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A função social do contrato e seus aspectos nas relações cíveis

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2. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

Nesse tópico será explanado a conceituação do termo “princípio”, assim como se consignará aqueles considerados pela literatura jurídica como mais importantes para a regulação dos contratos, a considerar que, como já observado alhures, o Direito Civil agrupou diversos princípios que passaram a integrar e a reger o campo das relações contratuais.

2.1 Princípios – conceito

Princípios, na concepção de Humberto Ávila (2003, p. 15-17) são “normas que, sobre prescreverem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional”, enfatizando o autor que os princípios “não apenas explicitam valores, mas, indiretamente, estabelecem espécies precisas de comportamentos”.

De acordo com a lição de Miguel Reale, princípios são:

(...) verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. (REALE, 1986. p. 60).

De seu lado, Marcelo Alkmin (2009, p. 177) entende que os princípios são normas jurídicas dotadas “de um alto grau de generalidade e abstração e baixa densidade normativa, pois necessitam, via de regra, de outras normas para que possam ser aplicadas”. Acrescenta ainda o doutrinador que “são normas consideradas como informadoras do ordenamento jurídico, por exemplo, artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, caput, incisos I e II, 37, caput, 170 e 206”.

Por sua vez, o professor Celso Antonio Bandeira de Mello assim o define:

(...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espirito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 2004, p. 451).

A seu turno, Flávio Tartuce (2014, p. 564), definindo o princípio frente aos elementos caracterizadores dos contratos, preceitua que são regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico e que são abstraídos das normas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos, econômicos e sociais.

Convém pontuar que os princípios contratuais podem ser determinados pelo pressuposto da sua relação com outras normas jurídicas, como o código do consumidor e mormente em relação às diretrizes constitucionais, porquanto possuem o papel de concretizar normas fundamentais, sobretudo no diz respeito à proteção da dignidade da pessoa humana, sendo importante asseverar que, sob esse contexto, vinculam o entendimento dos tribunais e dos legisladores (ROTHENBURG, 2003,44-45).

Assim, serão expostos adiante os principais princípios que regulam as relações contratuais, máxime baseado na classificação adotada por Flávio Tartuce, destacando-se os seguintes: princípio da boa-fé objetiva, da autonomia da vontade, da relatividade dos efeitos do contrato, do consensualismo, e da força obrigatória dos contratos (TARTUCE, 2014, p. 563 e ss.).

2.2 Princípio da boa-fé objetiva

A expressão “boa-fé objetiva”, na concepção de Maria Helena Diniz, trata-se de “regra de comportamento que deve ser observada pelos contratantes, no que atina à lisura de uma parte para com a outra e à honestidade das declarações dos contratantes” e, citando Fernando Zimmermann, afirma que ocorre a violação de tal princípio “se uma das partes faltar com o dever de lealdade ao contratar, não satisfazendo o que a outra espera (DINIZ, 2010, p. 84).

O princípio da boa-fé objetiva tem papel fundamental na pactuação dos contratos, sendo uma inovação do ordenamento jurídico vigente, pois não constava no Código Civil anterior, prevendo o Código Civil atual no art. 422 que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.

O princípio da boa-fé objetiva configura-se como cláusula geral do contrato, pois são “conceitos legais indeterminados, janelas abertas deixadas pelo legislador para serem preenchidas pelo aplicador do Direito caso a caso” (TARTUCE, 2019, p. 93). Dessa maneira, a priori não existe delimitação de seu conceito, o que acaba gerando uma aplicação do direito de acordo com a realidade do caso concreto, de acordo com o ensinamento de Orlando Gomes:

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O princípio da boa-fé entende mais com a interpretação do contrato do que com a estrutura. Por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível. (GOMES, 2008, p. 49-50).

Importante pontuar que, por se configurar como cláusula geral dos contratos, o princípio da boa-fé objetiva é de observação obrigatória, sobretudo porque veicula conceito jurídico indeterminado, carente de concretização, segundo as peculiaridades de cada caso, de acordo com a visão de Caio Mário da Silva Pereira. (PEREIRA, 2019, p. 23).

Nesse cenário, no caso do Estado-juiz ser invocado a manifestar-se sobre a matéria, a boa-fé objetiva deve ser avaliada sob o prisma externo, buscando avaliar a conduta do indivíduo e seus impactos referentes aos negócios jurídicos, de maneira a oportunizar e entregar a prestação jurisdicional à sociedade, consoante enfatiza Garcia:

A propósito, a grande vantagem do recurso à boa-fé é o seu caráter elástico e dinâmico, apto a englobar em seu interior uma gama indeterminada de condutas, atribuindo ao julgador uma pauta de valoração do comportamento das partes, sem a necessidade de um conceito excessivamente determinado, que engessa o julgamento. (GARCIA, 2003, p. 85).

