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A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso:

mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional

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Decidir que qualquer decisão do STF em controle difuso gera os mesmos efeitos que uma proferida em controle concentrado contraria a própria Constituição.

1. Considerações preliminares: a mutação como caminho (ou condição) para a decisão

A recente polêmica que vem sendo travada no Supremo Tribunal Federal a partir da Reclamação 4335-5/AC, cujo relator é o Ministro Gilmar Mendes, não fará da decisão que vier a ser tomada, com certeza, apenas mais um importante julgado. [01] Mais que isso: ao final dos debates entre os Ministros daquela Corte, poder-se-á chegar, de acordo com o rumo que a votação tem prometido até o momento, a uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também de poder constituinte, de equilíbrio entre os Poderes da República e de sistema federativo. Isto porque a questão está ancorada em dois pontos: primeiro, o caminho para a decisão que equipara os efeitos do controle difuso aos do controle concentrado, que só pode ser feito a partir do que – nos votos – foi denominado de "mutação constitucional", que consistiu, na verdade, não a atribuição de uma (nova) norma a um texto (Sinngebung), mas, sim a substituição de um texto por outro texto (construído pelo Supremo Tribunal Federal); o segundo ponto é saber se é possível atribuir efeito erga omnes e vinculante às decisões emanadas do controle difuso, dispensando-se a participação do Senado Federal ou transformando-o em uma espécie de diário oficial do Supremo Tribunal Federal em tais questões.

É, pois, sobre estes aspectos cruciais que, motivados pela fertilidade do tema e pela responsabilidade como juristas comprometidos com o Estado Democrático de Direito, decidimos propor algumas reflexões sobre a matéria, na intenção de provocar discussões durante o processo decisório no Supremo Tribunal Federal. E a discussão que propomos inicia a partir dos bem fundamentados votos proferidos pelos Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau, que, acaso majoritários, estabelecerão uma ruptura paradigmática no plano da jurisdição constitucional no Brasil. Ao não concordarmos com os referidos votos, buscamos trazer alternativas teóricas que possam ser aptas a contribuir com o debate.

Afinal, numa sociedade que se quer democrática, é papel dos juristas comprometidos com essa sociedade contribuir não apenas para a formação de opinião pública especializada, mas também para a cidadania em geral, aprofundando a discussão sobre questões centrais para a realização permanente do Estado Democrático de Direito. Dialogar com as instituições, especialmente com o Supremo Tribunal Federal, e com uma esfera pública ampliada é a razão central que justifica escrever a presente contribuição.


II. A Reclamação 4335-5, o controle difuso e a as conseqüências da nova posição do Supremo Tribunal Federal

Fundamenta o entendimento do Min. Relator Gilmar Mendes o fato de que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Rcl. nº 1880, 23.05.2002), o Tribunal reconhece o cabimento de reclamações que comprovem "prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do Supremo Tribunal Federal, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado" (grifamos).

A questão envolve aspectos sobre a natureza do poder constituinte – e do poder constituinte brasileiro –, num primeiro momento, e, ainda, elementos acerca do caráter sofisticado do controle da constitucionalidade no Brasil, isto é, caracterizado pela co-existência dos modelos de controles concentrado e difuso.

Sendo mais expecíficos e utilizando parte do voto do Min. Eros Grau (concorde com o Relator), na verdade houve a alteração do próprio texto constitucional. Assim, como admite o Min. Eros Grau:

"passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto: "compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo".

Pacífico é o entendimento do papel das cortes constitucionais e de sua vinculação à Constituição a que devem guardar, nas distintas formas de controle da constitucionalidade. Esta vinculação, longe de decorrer de uma simples retórica da dogmática, resulta da finalidade essencial do constitucionalismo e da natureza concreta dos fatos que se descrevem perante a corte controladora da constitucionalidade. Mesmo nos casos do chamado controle concentrado, qualquer tribunal constitucional somente agirá quando se comprove que a eventual violação da constituição é atual e efetiva, e não uma simples projeção intelectiva.

