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Efeitos dos pactos de trabalho nulos celebrados com a Administração Pública

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Agenda 17/04/2023 às 11:17

RESUMO

Hodiernamente, a Justiça do Trabalho vem sendo lapidada a partir do enfrentamento de pontos polêmicos que se refletem no seu crescimento e no aprimoramento da legislação trabalhista. Por essa razão, o debate acadêmico é fundamental para o fomento de tais discussões e para a concatenação de idéias que contribuam para o avanço dessa Justiça Especializada. O presente estudo visa a analisar um dos pontos polêmicos que se acham patentes nessa seara, que é a possibilidade de se atribuir efeitos jurídicos a um contrato de trabalho celebrado pela Administração Pública em desrespeito ao art. 37, II, da Constituição Federal. Para tanto, utilizou-se como base as doutrinas trabalhista, constitucional e administrativa, bem como o acervo jurisprudencial sobre o tema.

Palavras-chave: Contrato de trabalho. Constituição Federal. Nulidade. Direitos trabalhistas.

1 INTRODUÇÃO

O conceito de Estado de Direito, cujo sentido basilar é o da estrita subordinação estatal e popular ao ordenamento jurídico vigente, em todas as suas nuances e hierarquias, tem intrínseca relação com a origem da doutrina administrativa. A submissão às normas por parte da Administração Pública mostrou-se fundamental para a promoção salutar e legítima da regência de sua relação com os administrados, dando respaldo à existência daquela disciplina jurídica.

Como descendente do direito público, o Direito Administrativo figura como regime que visa à supressão de certas alternativas pela redução da autonomia individual e pela imposição de deveres e faculdades de grande relevo (JUSTEN FILHO, 2005). Tem ele, destarte, demasiado interesse em tutelar interesses coletivos em detrimento dos particulares.

Não obstante, o poder judiciário vem confrontando um sem-fim de ações em todas as suas esferas que denotam desconformidade com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) – e, pois, com o Estado de Direito - tanto por parte de particulares quanto por parte dos entes federativos que os contratam.

É o caso da contratação irregular de servidores por parte de alguns entes da Administração Pública (inobservância do art. 37, II, CF/88), que demonstra patente desídia com o zelo pela proteção do interesse público3 que estes deveriam ter através do viciado benefício concedido a particulares que não se submeteram a processo seletivo de concurso público para assunção de seus cargos.

No correr deste breve estudo, visa-se a realizar uma análise dos pontos principais concernentes a esta matéria, sem olvidar do exame das orientações jurisprudenciais e posicionamentos dos tribunais a este respeito.

2 DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA MATÉRIA

A Carta Magna de 1988 prestigiou o respeito aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, consagrando, por exemplo, o princípio da isonomia4, que provê paridade perante a lei a toda população. Não obstante, e mais próximo ainda do objeto deste estudo, aclamou o princípio do acesso universal5, que cuida da garantia de não restrição do acesso a cargos, empregos e funções públicas por parte de brasileiros e, também, estrangeiros6, respeitados os requisitos estabelecidos em lei, a depender das posições almejadas.

Em dispositivo sobre o tema em estudo (art. 37), consubstanciando os princípios acima elencados, a CF/88 estabelece as condições para investidura em cargo público, conforme se vê:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[...]

§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

Consoante o dispositivo transcrito, verifica-se a exigibilidade de concurso público para assunção de cargo ou emprego público a partir da vigência da CF/88. Essa imposição revela substancialmente a positivação dos princípios da Administração Pública elencados no caput deste artigo, que visam, em sua união, à consolidação de um dos princípios maiores colimados pela Carta Maior, qual seja, o princípio da isonomia, que concede paridade de armas aos cidadãos para pleitear em igualdade os cargos e empregos públicos cobiçados.

Estando a Constituição no cume do prisma hierárquico do ordenamento jurídico brasileiro, lugar não há para a sua inobservância. A inexigibilidade de concurso público, prevista ainda no inciso II do artigo supratranscrito, faz referência apenas às nomeações para cargos comissionados, passíveis de demissão ad nutum, de natureza indiscutivelmente distinta da percebida pelos cargos públicos. Há, ainda, a controversa exceção do §4º do art. 37 da CF/88, de que tratamos em outra oportunidade7, que instituiu a possibilidade de contratação de agentes comunitários de saúde e de combate a endemias através de simples processo seletivo.

Desse modo, releva-se preciso visualizar o §2 do art. 37, CF, para conhecer quais os efeitos da burla à exigência constitucional em apreço. Conforme dispõe, é nulo o ato em desarmonia com o estabelecido nos incisos I e II daquele artigo, bem como deverá sofrer punição a autoridade responsável pela prática desta irregularidade.

