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Prazo em dobro aos núcleos de prática jurídica e assemelhados.

Interpretação do art. 5º, §5º, da Lei nº 1.060/50

Agenda 11/08/2007 às 00:00

Sumário: 1. Introdução - 2. A importância dos prazos para a marcha segura e progressiva do processo - 3. Princípio da igualdade e benefício de prazo - 4. O benefício de prazo do art. 5°, §5°, da LAJ - 5. Concessão do benefício aos NPJs e assemelhados - 6. Conclusão.

Resumo: objetiva o presente ensaio comprovar a possibilidade de concessão da prerrogativa de prazo em dobro e intimação pessoal deferida por lei aos Defensores Públicos também aos Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito e assemelhados, ainda que não conveniados com o Estado, assumindo-se posicionamento crítico, portanto, em face do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que inadmite tal interpretação analógica.

Palavras-chave: benefício de prazo em dobro - art. 5°, §5°, da Lei n. 1.060/50 - interpretação analógica - núcleos de prática jurídica e assemelhados.


1. INTRODUÇÃO

Prevê o art. 5°, §5°, da Lei n. 1.060/50 (LAJ), que "nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos".

Tal prerrogativa, entretanto, não é, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estendida aos Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito (NPJs) e assemelhados (escritórios modelo, patronato, serviço prestado pela OAB), o que contraria a própria finalidade do instituto, de criar melhores condições no exercício do direito de ação e defesa daqueles mais necessitados.

Essa não é, a nosso sentir, a melhor posição.


2. A IMPORTÂNCIA DOS PRAZOS PARA A MARCHA SEGURA E PROGRESSIVA DO PROCESSO

O processo marcha idealmente para frente, sempre. Disso decorre que os atos processuais devem ser praticados em determinado tempo, previsto em lei ou marcado pelo juiz, a que se dá o nome de prazo.

Se assim não fosse, o processo quedaria inerte e a tutela jurisdicional restaria inefetiva ou até inexistente. Subsistindo as situações de conflito, o escopo maior do processo, qual seja, a pacificação social com justiça, seria frustrado e permitido seria questionar até a própria utilidade do Estado-juiz.

Denota-se, facilmente, então, a importância dos prazos processuais para uma marcha segura do processo, que se pretende efetivo. Por tudo isso que o Código de Processo Civil (CPC) e a legislação processual extravagante prevêem com rigor os prazos a serem observados na prática de determinados atos, revestindo-os, em regra, com nota de inalterabilidade (prazos peremptórios), destinados tanto às partes como aos magistrados.


3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E BENEFÍCIO DE PRAZO

O caminhar contínuo do processo não serve de justificativa para a violação de princípio maiores, constitucionalmente sediados, como o princípio da igualdade (art. 5°, caput, Constituição Federal, art. 125, I, CPC). Provém daí que às partes deve ser dado o mesmo prazo para a prática dos mesmos atos ou de atos correlatos (recurso e contra-razões de recurso, por exemplo). Obedecendo-se à isonomia processual, protege-se reflexamente o contraditório e a ampla defesa, sendo ofertado às partes que se encontrem na mesma situação os mesmo instrumentos de defesa (paridade de armas).

Pode ocorrer, entretanto, de ser conferido à determinada parte prazo diverso, dilargado. Tal benefício ou prerrogativa, antes mesmo de violar o princípio da igualdade, como se poderia inicialmente pensar, confirma-o.

Como ensinado pelo jurista baiano Ruy Barbosa [01], em lição já clássica, o princípio da igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam (igualdade substancial).

Assim é que se justifica, por exemplo, a prerrogativa de prazo conferida à Fazenda Pública e ao Ministério Público (MP), prevista no art. 188 do CPC, nos seguintes termos: "computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público".

Ora, é reconhecida a dificuldade que possui a Fazenda Pública para realizar sua defesa, decorrente da ampla quantidade de demandas em face dela movidas, do acesso dificultoso a documentos, da própria estrutura burocrática etc. Nada obstante, o prejuízo sofrido pelo Estado incide sobre a coisa pública, da qual toda a sociedade é titular e interessada. Com este último argumento, pretende-se justificar também o instituto do reexame necessário- que de recurso não tem nada, por lhe faltar a qualidade de exercício voluntário, ínsito aos recursos.

