Resumo: Este artigo busca evidenciar as competências, os limites e a abrangência do Conselho Nacional de Justiça brasileiro, destacando seu papel de accountability do Poder Judiciário frente a forte independência deste Poder estabelecida constitucionalmente. Para tanto, utiliza-se de revisão bibliográfica e da análise de resoluções e determinações deste Conselho, pretendendo-se clarear a sua organização e, mais ainda, sua forma de atuação, que vai além de um controle formal de magistrados e servidores, mas possui relevância enquanto instituição atuante para a efetivação e aperfeiçoamento do judiciário, buscando uma prestação jurisdicional que corresponda aos anseios sociais da eficiência, transparência e agilidade processual.
Palavras-chave: Conselho Nacional de Justiça; Accountability; Poder Judiciário.
Introdução
A Constituição de 1988 estabeleceu uma forte independência ao Poder Judiciário brasileiro, determinando, além das garantias funcionais a seus membros - vitaliciedade, irredutibilidade de subsídios e inamovibilidade -, uma autonomia institucional, expressa através do autogoverno, das autonomias orçamentária, administrativa, financeira e disciplinar, da iniciativa de leis que versem sobre aspectos relevantes para a magistratura e, ainda, da seleção de seus próprios magistrados e servidores auxiliares, realizada através de concurso de prova e/ou de títulos.
Esta independência visou garantir a autonomia e a imparcialidade para que este Poder e seus magistrados pudessem exercer de forma adequada sua atividade fim que, em regra, constitui-se da função jurisdicional correspondente à mitigação dos litígios e estabelecimento do direito aplicável aos casos concretos.
Contudo, em paralelo à necessidade desta independência para o regular desempenho das atividades judicantes, necessário também que, em um Estado democrático de direitos, haja um organismo que exerça o controle e a fiscalização deste Judiciário, que promova o accountability financeiro e administrativo e a responsabilização dos juízes - fortemente independentes e autônomos - pela inobservância das obrigações funcionais.
Neste sentido, através da emenda constitucional nº. 45/2004, conhecida como a ‘Reforma do Poder Judiciário’, foi criado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), buscando suprir a lacuna existente no que tangia ao accountability judicial brasileiro.
Este artigo tem como objetivo evidenciar as competências, limites e abrangência deste Conselho, delineando sua organização e a forma como esta instituição opera. Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica acerca do CNJ, sua origem e organização, além de análise de suas resoluções e determinações, com o fim de clarear sua forma de atuação.
Assim, pretende-se contribuir para um melhor entendimento acerca da abrangência desta instituição, principalmente diante do atual panorama de protagonismo do judiciário, em que o mesmo encontra-se cada vez mais atuante no cenário político brasileiro, ampliando-se a necessidade e relevância de um mecanismo de controle que busque maior transparência e eficiência na prestação jurisdicional.
CNJ: Aspectos Gerais
A Constituição de 1988, em sua redação originária, estabeleceu um Poder Judiciário com ampla independência e autonomia sem, contudo, determinar um organismo de âmbito nacional que possuísse meios de controle ou de accountability judicial das atividades deste Poder.
O poder Judiciário brasileiro é dotado de grande independência judicial institucional e plena independência judicial decisional. No que se refere ao poder disciplinar administrativo, competia apenas aos próprios tribunais fiscalizarem os deveres judiciais dos magistrados após a Constituição Federal de 1988. Desse modo, não se desenhou adequadamente o sistema de controle disciplinar administrativo dos juízes, pois não foram concedidos os incentivos suficientes para que os magistrados buscassem seguir da melhor maneira possível os deveres funcionais (TOMIO; ROBL FILHO, 2013, p 44).
Assim, constava a necessidade de estabelecimento de um mecanismo de controle e administração do Judiciário brasileiro, que fiscalizasse os atos e políticas públicas da administração judicial e exercesse a responsabilização dos próprios juízes, servidores e serventuários do Poder Judiciário na busca por agilidade decisória (FALCÃO, 2009, p. 108) e maior eficiência na prestação jurisdicional, aspectos que constituem crescente reivindicação social e política desde o processo de redemocratização em torno de maior efetividade no cumprimento dos preceitos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, prescritos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988.
