Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Inquérito policial e sua importância no ordenamento jurídico pátrio

Exibindo página 2 de 2
Agenda 14/11/2022 às 10:31

FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DO JUIZ

Além de ter como destinatário o Ministério Público ou querelante, o juiz tem acesso aos autos quando recebe a denúncia ou queixa, que tomou como base os elementos colhidos no curso do inquérito policial e pode usar destes elementos deste que também utilize outros colhidos no curso do processo, conforme consta da redação do artigo 155 do Código de Processo Penal que diz:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Um elemento a mais para reforçar a importância da peça informativa supra mencionada, citando as provas periciais colhidas durante o curso das investigações e que por sua natureza não podem ser repetidas no curso do processo.

O citado artigo mencionado recebe críticas de parte da doutrina devido a expressão exclusivamente, pois mantém aberta a possibilidade do juiz utilizar os elementos do inquérito para fundamentar sua decisão desde que também invoquem algum elemento probatório do processo.

Aury LOPES JUNIOR assim preleciona:

Manteve-se, assim, a autorização legal para que os juízes e tribunais sigam utilizando a versão dissimulada, que anda muito em voga, de condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito12.

A crítica da doutrina deixa rutilante que independente de concordar ou não com a possibilidade de o inquérito policial ser utilizado em cotejo com as provas colhidas durante a instrução penal, além de alguns autores defenderem o desentranhamento do inquérito policial dos autos do processo após o recebimento da denúncia, a importância que tal peça possui, sendo de imprescindível observação da autoridade policial a condução do procedimento administrativo em observância de todos os preceitos legais e principalmente levando em consideração durante cada ato praticado os princípios constitucionais, agindo de forma técnica e imparcial objetivando o esclarecimento do fato.


CONCLUSÃO

O que foi mencionado até o presente momento sobre o inquérito policial visa demonstrar a sua finalidade e funcionalidade no ordenamento jurídico.

Apesar de várias críticas a sua utilização e a tentativa de diminuir sua importância ao relega-lo a mera peça informativa, esta peça é de suma importância devendo ser fortalecida e não combatida.

Durante as pesquisas realizadas para elaboração do presente artigo foi constatado que a doutrina não tem uma grande preocupação em tratar do assunto de forma ampla, encontrando apenas na literatura jurídica um estudo raso sobre o tema, dispensando o maior tempo no detalhamento da ação penal, suas características, a marcha processual, provas etc..

Em outros países há diferenças para o modelo adotado no Brasil, há locais em que existe um juiz que colhe as provas no campo e outro que cuida da instrução, há também defensores que advogam a ideia de o membro do Ministério Público ser o responsável pela apuração dos fatos, no primeiro momento e no segundo momento funcionando como órgão acusador.

Ora tanto em um modelo quanto no outro citado, há a necessidade de um profissional para atuar na colheita de provas e elementos informativos, o que no modelo adotado no Brasil tem um nome e se chama delegado de polícia, responsável pela condução do inquérito policial, sendo certo que este profissional possui a mesma formação jurídica que os dois cargos citados acima.

Não é importante a nosso ver o modelo adotado, mas a qualidade da investigação e referida qualidade tanto almejada está atrelada a investimentos em equipamentos e principalmente pela valorização do servidor policial, não apenas a figura do delegado de polícia, mas todos os agentes que compõem os quadros da Polícia Judiciária.

A pergunta que deve ser feita é o que pode ser feito para fortalecer a Polícia Judiciária (Polícias Civis e Federal) e não querer mudar o modelo para um novo sob os auspícios de que seja melhor, ou de que o modelo atual não serve mais para atender as demandas da sociedade.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A resposta parece clara e urgente: investimentos e autonomia administrativa e financeira.

Na experiência adquirida ao longo de doze anos como inspetor da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro pude constatar de perto as mazelas da sociedade, as deficiências da polícia, o funcionamento das delegacias distritais e o andamento dos inquéritos policiais, com isso, fica evidente a necessidade de melhorar a qualidade das investigações, mas é inegável que ao longo dos anos, houve um avanço na qualidade dos profissionais, no investimento em recursos técnicos que auxiliam na resposta positiva às demandas apresentadas pela coletividade.

Mesmo com todas as críticas que são lançados contra o aparato policial e com todos os defeitos que ainda precisam ser corrigidos, cito a realidade do Rio de Janeiro, onde durante a madrugada, durante o dia e durante a tarde a pessoa que tem uma demanda, seja ela de natureza criminal ou de outro ramo do direito, normalmente procura auxílio na delegacia de polícia mais próxima de sua casa.

