Quando a sociedade se vê diante do derretimento do valor de uma empresa tradicional, como as Lojas Americanas, na fragilidade evidente das suas informações contábeis, somos levados à muitas reflexões, afinal o investimento em bolsa, apesar de ser de risco, deve ser sempre cercado de muita transparência, e os valores dessas empresas deve ser alterado pelo desempenho esperado delas, e nunca por fatores não previstos nos balanços.
Os acionistas de referência das Lojas Americanas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, depois de 10 dias do escândalo deram as primeiras declarações sobre a situação da companhia, desde a descoberta do rombo bilionário, que produziu como resultado um processo de recuperação judicial, já iniciado.
Após um estratégico e suspeito silencio, os investidores afirmaram, por nota, que não tinham conhecimento e não admitiriam manobras ou “dissimulações contábeis” da empresa.
Além disso, o trio diz que a empresa contava com a auditoria independente da PWC, que confirmava informações contábeis com fontes externas, inclusive com bancos que mantinham operações com a Americanas, e que jamais foram denunciados quaisquer tipos de irregularidades. E claro o leitor acostumado a ler sobre esses mega investidores, considerados magos das finanças e dos negócios, fica pensando: “Como assim nada sabiam, se são seus acionistas majoritários?”
Os três que receberam poupudos dividendos, nos últimos 9 anos, disseram ainda lamentar as perdas sofridas por acionistas e credores e que acreditavam “firmemente que tudo estava absolutamente correto”.
Lembro que no último dia 11, a Americanas, através do seu, Sérgio Rial, e do seu diretor de relações com investidores, André Covre, comunicaram que haviam optado por deixar os cargos após a empresa detectar inconsistências contábeis estimadas em R$ 20 bilhões, número que ficou diferente, oito dias após o caso se tornar público, com a Justiça aceitando o pedido de recuperação judicial da gigante do varejo, com uma dívida, atualizada R$ 43 bilhões.
No mesmo dia em que pediu a recuperação judicial, a empresa afirmou que os acionistas de referência informaram que pretendem injetar recursos na varejista para “manter a liquidez da companhia em patamares que permitam o bom funcionamento da operação de todas as lojas, do seu canal digital, Americanas.com, da AME e suas coligadas”, o que até o momento ainda não se concretizou.
A vida, nas suas longas estradas, parece por vezes imitar a arte, e os caminhos entre a vida e a arte se entrelaçam o tempo todo, sendo que nesse espetáculo podemos ser espectadores, atores, produtores e diretores convidados que somos a dele participar. A história sempre parece ser construída por ricos elementos da ficção, algo tão criativo que duvidamos que possa sair da caixa funda do nosso imaginário, mas o homem da vida a arte, quando questiona por ela os valores e as lógicas postas. Quando uma empresa, cujo valor estimado em mercado é de centenas de bilhões, torna-se insolvente, levando milhares de investidores clientes e fornecedores ao desespero, quando não a quebra, o nosso universo de valores e crença na ordem econômica financeira cai por terra, pois através desse fato de dimensões nunca dantes imaginadas, apresenta todo um teatral cenário em que imperiosamente se coloca a lógica de um cruel mercado, que muitas vezes buscando atender a poucos prejudica a muitos, esse é o cenário que muitas vezes se apresenta para o investidor, foi está sendo esse o caso das Lojas Americanas, que parece repetir um filme de outras gigantes, que entram em Recuperação Judicial e que na maioria absolutas das vezes se converte em falência.
Sabidamente os balanços têm como propósito ofertar a todos os interessados uma demonstração sintética do estado patrimonial de uma empresa ou de uma entidade, através dos seus investimentos e sempre identificando a origem dos mesmos, pelo balanço podemos de maneira pormenorizada, pela adoção de um sistema de valores, estabelecer cenários para o futuro daquela empresa, sua necessidade demonstra-se já a mais de 3000 anos, não sendo, portanto algo de um valor recente.