O controle exercido sobre os membros do Judiciário encontrava-se apenas nas Corregedorias internas e nos Conselhos da Magistratura. Este autocontrole "se apresentava ineficiente e contaminado pelo corporativismo, sem cumprir o dever do combate aos desmandos e distorções administrativas, e aos desvios de verbas no Judiciário" (PIRES, 2012, p. 47). Além disso, esta fiscalização precária acabava por incidir apenas sobre magistrados de primeiro grau, e muitas vezes servia de "mecanismo de perseguição e opressão aos juízes que se apresentavam como críticos das práticas administrativas da cúpula do Judiciário" (PIRES, 2012, p. 47). Calmon (2012, p. 43) ressalta:
Tradicionalmente, as Corregedorias têm papel eminentemente disciplinar e, por razões culturais, a proximidade da autoridade correicional com os inspecionados leva a um certo afrouxamento comportamental. Ademais, em relação ao Judiciário, cujos integrantes além de próximos têm convivência longa, mais se acentua a inação, tornando o poder disciplinar das Corregedorias quase inócuo, com efeito devastador para a carreira. [...] Mantida (a Corregedoria) inteiramente nas mãos da própria corporação, rompia a imparcialidade e se concentrava nos órgãos diretivos de segundo grau.
Importante observar que os julgamentos dos processos disciplinares não encontravam-se nas mãos dos Corregedores, os quais fiscalizavam e instauravam os procedimentos administrativos mas não possuíam a última palavra no julgamento do mérito que encontrava-se em poder dos Colegiados dos Tribunais (CALMON, 2012), os quais efetivamente decidiam os processos disciplinares envolvendo magistrados de primeiro grau e seus próprios pares. Isto dificultava ainda mais uma efetiva fiscalização principalmente sobre as instâncias de 2º grau do Judiciário, já que seriam os próprios Magistrados competentes para julgarem os colegas com os quais possuem contato imediato.
Além disso, o debate acerca da necessidade da criação de um órgão que exercesse de forma imparcial o controle sobre o Poder Judiciário estava em alta nos países sul-americanos desde a década de 1990, diante, principalmente, da influência dos organismos internacionais que, através de projetos financiados por bancos internacionais de desenvolvimento (Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial), incentivavam a incorporação de Conselhos que supervisionassem a atuação dos Judiciários latino-americanos.
A ministra Ellen Gracie Northfleet (2012) esclarece que esta influência de organismos internacionais deu-se principalmente frente à "percepção de que as iniciativas tendentes ao desenvolvimento econômico esbarravam numa endêmica 'fraqueza institucional' do Poder Judiciário" a qual "acarretava insegurança jurídica incompatível com o desejo afluxo de capitais e investimentos que impulsionasse as economias da região" (NORTHFLEET, 2012, p. 30).
Contudo, o Brasil figurou fora destes projetos financiados, não requisitando auxílio externo para criação de seu Conselho. Tal fato explica-se, pois o judiciário brasileiro, diferentemente de muitos países sul-americanos, mesmo antes da criação do Conselho já possuía forte independência frente ao executivo e o legislativo e, assim, não via nestes mecanismos de financiamentos internacionais para auxílio na criação de Conselhos uma oportunidade de libertação das amarras de controle dos demais poderes. Ao contrário, como será exposto a seguir, parte do Judiciário brasileiro não coadunava com a ideia de criação de um organismo de controle.
Frente a este cenário, o debate acerca da necessidade de um controle externo ao Judiciário, debate que acabou deixado de lado na época da instituição da Carta de 1988 diante da disputa de interesses das classes interessadas, veio novamente à tona em meio às discussões sobre reformas no judiciário nacional. Um órgão de supervisão que pudesse trabalhar em melhorias e fiscalização das políticas deste Poder e garantisse o cumprimento dos preceitos fundamentais definidos na Constituição acabou efetivado pela criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual foi instituído por meio da Emenda Constitucional nº. 45/2004, conhecida como a ‘Reforma do Poder Judiciário’, e passou efetivamente a funcionar a partir de junho de 2005.
