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O direito fundamental de se viver em uma cidade sustentável

Alçado à condição de direito de fundamental, o direito à cidade sustentável incorpora-se ao patrimônio da sociedade urbana brasileira, sendo defeso ao Estado tolher esta conquista, seja pela sua titulação de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, CR/88), seja em decorrência do princípio da proibição de retrocesso.

RESUMO: A erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, bem como a promoção do bem de todos são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Já os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade são vértices axiológicos de interpretação constitucional e núcleos centrais que emanam e validam os direitos fundamentais. O direito à cidade sustentável apresenta idênticos propósitos, é desdobramento destes princípios e deles retira validade. Impõem-se, portanto, que seja reconhecido como direito fundamental por excelência, haja visto que o art. 5°, § 2° da Carta Magna, não é taxativo, mas exemplificativo, abrindo espaço para novos direitos fundamentais que exsurgem de acordo com as necessidades sociais apresentadas em virtude do momento histórico vivenciado.

PALAVRAS-CHAVE: CONSTITUIÇÃO DIGNIDADE DA PESOA HUMANA DIREITO FUNDAMENTAL CIDADE SUSTENTÁVEL.


INTRODUÇÃO

O presente artigo almeja abordar a história da propriedade, o direito à cidade sustentável e a sua inclusão na categoria de direito fundamental, bem como a função social da cidade e da propriedade.

Desenvolver-se-á apontamentos históricos, sociais e políticos sobre o direito de propriedade, sua função social, bem como sua correlação com os Direitos Fundamentais. Em seguida, será feita uma análise do Estatuto da Cidade e sobre a importância da conceituação do direito à cidade sustentável, enquadrando-a entre os direitos fundamentai para garantia da sua efetividade. Ao final, serão apresentas as conclusões.

APONTAMENTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E SOCIAIS

Primitivamente, a propriedade era coletiva, as terras e os instrumentos de defesa e produção pertenciam à coletividade. Na Antiguidade Clássica exsurgem os primeiros traços individualistas da propriedade. A propriedade romana passou por três distintos estágios: coletiva, familial e individual. A última prevaleceu no tempo e influenciou sobremaneira o direito de propriedade no Ocidente.

Na primeira fase da Idade Média, notadamente com o pensamento de São Tomás, tem-se ideias acerca do influxo de interesses coletivos sobre a propriedade individual, bem comum o que era definido pelo clero e pela nobreza. Contudo, é a gênese do que adiante se consolidou como função social da propriedade.

Com a Revolução Francesa é a ruptura com os regimes antecedentes, a propriedade foi uma questão central. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 apresenta rol de direitos individuais do homem, entre eles uma propriedade inviolável e sagrada. É a primeira geração de direitos fundamentais.

O paradigma liberal implicava no distanciamento do Estado da economia, omisso frente aos problemas sociais e econômicos. A lei visava proteger cidadão frente ao Estado e o Direito tinha como função estabelecer um mínimo de normas que define os limites de atuação do Estado (BARACHO JUNIOR: 2000, 54).

As Constituições dessa tradição estatal declararam os direitos individuais, cujo único limite era o direito do outro. Nesse contexto, a propriedade era vista como um direito absoluto no qual o interesse do privado se sobrepunha ao público, inatingível por interferências estatais. Os Códigos Civis Francês (1804) e o Brasileiro (1916) espelham esses conceitos e essa visão absolutista da propriedade, mas existiam algumas restrições, principalmente no direito de vizinhança.

As lutas contra a exploração, pelo direito de associação, por direitos sociais, econômicos e pelo amparo estatal na regulação da economia foram significativas na ruptura do paradigma Liberal e tiveram expressão máxima na Revolução Russa e na Constituição Mexicana em 1917.

A noção de um certo grau de intervenção estatal na economia tem por objetivo assegurar aos particulares um mínimo de igualdade e liberdade real na vida em sociedade, bem como a garantia de condições materiais de vida mínimas para uma existência digna.

Os direitos fundamentais a prestações enquadram-se no âmbito dos assim denominados direitos de segunda geração (ou dimensão), correspondendo à evolução do Estado de Direito, na sua matriz liberal burguesa, para o Estado democrático e social de Direito, consagrando-se principalmente após a Segunda Guerra Mundial.

O paradigma estatal social consolidou os direitos fundamentais de segunda geração (sociais e econômicos) e caracterizou-se pela prevalência do direito público sobre o privado. É reconhecido aos cidadãos direitos como moradia e trabalho.

