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Ensaio do direito ambiental e sua abordagem principiológica

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Agenda 07/09/2007 às 00:00

7 Responsabilidade Civil Objetiva

            A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu a responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis (artigo 225, §3º, CR). Ou seja, a responsabilidade civil resultante de dano ambiental é distinta e independente da penal e da administrativa.

            Destarte, os atos atentatórios ao meio ambiente poderão ter repercussão jurídica tripla, pois ofendem o ordenamento em três vertentes distintas: civil, criminal e administrativa.

            Além disso, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) possui como um de seus objetivos a "imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados" (artigo 4º, inciso VII, primeira parte), e possibilita o reconhecimento da responsabilidade do poluidor, independentemente da existência de culpa, em indenizar e/ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade, ainda que lícita (artigo 14, §1º, primeira parte).

            Assim sendo, a Lei nº 6.938/81 estabelece a responsabilidade objetiva para a defesa do meio ambiente, afastando a investigação e a discussão da culpa, mas não se dispensa o nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o dano.

            Dessa forma, o direito brasileiro assume o princípio da responsabilidade objetiva pela conduta lesiva ao ambiente, bastando, para tanto, a existência do dano e o nexo com a fonte poluidora ou degradadora, excluindo-se da apreciação a conduta subjetiva do degradador ou poluidor. Além disso, não se admite invocar as tradicionais cláusulas excludentes da obrigação de reparar o dano ambiental, quais sejam, caso fortuito, força maior, proveito de terceiro, licitude da atividade, culpa da vítima (SILVA, 1994, p. 214-215).

            Assim, em hipótese de atividade lesiva ao patrimônio ambiental, não poderá o responsável clamar por qualquer das excludentes apontadas, tratando-se, portanto, de responsabilidade objetiva pura, haja vista que a indenização existirá simplesmente pelo fato da atividade desenvolvida ser de risco (RODRIGUEIRO, 2002, p. 379).

            De acordo com Machado (2003, p. 327-328), a responsabilidade objetiva ambiental estabelece que quem danificar o meio ambiente tem o dever jurídico de repará-lo, constatando-se a presença do binômio dano/reparação. Na ocasião, não se pergunta a razão da degradação, tendo a responsabilidade sem culpa incidência na indenização ou na reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados pela atividade lesiva. Ademais, acrescenta o autor que não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida, visto que não há necessidade de que ela apresente risco evidente ou seja perigosa.

            Portanto, os danos ambientais resultam na responsabilidade civil objetiva, sob a forma de risco integral, independente de culpa, visto que o legislador pretendeu não fosse examinado o comportamento do poluidor do ponto de vista subjetivo, mas apenas o evento danoso, sendo desconsiderado o fato de ser lícita a atividade empreendida pelo agente causador do prejuízo ao ser humano e ao ambiente (JUCOVSKY, 1997, p. 58).

            Observe-se que o agente causador da degradação e dano ambiental pode tanto ser pessoa física ou jurídica, tanto de direito público quanto privado, os quais assumem a responsabilidade direta ou indireta pela conduta que lesione o meio ambiente, aplicando-se, no que couber, os princípios da solidariedade.

            Não se pode olvidar que além da responsabilidade civil pelo dano ao ambiente, sendo esta extracontratual objetiva pura e solidária, há também a possibilidade de se responsabilizar o poluidor penalmente, caso a conduta caracterize fato típico, e aplicar sanções administrativas cabíveis. Dessa forma, a irresponsabilidade administrativa ou penal não acarreta a irresponsabilidade civil.


8 Fundo de Defesa dos Direitos Difusos

            Considerado como patrimônio de todos os seres, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, sendo que qualquer lesão a ele advinda atingirá toda a coletividade, de modo que seria impossível, em virtude da indeterminação das vítimas, distribuir eventual indenização entre todos os prejudicados.

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            Deste modo, determinou o legislador que na hipótese de ser imposta condenação em pecúnia - aplicação de multa diária ou indenização em dinheiro - esses recursos devem ser revertidos a um Fundo determinado (MILARÉ, 2002, p 258).

