No cotidiano das médias e grandes cidades brasileiras, podemos verificar, pela leitura de placas publicitárias, uma série de novos lançamentos imobiliários, com condições de pagamento imperdíveis e ofertas que, num primeiro momento, parecem deslumbrantes.
Para o comprador, as condições de pagamento e a imagem do imóvel pronto são suficientes para a tomada de decisão de compra. No entanto, existem diversos cuidados que devem ser tomados na hora de se fazer a aquisição de um imóvel especialmente na planta.
Isso porque, como regra, os compradores utilizam de recursos de financiamento imobiliário para pagar o preço do imóvel. Ao optar por tal modalidade de pagamento, o comprador precisa ter a certeza de que não haverá arrependimentos posteriores à assinatura dos contratos com o banco e com a incorporadora.
Além disso, existem outras situações que podem causar frustrações ao comprador, como demora no avanço da construção e consequente atraso na entrega do imóvel, falhas estruturais e vícios construtivos, imóvel entregue com características diferentes das prometidas no contrato e nas ofertas, entre outras.
Em casos mais extremos, pode ser que o empreendimento imobiliário sequer esteja registrado, ou, se estiver, o apartamento seja entregue de modo diferente do que constou inicialmente no memorial de incorporação registrado em cartório. O imóvel pode, inclusive, ser vendido para outra pessoa, apesar de prometido a um comprador anterior.
Assim, pretendemos expor, em sentido jurídico, quais são os cuidados que devem ser tomados pelo comprador antes de assinar um contrato com a incorporadora, com o fim de evitar arrependimentos posteriores e garantir a segurança da aquisição.
O primeiro cuidado: verificar a oferta
Se se pretende adquirir um imóvel na planta, o comprador deve saber exatamente quais são as condições e o que será entregue ao firmar o negócio. Por isso, deve verificar qual foi a oferta dada pela incorporadora.
Reitera-se isso pelo teor do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Pelo teor dos artigos, entende-se que a incorporadora deve prezar pela clareza e especificidade de suas informações quanto ao apartamento que pretende vender, pois todo o alegado na oferta obriga o seu cumprimento, de modo que o comprador não pode ser prejudicado posteriormente.
Neste sentido, o comprador deve guardar e se orientar pelos folhetins de propaganda, sites, e-mails, banners de propaganda, entre outros, justamente porque a publicidade vincula a incorporadora e integra o contrato por força do CDC.
O segundo cuidado: verificar o registro do empreendimento
O registro é o procedimento para atestar a veracidade e dar publicidade quanto às informações de um imóvel. No caso, destacar expressamente que está sendo utilizado para uma incorporação imobiliária, expor as condições do empreendimento e a situação do imóvel.
Aqui se ressalta o dever do comprador de guardar as publicidades do imóvel, uma vez que, segundo a Lei das Incorporações, devem constar o número e o cartório do registro da incorporação em cada publicidade.
A lei afirma que o empreendimento deve ser registrado antes de o incorporador efetuar as vendas dos apartamentos, sob pena de ser responsabilizado criminalmente. E é certo que: na hipótese de ausência de registro, a venda não pode ser válida, o que enseja ao comprador o direito de rescindir o negócio e pedir a devolução dos valores.
Nas palavras de Mattos e Silva, deve o comprador:
Assim, para aquele que pretende adquirir um imóvel de uma incorporadora é necessário a verificação do registro da incorporação no cartório imobiliário. O comprador deve ir ao cartório e pedir para ver todos os documentos relativos à incorporação (peça para ver o memorial de incorporação). Nesse momento, pode ser interessante a ajuda não apenas de um advogado especializado na matéria, mas também de um engenheiro civil, para que o comprador possa entender quais serão os detalhes técnicos das obras a serem realizadas, de modo a aferir a qualidade do que deverá ser construído.
Além de verificar o registro e o memorial de incorporação, deve verificar se o projeto foi devidamente aprovado pela prefeitura.
