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Assédio eleitoral vertical descendente no contexto das relações de trabalho

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Agenda 17/04/2023 às 12:14

RESUMO: Este artigo tem como objetivo fazer considerações sobre o assédio eleitoral vertical descendente no contexto das relações de trabalho. Inicialmente, serão abordados conceito, modalidades e consequências de tal prática no universo laboral. Na sequência, analisar-se-á a atuação do Ministério Público do Trabalho na prevenção e combate deste tipo de violência e assédio no mundo do trabalho. Por fim, averiguar-se-á o enfrentamento da temática na jurisprudência dos tribunais trabalhistas.

1. INTRODUÇÃO

O assédio eleitoral vertical descendente, modalidade de violência e assédio no mundo do trabalho (Convenção 190 da OIT), conceitua-se como atitude empresarial de coação, indução, intimidação ou sugestionamento dos trabalhadores para que estes votem em candidato da preferência do assediador ou se abstenham de exercer livremente e em plenitude o seu direito fundamental e humano à liberdade política.

Sobre o tema, ponderam Rosangela Lacerda e Silvia Teixeira:

No âmbito da relação de emprego, não é lícito ao empregador fazer propaganda política de candidatos ou “convidar” os seus trabalhadores para manifestações políticas, de qualquer viés ideológico, considerando a presença da subordinação no liame obrigacional. Também não é admissível que faça discursos ou decline posicionamentos de que, se não for eleito este ou aquele candidato, a probabilidade de encerramento das atividades é elevada, porquanto esta é uma ameaça velada de desemprego, para coagir os empregados a adotarem o seu posicionamento político.2

Pode ser realizado de forma direta ou indireta, por intermédio, por exemplo, das seguintes condutas: realização de enquetes (art. 33, §5º, da Lei 9.504/97); veiculação de propagandas eleitorais nos sítios eletrônicos de empresas (art. 57-C, § 1º, I, da Lei 9.504/97);  impedimento ou embaraço do exercício do sufrágio (art. 297 do Código Eleitoral); doação, oferecimento ou promessa de dinheiro ou vantagem para obtenção de voto favorável aos objetivos do empregador (art. 299 do Código Eleitoral); utilização de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido (art. 301 do Código Eleitoral); promoção, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo (art. 302 do Código Eleitoral); distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para aliciamento de eleitores (art. 334 do Código Eleitoral)

As cinco últimas condutas se enquadrarem como crime e todas são proscritas na legislação pátria, além de constituírem ilícito trabalhista. Sobre as condutas empresariais que podem ser caracterizadas como assédio eleitoral, convém trazer à lume as lições de Adriane Reis de Araújo e Ronaldo Lima dos Santos:

Ele pode se manifestar pela concessão ou promessa de benefícios, salários, bônus, folgas ou por ameaças de desemprego ou represálias no trabalho. Eventuais impedimentos para participar do pleito eleitoral também podem ser uma modalidade de assédio. (...) Além de o assédio eleitoral constituir uma violência psicológica no trabalho, ele pode vir a configurar crime previsto no Código Eleitoral. Entre suas modalidades, destacam-se o crime de compra de votos (art. 299), o crime de coação eleitoral (art. 300 e 301) e o crime de embaraço (art. 302). Pode também configurar propaganda eleitoral ilícita, pois a empresa eleitoralmente é tratada como bem de uso comum (art. 37, Lei 9.504/1997 e Res. /TSE 23.610/2019). Assim, está vedada a imposição do uso de uniformes, vestimentas, instrumentos de trabalho ou veículos com símbolos relacionados a determinada candidatura, bem como a veiculação de propaganda eleitoral nos espaços da empresa, incluídas as redes sociais, mídias digitais, monitores, comunicados, entre outros3.

A conduta ilícita do assédio eleitoral também pode ser acompanhada da sua forma premial. Neste caso, para além da pressão e da coerção, o empregador oferta vantagens aos trabalhadores, como o pagamento de quantia em dinheiro, cestas básicas, transporte e alimentação, entre outras, o que é capitulado como crime eleitoral, nos termos do art. 299 e 302 do Código Eleitoral. Aproveita-se o empregador, in casu, da situação de vulnerabilidade econômica dos trabalhadores para impor a compra do voto. O trabalhador que estiver em atividade profissional regular no dia da eleição tem direito a ausentar-se para exercer o seu direito de voto, não podendo o empregador criar embaraço ao empregado, seja não o liberando para a votação, seja convocando-o para o trabalho com o intuito de provocar a abstenção do trabalhador no pleito eleitoral (art. 297, Código Eleitoral)4.