            Assim, criado pela Lei nº 7.347/85, o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) tornou-se o destinatário da indenização ou das multas processuais cominadas nas ações civis públicas ou coletivas que versem sobre direitos transindividuais, não se entregando tais recursos oriundos da condenação, portanto, às vítimas diretas ou indiretas do prejuízo, consoante se depreende da leitura do artigo 13 da referida Lei, in verbis:

            Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

            Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

            Convém ressaltar que os Conselhos serão integrados por membro do Ministério Público e por representantes da comunidade, os quais possuirão atuação fiscalizadora.

            Neste sentido, esclarece Mukai (1992, p. 101) que a criação de fundos visando a captação de recursos financeiros é uma das medidas governamentais mais importantes na defesa do meio ambiente. Todavia, a aplicação de tais recursos deve ficar sob o estrito controle e fiscalização da comunidade.

            O Fundo de Defesa dos Direitos Difusos tem a finalidade primordial de viabilizar a reparação dos danos causados ao meio ambiente e demais interesses difusos e coletivos (artigo 1º, §1º, da Lei nº 9.008/95).

            Conforme lecionado por Mazzilli (2003, p. 431), "se possível, o próprio bem lesado deve ser reparado; em caso contrário, o dinheiro da condenação poderá ser usado para preservar ou restaurar outros bens compatíveis". Em decorrência, explica o jurisconsulto que a doutrina brasileira refere-se ao FDD como fluid recovery, ou seja, alude ao fato de que deve ser usado com certa flexibilidade, para uma reconstituição que não precisa necessariamente, e às vezes nem mesmo pode ser, a exata reparação do bem lesado.

            Neste sentido, caso seja impossível ou inviável a reconstituição do bem ambiental, preleciona Milaré (2002, p. 258):

            a indenização equivalente à lesão produzida deverá reverter em algum benefício ao meio ambiente, podendo ser canalizada para a reposição ou recomposição de outros bens, que não os efetivamente lesados. Estamos, então, no terreno da chamada fluid recovery, exatamente porque deixa de haver um vínculo, direto e indissociável, entre o quantum debeatur e o bem objeto da degradação e entre a eventual indenização e as vítimas originárias (não identificadas) do comportamento. Eventual reparação é utilizada para fins diversos dos ressarcitórios, mas conexos com os interesses da coletividade.

            Em que pese a finalidade inicial do Fundo tenha sido a reversão dos recursos para a recomposição do patrimônio ambiental lesado, bem como para restaurar outros bens difusos e coletivos, gradativamente, sua destinação tem sido ampliada, podendo ser usados para recuperação de bens, promoção de eventos educativos e científicos, edição de material informativo relacionado com a lesão, bem como modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas à defesa do interesse envolvido (artigo 1º, §3º, da Lei nº 9.008/95).


9 Conclusão

            Conquanto o processo de evolução dos direitos fundamentais do homem tenha buscado cada vez mais a preservação da vida digna e sadia de todos que habitam o planeta, verifica-se, no percurso da história da humanidade, uma imensa usurpação dos recursos naturais ocasionada pelo capitalismo desenfreado.

            Neste diapasão, surgiu a necessidade de se positivar o meio ambiente, direito difuso imprescindível à vida com qualidade e dignidade, buscando haver a aplicação de princípios, bem assim de condutas e medidas, que objetivam a proteção e reparação do ambiente que esteja na iminência de ser lesionado ou que já tenha sido degradado.

            Assim sendo, a Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) representou um grande impulso na defesa dos direitos transindividuais.Posteriormente, o legislador constituinte de 1988, de forma inédita e primordial no cenário nacional, passou a admitir a tutela do meio ambiente como direito fundamental de uso comum da coletividade, estabelecendo no Título VIII, Capítulo VI, da Carta Magna, as respectivas diretrizes profiláticas.

            Mister salientar que com o advento da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), houve a definição dos direitos metaindividuais como difusos, coletivos e individuais homogêneos.

            Assim, verifica-se que com o passar dos tempos houve uma modernização da tutela de direitos, distanciando a ótica individualista e constituindo relevantes instrumentos de defesa dos interesses transindividuais em juízo.

            Com isso, o Direito Ambiental encontra respaldo em todo o ordenamento jurídico pátrio, sendo de suma importância a aplicação de seus princípios para a efetivação de sua preservação e reparação.

            Por conseguinte, mister a utilização de eficientes ferramentas de atuação da sociedade em prol dos direitos em massa, mormente no que tange à ambiência, tendo por finalidade a condenação dos responsáveis à reparação do ambiente degradado.