Esta emenda, que tramitou por 13 anos no Congresso Nacional antes de ser votada, buscou estabelecer maior transparência, acesso e eficiência à prestação jurisdicional através da incorporação em nossa Constituição de diversos dispositivos legais, dentre os quais a implementação do CNJ1 (CF, art. 93, inciso I-A).
Durante mais de 15 anos, impacientes com o nepotismo e a lentidão, a sociedade, o Executivo e o Congresso defenderam o controle externo do Poder Judiciário. O país se mobilizou. O Judiciário foi contra. Negociou-se a criação do CNJ, o controle de juízes, feito por uma maioria de juízes, com representantes de outros setores. O CNJ resulta deste acordo. É um contrato entre Congresso, Executivo, sociedade civil e o próprio Judiciário, a favor da ética e da eficiência judiciais (FALCÃO, 2011, p. 1).
Entretanto, conforme mencionado acima, a possibilidade de um controle externo não agradou parte do judiciário que postou-se contra a criação de um órgão estranho ao poder que exercesse a fiscalização do mesmo, sob o argumento de ferir a independência judiciária, o pacto federativo e o princípio da separação dos poderes. Por meio da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), a classe ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 3367/06, reivindicando a supressão dos artigos 1º e 2º da Emenda Constitucional nº 45 junto ao STF nos aspectos que tratavam sobre a incorporação do Conselho como órgão constitucional.
Após o julgamento, por decisão de 7 votos por não declarar a inconstitucionalidade - Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Nelson Jobim- contra 4 votos a favor da declaração- Ministra Ellen Gracie e Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Marco Aurélio - a criação do CNJ foi considerada constitucional pelo Supremo que entendeu não tratar-se de um controle externo ao judiciário, mas sim um órgão do próprio Poder haja vista sua composição eclética com maioria dentre membros advindos da própria magistratura, não violando, portando, o princípio da separação dos poderes e nem ofendendo o pacto federativo (MARQUES DA CRUZ, 2013).
O Conselho é formado por 15 membros: o Presidente do Supremo Tribunal Federal, que o preside; um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, que atua como Corregedor Nacional de Justiça; um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho; um Desembargador de Tribunal de Justiça; cinco juízes: um Estadual, um Federal, um advindo do Tribunal Regional Federal, um do Trabalho e um do Tribunal Regional do Trabalho; um membro do Ministério Público da União e um do Ministério Público Estadual; dois advogados; e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. Os Conselheiros são nomeados pelo Presidente da República após aprovação por maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos admitida uma recondução, à exceção do Presidente que possui mandato único.
Observa-se que nove dos 15 membros que o compõe advém do Judiciário e apenas seis ou dois quintos de sua composição é preenchido por integrantes externos (2 membros do Ministério Público, 2 advogados e 2 cidadãos). Assim, a Instituição seria na sua essência Judiciária e o controle por ela exercido não poderia ser considerado externo ao terceiro poder e sim sucedido de um órgão heterogêneo, porém derivado em sua maioria de membros do próprio Judiciário. O fato de conter membros não oriundos da magistratura reforça o intento de lograr um aprimoramento da organização judiciária e do prestamento jurisdicional, proporcionando um controle plural e democrático que busque o equilíbrio decisório e fuja das mazelas do corporativismo interno2.
Dalmo de Abreu Dallari assevera:
[...] é necessário estabelecer um sistema de controle. É oportuno lembrar aqui a atitude de Thomas Jefferson, que defendeu com firmeza a independência dos juízes e tribunais, mas admitiu que tinha medo do corporativismo dos magistrados, o que pode significar não só uma comunhão de interesses, mas também um relacionamento afetivo. Daí a conveniência de um órgão controlador, integrado, em sua maioria, por magistrados, mas também por profissionais de outras áreas jurídicas, como se tem feito para compor bancas examinadoras de concursos para ingresso na magistratura. Não se pode esquecer que o Poder Judiciário exerce poder público, age em nome do povo, embora seus membros não sejam escolhidos por meio de eleição popular.