Mas como se dará essa nulidade, se o cargo ou emprego público cujo contrato será declarado nulo por descumprimento da exigência constitucional tem por objeto a prestação de trabalho? Deverá ser considerada inexistente para todos os efeitos a prestação laboral? E como fica o empregado diante dessa situação? Proceder-se-á ao exame pormenorizado dessas questões no tópico seguinte.

3 TEORIA DAS NULIDADES NA ESFERA TRABALHISTA

Como nos ensina a doutrina civilista (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2008, p. 383), nulidade deve ser entendida como “uma sanção pela ofensa a determinados requisitos legais, não devendo produzir efeito jurídico em função do defeito que carrega em seu âmago”. Por conseguinte, o reconhecimento dela em um ato ou algum dos seus elementos requer a supressão deste do mundo jurídico, retornando as partes ao status quo ante. Assim, a decretação de nulidade retroage e provoca efeitos ex tunc. Na esfera trabalhista, sua declaração tem efeitos particulares.

Identificado o vício da nulidade em um contrato de trabalho, não será possível extingui-lo e restituir as partes ao status quo ante. Apesar disso, o trabalho prestado pelo empregado, com benefício auferido pelo empregador, não pode ser desprezado. O reconhecimento da nulidade nessa situação terá como conseqüência a supressão do ato viciado, assim como no direito civilista, mas os efeitos dessa decretação de nulidade irão se operar ex nunc.8 É a regra da irretroação9 da nulidade decretada, que rege o direito trabalhista.

Não poderia ser diferente, já que a hipossuficiência reconhecida ao empregado na relação com seu empregador enseja, como medida compensatória, a concessão de seus direitos trabalhistas, que seria inviável se o contrato de trabalho viciado fosse expurgado como um todo do mundo jurídico, desde sua estipulação

No entanto, nem sempre essa regra terá exata aplicabilidade. A teoria das nulidades no Direito do Trabalho abarca três possibilidades distintas: a) a aplicação plena da teoria trabalhista; b) a aplicação restrita da teoria trabalhista e c) a inaplicabilidade da teoria trabalhista (GODINHO, 2016, p. 577/581).

Em situações onde o bem jurídico afetado pelo vício se relacione com o empregado e seus interesses, como a irregularidade contratual no que concerne à sua capacidade, terá lugar a aplicação plena desta teoria, para que se vejam garantidos todos os direitos trabalhistas decorrentes da relação viciada em benefício do incapaz, com a devida decretação de nulidade do ato.

Já em um contrato de trabalho em que se pactue objeto ilícito, por exemplo, onde a atividade desempenhada for contrária à lei, afetando fundamentalmente um interesse público, não haverá razão para que se aplique a teoria especial trabalhista em detrimento da civilista, já que a ofensa ao ordenamento jurídico como um todo é tamanha que não enseja a produção de efeitos quaisquer na esfera trabalhista. Haverá, portanto, inaplicabilidade da teoria trabalhista das nulidades.

Essas são as aplicações extremistas dessa teoria especial. No entanto, sua execução deverá ser relativizada quando houver confronto entre interesses obreiros e interesses públicos quanto ao bem juridicamente protegido.

A teoria restrita pondera a rigidez da teoria das nulidades do Direito Civil e a flexibilidade da teoria das nulidades do Direito do Trabalho, de forma a suprimir o ato defeituoso e, concomitantemente, garantir o mínimo dos direitos trabalhistas do empregado, ainda diante de sua irregularidade contratual.

No que concerne ao objeto deste estudo, a contratação irregular de servidores por ausência de concurso público, de acordo com o atual posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, dá ensejo à aplicação restrita da teoria trabalhista, conforme se verá a seguir, já que se confundem o interesse do empregado em ver garantidos seus direitos trabalhistas e os interesses públicos e sociais em ver concretizados, especialmente, os princípios da isonomia, da legalidade e do acesso universal.

Não obstante, ousamos discordar da aplicação da teoria restrita neste caso específico, já que a contratação de empregados ao arrepio da Constituição Federal fere sobremaneira o ordenamento jurídico e o interesse público, de forma que este prepondera indubitavelmente quando sopesado com a problemática do trabalhador irregular e suas verbas trabalhistas indenizatórias, não havendo razão para o afastamento da teoria civilista das nulidades para combater essa inconstitucionalidade.

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Estão em lide, pois, os valores sociais, econômicos e jurídicos ligados ao trabalho e, ao mesmo tempo, a proteção aos princípios e normas constitucionais, estes últimos, no entanto, se avultam – e devem fazê-lo – quando se está diante do descumprimento de uma norma constitucional cogente para o benefício de uma singularidade de empregados e empregadores que a fraudam em prejuízo para a sociedade.

Esta idéia será mais bem compreendida quando da apreciação dos pontos principais concernentes a este contrato viciado, conforme se verá a seguir.