Por sua vez para dar confiança aos dados registrados no balanço, o mercado fez surgir às auditorias que por meio do domínio da tecnologia contábil passaram a realizar as verificações e muitas vezes revisão dos registros desses dados, bem como dos procedimentos utilizados para o registro. O histórico caso Enron evidenciou a necessidade do aprofundamento e da aplicação dos valores da boa governança corporativa, que se traduz por um dever de transparência, de equilíbrio dos poderes, de maior responsabilidade dos acionistas, dos administradores e dos controladores, uma democratização da sociedade anônima e uma atuação mais atenta, transparente e independente dos auditores externos, caso esse que se repete também nesse escândalo das Lojas Americanas. Afinal a empresa no mundo atual não pode ser vista de maneira reduzida a uma planta de negócios de seus acionistas, sejam eles majoritários, minoritários e preferenciais, é necessário compreender o papel social da empresa, que envolve parceiros, clientes, fornecedores e toda a sociedade que se beneficia direta e indiretamente da vida daquela célula de negócio.
O mundo do Direito precisa dar respostas rápidas a evolução dos negócios nessa nova e dinâmica economia, pois na teia da globalização poucos são os fatos significativos a um país e indiferente a outros. A composição acionária das empresas se modificou com a crescente participação da previdência privada e dos fundos de ações, logo esses fundos deixaram de ser os famosos acionistas adormecidos, “sleeping partners” como se diz no mercado financeiro, passando a exigir maiores informações sobre os seus investimentos.
Só no sistema financeiro, para ficarmos nesse evidenciado setor, podemos destacar os casos do banco Nacional, Boavista, Econômico e Noroeste, Banco Santos, sem falar nos mais recentes, que deram plenas mostras da fragilidade e ineficiência de algumas auditorias externas. Que não foram suficientes para detectar lucros inexistentes, insuficiência patrimonial, créditos fantasmas e até mesmo o folclórico pagamento a uma mãe-de-santo.
Os afetados pelo mau exercício da profissão não são somente acionistas e investidores, mas também fornecedores, clientes, órgãos supervisores, bem como todo um conjunto de possíveis investidores, o que se atinge é a confiança da sociedade no regramento e na fiscalização da ordem econômica, abalando-se com isso os valores norteadores da livre iniciativa, do trabalho, da dignidade da pessoa humana e da cidadania, que no caso brasileiro o legislador fez constar no texto de nossa Norma Fundamental em seu artigo 1° nos incisos II, III e IV, onde se pode ler:.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - ...........;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
A construção da cidadania, ocorre pela transparência e o cuidado com a poupança popular, a dignidade humana é um valor à ser tutelado quando nas relações entre investidores e investidos.
O Mercado de capitais, é a forma mais tradicional e eficiente, para fomentar o trabalho e valor a livre iniciativa, quanto mais forte e amplo ele é melhor é o resultado das empresas, e maior ainda é o capital disponível para fomentar o crescimento das mesmas.
É fundamental aperfeiçoar essas relações, pois o aperfeiçoamento que produza como resultado a credibilidade da ordem econômica parece se constituir como única estrada no momento que os valores da ética e do respeito ao Estado de Direito passam a ser um paradigma internacional no mundo dos negócios.
Alguns setores procuram proteções ao crescimento do descrédito, como no caso do mercado financeiro com a edição da resolução n° 2.267/96 tornando obrigatório o rodízio das auditorias.
As normas contábeis devem ser mundialmente unificadas, e aperfeiçoadas para o bem da transparência negocial, em que pese à evolução das formas de negócios ser em velocidade bem maior do que a atualização do direito que a regula. Muitas figuras negociais não possuem tratamentos unificados e ou definitivos como é o caso das special-purpose entities, que foram certamente parte considerável na quebra do caso Enron, e de outros menos famosos, isso é claro para ficarmos em um exemplo.
O mercado se põe de forma tirânica, e sem o socorro do Direito pode instaurar-se de forma imperiosa, tal como na ontológica obra de Sófocles “Antígona”, em que o imperador Creonte, editava as suas normas sem um só grito de oposição, desrespeitando os valores individuais que cada um de nós carrega, como se a ética fosse um bem disponível e resgatável. Minoritários, não podem viver a tirania dos majoritários e suas evidentes informações privilegiadas.
A nova ordem mundial por certo não pode subverter os valores comuns que a sociedade construiu, e a bem da sociedade as auditorias exercem um papel fundamental na manutenção desse conjunto valorativo de condutas sociais, que o direito protege, e que o auditor esgrime tal como Antígona enfrenta ao Imperador Creonte na célebre obra de Sófocles, afinal não há bem maior a ser protegido, na muitas vezes vil lógica do mercado, do que a preservação de regras justas e iguais a todos que só se consolidam na transparência dos balanços.