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No caso do MP, seja atuando como fiscal da lei, seja como órgão agente, o fator de discriminação guarda origem na qualidade pública que reveste o interesse por aquela instituição defendido.

Como se vê, tanto num como noutro caso, o tratamento desigual possui justificativa razoável. O que se veda, diga-se, é o privilégio odioso, originário de espúrias intenções políticas e/ou econômicas.

Especificamente nesse caso e a despeito das posições doutrinárias contrárias, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade do dispositivo legal acima citado, em sede de Recurso Extraordinário, da relatoria do destacado Ministro Celso de Mello:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRAZO EM DOBRO - APLICAÇÃO SUPLETIVA DO CPC (ART. 188) AO PROCEDIMENTO RECURSAL DISCIPLINADO PELA LEI N. 8.038/90 - PREVIDENCIA SOCIAL - ADCT/88, ART. 58, PARAGRAFO ÚNICO - IMPOSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO RETROATIVA - INVOCAÇÃO, AINDA, DE MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

A norma inscrita no art. 188 do CPC, por constituir lex generalis, aplica-se subsidiariamente ao procedimento do recurso extraordinário disciplinado pela Lei n. 8.038/90. O beneficio da dilatação do prazo para recorrer somente não incidiria no procedimento recursal do apelo extremo, se a lei extravagante - a Lei n. 8.038/90, no caso - contivesse preceito que expressamente afastasse a possibilidade de aplicação supletiva da legislação processual civil codificada. - O beneficio do prazo recursal em dobro outorgado as pessoas estatais, por traduzir prerrogativa processual ditada pela necessidade objetiva de preservar o próprio interesse público, não ofende o postulado constitucional da igualdade entre as partes. Doutrina e Jurisprudência. - O art. 58 do ADCT/88, ao garantir a atualização dos benefícios previdenciários, não autorizou a aplicação retroativa do critério de revisão consagrado nesse preceito transitório. Essa norma constitucional transitória, de eficácia diferida no tempo, deslocou, para o sétimo mês contado da promulgação da Lei Fundamental, o inicio de atuação do novo critério revisional das prestações mensais dos benefícios previdenciários.

(Recurso Extraordinário 163.691-2, Min. Rel. Celso de Mello, DJ15.09.95)


4. O BENEFÍCIO DE PRAZO DO ART. 5°, §5°, DA LAJ

Tem-se como outro exemplo de prerrogativa de prazo - e aqui se adentra no objeto principal do presente trabalho - o estabelecido no art. 5°, §5°, da LAJ.

Neste caso também o tratamento diferenciado encontra razão de ser.

A nobre e indispensável função exercida pela Defensoria Pública (art. 134, Constituição Federal) ou por quem exerça cargo equivalente, de cunho eminentemente social, reclama tal benefício. Afinal, a defesa gratuita dos interesses daqueles menos favorecidos precisa ser instrumentalizada de forma que se dê em melhores condições e efetivamente. Sem isso, a atividade da Defensoria Pública ou do órgão que lhe faça as vezes seria inócua, reafirmando o entendimento de que a justiça é para aqueles com melhores condições econômicas.

Nada mais coerente, então, que se conceda prazo em dobro para aqueles órgãos ou entidades que atuam na defesa de interesses dos carentes de recursos, impossibilitados de arcarem com as custas e demais despesas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, fazendo letra viva e ativa a garantia constitucional da assistência jurídica integral e gratuita e do acesso à justiça, sobre o qual tanto tinta já se verteu.


5. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO AOS NPJS E ASSEMELHADOS

A grande questão que de todos merece atenção é a seguinte: por que não podem os Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito e assemelhados que prestam serviços de assistência judiciária exclusivamente gratuita se valerem da prerrogativa de prazo na defesa dos interesses dos menos favorecidos?

E a pergunta não é descabeçada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em mais de uma oportunidade, já decidiu que "para ter direito ao prazo em dobro, o advogado da parte deve integrar serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado". Vale conferir:

Agravo regimental. Assistência judiciária. Universidade particular de ensino. Prazo simples. Protocolo na Corte. Precedentes da Corte.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, interpretando art. 5º, §5º, da Lei nº 1.060/50, para ter direito ao prazo em dobro, o advogado da parte deve integrar serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado, o que não é a hipótese dos autos, tendo em vista que a agravante está representada por membro de núcleo de prática jurídica de entidade particular de ensino superior.