Por isso é necessário um controle democrático de seu desempenho, que assegure a obediência às regras legais e a prevalência do interesse público, mantendo o requisito fundamental, que é a garantia da independência dos juízes (DALLARI, 2003, p.33).
Desta forma, o Conselho Nacional de Justiça, em comunhão com as demais alterações trazidas pela Emenda, surgiu como um meio de alcançar maior eficiência do Poder Judiciário, abarcando para si a precípua tarefa de controle da atuação administrativa e financeira deste Poder, bem como do cumprimento dos deveres funcionais pelos magistrados (CF/88, art. 103-b §4º, artigo inserido na Constituição a partir da Emenda Constitucional nº. 45).
Competências
Após evidenciarmos o contexto em que instituiu-se o CNJ, sua composição e a importância da criação de um órgão de controle do Poder Judiciário Nacional em um momento em que a redemocratização do País exige maior eficiência da prestação jurisdicional frente a expansão deste poder como efetivador de direitos e garantidor da democracia (TAYLOR, 2007), importante adentrarmos agora nas competências do Conselho especificando sua atuação e as nuances que envolvem o papel de accountability desenvolvido pelo CNJ.
O instituto do accountability é definido por Tomio e Robl Filho (2013, p. 30) como a necessidade de "uma pessoa ou instituição que recebeu uma atribuição ou delegação de poder prestar informações e justificações sobre suas ações e seus resultados, podendo ser sancionada política, pública, institucional e/ou juridicamente por suas atividades”.
O accountability é usualmente distinguido em duas dimensões: a vertical e a horizontal. A primeira corresponde à possibilidade de responsabilização e fiscalização realizada pelos cidadãos àqueles que exercem função pública, governantes, servidores ou ainda às instituições, ou seja, à todos aqueles que possuem a outorga da responsabilidade de gerir ou administrar os bens públicos em prol da população, ou, em via inversa, corresponde a obrigação do agente de prestar contas, agir com transparência e responder pelos atos que praticar no exercício de uma função pública.
Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra o risco de coerção, e cobertura regular pela mídia ao menos das mais visíveis dessas reivindicações e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas são dimensões do que chamam de "accontability vertical". São ações realizadas, individualmente ou por algum tipo de ação organizada e/ou coletiva, com referência àqueles que ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não. (O'DONNELL, 1998, p. 28)
O accountability vertical pode ser subdividido em vertical eleitoral e vertical social (TOMIO E ROBL FILHO, 2013). O primeiro corresponde a forma de accountability realizada através das eleições por meio da qual os cidadãos explicitam a sua avaliação dos agentes estatais eleitos, podendo sancioná-los através dos votos expressos nas urnas. A segunda vertente ocorre via organizações sociais e imprensa, as quais por meio de exposições públicas denunciam e sancionam os agentes estatais.
Assim, o accountability vertical parte do pressuposto da soberania popular e da possibilidade dos cidadãos representados controlarem seus representantes e punirem o mandatário através de reivindicações, denúncias públicas, referendos, plebiscitos, ações populares e principalmente por meio do voto explanado nas eleições, sendo este último o principal mecanismo desta categoria de controle. Muitas críticas surgem neste sentido frente ao grau de efetividade alcançado pelo accountability vertical realizado através das eleições. Um dos aspectos questionados se refere à periodicidade em que a insatisfação popular seria levada a cabo, ou seja, apenas de quatro em quatro anos (período dos mandatos para os quais são eleitos os agentes estatais no Brasil, à exceção do Senado) a população teria oportunidade de efetivamente punir os governantes através de sua derrota nas próximas eleições.