Muito comum na realidade das delegacias distritais de as pessoas procurarem ajuda para pleito de pedido de guarda de filho menor, pedido de pensão alimentícia, pedido de reparação civil por danos morais e outras demandas que nada tem a ver com a atividade policial, mesmo assim é o único órgão aberto 24 horas durante 7 dias da semana que possa pelo menos ofertar uma orientação à pessoa, um encaminhamento ao órgão público com atribuição para tal demanda.

Neste diapasão, insere-se o inquérito policial, pois é no balcão de atendimento de uma unidade policial que se inicia o procedimento policial que depois na maioria dos casos serve de base para o início da ação penal.

A pessoa na condição de ofendida tem este primeiro contato com a polícia, existindo um corpo a corpo, no calor dos acontecimentos, a análise da situação no momento em que acaba de acontecer, a realização da perícia imediatamente após o fato ter ocorrido, enfim diversas situações que são colhidas logo após o crime ter ocorrido, a declaração da testemunha logo após o fato, ainda com a memória fresca com os fatos que acabaram de suceder-se; todas estas diligências são documentadas e anexados aos autos do inquérito para que posteriormente sirvam de base para a propositura da denúncia pelo parquet.

Situação extremamente comum e que serve para corroborar a visão vem do exemplo do Tribunal do Júri, onde os jurados formam o seu convencimento de acordo com a sua íntima convicção, não necessitando fundamentar sua decisão, neste caso, o conteúdo das investigações são explorados livremente pelas partes, influenciando sobremaneira na formação da convicção dos jurados, apesar de vozes abalizadas na doutrina que defendem a sua exclusão dos autos após a pronúncia.

É cediço que todas estas atividades acima destacadas tem a supervisão do Ministério Público, já que no Estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público possui acesso ao sistema Delegacia Legal que interliga todas as delegacias integradas ao sistema, sendo assim, o promotor de justiça pode acompanhar de forma on line as peças que estão sendo geradas naquele momento em qualquer unidade policial, visualizar o seu inteiro teor, solicitar a qualquer tempo a remessa dos autos que compõem o inquérito para sua análise mais detida em seu próprio gabinete, no caso do Rio de Janeiro, na Central de Inquéritos a qual o citado servidor esteja lotado e responsável por aquela área de atuação, exercendo de forma plena as atribuições conferidas pelo legislador constituinte conforme disposto no artigo 129 e seus incisos da Constituição Federal.

Neste contexto, o inquérito policial surge com extrema relevância que transcende a afirmação de que seja apenas uma mera peça de informação, mas como um instrumento eficaz para a elucidação dos fatos, resposta do Estado as pretensões do ofendido, preservação da intimidade do acusado e suporte qualitativo para o surgimento da justa causa para início da ação penal, sendo observado ainda como uma garantia do cidadão e de defesa do Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. DF. Senado Federal. 1988. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 29 out. 2013.

Decreto-Lei n° 3689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília. DF. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm.> Acesso em 23. Out. 2013.

Lei n° 2033, de 20 de setembro de 1871. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM2033.htm. Acesso em 23 out. 2013.

Decreto n° 4.824, de 22 de novembro de 1871. Disponível em https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/Historicos/DIM/DIM4824.htm. Acesso em 23. out.2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n° 14. Brasília. DF. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante>. Acesso em 30 out. 2013

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processual Penal. Habeas Corpus n° 111094 Santa Catarina, Brasília, DF, 26 de junho de 2012. Disponível em <https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28v%EDcios+do+inqu%E9rito+contaminam%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 30 de out. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 84548/SP. Brasília, DF, 21 de junho de 2012. Disponível em <https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=210438>. Acesso em 09 de dezembro de 2015.

LOPES JUNIOR, Aury, Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, 3. ed. rev. atual. volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal. volume I, 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1996.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. I. Campinas: Bookseller, 1997.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10.ed. São Paulo. Saraiva, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 3° ed. Bahia: Juspodvim, 2015.

NICOLITT, André Luiz. Manual de Processo Penal. 5° ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2014.

BORGES. Fernando Afonso Cardoso. Brasil. 2013. O direito ao contraditório e ampla defesa na fase inquisitória do processo penal. Disponível em <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7416>. Acesso em 30 out. 2013.

Sobre o autor
Felipe Gonçalves Martins

Delegado de Polícia do Estado do Paraná. Ex-Delegado de Polícia do Estado do Acre. Ex-inspetor de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Direito Penal e Criminal pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Única (MG). Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Única (MG). Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Graduado em Teologia pela Universidade Unicesumar (PR).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo escrito entre 2014/2015 para programa de Pós Graduação Nível de Especialização em Direito Penal e Criminal junto à Universidade Cândido Mendes/RJ. Na época exercia o cargo de Inspetor da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro desde o ano de 2003

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!