Já a propriedade perde seu cunho absolutista e é direcionada aos interesses coletivos, surgindo aqui o instituto da desapropriação, com a finalidade de adequar a propriedade particular a interesses comuns. A propriedade privada não tem mais caráter absoluto, mas funcional, à medida que deve se voltar para sua função social (BARACHO JUNIOR,2000:58).

Ao longo do século XX o Estado Social de Direito entre em crise e surge uma nova tradição estatal: o Estado Democrático de Direito. Esse paradigma é marcado pela concretização dos direitos de terceira geração pertencentes não ao indivíduo, mas à sociedade como um todo e, por isso, são denominados de direitos difusos. A propriedade também é revista e repensada e só faz sentido se atender ao bem da coletividade, se se apresentar em conformidade com o direito do outro e o da coletividade. Eis uma nova ordem de limitações à propriedade.

A Constituição da República de 1988 coloca a propriedade como direito fundamental desde que cumpra sua função social, a qual também recebe a chancela de fundamental. Introduz a Carta Magna, ainda, a função social da cidade e direitos sociais relativos ao espaço urbano, com: moradia, lazer e segurança.

Este cenário jurídico é somado ao esvaziamento do direito urbanístico, que é ramo do direito público que tem como objeto o ordenamento da propriedade urbana e a conformação desta a uma função social determinada por lei, no seio dos espaços habitáveis, de modo a propiciar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantir o exercício do direito à cidade por todos os que nela habitam (MATTOS, 2001:55).

No Estado Democrático, o status legal de cidadania, como capacidade de ter direitos civis, soma-se ao status cultural da cidadania, ao pertencimento do indivíduo a uma comunidade, onde os vínculos sociais acabam por gerar responsabilidade mútua (HABERMAS, 1995). Evidencia-se assim a importância de reler o direito à propriedade perante o modelo democrático e dentro órbita urbana de vivência social.

No espaço urbano faz-se preciso que a propriedade atenda diversificadas funções sociais, competindo ao poder público essa efetivação, por meio dos instrumentos legais que lhe são deferidos para garantir este direito.

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É preciso que o Estado tenha uma posição ativa para que a propriedade alcance sua função social sob o prisma do direito urbanístico e dentro do Estado Democrático de Direito. Faz-se necessário enfrentar dentro do caso concreto a amplitude de conceitos possíveis das normas constitucionais, dada a abstração adotada pelo texto.

O ESTATUTO DA CIDADE

Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal que compõem este capítulo alteraram o status jurídico das cidades, reconheceram a plena urbanização do Brasil e adotaram organização socioeconômica e político-territorial diversas dos institutos civilistas de 1916. Mais de dez anos depois foi promulgada lei regulamentadora desses dispositivos constitucionais. Este marco fundamental, intitulado Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), foi a razão pela qual recebeu o Brasil inúmeros prêmios internacionais.

O Estatuto da Cidade originou-se do Projeto de Lei n.º 2.191, de 1989, que recebeu o n.º 181/89 no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o n.º 5.788/90. Em 18 de junho de 2001 foi aprovado no Congresso e, finalmente, sancionado em 10 de julho deste ano pelo Presidente da República como a Lei 10257/01.

O Estatuto inovou o direito urbanístico ao disciplinar o uso da propriedade urbana com vistas a assegurar o bem-estar dos cidadãos, o equilíbrio ambiental e o desenvolvimento da função social da cidade e da propriedade urbana, visando a garantir o direito às cidades sustentáveis.

Entre as inovações pode-se mencionar os institutos políticos e jurídicos previstos no inciso V, do artigo 4°: concessão de uso especial para fins de moradia; parcelamento do solo; edificação ou utilização compulsória; usucapião especial de imóvel urbano; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir; operações urbanas consorciadas; e consórcio imobiliário (art. 46).

O Estatuto da Cidade define o direito às cidades sustentáveis como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (art. 2º, I). Institui, de forma inovadora, a gestão democrática e participativa da cidade, colocando em primeiro plano a democracia direta.

DIREITO À CIDADE SUSTENTÁVEL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

A trajetória das lutas sociais pela reforma urbana sedimenta a aurora do direito à cidade sustentável como direito fundamental emergente no sistema jurídico nacional, ganhando forma e tratamento jurídico recentes, ou seja, perpassa o campo político e alcança o jurídico.

A Constituição da República vale-se da expressão cidade (s) em poucas oportunidades: arts. 29, XIII; 182, caput; 182, § 1º; 182 § 2º; e 242 § 2º. A última é uma menção específica à cidade do Rio de Janeiro, diferente da indeterminação adotada nas demais. Já na primeira, o constituinte expressa distintamente a existência de interesses específicos do Município e da cidade, o que deixa entrever o reconhecimento das cidades como participantes do espaço político do Estado de Direito brasileiro.

