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O histórico da terceirização no Brasil

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Agenda 05/05/2023 às 11:26

Faz-se uma análise sistemática do histórico da terceirização de serviços nacional e internacionalmente, como forma de subsidiar melhor compreensão acerca do tema.

A terminologia terceirização surgiu como um neologismo a partir da palavra terceiro, compreendido como o ente que entra como nova pessoa na relação de emprego1. Em palavras superficiais, a Relação Terceirizada de Trabalho se caracteriza – diferentemente da Relação Tradicional de Emprego – como uma triangulação no trabalho, isto é, insere-se um novo indivíduo na relação pessoal de labor, o que permite a formação de uma pirâmide de três entes – empregado terceirizado, empresa tomadora e empresa prestadora de serviços.

O triângulo da relação terceirizada de labor, assim, configura o modelo trilateral da relação socioeconômica e jurídica, diferentemente do caráter estritamente bilateral em que se funda a relação tradicional de emprego. O que ocorre é uma dissociação entre a relação econômica (estabelecida junto à empresa tomadora de serviços) e a relação jurídica de emprego (estabelecida com a empresa prestadora).2

Para Alice Monteiro de Barros3, pode-se conceituar terceirização como o ato de “transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendendo-se a empresa tomadora à sua atividade principal. Assim, a empresa tomadora se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio.”

Tal modelo de relação de trabalho não é novo em nosso ordenamento, conforme veremos no próximo tópico, e desde o seu surgimento causa diferentes reações aos operadores do direito, desde contrárias a favoráveis à estrutura triangular da Terceirização de serviços.


1. Histórico

1.1. Surgimento

As relações terceirizadas de trabalho surgiram nos Estados Unidos, durante a recuperação da indústria durante a Segunda Guerra Mundial.4 As empresas tinham de se concentrar na produção bélica, notadamente de projéteis e armamentos que seriam utilizados pelas forças dos Aliados. Neste período, as indústrias de armamento não tinham capacidade pessoal de suprir as necessidades bélicas do mercado, decorrentes da guerra em curso.

Nesse contexto, Ophir Cavalcante Junior5:

A terceirização originou-se nos Estado Unidos, logo após a eclosão da II Guerra Mundial, pois as indústrias bélicas tinham que se concentrar no desenvolvimento da produção de armamentos e passaram a delegar algumas atividades a empresas prestadoras de serviços. Alguns seguimentos no Brasil, como a indústria têxtil, a gráfica se utilizaram da contratação de serviços.

Dessa forma, à época restou evidente a necessidade de concentração da mão produtiva principal das empresas na confecção de subsídios de guerra, de modo que algumas outras atividades – de suporte, secundárias em relação à principal – passaram a ser delegadas para empresas terceiras, prestadoras de serviços específicos, por meio de seus próprios empregados.

Passado este período, a técnica da terceirização6 continuou a ser utilizada ao longo do tempo nos países industrialmente competitivos, especialmente a partir da internacionalização das empresas multinacionais. Isto, pois chegou-se à conclusão de que a transferência para terceiros da execução de atividades consideradas secundárias à principal aumentaria a produtividade, tornando o mercado mais ágil e eficaz.7

Neste ínterim, surgiu o modelo toyotista de horizontalização da empresa, que visava a elevar a produtividade do trabalho e a capacidade de adaptação por parte da empresa a contextos de competitividade econômica.8

A utilização de tal modelo consolidou-se mundialmente em meados da década de 1980, sob a ótica de que, nesse modo de gestão empresarial, reduziam-se os custos de mão de obra e se garantiam aumentos em termos de especialização de serviços, qualidade e eficiência. Ademais, o outsourcing9 ocasionava um aumento da competitividade, de forma consequente ao crescimento da produtividade das empresas.

Dessa forma, diante de tais aspectos considerados à época positivos da contratação de serviços de terceiros, a terceirização difundiu-se ao redor do mundo de forma progressiva, principalmente após o surgimento do modelo toyotista.

No Brasil, de igual forma, a mão de obra terceira foi implantada de forma lenta e gradual, conforme se analisará no próximo tópico.