Portanto, o referido princípio se encontra ligado à interpretação do instituto contratual, buscando o equilíbrio entre os negócios pactuados e a observância de condutas praticadas pelas partes, tais como, lealdade, honestidade, confiança, entre outras intrínsecas à boa-fé, de acordo com o escólio de Diniz:

boa-fé objetiva (CC, arts. 113, 187 e 422), intimamente ligado não só à interpretação do contrato, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade (integridade de caráter), denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc. Trata-se, portanto, da boa-fé objetiva. (DINIZ, 2022, p.455).

À vista do acima colacionado, o princípio da boa-fé objetiva, por conter cláusulas abertas, é muito por demais utilizado em decisões dos diversos Pretórios pátrios, como se pode observar do Acórdão abaixo ementado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. EFEITO SUSPENSIVO. NÃO CABIMENTO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TV POR ASSINATURA. COBRANÇA DE PONTO ADICIONAL. ALUGUEL DE EQUIPAMENTO. ENCARGO INDEVIDO. TEORIA DO DUTY TO MITIGATE THE LOSS (DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO). INAPLICABILIDADE. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DEVIDA. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. (...)

6. Com fulcro no princípio da boa-fé objetiva e no preceito dele decorrente duty to mitigate the loss (segundo a qual o credor tem o dever de mitigar os prejuízos), as partes integrantes do contrato devem agir de forma a evitar que o dano alheio seja agravado, tomando as medidas necessárias para evitá-lo. (...)

(Acórdão 1197055, 07107218620198070016, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 28/8/2019, publicado no DJE: 3/9/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

2.3 Princípio da autonomia da vontade

O princípio da autonomia da vontade, também conhecido como princípio da liberdade contratual, consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos da liberdade em pactuar contratos. Desta forma, qualquer pessoa capaz pode, pela manifestação de sua vontade, sendo lícito o objeto, criar relações contratuais às quais a lei empresta validade.

Importante citar o entendimento de Tartuce, baseado em Luiz Díez-Picazo e Antonio Gullón, que a expressão “autonomia da vontade” deveria ser substituída por “autonomia privada”, explicitando o autor que a autonomia não é da vontade, mas da pessoa, uma vez que o foco principal do contrato não é o patrimônio, mas sim o indivíduo que contrata. Desse modo entende que “o contrato deve ser analisado sob o prisma da personalização do Direito Privado e do Direito Civil Constitucional, a fim de atender o mínimo para que a pessoa viva com dignidade” (TARTUCE, 2019, p. 34).

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando o termo “autonomia privada”, conforme excerto do acórdão abaixo transcrito:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS. SENTENÇA ULTRA PETITA. NULIDADE. EFEITO TRANSLATIVO DA APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. INCLUSÃO DO PATRONÍMICO. PRETENSÃO DE SE FAZER HOMENAGEM À AVÓ MATERNA. IMPOSSIBILIDADE. HOMONÍMIA. EXCEPCIONALIDADE CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (...)

3. Esta Corte Superior entende que, "conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros" (REsp 1.873.918/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/3/2021, DJe 4/3/2021). (...)

6. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp n. 1.962.674/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 31/5/2022.) (destacou-se)

Como já delimitado ao longo deste trabalho, o princípio da autonomia da vontade ainda continua sendo a essência das relações contratuais, em que pese o ordenamento jurídico brasileiro adotar o preceito de que o contrato deverá ter por finalidade e limite a função social.

Para Silvio Rodrigues o citado princípio permite aos contratantes “criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam”. (RODRIGUES, 2007. p. 15).

Por oportuno ao tema, cabe citar as diferenças terminológicas entre os vocábulos “liberdade de contratar” e “liberdade contratual”, como bem explica Brunno Giancoli:

Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira refere á possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação de modalidades da sua realização. (GIANCOLI, 2016, p. 293).

Logo, com fulcro no princípio da autonomia da vontade as partes são livres para contratar, fixar o objeto do negócio contratado, assim como escolher o modelo de contrato a ser seguido, desde que esteja em conformidade com a lei e com os demais princípios que norteiam o instituto em exame, como leciona Carlos Roberto Gonçalves:

O princípio da autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado. (GONÇALVES, 2009, p. 20).

