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Da incompetência do CONAR para proferir decisões de caráter coativo:

uma visão crítica da auto-regulação publicitária

Agenda 10/09/2007 às 00:00

Em minha atividade profissional como advogado, deparei-me com um processo administrativo perante o CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária). Ao ser apresentado ao litígio, e por ser pós-graduando em Direito Administrativo, resolvi me aprofundar no estudo do tema e, curioso, pesquisei a natureza jurídica daquele órgão aonde travaria mais essa "batalha" jurídica. O resultado desse estudo transformou-se no presente artigo, no qual procurarei fazer uma crítica sobre o sistema brasileiro de regulação publicitária à luz das decisões proferidas por aquele Conselho.

De acordo com seu estatuto, o CONAR é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, com foro na Cidade de São Paulo, criado em 1980 por entres do mercado publicitário para promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial.

Regendo-se pela legislação pátria e pelo Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, este último registrado sob o n.º 5.678, no 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, em 22 de maio de 1980, é um órgão cuja existência não tem qualquer previsão legal. Em suma, trata-se de uma associação civil composta por agentes econômicos, tais como agências de publicidade e veículos de comunicação, que, de forma espontânea, aderem ao quadro social. Ou seja, o CONAR nada mais é do que um agente auto-regulador do mercado publicitário, que, apesar de possuir algumas características das agências reguladoras, não é uma autarquia sob regime especial e sim, como dito, um órgão não-governamental sem poder normativo legítimo.

Portanto, em primeiro lugar é importante esclarecer o conceito de auto-regulação. Para tanto, transcrever-se-á a idéia do jurista Marçal Justen Filho:

Algumas escolas econômicas afirmam que os mecanismos de mercado seriam aptos a produzir, por si sós e autonomamente, a realização dos fins de interesse público. (...)

(...) Essa concepção somente pode ser interpretada como uma formulação teórica. Nunca se verificou concretamente, em país algum. Mais precisamente, a intervenção estatal é condição de possibilidade da existência do mercado. [01]

Deste entendimento conclui-se expressamente que o Estatuto do CONAR é meramente contratual, já que a legislação pátria não deixou qualquer margem para uma regulação privada da matéria. Por se tratar de um Conselho composto por entes da iniciativa privada falta às suas decisões o caráter coativo. E, aqui, cabe apontar o entendimento de que a regulação da publicidade do país não é mista, o que contraria a visão de determinados doutrinadores. Ora, só a regulação estatal tem caráter imperativo e produz efeito perante terceiros.

Também, pode-se concluir que o próprio nome do Conselho resta equivocado, já que não há confundir regulação e regulamentação. Ainda, o destinatário final da atuação do CONAR, seria o consumidor. Porém, é notório que a Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor já normatizou a matéria.

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Ainda, é de fundamental importância destacar a supremacia do interesse público sobre o privado. O maior problema da auto-regulação, no caso da publicidade, é que ela não vincula todos os agentes do mercado e sim a pequena parcela que adere, voluntariamente, a essa forma de controle, razão pela qual não concordo com o posicionamento do douto Professor Fábio Ulhoa Coelho que diz ser a auto-regulação publicitária "a mais interessante experiência de disciplina de atividade econômica por iniciativa dos próprios agentes nela envolvidos". [02]

Importante destacar o ensinamento do Prof. Adalberto Pasqualotto:

"(...) o problema é que as decisões do CONAR são de cumprimento espontâneo. Os estatutos da entidade não lhe outorgam nenhum poder coativo – e, de qualquer modo, esse poder sempre seria limitado, por se tratar de sociedade privada". [03]

A insegurança jurídica que caracteriza as decisões do CONAR, por este não ter previsão legal e, dessa forma, não estar enquadrado como uma agência reguladora possibilita que o interesse privado se sobreponha ao interesse público, pois, como vimos, este sistema auto-regulatório beneficia alguns players do mercado publicitário.

As punições previstas no art. 50 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária se apresentam em quatro categorias: advertência, recomendação de alteração ou correção do anúncio, recomendação de suspensão da veiculação e, por último, divulgação da posição do CONAR com relação ao anunciante, à agência e ao veículo, através de veículos de comunicação, em face do não-acatamento das medidas e providências preconizadas.

A última sanção é altamente questionável pois, como já vimos, um órgão sem previsão legal, como é o CONAR, através da imposição de tal punição estaria claramente infringindo princípios basilares do Estado Democrático de Direito. Ora, se as decisões do órgão têm caráter de recomendação, como poderia ser veiculada sua posição de forma a questionar a atuação de agentes do mercado?

A legitimação da existência desse órgão através de previsão legal, com sua transformação efetiva em uma agência reguladora, beneficiaria o mercado publicitário nacional que, como se sabe, movimenta bilhões de reais todo ano. O CDC poderia funcionar como uma lei geral de proteção aos consumidores, enquanto lei específica versaria sobre aspectos ainda controversos nessa matéria e em questões cíveis, penais e administrativas. Dessa forma, o mercado estaria legalmente protegido, consubstanciado na tutela regulatória do Estado.


Notas

01 FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 469.

02 COELHO, Fábio Ulhoa, O empresário e os direitos do consumidor, São Paulo: Saraiva, 1994. p. 237.

03 PASQUALOTTO, Adalberto, Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 68.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Da incompetência do CONAR para proferir decisões de caráter coativo:: uma visão crítica da auto-regulação publicitária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1531, 10 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10366. Acesso em: 23 nov. 2024.

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