, ou também do conhecimento de algumas de suas condutas anteriores ao fato que está sendo julgado. D) E o último conjunto de regras seriam as inferências realizadas, a partir de informações apresentadas pelas partes litigantes que possuem por objetivo a persuasão de juizes ou jurados." [15]

Sobre o autor
Danilo Von Beckerath Modesto

advogado em Salvador (BA), pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal, professor do curso IBES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MODESTO, Danilo Von Beckerath. Breve anatomia psicológica das decisões em matéria criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1448, 19 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10034. Acesso em: 24 nov. 2024.

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