Todavia, importante deixar claro que esse princípio não é absoluto, a considerar que sua aplicação deve estar circunscrita aos parâmetros legais, bem como deve observar e respeitar a supremacia da ordem pública, visando a proteção do bem jurídico maior que é o interesse social.

2.4 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato

Para Tartuce, pelo princípio da relatividade dos efeitos do contrato, regra geral, o negócio jurídico celebrado somente atinge as partes contratantes, não prejudicando ou beneficiando terceiros estranhos a ele.

No entanto, afirma Tartuce que tal princípio encontra limitações “na própria codificação privada ou mesmo na legislação extravagante aplicável aos contratos”, sendo “possível afirmar que o contrato também gera efeitos perante terceiros” (Idem, p. 188), entendimento compartilhado por Orlando Gomes:

Consideradas as pessoas em cuja esfera jurídica podem incidir efeitos finais de contrato, é de ressaltar a noção de oponibilidade, distinguindo três categorias de terceiros: 1ª) os que são estranhos ao contrato, mas participantes do interesse, cuja posição jurídica é subordinada à da parte, como os subcontratantes e os mandatários; 2ª) os que são interessados, mas têm posição independente e incompatível com os efeitos do contrato; 3ª) os que são normalmente indiferentes ao contrato, mas podem ser legitimados a reagir quando sofram particular prejuízo dos efeitos do mesmo contrato, como os credores. (GOMES, 2019, p.38).

Tal princípio não se encontra expresso no ordenamento jurídico brasileiro, mas suas exceções podem ser expressamente localizadas no texto do Código Civil, conforme aponta Maria Helena Diniz em relação à responsabilidade dos herdeiros de fazer prova do excesso dos encargos superiores às forças da herança, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados, e da estipulação em favor de terceiro, prevista nos arts. 436 e 438, que “estende seus efeitos a outras pessoas, criando-lhes direitos e impondo deveres, apesar de elas serem alheias à constituição da avença” (TARTUCE, 2019, p. 188).

Por importante, transcreve-se a ementa do acórdão de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que, com alicerce nos princípios da boa-fé objetiva e função social do contrato, mitigou o princípio da relatividade dos efeitos do contrato no intuito de prejudicar terceiros. Confira-se:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - FCVS - CAUÇÃO DE TÍTULOS - QUITAÇÃO ANTECIPADA - EXONERAÇÃO DOS MUTUÁRIOS - COBRANÇA SUPERVENIENTE PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, SUCESSORA DO BNH - DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE - EFICÁCIA DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS EM RELAÇÃO A TERCEIROS - OPONIBILIDADE - TUTELA DA CONFIANÇA. (...)

2. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO. DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE. TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO. O tradicional princípio da relatividade dos efeitos do contrato (res inter alios acta), que figurou por séculos como um dos primados clássicos do Direito das Obrigações, merece hoje ser mitigado por meio da admissão de que os negócios entre as partes eventualmente podem interferir na esfera jurídica de terceiros, de modo positivo ou negativo, bem assim, tem aptidão para dilatar sua eficácia e atingir pessoas alheias à relação inter partes. As mitigações ocorrem por meio de figuras como a doutrina do terceiro cúmplice e a proteção do terceiro em face de contratos que lhes são prejudiciais, ou mediante a tutela externa do crédito. Em todos os casos, sobressaem a boa-fé objetiva e a função social do contrato. (...)

Recurso especial conhecido em parte e improvido.

(REsp n. 468.062/CE, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 11/11/2008, DJe de 1/12/2008.)

2.5 Princípio do consensualismo

O princípio do consensualismo é corolário da regra da bilateralidade dos contratos, significando que, para o aperfeiçoamento da relações contratuais, necessariamente deve estar presente a existência da vontade livre e consciente das partes em estabelecer um negócio jurídico, conforme ressalta o Professor Pedro Lenza:

De acordo com o princípio do consensualismo, basta, para o aperfeiçoamento do contrato, o acordo de vontades, contrapondo-se ao formalismo e ao simbolismo que vigoravam em tempos primitivos. Decorre ele da moderna concepção de que o contrato resulta do consenso, do acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa. (LENZA, 2021, p. 698).

Tartuce afirma que não mais utiliza tal expressão, em razão da vontade ter perdido o papel relevante que detinha (TARTUCE, 2019, p. 143).

Outrossim, quando a lei não exigir formalidades especiais, o consenso entre as partes torna válido o contrato para todos os efeitos jurídicos, atendidos os demais requisitos legais e princípios norteadores da matéria.