1.2. Terceirização no Brasil

A implantação da terceirização no Brasil seguiu o fluxo internacional pós Segunda Guerra Mundial, notadamente a partir do desenvolvimento da indústria automobilística nacional, em meados do século XX. Nessa época, todas as peças dos automóveis comercializados no país eram produzidas em outros países, e apenas a montagem do produto era realizada em solo brasileiro. O intuito da aplicação do modelo terceirizante emergente era, à época, a redução de custos com a produção.

Com efeito, o mercado interno brasileiro encontrava-se em um momento favorável para a tímida adoção da emergente terceirização de serviços. No entanto, o modelo básico de organização das relações de produção nacionais continuou atrelado ao vínculo bilateral empregado-empregador, sem que houvesse um significativo aumento, no mercado privado brasileiro, da relação empregatícia triangular da terceirização.10

De tal modo, observamos que a terceirização teve sua propagação iniciada no Brasil de forma modesta, lenta e gradual. Pode-se inferir isto, inclusive, a partir do fato de que a CLT, em sua redação original, tratou da subcontratação de mão de obra em apenas duas oportunidades: a empreitada e a sub-empreitada, figuras estas que podem ser confundidas como o início da terceirização no País.

Tal espécie de subcontratação de mão de obra, trazida pelo art. 455. da CLT, permite a subcontratação de operários pelo empreiteiro principal, dono do empreendimento. Determina o dispositivo legal11 supracitado:

Art. 455. - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.

O intermediador, com isso, seria o subempreiteiro, aquele que estaria obrigado para com as obrigações trabalhistas do trabalhador subcontratado, com a previsão de responsabilidade subsidiária12 do empreiteiro principal em caso de inadimplemento daquele13.

A previsão acerca da subempreitada do art. 455. da CLT foi a única hipótese expressa de terceirização constante no nosso ordenamento jurídico, no interregno entre a criação da legislação celetista - em 1943, no governo de Getúlio Vargas -, até o surgimento do Decreto-Lei nº 200/67.

Em seu art. 10º14, o referido Decreto-Lei tratava apenas do fenômeno da terceirização no âmbito do setor público, notadamente com relação à Administração direta e indireta do país. Assim dispunha:

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Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. (grifo nosso)

A partir da leitura do transcrito artigo, nota-se a visível intenção da Administração Pública de descentralizar determinadas atividades, objeto de execução indireta, sob a justificativa de evitar o crescimento desmensurado da máquina estatal.

De igual forma, determinou a Lei nº 5.645/7015 - no parágrafo único de seu art. 3º - que seriam compreendidas por atividades objeto de execução indireta aquelas relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas. Vejamos:

Art. 3º Segundo a correlação e afinidade, a natureza dos trabalhos, ou o nível de conhecimentos aplicados, cada Grupo, abrangendo várias atividades, compreenderá

(...) Parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acôrdo com o artigo 10, § 7º, do Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967.

Em momento posterior, em meados da década de 70, sobreveio o primeiro instrumento normativo a tratar de forma específica da terceirização no setor privado da economia: a Lei do Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/74). Em seu texto, a norma trazia a previsão de utilização do trabalho terceirizado no trabalho temporário, exercido por meio de contratos com cronologia determinada.

Especificamente, a lei nº 6.019/74, em seu art. 2º, autorizava a intermediação de mão de obra para atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente do tomador de serviços. Além, previa também a possibilidade de aumento temporário no quadro de funcionários em casos de acréscimo extraordinário de serviços, como ocorre, no âmbito do comércio, em épocas festivascomooNatal eaPáscoa.16

Exigia-se, formalmente, que o contrato de trabalho temporário fosse firmado por escrito pelo empregado e a empresa prestadora. De igual forma, um contrato de natureza civil igualmente deveria ser firmado pelo prestador e pela empresa tomadora de serviços.

Quem detinha a responsabilidade pelo adimplemento das obrigações trabalhistas decorrentes do trabalho temporário, segundo a ótica da legislação de 1974, era a empregadora real do empregado temporário, a empresa especializada em prestação de serviços. Porém, a lei previa que, no caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora seria solidariamente responsável pelas obrigações laborais decorrentes do tempo em que o trabalhador tenha estado sob suas ordens.17

Apesar de todas as considerações feitas acima, o ponto mais importante aqui se encontra no fato de que foi somente com o advento da Lei em comento que se previu a possibilidade de terceirização de serviços por meio de empresa interposta no setor privado.