É no artigo 182 e seus parágrafos que esse poder político é efetivamente reconhecido. Com efeito, quando a Lei Maior determina que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade; torna o planejamento urbano obrigatório para cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes; e condiciona a função social da propriedade urbana ao atendimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade. Dessa forma, fica translúcido o poder político das cidades.

Muito embora não se encontre formal e institucionalmente entre as unidades federadas que formam a República Federativa do Brasil (art. 1º, caput, CR/88), a cidade, na nova ordem constitucional, abandona seu caráter meramente físico e deixa de ser unicamente sede administrativa. Agora, materialmente ocupa espaço político como um conjunto de instituições e atores que intervêm na sua gestão e na implementação e desenvolvimento das políticas urbanas [4].

A cidade assume a condição de espaço coletivo culturalmente rico e diversificado que pertence a todos os seus habitantes, onde o usufruto coletivo da riqueza, bens e conhecimentos são garantidos a todos. O seu território é lugar de exercício e cumprimento dos direitos difusos e a sua gestão se dá de forma democrática e coletiva.

O planejamento urbano pertence à cidade e tem por objetivo atender a uma função social que apresenta como componentes essenciais: moradia, meio ambiente equilibrado, equipamentos e serviços urbanos, saneamento básico, transporte público, cultura e lazer.

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A todas as pessoas, sem discriminação de qualquer ordem, deve ser assegurado o direito a uma cidade e, ao mesmo tempo, garantido o usufruto dela dentro dos princípios da sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. A qualidade de vida urbana recebe influxos constitucionais, dotando-a de força normativa vinculante. Surge, então, o direito à cidade sustentável.

O direito à cidade sustentável visa a garantir às pessoas que nela habitam e para as futuras gerações condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania e os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais), de participar da gestão da cidade e de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Com o Estatuto da Cidade, o direito à cidade sustentável se transforma num novo direito fundamental, instituído em decorrência do princípio constitucional das funções sociais da cidade [5].

A função social é elemento inerente e estruturante das cidades e da propriedade urbana, essência e da qual eles não se dissociam. Logo, a função social não se restringe à condição de limite, vai além, exige que a coletividade seja beneficiada, impondo ao particular e ao poder público comportamentos positivos.

O desenvolvimento das funções sociais da cidade é de interesse de todos os seus habitantes, constituindo-se, enquanto um interesse difuso, uma vez que todos os munícipes são afetados pelas atividades, de funções e impactos desempenhados no seu território. Portanto, a relação que se estabelece entre os sujeitos é com a cidade, que é um bem de vida difuso [6].

Como princípio que busca a construção de uma nova ética urbana, a função social da cidade almeja o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento urbano sustentável, isto é, o desenvolvimento econômico que alia harmonia ambiental e inclusão social e que não desconsidera o valor humano para o desenvolvimento das cidades.

O direito à cidade sustentável é concebido com objetivos e elementos próprios, integrando a categoria dos direitos coletivos e difusos, ou seja, é transindividual, de natureza indisponível, cujos titulares são pessoas indeterminadas ligadas pela circunstância fática de habitarem o mesmo espaço físico e político (art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8078/90).

O próprio Estatuto da Cidade assinala que suas normas são de interesse social e destinadas a regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (parágrafo único art. 1º).

O interesse social que permeia o Estatuto da Cidade e serve de base interpretativa dele é detectado quando o Estado se encontra diante dos interesses diretamente ligados às camadas mais pobres da população e ao povo em geral, quando atua visando à melhoria da condição de vida, distribuição de riqueza e atenuação das desigualdades [7].

A erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, bem como a promoção do bem de todos, são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil [8]. Já os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade [9] são vértices axiológicos de interpretação constitucional e núcleos centrais que emanam e validam os direitos fundamentais. O direito à cidade sustentável apresenta idênticos propósitos, é desdobramento destes princípios e deles retira validade. Impõe-se, portanto, que seja reconhecido como direito fundamental por excelência.

Tal direito constitui-se, ainda, em norma de ordem pública e interesse social, além de conformar a função social da propriedade (princípio constitucional expressado entre os direitos e garantias fundamentais art. 5º, XXIII) de modo que guarda em seu âmago a categoria de direito fundamental.

Ao apresentar coerência e harmonia com os objetivos fundamentais do Estado brasileiro e com os princípios constitucionais, o direito à cidade sustentável pode ser incluído como direito fundamental em razão do comando normativo ínsito no artigo 5° § 2º da Carta Magna, que permite ampliar o leque de direitos e garantias fundamentais formalmente estampadas.

