5. O IMPACTO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA VIDA DO DESENVOLVEDOR, SEJA ELE EMPREGADO, EMPRESÁRIO OU EMPRESA, SOB A ÉGIDE JURÍDICA
É cediço que o ordenamento pátrio se baseia, em grande parte, no princípio da presunção de hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor, garantindo algumas proteções importantes, como a inversão do ônus da prova, o afastamento da necessidade de dolo, por parte do fornecedor do produto ou serviço, caracterizando-se, sempre, em regra, a responsabilidade civil objetiva, e vedando a denunciação da lide, conforme preconiza o art. 88 do CDC, o qual dispõe:
Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.27
(grifado)
Assim, a implantação de novas dinâmicas no mercado de consumo, como a inserção de mecanismos, ferramentas, produtos e serviços com capacidade de decisão autônoma, certamente, acarretará vários embates diretos com as normas jurídicas atuais, jurisprudências e, sobretudo, costumes, ficando o desenvolvedor, seja ele empregado, empresário ou empresa, sujeito a enfrentar diversos obstáculos, sendo a responsabilização o maior deles.
Acredita-se que o meio termo, para a pacífica inserção da inteligência artificial na sociedade do consumo, seja um equilíbrio, no sentido de dar ciência plena ao consumidor sobre os reais requisitos e condições para se ter posse de um produto dotado de inteligência artificial, ficando ele responsável por qualquer situação, dano ou comportamento da máquina que o desagrade, como nos casos em que o produto adquirido possa ser uma ferramenta inteligente que aprende o que o consumidor/dono ensina, bem como seja o desenvolvedor, seja ele empregado, empresário ou empresa, responsável pelos serviços dotados de inteligência artificial que oferece, como, por exemplo, o serviço de análise de crédito feita com o uso de inteligência artificial, que, atualmente, já está bem difundida.28
Esse equilíbrio precisa ser pensado desde o primeiro momento em que o Estado resolve legislar sobre o tema, visto que uma norma genérica não terá qualquer utilidade, se não abordar as questões de maior impacto.
O Projeto de Lei nº 21 de 2020 é um claro exemplo disso, apelidado, hoje, de marco legal da inteligência artificial, o projeto de lei se mostra bem genérico, no que tange à responsabilidade a ser atribuída aos desenvolvedores, os quais são chamados, pelo diploma legal, de “agentes de inteligência artificial”, dispondo o seguinte:
Art. 9º São deveres dos agentes de inteligência artificial:
(...)
V - responder, na forma da lei, pelas decisões tomadas por um sistema de inteligência artificial; (...)
Parágrafo único. Para fins do inciso VI deste artigo, a responsabilidade pelos sistemas de inteligência artificial deve residir nos agentes de desenvolvimento e de operação de sistemas de inteligência artificial, observadas as suas funções.29
(grifado)
Essa imputação genérica pode ocasionar sérios problemas ao desenvolvedor, seja ele empregado, empresário ou empresa, a depender da inteligência artificial que ocasionar o dano, devendo o Estado, como explanado acima, observar se a ferramenta inteligente que provocou o dano é proveniente de algum produto adquirido pelo consumidor, que não teve qualquer erro em seu desenvolvimento, ou se houve, claramente, erro do desenvolvedor, que deverá, certamente, responder pela ação ou omissão danosa.
De tal modo, deve-se avaliar com cautela o marco legal da inteligência artificial, permitindo-se a participação plena dos desenvolvedores, sejam eles empregados, empresários, empresas e pesquisadores, a fim de que se aproveite esse movimento 4.0, em que diversos jovens e grandes conhecedores do tema, no âmbito jurídico, auxiliam o Estado, para que não se cometa os mesmos erros anteriores, em que o Direito não alcançou, em tempo, as revoluções tecnológicas passadas.
6. CONCLUSÃO
Trata-se, portanto, de um tema muito delicado, o qual não se submeterá a normativos gerais, devido à tamanha complexidade, motivo pelo qual o presente estudo buscou evidenciar parte das possibilidades de se encarar a inteligência artificial como um instrumento aliado, e, por vezes, um ser autônomo, a depender do nível de sofisticação da máquina, bem como demonstrar que essa personificação da máquina, até certo limite, é um recurso necessário, a fim de que não se responsabilize desenvolvedores, sejam eles empregados, empresários ou empresas, por danos provocados por comportamentos alheios à instrução dada inicialmente à ferramenta, mas que foram provocados por sua própria vontade e condição autônoma.
Outrossim, foi possível observar que outros países comungam do mesmo pensamento, porquanto é o destino natural da implementação dessa tecnologia em meio à sociedade, e não se pode olvidar que penalizar o criador, de modo que o impeça de fomentar a indústria, é algo bastante prejudicial para todas as partes. Contudo, é plenamente possível regular rigidamente esse processo de implementação, como se pôde notar, apenas com aplicação de condições específicas para que a máquina dotada de inteligência artificial adquira sua capacidade civil, bem como seja o criador devidamente responsabilizado durante determinado período.
Por outro lado, a hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor são institutos perenes, e merecem ser preservados, e a aplicação da responsabilidade civil objetiva deve permanecer nas relações consumeristas, nos casos em que a máquina dotada de inteligência artificial provocar danos por ação ou omissão voluntária do desenvolvedor, bem como por negligência, imprudência ou imperícia.
Ademais, verificou-se que essa vulnerabilidade do consumidor, de modo geral, é a porta de entrada para todos os meios de manipulação possíveis, recurso bastante explorado por diversas empresas de tecnologia, e um estudo mais aprofundado sobre essa questão, certamente, merece atenção, porém, para o objetivo geral da presente pesquisa, não houve necessidade de se aprofundar.
Por fim, o movimento 4.0, composto por estudiosos e jovens juristas, é o precursor da mudança mais significativa, e revolução mais intensa, que haverá na sociedade, e esse engajamento é o que proporcionará à comunidade jurídica, desta geração, realizar o que as anteriores não puderam: fazer com que o Direito acompanhe a transformação tecnológica, pela primeira vez, após vários anos de tentativas sem sucesso. Isso, porém, não está escrito nas estrelas, e dependerá da mobilização desse movimento 4.0, porquanto a sintonia entre o âmbito político e o âmbito jurídico precisam estar em perfeita harmonia.
REFERÊNCIAS
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The Civil Liability Of Artificial Intelligence In Consumer Relations
Abstract: These are contemporary aspects of the civil liability of artificial intelligence in consumer relations, conceptualizing artificial intelligence and its relationship with the Law, its influence on the consumer's life, civil liability for damages caused by the machine, the impact on the life of the developer, and the personification of artificial intelligence, as it is an issue on the agenda around the world, currently, with the last significant repercussion registered in Europe, where the European parliament discussed the possibility of attributing to artificial intelligence what called the "electronic personality". For that, a bibliographical and documental study was used, through the deductive method.
Keywords: Autonomous tools, artificial intelligence, machine liability.