Conforme ensina Vólia Bonfim Cassar18, alguns anos após a edição da Lei 6.019/74, sobreveio a segunda terceirização regulamentada e autorizada por lei específica, prevista na Lei 7.102/8319.

A partir da referida legislação, autorizou-se a contratação de trabalho terceirizado no âmbito dos serviços de segurança e vigilância bancários.20 Diferentemente da Lei nº 6.019/74, a legislação de 1983 autorizava a terceirização dos serviços de segurança privada em caráter permanente.

Um caráter interessante trazido pela Lei nº 7.102/83 paira na intenção do legislador de restringir a contratação de vigilantes21 apenas a determinadas empresas especializadas em segurança privada, o que, por si só, impossibilitava a contratação de um vigilante diretamente por uma pessoa física, por exemplo. Assim, o trabalhador terceirizado de segurança só podia ser contratado pelas pessoas mencionadas expressamente na lei.22

Nos últimos trinta anos, o mercado interno passou a incorporar a contratação de mão de obra terceira com frequência, para atender as demandas da indústria e comércio. Com efeito, a terceirização no Brasil entrou em estado de ebulição. Conforme leciona o mestre Maurício Godinho Delgado23, inclusive, esse movimento terceirizante se deu “... independentemente da existência de texto legal autorizativo da exceção ao modelo empregatício clássico.”

Assim, apesar da edição de regulamentações sobre o assunto nas Leis 6.019/74 e 7.102/83 - sobre trabalho temporário, com previsão da subcontratação de trabalhadores temporários, e sobre terceirização de atividades de vigilância no setor privado, respectivamente -, tais instrumentos normativos foram escassos e insuficientes para suprir o crescimento desenfreado da adoção da relação terceirizada de trabalho.

Como exemplo do crescimento da adoção da terceirização à época, temos a ampla utilização da mão de obra terceirizada nos setores de conservação e limpeza, mesmo sem haver autorização legal para tanto.

Mesmo diante da necessidade de edição de uma legislação geral sobre o assunto, tivemos um limbo legislativo sobre o trabalho terceirizado nas décadas seguintes. A dúvida pairava sobre os alcances da terceirização no mercado privado, notadamente sobre quando se poderia terceirizar e quais atividades que permitiam a adoção de tal prática.

Como forma de suprir a lacuna legislativa existente, a jurisprudência trabalhista utilizou, no período, diversas interpretações para resolver casos práticos envolvendo o crescente tema24. Essas construções jurisprudenciais foram fundamentadas com base na precária legislação existente, escassa e superficial, conforme anteriormente analisado.

Com efeito, o grande número de posicionamentos da magistratura trabalhista, dada a falta de uniformização, gerou grande insegurança jurídica aos operadores do direito, no início da década de 1980.

Na tentativa de solucionar o impasse existente, e consequentemente unificar a orientação dos tribunais do trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado nº 256/86, o qual restringia fortemente as hipóteses consideradas lícitas para a adoção do modelo terceirizante no mercado privado. Assim determinava o referido entendimento sumular:25

Salvo os casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74 e 7.102 de 20.6.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

Observamos assim que, com a edição do Enunciado nº 256, as hipóteses de contratação de trabalhadores por empresa interposta se limitavam às hipóteses previstas na Lei do Trabalho Temporário de 1974, assim como ao particular caso da contratação de vigilantes, prevista na legislação de 1983. Nessa linha, o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho uniformizou a jurisprudência acerca do tema de maneira bastante limitativa, permitindo-se a terceirização apenas como exceção.

Dessa forma, sendo ilícita a terceirização no caso concreto, invariavelmente se reconhecia por ação judicial o vínculo empregatício. A ideia de que a terceirização é exceção da regra contrato bilateral de empregos, a partir do Enunciado tratado, se manteve fortemente arraigada na doutrina e jurisprudência trabalhistas nos anos seguintes.