Como direito fundamental, o direito à cidade sustentável, além de consubstanciar em garantia contra a intervenção indevida do poder público e contra medidas restritivas; impõe uma postura ativa do Estado, obrigando-o a disponibilizar prestações de natureza jurídica e material e a criar pressupostos fáticos necessários ao exercício efetivo dos direitos constitucionalmente assegurados (prestações positivas).

Estas ideias configuram o que se chama de direitos fundamentais de segunda geração (ou dimensão), também denominados de direitos sociais. As categorias de direitos humanos fundamentais integram-se num todo harmônico, mediante influências recíprocas, até porque os direitos individuais estão contaminados de dimensão social, de tal sorte que os direitos sociais lhes quebram o formalismo e o sentido abstrato [10].

A integração entre os direitos individuais e sociais extirpa dúvidas quanto a se enquadrarem os segundos como direitos fundamentais, o que também pode ser compreendido pela simples constatação de que eles vêm decantados no art. 6º da Carta Magna que se encontra sob o título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Alçado, então, à condição de direito de fundamental, o direito à cidade sustentável incorpora-se ao patrimônio da sociedade urbana brasileira, sendo defeso ao Estado tolher esta conquista, seja pela sua titulação de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, CR/88), seja em decorrência do princípio da proibição de retrocesso.

Introduzida e positivada em grau máximo de intangibilidade no § 4º, do art. 60, deve se entender que a rigidez formal de proteção estabelecida em favor dos conteúdos ali introduzidos não abrange apenas o teor material dos direitos da primeira geração, herdados pelo constitucionalismo contemporâneo, senão que se estende por igual aos direitos da segunda dimensão, a saber, os direitos sociais [11].

Os direitos de segunda geração atravessaram período de juridicidade questionada, sujeitados à condição de normas programáticas em virtude de lhes carecer as habituais garantias conferidas aos direitos da primeira geração. Logo, deixaram de ser observados e executados, situação que se alterou com a previsão constitucional de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, que, por óbvio, estende-se ao direito à cidade sustentável.

Recorde-se do sentido fundamental desta aplicabilidade imediata: os direitos, liberdades e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente eficazes e atuais, por via direta da Constituição. Isto é, não são normas para produção de outras normas, mas sim normas diretamente reguladoras de relações jurídico-materiais [12].

A aplicação e a interpretação do direito à cidade sustentável devem sempre galgar a sua máxima efetividade, pois as normas jurídicas devem desempenhar função útil no ordenamento. Veda-se uma interpretação que lhe retire ou subtraia a sua razão de existir. Com efeito, a interpretação está diretamente ligada à aplicação do Direito, não se prestando a enunciar abstratamente conceitos.

A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional mormente quando se trata de norma de direitos fundamentais é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação e de realização [13].

A par de gozar da máxima efetividade e da aplicabilidade imediata, o direito à cidade sustentável contém outras características próprias dos direitos fundamentais: a indisponibilidade, a imprescritibilidade e a universalidade. A primeira, em seu sentido amplo, inviabiliza sua alienação, transferência e renúncia, ao passo que a segunda determina que ele nunca deixe de ser exigível.

A universalidade seria a marca estrutural desses direitos fundamentais, entendida no sentido puramente lógico ou valorativo de atribuição universal a todos os homens e de não poderem ser alienados. É o caráter universal a grande forma dos direitos para a maioria dos pensadores, notadamente ocidentais. Universalidade subjetiva e objetiva que, enquanto tal, desconhece fronteiras, etnias, cor, raça, sexo e religiões [14].

Compreender e garantir o direito à cidade sustentável e efetivar as funções sociais da cidade é contribuir para a promoção da justiça social, fomentar o desenvolvimento sustentável e permitir a inclusão social. A eficácia (jurídica e social) do direito à cidade sustentável deve ser objeto de permanente otimização, na medida em que tem como objetivo a constante otimização do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e a redução paulatina das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III CF/88).

O direito à cidade sustentável é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos [15]. Negar o direito à cidade sustentável a sua condição de direito fundamental é confrontar a Constituição da República e obrar em sentido diametralmente oposto à dignidade da pessoa humana.

Reconhecido na ordem jurídica como direito fundamental, a não observância do direito às cidades sustentáveis deve acarretar a responsabilidade civil, administrativa e criminal dos agentes públicos ou privados que causarem lesão a este direito. A omissão dos agentes públicos, que implique na não aplicação e adoção dos princípios constitucionais na implementação da política urbana, também configura violação a este direito [16].