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Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal em sede de Recurso Extraordinário (art. 103, III, a, b, c, d, da Constituição da República) julga "as causas decididas em única ou última instância", ou seja, julga a aplicação dada à Constituição em situações jurídicas concretas, e não meras teses sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis e de atos normativos. O Supremo Tribunal, aqui, não funciona nem mesmo como mera corte de cassação, mas como corte de apelação, cabendo-lhe julgar tanto o error in procedendo quanto o error in iudicando Assim, o resultado da atuação do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade nunca é o julgamento de uma tese, e dessa atuação não resulta uma teoria, mas uma decisão; e essa decisão trata da inconstitucionalidade como preliminar de mérito para tratar do caso concreto, devolvido a ele por meio de recurso, sob pena de se estar negando jurisdição (art. 5.º, XXXV e LV, da Constituição da República).

Esta exigência aplica-se com maior rigor quando se tem diante dos olhos casos que envolvam as chamadas cláusulas pétreas. Não foi outro o entendimento do Tribunal Federal Constitucional alemão quando, em 17 de agosto de 1956, proibiu a existência do Partido Comunista da Alemanha (KPD). Os termos do acórdão nº 14 daquele ano não deixam dúvidas: "Um partido não é inconstitucional quando ele apenas não reconhece os mais elevados princípios de uma livre e democrática ordem constitucional; deve se constatar uma postura mais ativa, agressiva e de luta contra esta ordem existente" [02].

Desta forma, a alegação de que é cabível reclamação contra as "teses" - e não contra os julgados – [03] do Supremo Tribunal Federal incorre na imprecisão inerente ao papel das cortes controladoras da constitucionalidade que é o de agirem somente diante de uma situação contextualizada [04]

Agir no limite de um contexto significa obedecer aos ditames do poder constituído, condição existencial do Supremo Tribunal Federal como poder jurisdicional vinculado à Constituição. Esta compreensão, claro, origina-se do simples fato de que os poderes de um Estado estão submetidos a uma mesma vontade política, objetivamente identificada num determinado percurso histórico das sociedades, ou seja, o instante constituinte. E a importância disso é incontestável, bastando, para tanto, examinar o papel das constituições para a consolidação das democracias no século XX.


III. O sistema atual de controle de constitucionalidade sobre o pano de fundo da tradição do controle difuso: o papel do Senado Federal

A tradição brasileira de controle da constitucionalidade é a de controle difuso. Desde a Constituição de 1891 até a de 1988, o controle difuso foi incorporado ao rol de competências do Poder Judiciário, tendo o Supremo Tribunal Federal como a última instância neste e em todas as outras questões. A partir da Constituição de 1934 até os dias atuais, permanece a competência do Senado Federal de, por meio de resolução, suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Aqui também uma tradição já consolidada no constitucionalismo brasileiro, na medida em que são corridos mais de setenta anos da mencionada realidade institucional. O controle concentrado de constitucionalidade somente apareceu quando da Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, então oferecendo nova redação ao art. 101 da Constituição de 1946, não se confundindo, todavia, com a chamada ação interventiva introduzida em 1934.

Esta realidade permaneceu quase inalterada até, praticamente, 1988. Aqui a redação original da vigente Constituição da República incorporou à ação direta de inconstitucionalidade – ADI - a ação direta de inconstitucionalidade por omissão – ADI por omissão e a ADPF – arguição de descumprimento de preceito fundamental. Somente em 17 de março de 1993, com a Emenda Constitucional nº 3, é que foi introduzida no sistema de controle concentrado da constitucionalidade a ação declaratória de constitucionalidade, diga-se, de passagem, de duvidosa constitucionalidade, dentre outras razões por não possuir similar em qualquer sistema constitucional contemporâneo.

Ainda assim, esses processos de controle concentrado da constitucionalidade aguardaram até o final de 1999 para receberem tratamento legislativo mais específico, o que se deu com as Leis nº 9.868 e nº 9.882 ainda pendentes em parte, todavia, de decisão definitiva por parte do Supremo Tribunal quanto à sua constitucionalidade.

A ADI foi a forma que o constituinte originário encontrou de também envolver a sociedade civil organizada na guarda da Constituição. A objetividade desta observação comprova-se a partir da leitura do rol dos ativamente legitimados para a propositura de ADI: encontram-se no art. 103 da Constituição da República tanto representantes do Estado, como da sociedade. Neste sentido, a tônica democrático-participativa da Constituição se evidencia, já que a própria Constituição não compreende a sociedade sem seus nexos com o Estado e vice-versa (veja-se, já aqui, a importância do alargamento da legitimidade, questão que assumirá relevância no exame da Reclamação sob comento, que "equipara" coisas absolutamente diferentes: uma – a ADI -, ao também atribuir legitimidade processual autônoma a entes da sociedade civil; a outra – o controle difuso -, feita por todos juízes e tribunais, por iniciativa das partes ou de ofício, de modo incidental a processos em que atuem).