Outra problema diz respeito às condições encontradas em muitas novas democracias as quais possuem "sistemas partidários pouco estruturados, alta volatilidade de eleitores e partidos, temas de política pública pobremente definidos, e reversões políticas súbitas" (O'Donnell, 1998, p. 29) o que diminuiria a eficácia deste tipo de controle. Além disso, pode-se destacar a deficiência no acesso à informação, desinteresse e falta de compromisso dos eleitores, os quais possuem uma imagem negativa e um descrédito em relação à política e aos políticos.
Já o accountability horizontal corresponde a existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou omissões de outros agentes ou agencias do Estado que possam ser qualificadas como delituosas (O'DONNELL, 1998, p. 40)
Assim, ele se instrumentaliza por meio de agências ou instituições estatais que possuem a incumbência de exercer o controle, a fiscalização, supervisão e punição de eventuais ilícitos realizados por outras agências ou organismos do governo. Dessa forma, esse controle é realizado horizontalmente, ou seja, de agência do governo para outra agência também estatal, objetivando evitar transgressões e abusos no exercício da atividade pública. Para tanto, exige que a instituição competente para realização do accountability possua autonomia administrativa e financeira, mão de obra profissionalizada e seja reconhecida e respeitada pelos órgãos sobre os quais exerce seu controle, possuindo autoridade legal para tornar efetiva as suas decisões e independência para atuar sem pressão ou influência externa.
Da mesma forma, pode-se considerar o accountability horizontal quando um agente restringe a ação de outro por razões que não configuram a existência de um delito mas simplesmente pela não concordância política com a ação. Neste caminho encontra-se a rede de checks and balances entre os poderes estatais. Tomio e Robl Filho (2013) citam como exemplo deste aspecto o fato de o Presidente da República poder vetar uma lei aprovada pelo parlamento em virtude da não concordância política e não em razão da prática de um delito.
Quando se refere à esfera judicial, o accountability horizontal pode ser dividido em quatro campos: judicial decisional, comportamental, institucional ou legal (TOMIO, ROBL FILHO, 2013). O primeiro se refere ao controle das decisões judiciais explanadas, podendo realizar-se o requerimento de justificativas e informações quanto ao conteúdo das decisões e envolvem a aplicação de possíveis sanções em caso de violação da legislação. Já o accountability judicial comportamental pode ser definido como a possibilidade do exercício de controle sobre o comportamento dos magistrados, sua ética, honestidade e efetividade.
Por sua vez, o accountability judicial institucional é definido por Tomio e Robl Filho (2013, p. 43) como o “poder de fiscalizar, influenciar e sancionar o poder Judiciário como um poder, como uma instituição”. Por fim, o judicial legal visa a correição quanto ao cumprimento da norma por parte dos magistrados, fiscalizando e exigindo uma atuação que respeite o prescrito em lei.
Além da atividade de fiscalização e de controle administrativo, financeiro e correcional, o CNJ envolve também a tarefa de administração da justiça, trazendo uma nova perspectiva para o judiciário nacional que abrange a preocupação com aperfeiçoamento da política judicial (GUERRA, 2010), passando a tratar do aprimoramento das condições técnico-administrativas que perpassam o Poder Judiciário.
O certo é que, para além das atividades de fiscalização e controle, o CNJ destina-se ao planejamento estratégico, bem como à coordenação e supervisão administrativa do Poder Judiciário, com o objetivo precípuo de alcançar grau máximo de eficiência, de maneira a tornar verdadeiramente eficaz a prestação jurisdicional (MENDES, 2012, p. 21).
Cavalcanti Junior (2012, p. 45) ressalta que a partir da criação do CNJ a "justiça passou a trabalhar com estratégias de planejamento, metas de produtividade e projetos de informatização e incorporação da instituição à internet", atuando no sentido de um aprimoramento que anteveja "as demandas futuras de uma sociedade cujo o acesso à Justiça começa a se alargar".