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Tais práticas empresariais constituem abuso do poder empregatício (art. 187 do CC). O poder empregatício, que emana da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CR/88), do direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CR/88) e do próprio contrato de trabalho (arts. 2º e 3º da CLT), consiste no conjunto de prerrogativas conferidas ao empregador destinadas à direção, regulamentação, fiscalização e disciplina da prestação pessoal de serviços pelo empregado.

Tais prerrogativas são, contudo, limitadas pelos direitos fundamentais dos trabalhadores, específicos e inespecíficos, que emanam da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR/88), valor intrínseco que faz o ser humano merecedor de respeito e consideração pelo Estado (eficácia vertical) e pela sociedade (eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas – art. 5º, § 1º, da CR/88; STF/ RE 158.215/RS)5.

O poder empregatício é limitado, também, pelo valor social do trabalho (art. 1º, IV, da CR/88), pela função social da propriedade e do contrato de trabalho (arts. 5º, XXIII e 170, III, da CR/88 e 421 do CC), bem como pela cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e seus deveres anexos de conduta (lealdade, informação, transparência).

Quando praticado de forma indistinta e pulverizada na empresa, pode-se falar em assédio eleitoral organizacional ou psicoterror eleitoral na relação de trabalho, que visa ao controle da subjetividade e cidadania do trabalhador, fragiliza o processo democrático, degrada o meio ambiente de trabalho (arts. 7º, XXII; 200, II e VIII e 225 da CR/88), além de prejudicar a saúde física e mental do obreiro (arts. 6º e 196 da CR/88).

Conforme preconiza doutrina abalizada, o assédio eleitoral, em suas diversas facetas, constitui versão moderna do voto de cabresto:

O assédio eleitoral no âmbito empresarial constitui uma versão atualizada do voto de cabresto, que marca os processos eleitorais brasileiros ao longo da sua história. A figura do coronel nos rincões do Brasil é reconfigurada no coronelismo empresarial que marca as eleições do Brasil no século 21. Somente com o implemento da cidadania, diminuição da pobreza, incremento da justiça social, fortalecimento das instituições públicas e privadas, com o combate e punição dos novéis coronéis empresariais, em todas as esferas jurídicas, poder-se-á acreditar na efetivação de um regime verdadeiramente democrático no Brasil, onde cada trabalhador-cidadão possa exercer com plena e total liberdade de consciência o seu direito fundamental de voto6.

Não se trata, como é cediço, de um fenômeno novo no país. Ao contrário, cuida-se de um modelo desviado de ação social já experimentado sobejamente em nossa história pré-republicana e pós-republicana, e que esteve associado, entre os séculos XIX e XX, ao chamado “coronelismo”, que por sua vez deitou raízes no sistema social patriarcal, patrimonialista e particularista que deu berço à sociedade brasileira de economia agrária que vicejou até meados dos novecentos. Essas práticas expandiram-se, ademais, para além das influências locais, engendrando impactos efetivos sobre a política nacional7.

O assédio eleitoral, além de violar a função social da propriedade e do contrato de trabalho; a cláusula geral da boa-fé objetiva e seus deveres anexos de conduta (lealdade, informação, transparência); ultraja múltiplos direitos fundamentais e humanos dos trabalhadores, a exemplo dos seguintes:

a) Liberdades de pensamento, de consciência, de convicção política e de expressão (arts. 5º, IV, VI, VIII e IX da CR/88; IV da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; XVIII, XIX da DUDH; 18 do PIDCP),

b) Liberdade partidária e direito de participação na condução política do país (arts. 14, 17 e 60, §4º, II, da CR/88; XX da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; XXI da DUDH; XXV do PIDCP);

c) Intimidade e vida privada (arts. 5º, V e X, da CR/88; XII da DUDH; 17 do PIDCP e 11.2 da CADH);

d) Estado Democrático de Direito, democracia representativa (arts. 1º, “caput”, e 34, VII, “a”, da CR/88), soberania popular (arts. 1º, “parágrafo único”, e 14 da CR/88), cidadania, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político e dignidade da pessoa humana, na vertente da autodeterminação do indivíduo (art. 1º, II, III, IV e V, da CR/88);

e) Direito à não discriminação por convicção político-partidária (arts, 3º, IV; 5º, caput, XLI e 7º, XXX, da CR/88; 1º da Lei 9.029/95; 1º da Convenção 111 da OIT).