Assim, se para alguns, num primeiro momento, teria sido possível afirmar que a ADC seria um "instrumento da governabilidade" – e não da democracia – tal não é mais: após a Emenda Constitucional nº 45/2004, a unificação do rol de ativamente legitimados, em favor de representantes da sociedade civil e de órgãos do Estado para ADI, ADC e ADPF, mostra com clareza que a tarefa do controle concentrado da constitucionalidade é uma missão para todos, e não somente para órgãos estatais.

Esta diferenciação possui outros desdobramentos possíveis no quadro do sistema constitucional. Se o controle concentrado é exercido pelo Supremo Tribunal, por outro lado poderá existir, neste controle, a participação da sociedade civil. A decisão do Supremo Tribunal estará, então, legitimada não somente porque emanou da corte que possui em última instância a complexa responsabilidade da guarda da Constituição. Principalmente, a decisão estatal estará legitimada por ser o resultado de um processo jurisdicional em que a sociedade poderá vir a ter participação.

Mas o modelo de participação democrática no controle difuso também se dá, de forma indireta, pela atribuição constitucional deixada ao Senado Federal. Excluir a competência do Senado Federal – ou conferir-lhe apenas um caráter de tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal – significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legistativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa, por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988.

Como se não bastasse reduzir a competência do Senado Federal à de um órgão de imprensa, há também uma conseqüência grave para o sistema de direitos e de garantias fundamentais. Dito de outro modo, atribuir eficácia erga onmes e efeito vinculante às decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade é ferir os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5.º, LIV e LV, da Constituição da República), pois assim se pretende atingir aqueles que não tiveram garantido o seu direito constitucional de participação nos processos de tomada da decisão que os afetará. Não estamos em sede de controle concentrado! Tal decisão aqui terá, na verdade, efeitos avocatórios. Afinal, não é à toa que se construiu ao longo do século que os efeitos da retirada pelo Senado Federal do quadro das leis aquela definitivamente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal são efeitos ex nunc e não ex tunc. Eis, portanto, um problema central: a lesão a direitos fundamentais.

Se a Constituição – seja na sua versão original, seja naquela que decorreu das reformas realizadas pelo poder constituinte derivado – elabora tão preciosa diferenciação entre controle concentrado e controle difuso, não há como se imaginar que os efeitos do controle concentrado sejam extensivos ao controle difuso, de forma automática.

É preciso entender que a questão do papel do Senado no controle difuso de constitucionalidade diz respeito aos efeitos da decisão. Isso parece claro. O texto do art. 52, X, da Constituição do Brasil, somente tem sentido se analisado – portanto, a norma que dele se extrai - a partir de uma análise do sistema constitucional brasileiro. O sistema é misto.

Portanto, parece óbvio que, se se entendesse que uma decisão em sede de controle difuso tem a mesma eficácia que uma proferida em controle concentrado, cairia por terra a própria diferença. É regra que o controle concentrado tenha efeitos ex tunc (a exceção está prevista na Lei nº 9.868/99). O controle difuso tem na sua ratio o efeito ex tunc entre as partes.