2. Nos recursos internos, os prazos são aferidos com base na data em que a petição recursal foi, efetivamente, protocolada na Secretaria desta Corte.

3. Agravo não conhecido.

(AgRg no AgRg no AgRg na MC 5149/MG, Min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 25.11.2002 p. 227).

Segundo o STJ, portanto, é condição para usufruir-se da prerrogativa de prazo em dobro a existência de convênio entre a instituição de ensino e o Estado na prestação da assistência judiciária, tanto que ao Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, já foi deferido o benefício, justamente por haver uma associação deste com o Estado de São Paulo na prestação da assistência judiciária gratuita, como se nota na transcrição da ementa do acórdão a seguir:

Assistência judiciária. Prazos dobrados.

Aos advogados do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, entidade conveniada ao Estado de São Paulo "visando à prestação da assistência judiciária gratuita", enquanto prestantes da referida assistência às pessoas carentes, contam-se em dobro todos os prazos.

Recurso especial a que se deu provimento.

Unânime.

(REsp 23952 / SP, Min. Rel. Fontes de Alencar, DJ 09.11.1992 p. 20378).

Com a devida vênia, não é esse o entendimento que mais se coaduna com a finalidade do próprio instituto do prazo em dobro conferido à Defensoria Pública e a quem exerça cargo equivalente. Ora, o fator determinante não é se o NPJ ou assemelhado possui ou não convênio com o Estado e sim a própria função por ele exercida, vale dizer, a defesa de interesses de pessoas necessitadas.

A desigualdade de tratamento só é lícita quando fundada em fator de discriminação correlacionado com a finalidade do dispositivo prestigiada constitucionalmente. Se a finalidade da norma é tornar menos dificultosa a defesa dos interesses de cidadãos hipossuficientes em juízo, o fator de discriminação deve ser a função pública e gratuita prestada a todo aquele que demonstre insuficiência de recursos, independentemente de haver convênio com o Estado ou não.

Surpreendentemente, a pessoa carente que procurar a Defensoria Pública ou órgão conveniado com o Estado gozará do benefício de prazo e a que for atendida por um NPJ que exerce "função equivalente" terá a prerrogativa negada.

Deve-se ter em mente, essencialmente, que o benefício é concedido à parte e não ao seu defensor. Como admitir, pois, tratamento tão desigual a pessoas em situações iguais? Fica claro, diante disso, o absurdo a que leva interpretação tão restritiva da norma do art. 5°, §5°, da LAJ.

Noutra perspectiva, é regra comezinha de hermenêutica que onde existe as mesmas razões de fato devem incidir as mesmas razões de direito. Isso, por si, justifica e legitima a interpretação analógica e de resultado extensivo que se deve dar a norma sob análise. Conforme ensina Paulo Nader, "a analogia é um recurso técnico que consiste em se aplicar, a uma mesma hipótese não prevista pelo legislador, a solução por ele apresentada para um caso fundamentalmente semelhante à não prevista" [02]. Parece, portanto, que o prazo em dobro deve ser, também, conferido aos NPJs e assemelhados, pelo fato de tanto estes como aqueles órgão organizados e mantidos pelo Estado prestarem, essencialmente, a mesma função.


6. CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, pode-se dizer que o benefício de prazo em dobro e intimação pessoal previsto no art. 5°, §5°, da LAJ, deve ser conferido extensivamente aos Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito e assemelhados, porquanto estes também prestam assistência judiciária gratuita a hipossuficientes e precisam de mecanismos processuais que garantam o bom e efetivo exercício dessa função, independentemente de possuírem convênio ou não com o Estado, mesmo porque não é este o fundamento da prerrogativa.


NOTAS

01 Cf. Oração aos moços. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/aosmocos.html>.

02 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 188.

Sobre o autor
Ticiano Alves e Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ticiano Alves. Prazo em dobro aos núcleos de prática jurídica e assemelhados.: Interpretação do art. 5º, §5º, da Lei nº 1.060/50. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1501, 11 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10275. Acesso em: 17 nov. 2024.

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