Ao discorrer sobre o direito à não discriminação por convicção político-partidária, pondera Ricardo José Macedo de Britto Pereira, subprocurador geral do Ministério Público do Trabalho:

Ameaça, retaliação ou promessa de vantagens a trabalhadores para assegurar o alinhamento eleitoral às imposições do empregador possui disciplina própria no campo do Direito do Trabalho: a discriminação por opinião política, que inclui o assédio eleitoral. (...) Sendo assim, qualquer postura ou punição no intuito de controlar o voto, retaliar em razão de escolha política ou determinar participação em protestos políticos são nulas de pleno direito e eventual despedimento dá ensejo à reintegração com ressarcimento integral do período de afastamento ou indenização em dobro, além de dano moral 8.

No direito comparado, aplicável ao ordenamento interno como fonte material integrativa, à luz do art. 8º da CLT, podem ser mencionadas leis estaduais e lei federal estadunidenses, além de precedente da Justiça Federal dos Estados Unidos da América, que coíbem a prática empresarial de influenciar, direta ou indiretamente, o livre exercício dos direitos políticos dos empregados.

A propósito, confiram-se as lições do Procurador do Trabalho, Cássio Casagrande:

“A Federal Election Campaign Act (FECA) estabelece algumas restrições para o mundo corporativo, vedando, por exemplo: a) solicitação de doações para candidatos dentro do seu estabelecimento; b) utilização de materiais da empresa para campanha, incluindo correspondência em papel timbrado ou utilizando o envelope com a sua logomarca; c) utilização de equipamentos da empresa como fotocopiadoras; d) utilização de seus empregados como cabos eleitorais em favor de candidaturas; o trabalho voluntário dos empregados pode até ser admitido, desde que “não resultante de qualquer forma de coerção”; e) solicitação direta, aos empregados que não ocupem cargos de confiança, de doações para campanhas eleitorais. (...) no estado do Alabama, empregadores não podem tentar influenciar o voto do empregado, nem perguntar em que ele votou; a lei não permite ameaçar com demissão, redução de salários, mudança de turno ou função. Na Califórnia, empregadores não podem dissuadir ou impedir empregados de participarem em atividades políticas ou ameaçá-los de demissão por se participarem ou recusarem a participar de atividades políticas. Em Idaho, Ohio e Tennessee, tentar influenciar empregados direta ou indiretamente é ilegal. Em Indiana, a lei veda expressamente ao empregador comunicar ou afixar cartazes advertindo os empregados de que a vitória de determinado candidato poderá levar ao fechamento da empresa ou a redução de pessoal. Idêntica provisão também é encontrada em Maryland, no Oregon, na Pennsylvania, Nova Jersey, em Utah e no Wisconsin. Elaborada pelo advogado de Chicago Gray I. Mateo-Harris, a lista completa está disponível no site da Society for Human Resources Management.(...) Há um importante precedente julgado pela Justiça Federal daquele país com essa temática. Em 1983, a Corte de Apelações do Terceiro Circuito (equivalente a um de nossos TRFs) apreciou o caso Novosel v. Nationwide Insurance Company, que ocorreu em Butler, Pennsylvania.”9

O ordenamento pátrio, em compasso com a normativa internacional, não admite qualquer retaliação empresarial em razão do livre exercício, pelo empregado, de seus direitos políticos. Isso porque é aplicável, no Brasil, a garantia de indenidade10 dos trabalhadores, instrumento que impossibilita a adoção de medidas de represália empresarial contra o trabalhador que livremente exerce seus direitos.

2. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

O Ministério Público do Trabalho (MPT), especialmente por intermédio de sua Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidade e combate à Discriminação no Trabalho (COORDIGUALDADE), tem atuado, preventiva e repressivamente, no combate ao assédio eleitoral no âmbito das relações de trabalho.