O terceiro cuidado: verificar o histórico da incorporadora
A incorporação imobiliária, por envolver engenharia, questões jurídicas, tributárias, ambientais, fora os trâmites com a Administração Pública e cartórios em geral, é uma atividade complexa. Logo, exige uma estrutura capaz de comportar todas essas etapas, para o fim de proceder o devido andamento às obras.
Assim, além de se verificar a oferta e a situação do imóvel, é relevante fazer, ao menos, um estudo sucinto da incorporadora. Com isso, será possível verificar a situação econômica da empresa, seu histórico no mercado, quantidade de empreendimentos já entregues, avaliações de clientes, etc.
A análise pode ser mais prática, mediante uma simples consulta pública aos sistemas processuais dos estados em que a incorporadora atua, bem como em sistemas de avaliação on-line, como o Reclame Aqui.
Mas também pode ser complexa, com a leitura de certidões específicas da empresa, bem como de seus sócios. Algumas incorporadoras podem responder a ações civis públicas e até mesmo ações criminais por violações à lei, então todo cuidado é necessário como forma de garantia.
O quarto cuidado: a análise do contrato
Os contratos elaborados por incorporadoras são, em regra, elaborados para proteger seus interesses, ao passo que limitam o dos compradores.
Segundo o art. 35-A da Lei nº 4.591, os quadros-resumos (resumo das cláusulas que compõem a totalidade do contrato) das promessas de compra e venda elaboradas pelas incorporadoras devem conter os seguintes requisitos:
I - o preço total a ser pago pelo imóvel;
II - o valor da parcela do preço a ser tratada como entrada, a sua forma de pagamento, com destaque para o valor pago à vista, e os seus percentuais sobre o valor total do contrato;
III - o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;
IV - a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;
V - os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;
VI - as consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;
VII - as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;
VIII - as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) , em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;
IX - o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo incorporador;
X - as informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel, em especial quando o vinculem como garantia real do financiamento destinado à construção do investimento;
XI - o número do registro do memorial de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;
XII - o termo final para obtenção do auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais da intempestividade prevista no art. 43-A desta Lei.
Caso haja alguma ausência dessas informações no quadro resumo, deve-se notificar a incorporadora, mediante carta com aviso de recebimento, preferencialmente, para aditar o contrato no prazo máximo de até 30 (trinta) dias.
Se a omissão não for sanada, o comprador poderá pedir a rescisão do contrato, com a devolução dos valores pagos e atualizados segundo o índice do contrato.
Verificado o quadro resumo, repisa-se a próxima etapa da análise segundo as palavras de Mattos e Silva:
Com a minuta do contrato em mãos, deve o comprador proceder à leitura atenta de cada cláusula, parágrafo, item, alínea etc. do instrumento contratual que regerá o negócio, de modo que possa o comprador conhecer todos os detalhes da transação. Embora pareça óbvia tal assertiva, a maioria dos prejuízos sofridos pelos compradores decorre da ausência da devida leitura e da consulta a profissional especializado no momento da contratação. Em geral, esses contratos são extremamente complexos, razão pela qual ele deve ser estudado com grande profundidade e vagar.
A leitura consiste em verificar se não existem cláusulas injustas e que retiram direitos dos compradores, o que, no futuro, pode acarretar em prejuízos e arrependimentos posteriores à compra.
Dentre as cláusulas mais importantes, destaca-se a do modo do pagamento, incidência de índices de correção e juros nas parcelas, taxas relativas a financiamentos e cartórios, responsabilidade por atrasos na entrega, prazo da entrega do imóvel, consequências por descumprimento contratual, e a devida metragem de área total ou área útil do imóvel.
Lembrando que o contrato deve ser analisado segundo a oferta exposta na publicidade, pois os termos vinculam a incorporadora.
Assim, tomados os devidos cuidados, com a devida análise da incorporação, da incorporadora e de seus sócios, da oferta e do contrato, a aquisição de um imóvel na planta pode ser uma excelente oportunidade de investimento ou de moradia.
Referência
Compra de imóveis: aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos / Bruno de Mattos e Silva. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2021. ISBN 978-85-97-02619-1.