Neste viés, o Conselho busca orientar práticas e ações que visem o aperfeiçoamento da administração deste Poder, estabelecendo metas, programas nacionais e diretrizes para administração do Poder Judiciário como um todo, o que antes comprometia a eficiência e unidade da Instituição, pois cada Tribunal estabelecia os critérios para sua própria gestão administrativa e comportava, ainda, as mudanças constantes na forma como se estabeleciam as diretrizes organizacionais que se modificavam periodicamente, de acordo com a mudança na direção administrativa, prejudicando o planejamento estratégico da instituição como unidade e as políticas de gestão e organização.
Desta forma, o Conselho abarca dentre suas atribuições tarefas que vão além do accountability tradicional, mas que envolvem também a preocupação com o aperfeiçoamento do aparato burocrático do judiciário, com a intenção de aprimorar "as formas como a prestação jurisdicional é oferecida à sociedade, resolvendo os entraves orgânicos que o espaço judicial enfrenta, enquanto serviço público dirigido a cidadania" (GUERRA, 2010, p.51)
Assim, o controle exercido pelo CNJ compreende não só a ação fiscalizatória e correcional mas sim, em um sentido mais amplo, envolve também os procedimentos e ações desta instituição que atuam sobre as condições de funcionamento do Poder Judiciário, visando melhorias na eficácia e eficiência deste Poder.
Enfim, após estas ponderações acerca da atuação do Conselho, pode-se sintetizar suas atribuições como abrangendo funções de cunho administrativo, correcionais, regulamentares, disciplinares, publicitárias e até sancionatórias, dentre as quais: zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura; expedir atos regulamentares ou recomendar providências; zelar pela observância dos princípios constitucionais previstos no art. 37 da CF (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência); apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências; receber e conhecer das reclamações contra servidores, membros ou órgãos do Poder Judiciário; avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas; representar ao Ministério Público no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; elaborar semestralmente e anualmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas pelos diferentes órgãos do Poder Judiciário, propondo as providências que julgar necessárias. (CF, art. 103-B, § 4º, inc. I à VII)
Falcão, Lennertz e Rangel (2009) destacam três competências distintas do Conselho: a competência normativa, a executiva e a judicial. A primeira inclui dentre as atribuições do CNJ a edição de Resoluções para regular questões como concurso público; ingresso, promoção e remoção de servidores; publicidade dos atos administrativos; nepotismo, dentre outros assuntos que envolvem a administração do judiciário nacional. A segunda competência envolve a administração de banco de dados e estatísticas com implementação de sistemas e cadastros nacionais, como o sistema nacional de controle de interceptações de comunicações ou o cadastro nacional de adoção de menores, além da promoção de campanhas e políticas públicas que intentem melhorias na eficiência do Judiciário, tal como a campanha pela prática da conciliação judicial no próprio Judiciário. A competência judicial, por fim, abrange o tribunal administrativo disciplinar que analisa os casos envolvendo atos dos magistrados.
Ressalta-se que a atuação do Conselho acontece concorrentemente com os órgãos de controle interno de cada esfera do judiciário. Contudo, as Corregedorias internas são formadas apenas por magistrados, não incorporando membros externos ao Poder, e por isso o receio de que estes organismos atuem de forma a possibilitar um corporativismo demasiado. Esta concorrência na atuação do CNJ com as fiscalizações internas acaba por acirrar a disputa por demarcação de competência e espaço de atuação, não havendo uma delimitação quanto à necessidade de ingressar-se primeiros nos órgãos internos antes de buscar-se o CNJ, ainda que, na prática, quando trata-se das Corregedorias estaduais as mesmas estariam escalonadas abaixo do Conselho na hierarquia do Poder Judiciário, diferentemente das Corregedorias dos Tribunais que atuam em uma concorrência horizontal para com o CNJ3.
