Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O art. 285-A do CPC e a teoria da causa madura

Agenda 22/07/2007 às 00:00

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

            O art. 285-A foi incluído no CPC pela Lei nº 11.277/06, no âmbito da terceira onda de reforma. Ei-lo:

            "Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

            § 1º. Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de cinco (5) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

            § 2º. Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso".

            Assim, prevê a possibilidade de julgamento de mérito sem citação do réu. Muito embora não pareça, o julgamento sem citação não é novidade em nosso sistema, pois, quando o juiz indefere a petição inicial, portanto, não havendo citação do réu, por verificar que a pretensão do autor está prescrita (art. 295, IV), nada mais faz senão julgar o mérito da causa prima facie. Esse é o entendimento da melhor doutrina, a exemplo de Arruda Alvim (Manual de Direito Processual Civil, p. 218/219); Fredie Didier Jr. (Regras processuais no Novo Código Civil, p. 27/28) e Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (Manual do processo de conhecimento, p. 119).

            O art. 285-A, assim, trouxe ao nosso sistema, a possibilidade genérica de julgamento sem citação do réu.

            Contudo, para que o magistrado possa fazer uso do art. 285-A, vários requisitos devem estar presentes. Com efeito, permitindo-se o julgamento da causa sem que o réu dela a conheça, é necessário que a sua aplicação seja bastante comedida.

            Neste artigo, proponho-me à reflexão de um dos requisitos de aplicação do art. 285-A, qual seja, "a matéria controvertida seja unicamente de direito".


2. MATÉRIA CONTROVERTIDA UNICAMENTE DE DIREITO

            Cabe o art. 285-A "quando a matéria controvertida for unicamente de direito". Vê-se, de logo, uma impropriedade técnica. Como se falar em matéria "controvertida" se nem mesmo houve citação (que, na forma do art. 219, tem o condão de tornar a coisa litigiosa)? Com efeito, antes da apresentação da resposta, não se pode falar em controvérsia.

            Ao que tudo leva a crer, pretendeu o legislador dizer que a providência do dispositivo será cabível quando "unicamente de direito" for a argüição do autor e não a "matéria controvertida". E, ainda assim, a análise ocorre potencialmente, pois, toda causa, em tese, ostenta a possibilidade para debate fático (a respeito, cf. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, ao tratar da "regra jurídica e o suporte fático").

            O art. 285-A terá pronta utilização nos casos em que o magistrado, no seu primeiro contato com a petição inicial, valendo-se de experiências anteriores, perceber que o réu, caso citado, não irá impugnar os fatos. Por essa razão, deve-se ter a máxima cautela na aplicação do preceito.

            No caso do julgamento antecipado da lide fundado no art. 330, I, o magistrado tem condições de aferir, inequivocamente, se a causa é estritamente jurídica, pois, nos autos, constará a resposta do réu. No art. 285-A, diversamente, já que não há espaço para apresentação de defesa, o juiz deve ser comedido no sentido de perquirir, no caso concreto, o potencial da causa em assumir feição exclusivamente jurídica.

            Ao aplicar o art. 285-A, deve o julgador ter absoluta convicção de que a matéria fática encontra-se in totum esgotada na documentação juntada à inicial; apresentando-se, destarte, como prova inequívoca. Em outros termos, o juiz, destinatário da instrução probatória, aplicará o dispositivo, quando devidamente convencido em relação à matéria fática e já tiver posicionamento firmado no tocante ao direito aplicável.


3. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO: TEORIA DA "CAUSA MADURA"

            A terminologia "causa exclusivamente de direito" – que não é nova em nosso sistema processual – merece ser explicada. A sua melhor interpretação caminha no sentido de não restringi-la às hipóteses em que o arcabouço seja meramente jurídico, mesmo porque não há demanda exclusivamente jurídica.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            Na denominada "causa exclusivamente de direito" ocorre a ausência de controvérsia fática. E, em perspectiva ampla, pode-se incluir nesta expressão as hipóteses nas quais, inobstante haja controvérsia sobre fatos, todos os eventos estão devidamente provados por documentos. Vejamos algumas situações preconizadas pelo Código:

            a) Art. 330, I. Diz ele: "O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência". A norma merece aplausos ao mencionar sua aplicabilidade às causas onde "a questão de mérito for unicamente de direito" (primeira hipótese) ou, "sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência" (segunda hipótese).

            Destarte, a terminologia "causa exclusivamente de direito" não é suficientemente adequada por não abarcar as situações em que há questionamento fático, muito embora sem necessidade de instrução probatória. Nessa ordem, é válido o entendimento segundo o qual o magistrado poderá julgar a lide antecipadamente, desde que a causa esteja "madura para julgamento" (Nesse sentido: STJ – 1ª Turma – REsp nº 403153/SP – Rel. Min. José Delgado – j. 09.09.03).

            b) Art. 515, § 3º. No concernente ao direito recursal, o § 3º do art. 515 discorre sobre a possibilidade de julgamento imediato do mérito pelo tribunal, quando a causa tiver sido resolvida no primeiro grau por decisão terminativa. O dispositivo, todavia, divaga em restrição indevida. Vejamos sua escrita:

            "Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento".