O primeiro posicionamento do órgão máximo da Justiça do Trabalho acerca do tema, entretanto, causou polêmicas e foi objeto de críticas por parte dos representantes das empresas e operadores do Direito. Isto se deu, principalmente, pois, conforme tratado anteriormente, a mencionada súmula restringiu as hipóteses de terceirização a um rol taxativo de exceções, com apenas as previsões das Leis nos 6.019/74 e 7.102/83, nada referindo com relação aos institutos do art. 10. do Decreto- lei nº 200/67 e da Lei nº 5.645/70.

Conforme leciona Souto Maior26, como realidade incontestável do atual mundo do trabalho, a terceirização acabou por influenciar os estudiosos do direito, que passaram a se preocupar em criar um padrão jurídico que pudesse ser apto a regular o fenômeno, abandonando, assim, a orientação estampada no antigo En. 256, do TST, que considerava ilícita qualquer intermediação de mão de obra.

Frente a este cenário de insatisfação, o E. TST - em sede de revisão do Enunciado 256 – editou a Súmula nº 331 no ano de 1994. Em contraponto à orientação que lhe era antecedente, o Enunciado nº 33127 era detalhado, composta inicialmente por quatro incisos:

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando- se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo o caso de trabalho temporário (Lei nº 6.109, de 3.1.74).

II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.6.1983), de conservação e limpeza, vem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. (grifo nosso)

Não bastasse, em anos posteriores foram incorporados os incisos V e VI à Súmula28, para determinar que a responsabilidade subsidiária ali tratada também se estenderia à Administração Pública, notadamente aos órgãos de administração direta, autárquica e fundacional, bem como às empresas públicas e sociedades de economia mista.

Neste ponto, por outro lado, alertou o entendimento sumular do E. TST que a responsabilidade da Administração pública não decorre do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. Se tratando de ente público, há de se perquirir se houve conduta culposa no cumprimento das leis, conforme item V da Súmula 331. Fato é que a condenação subsidiária de ente da administração, no caso de subcontratação de mão de obra terceira, tem como suporte a culpa in eligendo, ou seja, a escolha equivocada da empresa prestadora de serviços, mesmo que tal tenha decorrido de procedimento licitatório29, na medida em que a escolha se deu por pessoa jurídica que descumpriu a legislação trabalhista, tangenciando o princípio da função social do contrato (art. 421. do CC)30.

Ainda, além do alcance subjetivo da responsabilidade subsidiária, determinou- se também o seu alcance temporal por meio do inciso VI, que determinou que a responsabilização do tomador de serviços abrange as verbas decorrentes ao período da prestação laboral do empregado terceirizado em suas dependências.

Nota-se, ao se debruçar sobre o Enunciado nº 331, uma espécie de tentativa de resposta, por parte do Tribunal Superior do Trabalho, às duras críticas proferidas ao enunciado anterior.

Com efeito, ao tratar da terceirização das atividades de conservação e limpeza, o colendo TST incorporou ao rol de possibilidades de terceirização as previsões do Decreto nº 200/67 e da Lei nº 5.645. Além disso, em respeito ao art. 37, II, da Constituição Federal31 de 1988, aludiu de forma específica a impossibilidade de contratação de trabalhador pela Administração Pública sem a realização de concurso público.

Por outro lado, o Enunciado em tela fez referência - pela primeira vez na história do direito trabalhista brasileiro - à expressão atividade-meio do tomador, a qual passou a ser, ao longo dos anos em que vigente a Súmula 331, objeto de determinação acerca da ilicitude ou não de determinada atividade terceirizada. Em outras palavras, a partir da redação do inciso III, seria considerada lícita a contratação de trabalhador por empresa interposta para a realização de serviços especializados, ligados à atividade- meio32 do tomador, desde que ausentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego direta com a empresa contratante.

Por atividade-meio, podemos entender o serviço útil para a realização do objeto social da empresa: importante, porém dispensável para a prática da finalidade empresarial. Por atividade-fim, por outro lado, podemos entender o serviço fundamental, indispensável para o alcance do objeto social, podendo-se confundir com ele, em alguns momentos.