4 DOS DIREITOS TRABALHISTAS RECONHECIDOS E CONTROVERSOS

Conforme visto, para saber quais serão os direitos trabalhistas remanescentes a um contrato nulo, revela-se necessário sopesar os bens jurídicos envolvidos.

Foi o que fez Maurício Godinho Delgado (2016, p. 580), demonstrando seu entendimento de que deverão ser, em cada caso concreto, ponderados os interesses conflitantes, considerando mais coerente em relação aos preceitos constitucionais povoadores de ambos os bens jurídicos envolvidos que se aplique a teoria das nulidades trabalhista em relação ao período de prestação laboral, com a devida anulação do contrato em virtude da desconformidade à formalidade exigida pela Constituição Federal.

Dessa forma, o empregado contratado irregularmente terá direito apenas às verbas trabalhistas que digam respeito ao período de labor efetivo, sem adicionais de quarenta por cento sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aviso-prévio e seguro desemprego, haja vista se tratarem de verbas rescisórias, incabíveis na hipótese de extinção de contrato em virtude de vício de nulidade. Quanto às verbas trabalhistas não devidas relacionadas, pois, aplica-se a teoria civilista de nulidades, com efeitos ex tunc, desconsiderando o contrato desde sua celebração.

Esse foi, também, o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), consubstanciado na súmula 363, verbis:

Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e §2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS (D.J.U de 21.11.2003).

Analogamente, o Tribunal Regional do Trabalho da 21a Região vem aplicando o enunciado transcrito, veja-se:

Contrato nulo. Inteligência da Súmula n. 363 do TST. Efeitos. Após a promulgação da CF/88, a contratação de servidor sem prévia aprovação em concurso público é nula, por violação ao disposto no art. 37, II e § 2º da Carta Magna, não gerando vínculo empregatício. No entanto, é devido o pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e os valores referentes aos depósitos do FGTS. (TRT-21a Região. 1ª Turma. RO nº 0000359-90.2017.5.21.0018. Rel. Des. Ricardo Luís Espíndola Borges. Publicado no DEJT em 23/07/2018)

Dessa forma, mostra-se reconhecida pela instância superior do trabalho a impossibilidade de repor ao trabalhador o esforço dispensado na prestação de sua mão-de-obra, restituindo as partes contraentes ao status quo ante. Entende-se que apenas o pagamento da contraprestação pactuada e o recolhimento do FGTS serão capazes de restabelecer o equilíbrio entre o ente público contratante, que percebeu benefícios decorrentes do serviço prestado, e o empregado, que dispensou a ele seu tempo e labor.

Isto porque, como bem pontua Vólia Bomfim Cassar (2016, p. 563), deve ser dispensado tratamento diferenciado à hipótese de trabalho que não observe as formalidades legais que, contudo, não caracterize atividade criminosa, com atenuação de seus efeitos. Trata-se, sob perspectiva constitucional, de aplicação do postulado da proporcionalidade, com defesa da ordem pública sem olvidar da proteção ao trabalhador que prestou serviços lícitos e, quanto a esses, não pode ser restituído ao status quo.

Também em aplicação do postulado da proporcionalidade, Carlos Henrique Bezerra Leite fez interessante contraponto, que merece registro literal:

Logo, não nos parece razoável pretender comparar, v. g., a situação jurídica do servidor público não concursado com a do trabalho do menor ou do traficante de drogas. Seria injusto e feriria o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade: a) conceder ao “servidor” todos os direitos como se válido fosse o contrato de trabalho, equiparando-o ao menor, pois a regra do concurso e a nulidade do ato que não o observa (CF, art. 37, II, §2º) visam proteger a sociedade e prestigiar os princípios da impessoalidade, moralidade, legalidade, publicidade e eficiência; b) não conceder nenhum direito ao servidor ilegalmente contratado, comparando-o ao “avião” que faz a intermediação do tráfico de drogas ou ao apontador do jogo do bicho (LEITE, 2015, p. 331).

Muito embora se reconheça o valor para o obreiro, especialmente, do posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, que, como visto, se difunde na doutrina e por outros Tribunais do Trabalho10, ousamos crer que a concessão de FGTS nessas hipóteses de nulidade contratual vai além do necessário para restituir a energia despendida pelo trabalhador.

Quando se está diante de um contrato eivado de vício, e, mais ainda, quando este vício decorre de violação de norma cogente da Constituição Federal, não há razão para se falar em concessão de FGTS para que empregado e empregador figurem em paradigmas isonômicos, pois o bem maior em pauta é o interesse público e os princípios constitucionais que garantem o amplo acesso a cargos públicos, por meio de prévio certame.