            Na hipótese, prefere-se o cumprimento específico da condenação, pretendendo voltar o bem ao status quo ante, o que, em questão ambiental, é na maioria das vezes inviável ou impossível. Caso assim seja, as formas de composição do dano ambiental em voga centram-se na recuperação ou reconstituição do ambiente lesionado, ou ainda, na indenização, o que não tem o poder de substituir o ambiente ao seu estado equilibrado anterior.

            Ressalta-se que por ser o meio ambiente um bem de suma relevância para a sobrevivência do planeta e de todos que aqui habitam, a responsabilidade de recuperar e/ou indenizar os danos causados compete a todo aquele que o polui ou degrada, independente de ser pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, não se admitindo, inclusive, a invocação das tradicionais cláusulas excludentes da obrigação.

            Para que haja a responsabilização do predador do ambiente, basta que exista o nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o dano, independente da existência de culpa, não se atendo, portanto, à conduta subjetiva do degradador.

            Considerado o meio ambiente direito difuso por excelência, caso seja imposto ao poluidor condenação em pecúnia, tais recursos devem ser revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, possibilitando a efetiva reconstituição dos bens lesados.

            Destarte, diante das mencionadas ilações, a ciência do Direito Ambiental traz mecanismos que visam evitar ou fazer cessar os danos e riscos ao meio ambiente, bem como sua prevenção e reparação, consolidando-se em uma magnífica e eloqüente forma de responsabilidade objetiva e solidária.


Referências

            ABELHA, Marcelo. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

            ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

            ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

            BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

            FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

            ______; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997.

            JUCOVSKY, Vera Lucia Rocha Souza. Considerações sobre a ação civil pública. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 6, p. 43-61, abr./maio/jun. 1997.

            MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

            MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

            MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

            MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

            MILARÉ, Édis. A ação civil pública por dano ao ambiente. In: ______ (Coord.). Ação civil pública Lei nº 7.347/1985 – 15 anos. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 140-261.

            ______. Direito do ambiente. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

            MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992.

            RODRIGUEIRO, Daniela Aparecida. A responsabilidade objetiva pura em face da integral reparação do dano ambiental como pressuposto da dignidade da pessoa humana. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (Coord.). Direito e responsabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 363-395.

            SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994.

            SILVA, Luiz Renato Siqueira. Princípio da precaução. Revista Maçônica A Verdade, São Paulo: Glesp, n. 446, p. 20-25, jan./fev. 2005.

            SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2000.


Notas

            01

Art. 81, parágrafo único, I, CDC. "interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato".

            02

Art. 81, parágrafo único, II, CDC. "interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base".

            03

Art. 81, parágrafo único, III, CDC. "interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum".

            04

Sobre o princípio do Desenvolvimento Sustentável: ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 20; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 115; MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 121; e SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 41.

            05

Com relação ao princípio do Acesso Eqüitativo aos Recursos Naturais, consulte: SILVA, op. cit., p. 41.

            06

Prelecionam também a respeito do princípio do Usuário-Pagador e Poluidor-Pagador: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 26; FIORILLO e RODRIGUES, op. cit., p. 120; MILARÉ, op. cit., p. 116; MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 36.

            07

Sobre o princípio da Precaução vide: ANTUNES, op. cit., p. 34.

            08

Cf. ANTUNES, op. cit., p. 36; FIORILLO e RODRIGUES, op. cit., p. 140; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 72; MILARÉ, op. cit., p. 117; e MUKAI, op. cit., p. 35.

            09

Sobre o princípio da Reparação: MACHADO, op. cit., p. 74.

            10

Vide também: FIORILLO e RODRIGUES, op. cit., p. 143; MILARÉ, op. cit., p. 115 e 124; MUKAI, op. cit., p. 36; e SILVA, op. cit., p. 42.

            11

Com relação ao princípio da Informação: MACHADO, op. cit., p. 76; e SILVA, op. cit., p. 42.

            12

Cf. FIORILLO, op. cit., p. 41; e FIORILLO e RODRIGUES, op. cit., p. 148.

            13

Vide também: MILARÉ, op. cit., p. 114.
Sobre a autora
Elise Mirisola Maitan

advogada, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAITAN, Elise Mirisola. Ensaio do direito ambiental e sua abordagem principiológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1528, 7 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10387. Acesso em: 30 abr. 2024.

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