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Violência doméstica: compreendendo a sua abrangência

Agenda 07/02/2023 às 15:37

A palavra violência surge do termo latino vis, e significa força, ou seja, a violência é o abuso da força, usar a violência contra alguém ou fazê-lo agir contra sua vontade. E essa violência causa intencionalmente dano ou intimidação moral a outra pessoa.

A violência contra a mulher é um termo bastante abrangente, que se estende desde as formas mais sutis de violência, até as formas cruéis, das quais pode resultar o feminicídio.

A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica, e tem uma estreita relação com as categorias de gênero, classe, raça/etnia e suas relações de poder.

Por definição, pode ser considerada como toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause ou seja passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada, conforme estabelecida na Convenção de Belém do Pará, ocorrida em 1994, in verbis: “violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. (DECRETO Nº 1.973,1996, Capítulo I, Artigo 1º).

Foi após os movimentos das mulheres, ou movimentos feministas, que a população começou a enxergar a prática no uso de violência contra as mulheres como não sendo algo comum. Percebe-se que a adoção de vários comportamentos violentos eram, até então, considerados normais, e só a partir das várias lutas e movimentos feministas, é que essas ações passaram a ser vistas, pela sociedade, como uma forma de violência.

A violência doméstica é uma relação de poder desigual entre homens e mulheres. Nesse sentido esse comportamento é considerado como uma imposição de força, imposição sexual, privação de liberdade, ou qualquer ato que cause dor à mulher. Porém, até então, não havia uma Lei para coibir e punir a violência doméstica contra as mulheres, e assim, no ano de 2006, surge a Lei 11.340, denominada Lei Maria da Penha.

Em um breve contexto, esta lei surgiu em decorrência da história de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher gravemente agredida fisicamente e moralmente por seu marido, que após sofrer inúmeras violências, decidiu lutar pelos seus direitos, beneficiando todas as mulheres brasileiras.

Maria da Penha sofreu diversas agressões. A violência por ela sofrida era constante, assim como contra as filhas do casal. Dentre as várias agressões, seu marido tentou matá-la por duas vezes, e a consequência da primeira tentativa foi a paraplegia. Apesar de todos o sofrimento, não houve denúncia, pois o fato de não denunciar era o medo, era o temor por sua integridade física e psíquica e também a de suas filhas. Depois de muito sofrer, tomou coragem para denunciar e aí começou o seu périplo em busca de justiça.

A repercussão desse fato, graças à denúncia de Maria da Penha, foi tamanha, que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) formaram uma denúncia para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. O Brasil, por sua vez, não respondeu a nenhuma das quatro solicitações que a comissão fez.

Segundo Cunha e Pinto:

Dentre as deliberações tomadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, encontra-se o pagamento de uma indenização de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, a título de reparação pelo dano sofrido. Esse pagamento, segundo a reportagem acima mencionada, é objeto de discussão entre a Secretária Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e governo do Estado do Ceara. (CUNHA e PINTO, 2008, p. 25-26).

Só após a promulgação da Lei n°. 11.340, é que se estabelece no Brasil uma legislação que tem por objeto tratar da violência doméstica, conforme se depreende de seu artigo 5° e incisos, in verbis:

“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”

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O artigo 5º da Lei Maria da Penha é de caráter cogente, impositivo, ao considerar como violência doméstica e familiar a prática de conduta ativa ou omissiva baseada no gênero. Como forma de reforçar a sua imperatividade, no caput do se artigo 6° dispõe que “a violência doméstica familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.”. O disposto no Art. 6º transpõe o caráter normativo ao alçar o mesmo a um Princípio Fundamental do Direito. Isso representa uma vitória, ainda que tardia, no amparo às mulheres vítimas de violência, justamente no espaço em que elas deveriam ser efetivamente respeitadas, amadas, consideradas: interior de suas famílias.

Para entender melhor o conceito de violência doméstica é necessário conhecer os termos que são utilizados pelo legislador para defini-la.

A concepção de gênero é baseada nas diferenças percebidas entre os sexos, ou seja, é a diferença entre o homem e a mulher. Sendo assim, as relações de gênero são as relações desiguais e assimétricas, inclusive relações de poder, cometidas por sujeitos do sexo oposto.

Segundo KRAMARAE e TREICHLER (1985, p. 174-175):

“O vocábulo “gênero (masculino e feminino), tradicionalmente utilizado como sinônimo de indicação de sexo, isto é, o fato biológico de ser fêmea ou macho, tem sido usado por escritores atuais para referir as diferenças socialmente impostas entre os traços característicos e papeis masculinos e femininos. Sexo é fisiológico, enquanto gênero, no sentido amplo, é cultural (sociológico)”. (apud VIEZZER, 1989, p. 107).

De acordo com a concepção legal do que seja unidade doméstica como elemento caracterizador do espaço em que se pode verificar a ocorrência de violência doméstica ou familiar.

De acordo com a Lei Maria da Penha, entende-se como unidade doméstica, o espaço de convívio permanente de pessoas, não abrangendo, assim, por exemplo, quando uma mulher se encontra na casa de uma amiga ou de um dos familiares, ou mesmo se ela foi fazer uma entrega domiciliar de algum produto e se encontra em outra residência.

A família, sob a ótica da lei em epígrafe, tem um conceito amplo, e significa a união entre pessoas que possuem laços sanguíneos, de convivência e baseados no afeto.

De acordo com a Constituição Federal, o conceito de família abrange diversas formas de organização, fundamentadas na relação afetiva entre seus membros.

Segundo Maria Berenice (2013, p. 27), “A família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito.”

Portanto, a violência doméstica e familiar abrange a todos que convivem sob um mesmo teto, local em que se verifica a coabitação, ou ainda, entre aqueles que já não convivem mais, mas no entanto mantém um vínculo familiar e ou doméstico. No entanto, a violência doméstica ou familiar, na maioria das vezes, não é reconhecida, porque muitas pessoas consideram essas atitudes como “normais” “comuns” nas relações entre marido e mulher, companheiro e companheira ou também entre pais e filhos.

Ao se analisar a Lei Maria da Penha, verifica-se que são identificadas modalidades diferenciadas de violências domésticas, praticadas não apenas à mulher, assim como aos filhos e demais familiares. Um outro ponto interessante que essa lei demonstra, é que a violência doméstica não se aplica apenas às mulheres, uma vez que não se refere a um gênero específico, deixando em aberto, a possibilidade de sua aplicação nas relações homoafetivas.

Sobre a autora
Nathalia de Cassia Silva Belo

Bacharel em Direito pela PUC-GO, Gestora em Segurança Pública e Pós-graduanda em Ciências Criminais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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