Dessa forma, não há hipossuficiência a ser protegida por meio de indenizações trabalhistas nessa hipótese, mas, sim, norma constitucional que enseja sua observação em nome dos princípios da isonomia e do acesso universal. Ao empregado, beneficiário de função que conquistou em detrimento de toda a população, que não teve acesso a concurso público para concorrer ao cargo, somente deve ser restituída a contraprestação pactuada, considerando-se tratar de inconstitucionalidade a contratação de empregados públicos ao arrepio da disposição da Carta Maga de 1988, em seu art. 37, II.11

Devem ser direitos do empregado, subsistentes à nulidade do contrato, as verbas concernentes ao seu salário em sentido estrito, apenas a contraprestação estipulada, já que o salário tem natureza primordialmente alimentar, provedora de subsistência, sendo descabido deixar de ser concedido por vício que não é somente atribuído ao trabalhador contratado irregularmente, mas também, e talvez em maior parte, ao ente contratante da Administração Pública, responsável pela fiscalização de seus atos eivados de vícios.12

Importa lembrar que este foi o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho até pouco tempo atrás, quando da edição da Súmula 363 (Res. 97/2000, DJ 18.09.2000), cuja redação original contemplava apenas a contraprestação pactuada como direito subsistente ao trabalhador diante da nulidade contratual em comento.

Ulteriormente, essa redação foi modificada, ao que se entende, para vislumbrar a previsão infralegal trazida pelo art. 19-A da lei federal 8.036/90 a respeito, especificamente, da manutenção do depósito do FGTS pelo empregador na hipótese de nulidade contratual de que trata o art. 37, II e §2 da CF, conforme se vê:

Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.

Contemplando esta nova disposição, o enunciado da Súmula 363 foi modificado (Res. 121/2003, DJ 21.11.2003), abarcando, agora, o direito ao FGTS para o trabalhador, conforme transcrito no início deste tópico. Assim, percebe-se que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho modificou-se com vistas a abarcar uma disposição infraconstitucional em detrimento de prezar pela positivação da norma cogente do art. 37, II, da Constituição Federal. Nesse âmbito, veja-se o que aduz o professor Luciano Athayde Chaves (2005, p. 114):

É dizer, não é possível admitir-se que a legislação infraconstitucional possa enumerar direitos em face de um contrato que a Constituição Federal já prescreva como nulo. Isso é, com o devido respeito aos entendimentos contrários, ofensa direta ao texto constitucional.

Consagrar o FGTS como indenização trabalhista aos empregados irregularmente contratados pela Administração Pública é o mesmo que incentivar a população a burlar os princípios da moralidade, isonomia e acesso universal, corroborando para o favorecimento de pessoas com o acesso a cargos públicos de admissão viciada. Se, ainda que irregulares, e, como visto, partícipes de uma inconstitucionalidade, os trabalhadores ainda gozarão da contraprestação pactuada acrescida do FGTS, qual será a desvantagem de se pactuar contratos defeituosos? Nenhuma. Estará perpetuado, pois, o desrespeito à Constituição Federal, aos princípios constitucionais gerais e aos específicos da Administração Pública.

Não há que se falar, por fim, em verbas de cunho rescisório decorrentes de contrato de trabalho nulo, pois não existe dispensa injusta do empregado neste caso, mas, sim, extinção do pacto por nulidade, já que este ato é juridicamente nulo, nos moldes do art. 37, §2, da CF/88.

4.1 DO PLEITO POR VERBAS INDENIZATÓRIAS

Não obstante a concessão ao empregado dos direitos elencados no tópico antecedente, hodiernamente têm sido vistos inúmeros pleitos de indenizações por danos morais e materiais de obreiros irregularmente contratados perante o ente federativo com quem pactuaram, figurando como uma nova problemática em torno deste já conturbado tema.

No entanto, como o trabalhador se torna co-autor da irregularidade, ao se permitir ser admitido em emprego ou função pública sem participação em concurso público, não lhe são devidas verbas de cunho indenizatório.

Em verdade, é de se verificar afrontante à Constituição Federal o pleito de indenização por danos morais e materiais decorrentes de ato ilícito ensejador de nulidade contratual, já que sua autoria não pode ser atribuída somente ao ente público contratante, mas, também, ao particular beneficiário da irregularidade que se dispôs a acatar.

Mostra-se indubitável a participação do beneficiário de cargo ou emprego público admitido sem prestação de concurso público no cometimento dessa irregularidade, já que, conforme nos ensina a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), art. 3o: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Se é inescusável o cumprimento da lei, não há espaço para que o empregado alegue o desconhecimento da ilegalidade da posição que assumiu, tampouco há oportunidade para que, descabidamente, pleiteie indenização por contratação nula ao qual deu causa em prejuízo de sua coletividade.