            Muito embora a norma fale em "questão unicamente de direito", seria insensato incorrer nesta infundada restrição. Ora, mesmo não havendo controvérsia sobre fatos, encontrando-se bem demonstrados, ao tribunal será permitida a aplicação do artigo. A respeito, cf. Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, amparados em aresto do STJ:

            "Tendo em vista os escopos que nortearam a inserção do § 3º no art. 515 (celeridade, economia processual e efetividade do processo), sua aplicação prática não fica restrita às hipóteses de causas envolvendo unicamente questões de direito. Desde que tenha havido o exaurimento da fase instrutória na instância inferior, o julgamento do mérito diretamente pelo tribunal fica autorizado, mesmo que existam questões de fato. Assim, ‘estando a matéria fática já esclarecida pela prova coletada, pode o Tribunal julgar o mérito da apelação mesmo que o processo tenha sido extinto sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva do apelado’ (STJ - 4ª T., REsp 533.980-MG, rel. Min. César Rocha, j. 21.8.03, p. 374). Logo, o pressuposto para a incidência do art. 515, § 3º é o de que a causa esteja madura para o julgamento. No mesmo sentido: RT 829/210" (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 628, nota 11d do art. 515).

            No mesmo sentido: "O art. 515, § 3º do CPC, incluído pela Lei nº 10.352/2001, veio para permitir que o Tribunal, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, pudesse julgar desde logo a lide, em se tratando de questão exclusivamente de direito ou quando devidamente instruído o feito (‘causa madura’)" (STJ – 2ª Turma – REsp nº 722410/SP – Rel. Min. Eliana Calmon – j. 15.08.05).

            c) Art. 740, parágrafo único. Em relação ao processo de execução, estabelece o Código, no parágrafo único do art. 740: "Não se realizará a audiência, se os embargos versarem sobre matéria de direito ou, sendo de direito e de fato, a prova for exclusivamente documental; caso em que o juiz proferirá sentença no prazo de 10 (dez) dias".

            Essa regra legal adota melhor técnica que o art. 515, § 3º, não fazendo a criticada restrição, abordando a "teoria da causa madura". O preceito autoriza o julgamento antecipado mesmo quando haja controvérsia fática. Para tanto, basta a demonstração cabal acerca dos fatos.

            d) Art. 832, III. Quanto ao processo cautelar, reza o Código, em seu art. 832, III: "O juiz proferirá imediatamente a sentença (...) se a matéria for somente de direito ou, sendo de direito e de fato, já não houver necessidade de outra prova".

            De igual forma, não restringe o julgamento antecipado às situações unicamente em que haja controvérsia jurídica. Com inteligência, o artigo admite o pronto julgamento quando há controvérsia de fato, sendo cabível, não obstante, apenas a prova documental. Portanto, traz em si, tal qual o art. 330, I, e o art. 740, parágrafo único, a aplicação da "teoria da causa madura".


4. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA "TEORIA DA CAUSA MADURA" NO JULGAMENTO BASEADO NO ART. 285-A

            Nas situações acima descritas, o Código concebe a "teoria da causa madura". Assim, possibilita o julgamento initio litis em duas hipóteses distintas: a) quando a controvérsia seja unicamente de direito; ou b) quando haja discussão fática, mas a prova já foi produzida, sendo desnecessária a dilação probatória.

            Diante dessas premissas, vale lembrar que o art. 285-A enuncia a sua aplicação "Quando a matéria controvertida for unicamente de direito". Tal qual o § 3º do art. 515, o art. 285-A deixa de vislumbrar – pelo menos expressamente – a hipótese "b". Por tudo o que vimos essa restrição é de todo indevida e afronta os princípios da celeridade, instrumentalidade e economia processuais.

            No caso do novel dispositivo, todavia, deve-se ter proeminente cuidado na aplicação da teoria da causa madura, porquanto a regra dispensa a citação do réu. Por conseguinte, o magistrado fará uso do julgamento prima facie quando a causa estiver pronta para ser julgada initio litis. Competirá ao juiz, dentro da sua máxima de experiência, além de cauteloso arbítrio, verificar se os fatos elencados não seriam, em tese, objeto de controvérsia, se o requerido fosse citado.

            Propõe-se, então, uma releitura da terminologia "causa exclusivamente de direito", entendendo-a como "causa que não necessite, pelo estado no qual se encontra, de dilação probatória".

Sobre o autor
Iure Pedroza Menezes

juiz de Direito no Estado de Pernambuco, especialista em Direito pela UESB/UFSC, professor de Direito Processual Civil da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Iure Pedroza. O art. 285-A do CPC e a teoria da causa madura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10166. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!