Por atividade-meio, entende o mestre Rodrigo Coimbra Santos33 a atividade cuja finalidade é o apoio, a instrumentalidade do processo de produção de bens ou serviços. Seriam, assim, aquelas atribuições não coincidentes com as atividades para as quais foram instituídas as empresas tomadoras de serviço.

Por outro lado, conceitua o jurista Washington Luiz da Trindade34 a atividade- fim como a atividade “... cujo objetivo a registra na classificação socioeconômica, destinado ao atendimento das necessidades socialmente sentidas.”

Continuando, em um conceito mais amplo, o mestre Maurício Godinho Delgado a conceitua como:

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.35

Englobando os dois institutos, entende o doutrinador Sérgio Pinto Martins36:

A atividade – meio pode ser entendida como a atividade desempenhada pela empresa que não coincide com seus fins principais. È a atividade não essencial da empresa, secundária, que não é seu objeto central. É uma atividade de apoio ou complementar. São exemplos da terceirização na atividade – meio: a limpeza, a vigilância, etc. Já a atividade fim é a atividade em que a empresa concentra seu mister, isto é, na qual é especializada. À primeira vista, uma empresa que tem por atividade a limpeza não poderia terceirizar os próprios serviços de limpeza. Certas atividade- fins da empresa podem, ser terceirizadas, principalmente se compreendem a produção, como ocorre na indústria automobilística, ou na compensação de cheques, em que a compensação pode ser conferida a terceiros, por abranger operações interbancárias.

Segundo tais conceitos, um exemplo de atividade-meio seria a atividade de vigilância em um Banco, ao passo que é um serviço útil para a execução do objeto social – controle e administração de valores pecuniários -, porém não indispensável para estes serviços. Por sua vez, a atividade-fim de um posto de combustíveis, por exemplo, pode ser considerada a de um frentista, já que, sem ela, inviável seria a continuação do objeto social.

Prosseguindo-se, a partir da edição da súmula 331, passou-se a tratar da determinação do que seria considerado terceirização lícita, e as hipóteses que acarretam sua ilicitude e descaracterização.

Durante as últimas décadas, a construção jurisprudencial era no sentido de que a ilicitude da terceirização viria com a contratação de mão de obra terceira para realizar serviços ligados ao objeto contratual de determinada empresa, à sua essência. Como consequência, seria considerada ilícita a terceirização de atividades- fim da empresa tomadora de serviços. Ainda, acarretava a ilicitude da adoção do modelo triangular de serviços a caracterização de vínculo empregatício direto com o tomador, isto é, ilícita era a terceirização do empregado diretamente subordinado ao tomador de serviços, prestando trabalho de natureza não-eventual, com pessoalidade e subordinação jurídica ao contratante, mediante contraprestação pecuniária.

A terceirização lícita, por sua vez, era a que estivesse prevista na Súmula nº 331, isto é, o trabalho de vigilância, conservação e limpeza, ou serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. No entanto, não bastava que o trabalho realizado por terceiro fosse secundário ao trabalho principal, devendo-se observar, também, a total ausência de pessoalidade e subordinação direta no serviço. O trabalhador deveria poder ser substituído a qualquer momento pela empresa contratada por outro operário de mesma técnica e expertise, bem como deveria estar subordinado diretamente apenas à empresa prestadora do serviço contratado.

Toma-se como exemplo o estacionamento de um Shopping Center. Via de regra, o serviço de estacionamento dos shopping centers é terceirizado, o funcionário que trabalha cuidando dos automóveis no local é subordinado à empresa prestadora de serviços. O Condomínio do Shopping Center– que é quem o administra, geralmente – não estaria diretamente obrigado para com o operário do estacionamento, apenas subsidiariamente, nos termos da Súmula 331. Entretanto, se no caso concreto quem emanar ordens hierárquicas ao obreiro em questão for a Administração do centro de compras, sendo esta também quem administra os horários dos empregados terceirizados do local, controla seus horários do labor e os adverte disciplinarmente, estaremos diante de um caso de terceirização ilícita, notadamente devido à interposição irregular de mão de obra.