Nesse intento, tem instaurado procedimentos promocionais (Res. 174 do CNMP), expedido recomendações (art. 6º, XX, da LC 75/93) e notas técnicas, firmado TACs (art. 5º, §6º, da LACP) e ajuizado ações civis públicas (art. 129, III, da CR/88), inclusive com pleito de condenação em indenização por dano moral coletivo (arts. 5º, V e X, da CR/88), além de pedido expresso no sentido de que as empresas rés sejam impedidas de obter empréstimos e financiamento em bancos públicos (art. 3º, II, Lei 9.029/1995 e Lei 11.948/2009), considerando-se ser o assédio eleitoral subespécie de assédio moral11.

Tal atuação ministerial, embora presente em diversos momentos de eleições no país, foi intensificada nas eleições presidenciais de 2018 e 2022. Nesse contexto, em outubro de 2018, por exemplo, o MPT ajuizou emblemática ação civil pública, autuada sob o nº 0001129-41.2018.5.12.0037, em face da empresa Havan Lojas de Departamento Ltda e seu sócio gerente, Luciano Hang, em razão da sistemática violação da liberdade política dos empregados.

Consoante relatou o MPT, na petição inicial da referida ação civil pública, Luciano Hang teria: a) coagido os trabalhadores a votarem em candidato de sua preferência, sob pena de serem demitidos; b) promovido ato cívico no qual, após os empregados entoarem o hino nacional, fez defesa intransigente do candidato a presidência da república, Jair Messias Bolsonaro; c) feito ameaças reiteradas de fechamento das lojas caso o candidato de sua preferência não lograsse êxito na eleição; d) realizado diversas pesquisas eleitorais para sondar a intenção de voto dos empregados12.

Em 2022, consoante dados fornecidos pelo Ministério Público do Trabalho e amplamente noticiados na imprensa, foram recebidas 3.206 denúncias de assédio eleitoral, o que ensejou a expedição de mais de mil recomendações, 80 ações civis públicas e 300 termos de ajustes de conduta13.

Dentre as inúmeras denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho, convém mencionar uma em face de dois frigoríficos em Minas Gerais, em que “empregadores fizeram ato em benefício de determinado candidato a presidente da República, com a distribuição de camisas, discurso no sentido de que caso o outro candidato ganhasse a eleição o Brasil entraria em guerra e promessa de entrega de peça de carne bovina, caso o candidato indicado fosse eleito”14.

Sobre a temática, há a Recomendação 01/2022, emitida pela COORDIGUALDADE, que exorta empresas, empregadores e empregadoras à adoção de providências para assegurar aos empregados e candidatos a emprego o exercício pleno de seus direitos políticos - em suas dimensões positiva e negativa - livre de ingerências empresarias que violem o princípio da neutralidade.

3. JURISPRUDÊNCIA

A partir de provocações do Ministério Público do Trabalho, Sindicatos, Confederações e outros legitimados, a Justiça do Trabalho brasileira tem prolatado decisões que visam a coibir e reprimir as múltiplas facetas do assédio eleitoral.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados de Tribunais Regionais do Trabalho e juízes (ízas) do Trabalho:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO ELEITORAL. A Constituição Federal de 1988 protege a intimidade, a vida privada, a autodeterminação e a liberdade de consciência e manifestação do pensamento (art. 5°, caput, incisos II, IV, VI, IX, X, CF/88), sendo vedado que uma pessoa seja privada de seus direitos em razão de convicção política (art. 5°, VIII, CF/88). Ainda, no âmbito do direito do trabalho, ninguém pode sofrer discriminação em razão de opinião política, nos termos dos arts. 3°, 5°, XLI e 7°, XXX, XXXI, da CF/88 e Lei 9.029/95. Nesse sentido, tem-se que a tentativa de ingerência sobre o voto dos trabalhadores atenta contra o livre exercício dos direitos políticos e configura assédio eleitoral, representando abuso do poder diretivo da empresa. É o que ocorre no caso em análise, em que a prova dos autos confirma que os trabalhadores foram constrangidos pela reclamada a participar de reunião com o objetivo de direcionar sua escolha eleitoral. Dessa forma, resta caracterizado o dano moral indenizável. Recurso da reclamada desprovido. (...) (TRT da 4ª Região, 4ª Turma, 0020964-33.2019.5.04.0124 ROT, em 08/03/2023, Desembargador Andre Reverbel Fernandes - Relator)