Então, qual é a função do Senado (art.52,X)? Parece evidente que esse dispositivo constitucional não pode ser inútil. Veja-se: em sede de recurso extraordinário, o efeito da decisão é inter partes e ex tunc. Assim, na hipótese de o Supremo Tribunal declarar a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em sede de recurso extraordinário, remeterá a matéria ao Senado da República, para que este suspenda a execução da referida lei (art. 52, X, da CF). Caso o Senado da República efetive a suspensão da execução da lei ou do ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, agregará aos efeitos anteriores a eficácia erga omnes e ex nunc. Nesse sentido, "(...) há que se fazer uma diferença entre o que seja retirada da eficácia da lei, em sede de controle concentrado, e o que significa a suspensão que o Senado faz de uma lei declarada inconstitucional em sede de controle difuso. Suspender a execução da lei não pode significar retirar a eficácia da lei. Caso contrário, não haveria diferença, em nosso sistema, entre o controle concentrado e o controle difuso. Suspender a vigência ou a execução da lei é como revogar a lei. Pode-se agregar ainda outro argumento: a suspensão da lei somente pode gerar efeitos ex nunc, pela simples razão de que a lei está suspensa (revogada), à espera da retirada de sua eficácia. Daí a diferença entre suspensão/revogação e retirada da eficácia. Sem eficácia, a lei fica nula; sendo nula a lei, é como se nunca estivesse existido. Não se olvide a diferença nos efeitos das decisões do Tribunal Constitucional da Áustria (agora adotada no Brasil), de onde deflui a diferença entre os efeitos ex tunc (nulidade) e ex nunc (revogação). Dito de outro modo, quando se revoga uma lei, seus efeitos permanecem; quando se a nulifica, é esta írrita, nenhuma. Não fosse assim, bastaria que o Supremo Tribunal mandasse a lei declarada inconstitucional, em sede de controle difuso, ao Senado, para que os efeitos fossem equiparados aos da ação direta de inconstitucionalidade (que historicamente, seguindo o modelo norte-americano, sempre foram ex tunc). Se até o momento em que o Supremo Tribunal declarou a inconstitucionalidade da lei no controle difuso, a lei era vigente e válida, a decisão no caso concreto não pode ser equiparada à decisão tomada em sede de controle concentrado. Repetindo: a valer a tese de que os efeitos da decisão do Senado retroagem, portanto, são ex tunc, qual a real modificação que houve com a implantação do controle concentrado, em 1965? Na verdade, se os efeitos da decisão desde sempre tinham o condão de transformar os efeitos inter partes em efeitos erga omnes e ex tunc, a pergunta que cabe é: por que, na prática, desde o ano de 1934 até 1965, o controle de constitucionalidade tinha tão pouca eficácia? Desse modo, mesmo que o próprio Supremo Tribunal assim já tenha decidido (RMS 17.976), temos que a razão está com aqueles que sustentam os efeitos ex nunc da decisão suspensiva do Senado" [05].

A discussão sobre se o Senado está ou não obrigado a elaborar o ato é outra coisa. O que está em jogo na presente discussão é a própria sobrevivência do controle difuso e os efeitos que dele devem ser retirados. Não por diletantismo acadêmico-intelectual, mas pela objetiva e singela razão de que a Constituição da República possui determinação expressa sobre o papel do Senado neste sentido e que não foi revogada. Por isso cabe insistir nesse ponto, e não apenas em nome de uma suposta defesa da tradição pela tradição, mas de todo um processo de aprendizagem social subjacente à história constitucional brasileira; e da grave lesão que representa para o "modelo constitucional do processo" e do sistema de garantias constitucionais dos direitos fundamentais a atribuição de eficácia erga omnes de efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário.

E isso envolve uma discussão paradigmática que está presente a todo momento nas presentes reflexões (afinal, o Estado Democrático de Direito é um paradigma constitucional e o que dele menos se pode dizer é que dá guarida a ativismos e decisionismos judiciais).

Parece que a diferença está na concepção do que seja vigência e eficácia (validade). Decidir – como quer, a partir de sofisticado raciocínio, o Min. Gilmar Mendes – que qualquer decisão do Supremo Tribunal em controle difuso gera os mesmos efeitos que uma proferida em controle concentrado (abstrato) é, além de tudo, tomar uma decisão que contraria a própria Constituição. Lembremos, por exemplo, uma decisão apertada de 6 a 5, ainda não amadurecida. Ora, uma decisão que não reúne sequer o quorum para fazer uma súmula não pode ser igual a uma súmula (que tem efeito vinculante – e, aqui, registre-se, falar em "equiparar" o controle difuso ao controle concentrado nada mais é do que falar em efeito vinculante). E súmula não é igual a controle concentrado.