Não obstante, impende ressaltar que o enunciado do art. 3o da LINDB não é, por si só, capaz de tornar o empregado cúmplice da burla à lei cometida e mitigar sua responsabilidade, já que, infelizmente, a educação jurídica não é difundida de forma satisfatória no país, de forma que nem todos os empregados têm conhecimento do vício que seus contratos suportam.13

Como é cediço, e por essa razão, existem inúmeros princípios protetivos afixados pelo direito material do trabalho em benefício do obreiro em face de sua posição de hipossuficiência na relação trabalhista, de forma que sua culpa em cometimento de irregularidades de outras naturezas não costuma ser aferida, já que não apresenta condições de resistência na relação com seu empregador, sendo incapaz de se impor e se escusar sem prejuízo de seu emprego e sua integridade.

No caso do descumprimento do inciso II do art. 37 da CF/88, no entanto, a irregularidade cometida não representa benefício exclusivo do empregado em sua relação particular de trabalho, mas, sim, se mostra uma afronta aos princípios constitucionais exaustivamente comentados ao longo desse estudo, que representam uma ofensa à coletividade e ao interesse público, notadamente no que tange aos preceitos constitucionais que regem a Administração Pública. Por essa razão, não há espaço para a mitigação de sua quota de responsabilidade diante da celebração desse tipo de contrato nulo.

Nesse sentido, veja-se julgado oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 21a Região:

Dano Material. Relação de Trabalho. Prescrição. Prazo. Transição. EC 45/04. Competência da Justiça do Trabalho. Reclamatória decorrente de relação de trabalho que envolva pedido de indenização por dano material se sujeita às regras da prescrição insertas no artigo 7º, inciso XXIX, da Carta Magna, em face da extensão da competência atribuída a esta Justiça Especializada pela Emenda Constitucional nº 45, após submetida à regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002, dada a sua peculiaridade.

Dano Material. Culpa recíproca. Enriquecimento sem causa. Excludente de Ilicitude. Improcedência. À luz do princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem causa, tem-se buscado resguardar a parte menos favorecida, pelo viés do estado de necessidade, a exemplo da condenação por ato lícito, bem como da sentença absolutória fundada em excludente de ilicitude. Essa, com efeito, foi a diretriz que norteou a mais alta Corte da Justiça do Trabalho, quando da formulação da Súmula nº 363, posto que assentada em critérios equitativos de valoração. Estabelecido o paralelo entre as situações descritas, converge-se para a conclusão de que os recorridos não fazem jus à indenização pleiteada. Recurso ordinário conhecido e provido. (TRT 21a - RO nº 00027-2007-012-21-00-2, Acórdão nº 81.256. Des. Rel. Eridson João Fernandes Medeiros. Publ. no DJ em 07.05.09)

O TST, da mesma forma, mostrou-se contrário à concessão de indenização por danos morais na hipótese estudada, conforme se vê neste julgado de 2009:

[...] III - RECURSO DE REVISTA. CONTRATO NULO. EFEITOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. O recurso vem lastreado em alegação de violação de preceito da Constituição Federal, em contrariedade a verbete sumular e em divergência jurisprudencial. O réu sustenta que a Corte de origem não poderia conceder as parcelas rescisórias sob a rubrica "indenização por danos morais" com base na Súmula 363 do TST. Aduz que não há saldo salarial a ser quitado, porque este foi devidamente computado no momento do desligamento do autor. O direito à indenização por danos moral e material encontra amparo no art. 186 do Código Civil, c/c o art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, da CF/88). Para que surja o dever de indenizar, impõe-se a concorrência de três requisitos: a conduta ilícita (dano), a culpa pela sua ocorrência e o nexo de causalidade entre o fato danoso e o prejuízo daí advindo. A configuração do dano moral independe de comprovação da sua existência e da sua extensão, sendo presumível a partir da ocorrência do fato danoso. No entanto, na hipótese dos autos, não estão presentes os elementos caracterizadores do dano moral. Isso porque a contratação do autor se deu sem prévio concurso público, após a promulgação da Constituição Federal, em clara afronta ao seu art. 37, II, e § 2º. Assim, a dispensa do servidor público contratado sob tais circunstâncias configura mero corolário da aplicação dos citados preceitos constitucionais e não ato ilícito indenizável ao trabalhador. Precedentes. Assim, a Corte regional, ao manter a condenação ao pagamento de indenização por dano moral a servidor contratado sem prévio concurso público, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, contrariou a Súmula 363 do TST. Recurso de revista conhecido, por contrariedade à Súmula 363 do TST e provido [...] (TST. RR 114300-33.2006.5.02.0050 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 31/08/2016, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/09/2016)

Identifica-se, ainda, na prática trabalhista, a busca por indenizações como aquelas contidas nos artigos. 467 e 477, §8º, da Consolidação das Leis do Trabalho, a saber, indenização pelo não pagamento de verbas incontroversas por ocasião do comparecimento à Justiça do Trabalho e pelo pagamento das verbas rescisórias fora de seu prazo próprio. Pelos mesmos fundamentos adotados pelo C. TST por ocasião da edição da Súmula n. 363, tratando-se de verbas de cunho indenizatório, não há espaço para seu deferimento por ocasião de ruptura contratual que se fundamente na nulidade do contrato com supedâneo no art. 37, II, da CF/88. O E. Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, em oportunidade de analisar o tema, decidiu conforme abaixo:

Contrato nulo Administração Pública. Responsabilidade. Multas dos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT. O contrato de trabalho nulo firmado com a Administração Pública, por afronta ao art. 37, II, da CF, gera apenas o direito ao pagamento de salários e FGTS, nos termos da Súmula n. 363 do TST, não ensejando condenação ao pagamento das penalidades vindicadas pelo obreiro. (TRT-21a Região. 1ª Turma. RO nº 0000359-90.2017.5.21.0018. Rel. Des. Ricardo Luís Espíndola Borges. Publicado no DEJT em 23/07/2018)

Reitera-se, outrossim, por todo o exposto, o descabimento do pleito de indenização por danos morais e materiais pelo empregado contratado irregularmente face ao ente da Administração Pública e, ainda, de outras verbas de caráter indenizatório, a exemplo das multas dos artigos. 467 e 477, §8º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

4.2 DA ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL (CTPS)

A CTPS, criada pelo Decreto-Lei n.º 926, de 10 de outubro de 1969, em substituição à antiga Carteira Profissional, é responsável pela promoção da identificação profissional do empregado, já que contempla informações importantes sobre os serviços prestados por este, bem como suas condições. Nela, restará comprovada a relação empregatícia e o tipo de contrato pactuado, com suas particularidades, que, por conseguinte, darão ao trabalhador acesso aos principais direitos trabalhistas consubstanciados na CLT e na CF, tais como o seguro-desemprego, o benefício previdenciário e o FGTS.

Como é cediço (art. 3º, CLT), para a caracterização de relação de emprego, geradora de anotação na CTPS, faz-se necessária a presença de cinco requisitos, quais sejam: a) a prestação de serviço deve ser avençada com pessoa física (trabalhador); b) natureza intuitu personae da relação pactuada (pessoalidade), concernente ao empregado; c) não-eventualidade da prestação do trabalho; d) onerosidade, a partir da remuneração do obreiro, que a CLT permite que seja em dinheiro ou, parcialmente, em utilidades (art. 458) e, por fim, e) subordinação, que pressupõe a existência de uma sujeição hierárquica entre empregado e empregador

Razoavelmente, pois, em um contrato de trabalho em que se vislumbrem todas as condições particularizadoras de uma relação de emprego, deverá haver a anotação na CTPS do empregado, para o registro da função exercida e usufruto dos direitos trabalhistas e benefícios previdenciários, conforme exposto alhures.

No entanto, diante da declaração de nulidade do contrato de trabalho, subsistirá o direito à anotação em comento? O preenchimento dos requisitos condicionadores desse registro é suficiente para afastar a incidência da nulidade?

Esse tema, ao contrário do relativo às verbas devidas ao trabalhador irregular, por força da desobediência ao art. 37, II, CF/88, não é pacífico na jurisprudência.

O TST, em julgados de 2007 e 2017, respectivamente, abaixo transcritos, manifestou-se acerca da querela com entendimento reiterado, defendendo a impossibilidade de anotação da CTPS nesses casos, conforme se verifica em sua leitura:

RECURSO DE EMBARGOS. CONTRATO NULO. EFEITOS. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. DEPÓSITOS DO FGTS. Declarada a nulidade do contrato de trabalho, os efeitos daí advindos não possibilitam o pagamento de parcelas decorrentes do contrato havido, a não ser aquelas referentes à contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor hora do salário mínimo, e dos valores relativos aos depósitos do FGTS, sendo indevida a anotação na CTPS, conforme já pacificado nesta C. Corte. Súmula nº 363 do C. TST. Recurso de embargos parcialmente conhecido e provido. (TST-RR – n. 666752/2000.5, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, publ. no DJU em 30.03.2007)

RECURSO DE REVISTA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. CONTRATO NULO. EFEITOS. ANOTAÇÃO NA CTPS. SÚMULA Nº 363 DO TST 1. Consoante a diretriz perfilhada na Súmula nº 363 do TST, a contratação de servidor público, após a Constituição Federal de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. 2. Acórdão regional que mantém a obrigação de anotação do período trabalhado na CTPS do empregado, conquanto reconhecida a nulidade da contratação por ausência de prévia aprovação em concurso público, contraria a Súmula nº 363 do TST.  3. Recurso de revista do Reclamado de que se conhece e a que se dá provimento. (TST. RR - 476-54.2012.5.22.0107 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 11/10/2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/10/2017)

Em oportunidades, os Tribunais Regionais do Trabalho da 3ª e da 5a Região mostraram, também, entendimento contrário à anotação na CTPS quando for nulo o contrato, conforme se vê na transcrição que se segue:

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATO NULO. ANOTAÇÕES DA CTPS. Declarada a nulidade do contrato de trabalho, em razão de ingresso nos quadros da Administração Pública sem prévia aprovação em concurso público, não há que se falar em registro da CTPS do trabalhador. (TRT-5a Região. RO nº 01023-2007-521-05-00-0, ac. nº 019248/2009, Rel. Des. Alcino Felizola, 4ª. T. Publ. no DJ/BA em 14/08/2009).

EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA - CONTRATO NULO - VERBAS TRABALHISTAS. O contrato firmado entre as partes é nulo de pleno direito, vez que não precedido de concurso público, na forma prevista no artigo 37, II e parágrafo 2º, da Constituição Federal, apenas gerando direito à contraprestação pactuada em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo e os depósitos do FGTS. Incidência do entendimento previsto na mula 363 do TST e o disposto no artigo 19-A da Lei 8.036/90. O deferimento do aviso prévio indenizado, férias acrescidas de 1/3, 13os salários, adicional rescisório de 40% do FGTS, multa do artigo 477 da CLT, indenização substitutiva do PIS/PASEP, adicional de insalubridade, bem como a determinação de que se proceda à anotação da CTPS, pressupõe o reconhecimento de validade da avença celebrada sem a observância dos ditames previstos na Constituição Federal, o que constitui violação ao artigo 37, II e parágrafo 2º, da Carta Magna, autorizando o corte rescisório. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0084000-75.2010.5.03.0000 AR; Data de Publicação: 18/02/2011; Órgão Julgador: 2a Secao de Dissidios Individuais; Relator: Convocado Orlando Tadeu de Alcantara; Revisor: Convocada Gisele de Cassia VD Macedo)

No entanto, vozes dissonantes são percebidas nos tribunais do trabalho, não sendo esse o único posicionamento perseguido por seus magistrados. Confira-se o seguinte julgado, do ano de 2005, oriundo do Tribunal Regional da 2a Região:

CONTRATO DE SERVIDOR PÚBLICO SEM CONCURSO PÚBLICO - NULIDADE - EFEITOS - RECOLHIMENTO DO FGTS E ANOTAÇÃO NA CTPS. Conforme Enunciado nº 363/TST, nula é a contratação de servidor público sem o devido concurso público, para atividade que esteja intimamente relacionada com dever essencial e regular do município empregador, não inserida no conceito de necessidade temporária ou excepcional, pelo que é devido apenas os salários e os depósitos fundiários, estes também previstos no artigo 199-A da Lei nº 8.036/90, bem como e considerando o posicionamento da Previdência Social a respeito do recolhimento de suas contribuições, sobre contratos nulos e os fundamentos legais de tal entendimento, a anotação do contrato de trabalho na CTPS do trabalhador, exclusivamente para fins previdenciários. (TRT-2a Região. RO nº 01525-2001-383-02-00-2. Ac. nº 20050412323. Rel. Decio Sebastião Daidone. 3a T. Publ. no DJ/SP em 05/07/2005)

O Tribunal Regional do Trabalho da 22a Região segue este mesmo entendimento, clamando pelo deferimento das verbas atinentes ao salário e pela anotação da CTPS do empregado, conforme se vê:

ENTE PÚBLICO - ADMISSÃO SEM CONCURSO - NULIDADE – EFEITOS. Após o advento da Constituição Federal de 1988, o contrato de trabalho mantido com ente público sem prévia aprovação em concurso, é nulo. Entretanto, o vício na contratação não suprime os direitos trabalhistas do obreiro. [...] Por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, afastar a prejudicial de prescrição total e acolher a prescrição parcial dos pleitos anteriores a 14/10/1998 e dar-lhe parcial provimento para deferir à reclamante os pleitos de 13º salário dos anos de 1999 (03/12), 2000, 2001 e 2002; férias 1999/2000, 2000/2001, com a dobra e férias simples (2001/2002), todas acrescidas do terço constitucional; FGTS de todo o período trabalhado sem a multa; saldo de salário e diferenças salariais a serem apuradas em liquidação de sentença, tomando-se por base o valor do salário mínimo vigente à época, além das devidas anotações na CTPS do autor. (TRT-22a Região. RO 00181-2004-002-22-00-9, Rel. Des. Laércio Domiciano. Publ. no DJT/PI em 24/08/2005.)