Para assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade como interesse difuso de todos seus habitantes e permitir a todos o efetivo gozo do direito à cidade sustentável, faz-se necessário renovar o pensamento jurídico e conferir eficácia aos instrumentos processuais existentes.

A ordem urbanística passou a ser tutelada por meio da ação civil pública em razão de alterações legais trazidas pelo Estatuto da Cidade: esse instrumento de proteção aos interesses difusos dos habitantes da cidade tem como papel buscar o efetivo cumprimento das normas de direito urbanístico e das funções socioambientais das cidades. Deve ser conferida legitimidade de ação na esfera administrativa e judicial a qualquer habitante ou grupo de moradores para atuar da defesa dessas funções sociais e da ordem urbanística [17].

É preciso que se entenda que o Direito não é um sistema objetivo, fechado em si próprio ou neutro em relação aos processos sociais. Ë preciso que se reconheça que o Direito brasileiro tem um papel central no processo de exclusão social e nos processos de segregação territorial, para que possamos avançar no sentido de compreender como o Direito pode ser um fator e um processo de transformação social e de reforma urbana [18].

CONCLUSÃO

A vida moderna se desenvolve nas cidades. A urbanização deu-se em um processo de degradação ambiental e aviltamento da dignidade humana, desprovido de aparato jurídico adequado e da implementação de políticas públicas.

A noção política e cultural do direito à cidade sustentável como indicador da política urbana retrata a defesa da construção de uma ética urbana fundamentada na justiça social e na cidadania. Constata-se, assim, a prevalência dos direitos humanos e se estabelece os preceitos, instrumentos e procedimentos para viabilizar as transformações necessárias para a cidade exercer sua função social.

Cidade e cidadania são sinônimos, não há cidadania sem as devidas formas de acesso ao solo urbano e à moradia apropriada nas cidades. Não há como promover mudanças significativas e estruturais desse padrão de exclusão social, segregação territorial, degradação ambiental e ilegalidade urbana que caracteriza o processo de urbanização no Brasil se não for feita com o envolvimento dos operadores do Direito.

Ao se tutelar o direito à cidade sustentável, tutela-se o direito à vida, vertente de todos os direitos fundamentais. Ao lhe conferir efetividade resguarda-se todo o plexo de direitos e garantias fundamentais, não há existência digna no meio urbano sem uma cidade sustentável e atenta às suas funções sociais.

O conceito materialmente aberto de direitos fundamentais consagrado pelo art, 5° §2°, da CF aponta para existência de direitos fundamentais positivados em outras partes do texto constitucional. Digna de nota é inclusão do Direito à moradia, no art. 6º da CF (dos direitos sociais). É preciso explicitar a possibilidade de reconhecer direitos fundamentais não escritos, implícitos, bem como decorrentes dos princípios constitucionais. E é preciso elucidar a existência de um sistema de direitos fundamentais aberto e flexível, receptivo a novos conteúdos sujeitos aos influxos do mundo circundante, recepcionando o direito à cidade sustentável como direito fundamental.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MARICATO, Ermínia. O nó da terra. Artigo publicado na revista Piauí, nº 21, ano 2, junho/2008. p. 34.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II, 5ª ed. Coimbra Editora: Coimbra, 2003.

OSÓRIO, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

CITAÇÕES

[1] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 07.

[2] Maricato, Ermínia. O nó da terra. Artigo publicado na revista Piauí, nº 21, ano 2 junho/2008. p. 34.

[3] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 48.

[4] O conceito de cidade como espaço político foi extraído da Carta Mundial pelo Direito à Cidade.

[5] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 50-51.

[6] Osório, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 197

[7] Esta definição é extraída quando o autor comenta a desapropriação por interesse social, em referência à Lei 4.132/62, artigo 2o, inciso I. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. São Paulo, Saraiva, 1984, p. 287-288.

[8] Art. 3º, III e IV da CR/88.

[9] Art. 1º, III e 3º, I, respectivamente, da CR/88.

[10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p.184-185.

[11] Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 20ª ed., 2007. p. 640-641.

[12] Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Almedina. Coimbra:2003. p. 438.

[13] Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II, 5ª ed. Coimbra Editora. Coimbra: 2003. p. 288-291.

[14] Sampaio, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 28-29.

[15] Art. 1. 2 da Carta Mundial pelo Direito à Cidade.

[16] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 56-57.

[17] Osório, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 197.

[18] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 22.

[19] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 05

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Maria Eliza Lemos Schueller Pereira. O direito fundamental de se viver em uma cidade sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7108, 17 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101600. Acesso em: 22 nov. 2024.

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