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A impossibilidade de uma intervenção federal por meio do art. 142 da Constituição Federal e o ataque ao resultado das eleições democráticas no Brasil

Agenda 15/11/2022 às 22:09

No dia 30 de outubro de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da República no Brasil, pela terceira vez. Com 99.99% das urnas apuradas, o petista obteve 60,3 milhões de votos, ganhando as eleições com 50,9% do total. Dessa forma, a vitória de Lula nas urnas teve a margem mais apertada de votos desde a redemocratização. (ESTADÃO, 2022)

Diante da derrota de Jair Bolsonaro, bolsonaristas inconformados foram às ruas. No dia do feriado de finados, 02 de novembro, os manifestantes reuniram-se na frente de sedes militares, requerendo intervenção federal, por meio do artigo 142, da Constituição Federal. Aqueles que não souberam aceitar o resultado democrático das urnas, gritavam eu autorizo para que as forças armadas utilizassem o suposto direito previsto na Constituição Federal. (ESTADÃO, 2022)

Tendo em vista os acontecimentos, torna-se necessário analisar a (in)viabilidade do pedido de intervenção federal, por meio do artigo 142 da Constituição Federal. Dessa forma, torna-se analisar o supramencionado artigo, in verbis:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas;

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", será transferido para a reserva, nos termos da lei;

III - o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;

IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;

V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;

VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;

VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;

VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea "c"

IX - (Revogado pela Emenda Constitucional nº 41, de 19.12.2003)

X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra

(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm )

O artigo 142 da Constituição Federal prevê a constituição das forças armadas, sua organização, sua autoridade suprema e sua destinação. Em seus incisos, determina-se qual lei estabelecerá as normas gerais, o não cabimento do Habeas Corpus nas punições disciplinares militares e as disposições para os membros das forças armadas. Dessa forma, não verifica-se nenhuma possibilidade de direito de requerer intervenção federal pela Constituição Federal.

Tendo em vista já ter sido demonstrado não ser possível, por meio do artigo 142 da Constituição Federal, o requerimento de intervenção federal, torna-se necessário em quais situações uma intervenção federal poderia ocorrer. Dessa forma, torna-se necessário analisar o artigo 34 da Constituição Federal, que aborda as possibilidades de intervenção federal, in verbis:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

De acordo com o artigo 34 da Constituição Federal, a União poderá intervir nos Estados apenas nos casos mencionados, como de manter a integridade nacional e a ordem pública, e assegurar os princípios constitucionais. Dessa forma, não se verifica a possibilidade de intervenção federal para atacar eleições legítimas, já que não se adequa a nenhum dos casos mencionados.

Nesse sentido, cabe destacar que Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que:

"Como ordem de unificação, o ordenamento federal não pode dispensar um mecanismo destinado a salvaguardar o todo contra a desagregação. Esse instrumento é a intervenção federal. Esta consiste em assumir a União, por delegado seu, temporária e excepcionalmente, o desempenho de competência pertencente a Estado-membro. É uma invasão da esfera de competências pertencente e reservada aos Estados-membros para assegurar o grau de unidade e de uniformidade indispensável à sobrevivência da Federação. Note-se que a União só pode intervir nos Estados. Nos Municípios, eventualmente são os Estados que podem intervir. A intervenção, por ser contrária à autonomia dos Estados-membros, só pode fundar-se em fato de gravidade indisfarçável. Assim, o constituinte cuidou de estabelecer o elenco taxativo dos problemas que são suficientemente perigosos para o todo, a ponto de ensejar essa intervenção."

(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Manual de Direito Constitucional. RJ. 2020, p. 51)

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Inclusive, cabe destacar que a intervenção federal é o mecanismo excepcional previsto na maior parte das Federações destinado a lidar com elementos que rompem com a unidade e a integridade nacionais e/ou com padrões considerados de observância obrigatória e fundamental por todos os entes federados. (MORAES, 2018) Além disso, torna-se necessário destacar que, conforme o ministro Alexandre de Moraes, os episódios foram ataques à democracia brasileira, mas essa venceu. De acordo com Moraes, a democracia tem sido corroída sob o falso manto da liberdade sem limites, pela falta de informação e pelo discurso de ódio. (ESTADÃO, 2022).

Diante do exposto, conclui-se que a intervenção federal, por meio do artigo 142 da Constituição Federal, é impossível sob uma ótima jurídica. Os atos dos manifestantes bolsonaristas configuram-se como um ataque á democracia e ao resultado das eleições.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

ESTADÃO. Apoiadores de Bolsonaro realizam atos diante de sedes militares no Rio e SP e pedem intervenção. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/bolsonaristas-intervencao-militar-ato-rio/

ESTADÃO. 'Democracia foi atacada no Brasil, mas sobreviveu', diz Alexandre de Moraes Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/democracia-foi-atacada-no-brasil-mas-sobreviveu-diz-alexandre-de-moraes/

ESTADÃO. Lula derrota Bolsonaro no segundo turno e é eleito presidente. 2022. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/lula-derrota-bolsonaro-no-segundo-turno-e-e-eleito-presidente/

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Manual de Direito Constitucional. RJ. 2020

MORAES, Alexandre. Constituição Federal Comentada / Alexandre de Moraes ... [et al.] ; [organização Equipe Forense]. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

Sobre a autora
Rafaela Isler da Costa

Pós-graduanda em Criminologia (Grancursos). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Justiça Social da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FADIR/FURG/RS). Representante discente do curso de Mestrado em Direito e Justiça Social - FURG. Pesquisadora bolsista da CAPES. Pesquisadora vinculada ao Programa Educación para la Paz No Violencia y los Derechos Humanos, al Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (Centro de Investigación y Extensión en Derechos Humanos) de la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de Rosário (Argentina) sob coordenação do Professor Dr. Julio Cesar Llanán Nogueira, com financiamento PROPESP-FURG/CAPES. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH/FURG) e do Grupo de Pesquisa do CNPq: DIREITO, GÊNERO E IDENTIDADES PLURAIS (DGIPLUS/FURG). Pós-Graduação em Direito Público. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Empresarial. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Tributário. (Damásio). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). CV Lattes: < http://lattes.cnpq.br/2927053833082820 E-mail: < rafaelaislerdacosta@gmail.com>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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