ASSÉDIO MORAL. DIRECIONAMENTO DO VOTO EM ELEIÇÃO PRESIDENCIAL. VIOLAÇÃO AO LIVRE EXERCÍCIO DA CIDADANIA E À LIBERDADE DE CONVICÇÃO POLÍTICA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O Discurso alarmista dirigido pelo proprietário da empresa aos seus empregados de fechamento de lojas e perda de empregos em caso de vitória de candidato à eleição presidencial diferente daquele que apoia constitui evidente conduta assediadora, em nítida afronta ao livre exercício da cidadania e à liberdade de convicção filosófica e política (art. 5º, VI e VIII, da CRFB/88). Recurso a que se nega provimento, no particular, para manter a condenação ao pagamento de indenização por dano moral. (TRT12 - ROT - 0000190-47.2020.5.12.0019, Rel. LIGIA MARIA TEIXEIRA GOUVEA, 5ª Câmara, Data de Assinatura: 20/04/2022).

DANO MORAL COLETIVO. CABIMENTO. COAÇÃO ELEITORAL E DIRECIONAMENTO DE VOTO. REPERCUSSÃO SOCIAL E COLETIVA. A coação eleitoral e direcionamento de voto, por meio de fixação de cartazes com promessas de recompensas vinculadas ao resultado eleitoral viola a liberdade de convicção política dos trabalhadores. A conduta verificada gerou repercussão social ou coletiva negativa de dimensão suficiente a justificar a imposição de condenação por dano moral coletivo, pois foi capaz de lesar os direitos personalíssimos de toda a sociedade em potencial. A condenação tem por finalidade a punição exemplar do ofensor para evitar novas práticas semelhantes e amoldar o comportamento da categoria econômica nas relações de trabalho. Pautando-se pelo princípio da razoabilidade e levando em conta, sobretudo, a gravidade do ato ilícito e a capacidade econômica da empresa, adequado o montante indenizatório de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) arbitrado na sentença. Recurso ordinário da ré a que se nega provimento. Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região (6ª Turma). Acórdão: 0000822-61.2019.5.09.0126. Relator: FRANCISCO ROBERTO ERMEL. Data de julgamento: 22/03/2021)

M. P. T. ajuizou Ação Civil Pública em face de C. M. L., afirmando ter recebido, em 07/10/2022, denúncia sigilosa noticiando que a empresa estaria praticando atos característicos de assédio eleitoral em relação aos(às) trabalhadores(as) que lhe prestam serviços, nos seguintes termos: “Coação e constrangimento e ameaças, perseguição política por votar em determinado candidato, dono da empresa e seus filhos ameaçando de demissão se determinado candidato ganhar as eleições”. Comprova o alegado juntando a denúncia (ID. 3e44faf). (...) Ante a gravidade dos fatos e a extrema urgência que o caso requer em virtude da iminente realização do segundo turno da eleição presidencial de 2022, no próximo dia 30/10/2022, considero presentes os requisitos para o deferimento da tutela pretendida, sem a oitiva da parte contrária (art. 5º, LXXVIII, da CF/88; arts. 300 e 301 do CPC; e art. 12 da Lei n. 7.347/85) e, por conseguinte, determino que a empresa requerida, sob pena de multa de RS 50.0000,00 (cinquenta mil reais) por infração, acrescida de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador(a) prejudicado(a), cumpra as seguintes obrigações: 

1) ABSTER-SEimediatamente, por si ou por seus prepostos, de dar, oferecer ou prometer dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem ou benefício aos(às) trabalhadores(as) que lhe prestam serviços, direta ou indiretamente (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros), ou às pessoas que buscam emprego, com o objetivo de obter manifestação política ou voto em favor ou desfavor de qualquer candidato(a) ou partido político nas eleições;

2) ABSTER-SEimediatamente, por si ou por seus prepostos, de ameaçar, constranger, orientar ou influenciar de qualquer modo os(as) trabalhadores(as) que lhe prestam serviços, direta ou indiretamente (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros), ou as pessoas que buscam emprego, para que se manifestem politicamente ou votem em favor ou desfavor de qualquer candidato(a) ou partido político nas eleições;