A divergência de entendimento dos Tribunais do Trabalho citados é pautada na existência jurídica do contrato de trabalho e na consumação fática da prestação de serviço pelo empregado, a despeito de sua nulidade. A própria súmula 363 do TST, que concede os direitos trabalhistas referentes ao salário do empregado, o faz com base no reconhecimento da existência do contrato de trabalho firmado, e em respeito à energia despendida pelo obreiro. A dúvida estará na permissão de anotação da CTPS, admitindo a existência do contrato nulo, e possibilitando que o empregado possa auferir benefícios previdenciários, ou na sua não concessão, considerando-se o ato jurídico de onde se originou a relação de trabalho nulo, incapaz de produzir efeitos.

Nesse âmbito, o Tribunal Superior do Trabalho vem se mostrando mais próximo dos valores constitucionais ao indeferir os pedidos de anotação em comento, consoante visto alhures, restringindo-se à concessão dos direitos anteriormente elencados na Súmula 363.

Sob outro prisma, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2016, p. 180), defende a possibilidade de anotação da CTPS, uma vez que acredita que a hipótese de nulidade contratual em comento é de responsabilidade da Administração Pública contratante, não devendo ser transferida a sua responsabilidade pela licitude de suas contratações ao trabalhador.

Embora se reconheça a existência da prestação laboral, tanto que a Justiça Especializada do Trabalho é palco de inúmeros pleitos por recebimento de verbas referentes a ela, entende-se que o registro desta relação jurídica é a aceitação da nulidade como ordinária, capaz de conceder ao trabalhador, ainda, os principais direitos ofertados pela CLT, tais como o seguro-desemprego e o benefício previdenciário.

Encontra-se em pauta, novamente, a necessidade de se restringir os direitos trabalhistas excedentes à contraprestação avençada a fim de cuidar da proteção à Constituição Federal. Caso contrário, os benefícios concedidos abertamente, num fechar de olhos à irregularidade com que se lida, se tornarão atrativos cada vez maiores à pactuação de contratos de trabalho nulos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem pretensão de exaurir a matéria, este estudo objetivou trazer para discussão acadêmica esse tema tão complexo e, concomitantemente, carecedor de atenção. As relações trabalhistas ganham cada dia maior dimensão e a Justiça do Trabalho 14está se desenvolvendo para acompanhar esta evolução, razão pela qual debates sobre pontos polêmicos como os outrora expostos são fundamentais para corroborar com seu crescimento.

Por todo o exposto, pretendeu-se mostrar que, a despeito da hipossuficiência do trabalhador consagrada nos princípios protetivos da CLT, em hipóteses como a do tema em estudo os bens jurídicos em conflito devem ser sopesados, mitigando a disparidade reconhecida entre empregado e empregador a fim de se proteger um bem maior, qual seja, o interesse público.

Acreditamos que apenas com a concessão do estritamente necessário ao trabalhador irregularmente contratado, qual seja, a contraprestação pactuada, será possível reconstituir a supremacia da norma cogente do art. 37, II, da Constituição Federal e o respeito aos princípios constitucionais, especialmente da moralidade, legalidade, acesso universal e isonomia, hodiernamente tão ignorados.

Dessa forma, será possível a consagração do interesse público em detrimento do favorecimento de uma minoria, findando com a irresistibilidade que se vislumbra atualmente de burlar a Constituição Federal, desfrutar de cargo público sem prévio certame e, ainda assim, ser beneficiário de direitos trabalhistas.

ABSTRACT

Currently, the Labor Courts are being molded in spite of controversies that reflect their growth and the improvements made in labor laws. For this reason, the academic debate is fundamental to estimulate such issues and to dispose the ideas that contribute to the advances of this Special Courts. This paper aims to analyze one of the polemic matters that are vital in this area, that is the possibility to assign juridical effects to an working agreement sanctioned bu the public administration, disrespecting the Federal Constitution on its arcticle
37,  II. In order to do such a study, the labor, constitutional and administrative doctrines were used, as well as the most recent judicial decisions about the theme.

Keywords: Labour agreement. Federal Constitution.Invalidity. Labour rights.

REFERÊNCIAS

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CHAVES, Luciano Athayde. A inconstitucionalidade do recolhimento do FGTS nas hipóteses de contratações irregulares de empregados públicos. Revista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, Natal, p.99-115, abr. 2005.

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LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2015.

LEITE, Thaissa Lauar. Princípio do acesso universal aos cargos e empregos públicos e a EC nº 51/06: colisão. 2011. 20 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Curso de Graduação em Direito., Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Carteira de trabalho e previdência social – CTPS. Disponível em: < http://trabalho.gov.br/carteira-de-trabalho-e-previdencia-social-ctps. Acesso em: 03 ago. 2018.

Sobre a autora
Thaissa Lauar Leite

Analista Judiciária no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura do Trabalho da 21ª Região (ESMAT-21).︎

Informações sobre o texto

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Artigo Científico apresentado à Escola Superior da Magistratura do Trabalho da 21ª Região como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Direito e Processo do Trabalho sob orientação do Prof. Esp. Cristiano Guilherme da Câmara Silva.

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