Nessa senda, importa lembrar que certos contratos possuem sua eficácia atreladas às formas sacramentais estabelecidas na lei, a exemplo da exigência de escritura pública prevista no Código Civil para contratos de constituição de renda (art. 807) e para realização de pacto antenupcial (art. 1.653).

2.6 Princípio da força obrigatória dos contratos

De acordo com o abordado, a regra pacta sunt servanda significa que “os pactos devem ser observados”, ficando esse preceito conhecido com o passar do tempo como “força obrigatória dos contratos”, impondo às partes o cumprimento de regras que voluntariamente a elas se submeteram.

De fato, consoante a doutrina de Orlando Gomes, citado por Gagliano e Filho, “o princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes” devendo “ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos” (GAGLIANO & FILHO, 2022, p. 115).

Todavia, também foi visto que não obstante o pacta sunt servanda, o conceito da autonomia da vontade na liberdade de contratar evoluiu e ficou limitado pela função social “quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório” (NERY, 2014).

Com efeito, entende-se que na atualidade não mais sobressai a regra geral do pacta sunt servanda nos moldes preconizados em outras eras, porquanto, como ensina Flávio Tartuce, a atual realidade fática e jurídica inerente ao mundo capitalista e pós-moderno não possibilita mais a concepção meramente estanque do contrato onde impera a prevalência de contratos de adesão com conteúdo pré-estipulado, (TARTUCE, 2014, p. 580). Confira-se excerto do pensamento do autor:

Dentro dessa realidade, o princípio da força obrigatória ou obrigatoriedade das convenções continua previsto em nosso ordenamento jurídico, mas não mais como regra geral, como antes era concebido. A força obrigatória constitui exceção à regra geral da socialidade, secundária à função social do contrato, princípio que impera dentro da nova realidade do direito privado contemporâneo. (TARTUCE, 2014, p. 580)

Nessa ótica se encontra o art. 421 do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 13.874/2019 (BRASIL, 2019), que reza que “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.

Nesse passo, Gagliano e Pamplona Filho relatam que nos últimos cinquenta anos, com o incremento da atividade industrial, o avanço tecnológico e o aquecimento dos mercados de consumo, o princípio do pacta sunt servanda começou a enfraquecer e a escancarar falhas perante o sistema social, “afigurando-se, em muitos casos, como uma regra flagrantemente injusta", afirmando os autores, exemplificando com os “contratos de adesão”, que o princípio da igualdade formal, até então considerado absoluto, converteu-se em “princípio da hipocrisia”, de acordo com o trecho a seguir:

Contratos de cartões de crédito, de fornecimento de água e luz, de telefonia fixa ou celular, de empréstimo, de seguro, de transporte aéreo, terrestre ou marítimo, de financiamento habitacional, de alienação fiduciária, de consórcio, de leasing, de franquia, de locação em shopping center, de concessão de serviços públicos, de serviços via internet, de TV a cabo, enfim, as mais importantes figuras contratuais são pactuadas, hoje, sob a forma de contrato de adesão, modalidade contratual forjada no início do século XX, e cuja especial característica consistiria exatamente no fato de apenas uma das partes ditar o seu conteúdo, redigindo as suas cláusulas, impondo-se a outra, portanto, aceitar ou não a proposta que lhe fora apresentada." (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2022, pp. 55 e 57)

Assim, conclui-se que nos dias atuais a regra pacta sunt servanda ainda é um elemento norteador da teoria dos contratos, ainda que seus efeitos jurídicos não mais veiculem os valores absolutos de outrora, a considerar que devem ser relativizados sobretudo em razão das características do atual mercado econômico globalizado e do surgimento de novas demandas sociais de interesse coletivo e a novas determinações legais.

Portanto, conforme enfatiza Tartuce, o princípio da “força obrigatória do contrato” estão “mitigado ou relativizado, sobretudo pelos princípios sociais da função social do contrato e da boa-fé objetiva” (TARTUCE, 2014, p. 580).

Sobre os autores
Diego Santos Sanchez

Mestre em Direito na Sociedade da Informação com trabalho sobre O Contrato Pós-Moderno: um estudo de caso sobre a interferência estatal nas relações negociais. Pós-graduado em Direito Imobiliário. Pós-graduado em Gestão Educacional IBEMEC/Damásio. Graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (2007). Advogado e professor de Direito Civil e Processo Civil. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: meio ambiente digital, meios de comunicação, sociedade da informação, contratos, dentre outros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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