3) ABSTER-SEimediatamente, por si ou por seus prepostos, de ameaçar,constranger, perseguir ou intimidar os(as) trabalhadores(as)que lhe prestam serviços, direta ou indiretamente (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros), ou as pessoas que buscam emprego, por motivo de crença ou convicção política, abstendo-se de praticar atos caracterizadores de assédio ou coação eleitoral, tais como: ameaças de perda do emprego e/ou de benefícios, alterações infundadas do setor de lotação e/ou das funções desempenhadas, questionamentos quanto às preferências políticas pessoais e/ou quanto ao voto, estabelecer o uso de uniformes ou vestimentas que contenham dizeres alusivos, em favor ou em  desfavor de qualquer candidatura e/ou partido político, estabelecer a utilização de qualquer outro material de divulgação eleitoral (canecas, adesivos, etc.) no local de trabalho ou durante a prestação de serviços, entre outros;

4) DIVULGARem prazo não superior a 24 (vinte e quatro) horas após a intimação judicial, comunicado por escrito a ser fixado em todos os quadros de avisos de todas as unidades a empresa, assim como em suas redes sociais e grupos de Whatsapp, caso existentes, com o escopo de cientificar os trabalhadores que lhe prestam serviços, direta ou indiretamente, acerca do livre direito de escolha de candidatos(as) a cargos eletivos, bem como da ilegalidade das condutas que caracterizam o assédio eleitoral, em especial os atos de coagir, intimidar, admoestar e/ou influenciar o voto por meio do abuso do poder diretivo patronal. (PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO 9ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO TutAntAnt 1001525-25.2022.5.02.0009. REQUERENTE: M. P. T. REQUERIDO: C. M. L.)

CONCLUSÕES

A assimétrica relação de trabalho constitui espaço propício para a prática de assédio eleitoral vertical descendente, espécie de assédio moral e modalidade de violência e assédio no mundo do trabalho. Trata-se de fenômeno que deita suas raízes no coronelismo que estruturou a sociedade brasileira.

O Ministério Público do Trabalho, especialmente por intermédio da COORDIGUALDADE, tem atuado, preventiva e repressivamente, no combate a essa prática nefasta. A Justiça do Trabalho, atenta a essa realidade, tem prolatado decisões que visam a coibir e reprimir as múltiplas facetas do assédio eleitoral.

REFERÊNCIAS:

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Assédio Eleitoral. Eleições de 2022. Relatório de atividades da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidade e combate à Discriminação no Trabalho (COORDIGUALDADE).

ARAÚJO, Adriane Reis de. Enfrentamento ao assédio eleitoral deve estar na mira do compliance empresarial. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/enfrentamento-ao-assedio-eleitoral-deve-estar-na-mira-do-compliance-empresarial-19102022.

CARVALHO, Augusto César Leite de. Garantia de indenidade no Brasil: o livre exercício do direito fundamental de ação sem o temor de represaria patronal. São Paulo: LTr, 2013.

CASAGRANDE, CÁSSIO. Nos EUA, é ilegal pressionar empregados em eleições. Casos como das Lojas Havan demonstram falta de cultura liberal no Brasil. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/nos-eua-e-ilegal-pressionar-empregados-em-eleicoes-22102018.

FELICIANO, Guilherme Guimarães e CONFORTI, Luciana Paula. Sobre a Assédio Eleitoral no Direito Do Trabalho: As Novas Veredas do Velho Coronelismo À Brasileira. Disponível em https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/8166/4805.

LACERDA, Rosangela Rodrigues; DO VALE, Silvia Teixeira. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2021, p. 318.

PEREIRA, Ricardo José Macedo de Britto. Discriminação eleitoral no trabalho. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-dez-20/britto-pereira-discriminacao-eleitoral-trabalho. Acesso em: 13 abril 2023.

SANTOS, Ronaldo Lima dos. O que é assédio eleitoral e quais as suas repercussões trabalhistas? Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-que-e-assedio-eleitoral-e-quais-suas-repressoes-trabalhistas-21102022.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

Sobre a autora
Renata Moura Miranda de Oliveira

Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Informações sobre o texto

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