Assim, "se o Supremo Tribunal Federal pretende – agora ou em futuros julgamentos - dar efeito vinculante em controle difuso, deve editar uma súmula (ou seguir os passos do sistema, remetendo a decisão ao Senado). Ou isso, ou as súmulas perderam sua razão de ser, porque valerão tanto ou menos que uma decisão por seis votos a cinco (sempre com o alerta de que não se pode confundir súmulas com declarações de inconstitucionalidades). (...) Uma decisão de inconstitucionalidade – em sede de controle dito "objetivo" (sic) - funciona como uma derrogação da lei feita pelo Poder Legislativo. O Supremo Tribunal Federal, ao declarar uma inconstitucionalidade no controle concentrado, supostamente funciona como "legislador negativo" (sic). Por isso também são bem distintos os efeitos das decisões de inconstitucionalidade em países que possuem controle difuso ou controle misto (concentrado-difuso) e aqueles que possuem apenas o controle concentrado, bastando ver, para tanto, como funcionam os tribunais constitucionais europeus em comparação com os Estados Unidos (controle difuso stricto sensu) ou o Brasil (controle misto). (...) Em face disso é que, em sede de controle difuso, torna-se necessário um plus eficacial à decisão do Supremo Tribunal, introduzido em 1934, com o objetivo de conceder efeito erga omnes às decisões de inconstitucionalidade (hoje o art. 52,X). Observemos: tanto no controle concentrado como no difuso o Supremo Tribunal Federal decide através de full bench. A diferença é que, na primeira hipótese, o controle é "objetivo" (é "em tese", como diz a doutrina, embora saibamos que não há decisões in abstracto); no segundo caso, o julgamento representa uma questão prejudicial de um determinado "caso jurídico". Mas, então, há que se perguntar: se em ambos os casos o julgamento é feito em full bench e o quorum é o mesmo (mínimo de seis votos), o que realmente diferencia as decisões? (...) Mas, se são iguais, porque são diferentes? Aí é que está o problema: as decisões exsurgentes do controle difuso não possuem autonomia, pois dependem do "socorro" do poder legislativo para adquirir força vinculante erga omnes. É uma questão de cumprimento do princípio democrático e do princípio do devido processo legal. É nesse sentido que o Senado, integrante do Poder Legislativo, ao editar a resolução que suspende a execução da lei, atuará não no plano da eficácia da lei (essa é feita em controle concentrado pelo STF), mas, sim, no plano da vigência da lei. Daí que, no primeiro caso – controle concentrado – o efeito pode ser ex tunc; no segundo caso – controle difuso – o efeito somente poderá ser ex tunc para aquele caso concreto e ex nunc após o recebimento desse plus eficacial advindo de um órgão do Poder Legislativo.(...) Na verdade, o que faz a riqueza do sistema são essas possibilidades de divergir. Conseqüentemente, não é qualquer decisão que pode ser vinculante. E isso é absolutamente relevante. Afinal, nosso sistema não é o da common law. Aliás, mesmo no sistema da common law, há que se levar em conta, como bem lembra Dworkin, a força gravitacional dos precedentes. Uma decisão só pode ser considerada como sendo "um precedente" retrospectivamente se for considerado o caso concreto objeto de apreciação aqui e agora. Caso contrário, adotaríamos a tese da aplicação mecânica dos precedentes, típica do positivismo exegético, enfim, do convencionalismo estrito" [06].

Deve, ainda, ser ressaltado que "Se entendermos que uma decisão do Supremo Tribunal Federal em controle difuso vale contra tudo e contra todos, além de ter efeito ex tunc, também teremos que entender que uma decisão afirmando a constitucionalidade de uma lei deve ter igual efeito. E teremos que suportar as conseqüências. E os efeitos colaterais. (...) Assim, por uma exigência de integridade no Direito (Dworkin), parece óbvio afirmar que a norma constitucional que estabelece a remessa ao Senado (art. 52, X) não poderia ser "suspensa" em nome de argumentos políticos ou pragmáticos. [07]

Deixar de aplicar o artigo 52, X, significa não só abrir precedente de não cumprimento de norma constitucional – enfraquecendo sobremodo a força normativa da Constituição – mas também suportar as conseqüências, uma vez que a integridade também supõe integridade da própria Constituição. E, não se pode esquecer que a não aplicação de uma norma é uma forma de aplicação. Incorreta. Mas é" [08].

Sobre os autores
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima

procurador do Município de Fortaleza, doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt

Lenio Luiz Streck

Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Doutor em Direito. Doutor em Direito pela UFSC. Pós-Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa. Professor da Unisinos. Professor da Universidade de Coimbra (Portugal). Autor de 20 livros e de 85 artigos. Conferencista nacional e internacional.

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

Professor Associado III de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG (Graduação e Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado). Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Pós-Doutorado em Teoria do Direito pela Università degli studi di Roma TRE. Bolsista em Produtividade pelo CNPq. Membro Diretor do IDEJUST – Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto; STRECK, Lenio Luiz et al. A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso:: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1498, 8 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10253. Acesso em: 22 nov. 2024.

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