Dessa forma, portanto, não bastava apenas que estivéssemos diante de uma terceirização de atividade-meio para que ela fosse lícita. Além disso, não podia o empregado terceirizado estar subordinado pessoal e diretamente ao tomador dos serviços.

Nesse sentido, afirmava César Reinaldo Offa Basile37, que “terceirização ilícita consiste, pois, na interposição irregular de mão de obra, envolvendo atividade-fim de uma empresa ou atividade-meio, quando exigida pessoalidade e subordinação direta.”

Esse entendimento consubstanciado na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, de que o instituto da terceirização só caberia para os casos elencados na Súmula nº 331, perdurou ao longo dos últimos anos nas Doutrina e Jurisprudência trabalhistas.

Uma das duras críticas, porém, que se fazia com relação ao tema era a de que a terceirização era regulada apenas por meio do entendimento sumular do E. TST.38 Para alguns dos críticos, a atividade legislativa do Poder Judiciário, nesse caso, era motivo de Insegurança Jurídica para os aplicadores do direito e que, diante disto, urgia a edição de uma Lei regulamentária da terceirização. Por muitos anos, assim, os julgamentos acerca da ilicitude da terceirização tomavam como base a Súmula 331 do TST39, conforme exemplo que segue:

RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO DE EMPREGO. CONDIÇÃO DE BANCÁRIO. NORMAS COLETIVAS APLICÁVEIS. É ilegal a terceirização de atividades essenciais da empresa, formando-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços. Súmulas 331, I, e III, do TST. Recurso de revista não conhecido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Nos termos do item I da Súmula 219 do TST, a ausência de credencial sindical obsta o pagamento da verba honorária. Recurso de revista conhecido e provido. Ressalva de entendimento da Relatora.

(TST - RR: 1152120115040027 Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 29/04/2015, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/05/2015)40

A partir dessa ânsia por uma lei regulatória, após muitos debates teórico- legislativos, foi editada a polêmica Lei 13.429/2017, que regulamenta o trabalho temporário41 e normatiza aspectos importantes da Terceirização de Serviços. Posteriormente, ainda, em complementação à reforma feita pela lei acima tratada, a Lei 13.467/2017 – conhecida como Lei da Reforma Trabalhista - acrescentou importantes institutos à Lei 6.019/74, o que motiva o objeto de estudo do próximo capítulo.

A análise acerca da figura da triangulação de serviços tornou-se muito importante com as recentes alterações no direito trabalhista brasileiro, trazidas pela publicação das Leis nos 13.429/17 e 13.467/17.

Nesse sentido, concluiu-se que o novo conceito de relações terceirizadas de trabalho traz mais segurança jurídica aos aplicadores do direito, ao passo que, com o advento dos instrumentos normativos em questão, apesar das críticas quanto ao seu mérito, tem-se a positivação de um tema há muito discutido no ordenamento jurídico brasileiro.

A Lei nº 13.429/17 não permitia, por si só, a contratação de pessoal terceiro para a prestação de serviços relacionados à atividade-fim do tomador. No entanto, a posterior edição da Lei nº 13.467/17 admitiu de forma expressa a terceirização de serviços de forma ampla, para a prestação de serviços relacionados a quaisquer atividades da empresa contratante. A partir disto, a aplicação da Súmula 331 do TST, da forma como proposta, não mais será feita de forma integral, já que agora não há de se falar na distinção entre atividade-fim e atividade-meio como forma de se caracterizar a ilicitude das relações terceirizadas de trabalho.

Pode-se entender o conceito clássico de relação de emprego como parcialmente desconstruído, ante à tendência de que os contratos tradicionais de emprego sofram diminuição em termos de sua adoção, preteridos em comparação às relações terceirizadas de trabalho.

O fenômeno da terceirização de serviços é há muito discutido e foi há pouco positivado. Por isso, os debates sobre ele existentes estão em seu início, e muitas dúvidas surgem a seu respeito. Dessa forma, a intenção do presente trabalho foi a de tentar sistematizar brevemente os novos institutos legais e os debates que surgem a partir deles, de forma a sanar algumas das indagações sobre o novo conceito de relações terceirizadas de trabalho.

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