Desta forma, o CNJ instituiu-se como órgão de accountability horizontal do Judiciário brasileiro mas, mais ainda, como órgão de administração e controle da justiça, exercendo o controle administrativo, financeiro e disciplinar dos atos da Justiça e de seus membros. Porém, importante ressaltar que CNJ não incorpora dentre suas funções a ingerência em matéria judicializada, ou seja, não cabe ao Conselho interferir nos julgamentos realizados pelo Judiciário. Tal aspecto também foi objeto de questionamento junto ao STF através da ADI nº. 3.367/DF na qual o Supremo reforçou a inteligência de que o CNJ não possui competência para interferir na atividade fim do Judiciário e compete a ele apenas o controle sobre as questões administrativas:
Mas, se escusa reforço à resposta, é sobremodo importante notar que o Conselho não julga causa alguma, nem dispõe de nenhuma atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício fosse capaz de interferir no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional. Pesa-lhe, antes, abrangente dever constitucional de “zelar pela autonomia” do Poder (art. 103-B,§ 4º, inc. I, CF/88) (ADI 3367/DF, Voto Ministro Relator Cezar Peluzo, julg. 13/04/2005, p. 27).
Desta forma, não caberia ao CNJ perquirir sobre matéria judicializada sob pena de interferir na autonomia e liberdade dos magistrados para o exercício de suas funções, autonomia esta que cumpre ao próprio Conselho resguardar. Assim, o accountability judicial decisional não encontra-se dentre as atribuições do Conselho.
Desse modo, põe-se fora do alcance do controle exercido pelo órgão a atividade jurisdicional dos órgãos do Poder Judiciário, ainda que abrangida pela dita jurisdição voluntária,o que, aliás, vem de ser firmado desde as primeiras composições do Conselho, que sempre apontaram para a impossibilidade de que o órgão decidisse sobre matéria judicializada, dada a natureza do controle que se lhe incumbiu a Carta da República. Afasta-se, desse modo, o temor que cercou a criação e instalação do Conselho quanto ao fato de que sua atuação poderia vir a malferir a independência da magistratura, imiscuindo-se em razões de mérito das decisões judiciais. Ao revés, cumprindo-lhe “zelar pela autonomia do Poder Judiciário”, parece claro que se deve pôr a distância de qualquer interferência na atividade jurisdicional propriamente dita, sob pena de claro desbordamento de sua missão institucional (OLIVEIRA, 2010, p. 109).
Por fim, outro aspecto importante acerca da atuação do Conselho, diz respeito a não ingerência do mesmo sobre o STF, órgão máximo do sistema judiciário brasileiro, nem sobre os seus Ministros, ou seja, não cabe ao CNJ a tarefa de fiscalização e controle sobre os Ministros e sobre o STF, incumbindo, ao contrário, ao Supremo a tarefa de controle dos atos do CNJ e de seus Conselheiros, incluindo recursos contra decisões deste órgão4.
Conclusão
Torna-se importante, diante de uma atuação cada vez mais ampla e expressiva do Judiciário nacional, compreender a dinâmica de atuação do organismo de controle deste Poder e enfatizar a necessidade de uma fiscalização transparente e comprometida com os interesses sociais para os quais os membros do Judiciário devem estar sempre voltados, haja vista o exercício da função pública a que fazem jus.
Frente a isto, este trabalho procurou evidenciar como o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu-se no Brasil através da Emenda Constitucional número 45, a qual buscou reformar o Judiciário nacional perquirindo por mais eficiência e transparência na prestação jurisprudencial.
Constatou-se que o Conselho emergiu junto a necessidade de um órgão que fiscalizasse os atos e políticas públicas da administração judicial e que exercesse um controle democrático do desempenho dos próprios juízes, servidores e serventuários deste Poder, fugindo do corporativismo e buscando a imparcialidade através de uma instituição formada por uma pluralidade de membros advindos de diferentes âmbitos e representações da sociedade.
Assim, o CNJ estabeleceu-se como instituição competente para realização do accountability judicial e, mais ainda, para a efetivação de um controle em um sentido mais amplo, abrangendo a administração da justiça, o aperfeiçoamento da política judicial, o aprimoramento das condições técnico-administrativas e o planejamento estratégico de todo o Poder Judiciário Nacional.