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Retrocessos, contradições e precarização:

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Agenda 08/10/2023 às 15:05

A Lei 13.467/17 impôs um modelo trabalhista sem legitimidade popular, ignorando as necessidades e as carências da classe mais afetada.

Resumo: O presente ensaio tem por objeto analisar os principais pontos da Reforma Trabalhista ocorrida em 2017, destacando os retrocessos e as contradições que consubstanciam o movimento de precarização das relações trabalhistas no Brasil. Trata-se de abordagem qualitativa e exploratória, realizada sobre a produção bibliográfica pertinente à temática e sobre os institutos normativos que direta e, indiretamente, perpassam pela regulação da relação entre capital e trabalho no Brasil. Com o emprego do método dialético de exposição, revela-se as principais características das mudanças promovidas pela Lei n. 13.467 na Consolidação das Leis Trabalhistas, no âmbito do Direito Individual, do Direito Coletivo e do Direito Processual do Trabalho. Apontam-se, assim, os aspectos preponderantes e prejudiciais sob a ótica do trabalhador, revelando o retrocesso promovido pela reforma, em relação aos Direitos Trabalhistas.

Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Retrocesso. Precarização.


1. Introdução

O trabalho é um instrumento fundamental da construção da sociedade, de maneira que essa metamorfose ainda em curso, principalmente nas últimas décadas, no que tange aos países capitalistas avançados, sofreu repercussões significativas voltadas para uma industrialização em massa com a consequente fragmentação e precarização do trabalho. No Brasil, essas transformações deflagraram uma sucessão de reformas jurídicas orientadas pela criação de um Estado Mínimo e impulsionando medidas de aprimoramento unilateral.

Nesse contexto, a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, consagrada Reforma Trabalhista, alterou inúmeros pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas ( CLT), aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, sob a premissa de modernizar o texto positivado, adequando-o às contemporâneas relações de trabalho. A nova lei trabalhista, modifica, cria e revoga mais de cem artigos e parágrafos da CLT, transformando de modo considerável as relações entre capital e trabalho.

A criação da CLT/1943 apresentou enorme inovação para o país na década de 1940, entretanto, com o decurso do tempo, grupos de empresários e correntes políticas passaram a reconhecê-la obsoleta, ao passo que, em tese, prejudicava os avanços econômicos brasileiros. À vista disso, sob o argumento da indispensável necessidade de movimentação da economia, posicionamentos teóricos foram utilizados para implementação de um projeto de lei inicial, dentre os quais a premência de eliminar a insegurança jurídica; proporcionar a geração de empregos; primar pela não redução de direitos; estimular a atuação sindical; flexibilizar a interpretação legislativa, visando o atendimento amplo às situações concretas; entre outras fundamentações.

No entanto, entre as inúmeras mudanças que a Lei 13.467 acrescentou ao ordenamento jurídico, impera um retrocesso de direitos conquistados pela classe trabalhadora ao longo do tempo, contrariando a “propaganda” disseminada como solução para a crise econômica vigente em que a suposta inovação legislativa reduziria o crescente desemprego e diminuiria conflitos trabalhistas, entre outros supostos “benefícios”. Ademais, a rápida tramitação dessas modificações de tamanha amplitude inibiu a observância da projeção de seus impactos, verificando-se, em algumas situações, conflitos entre dispositivos que impedem a interpretação sui generis.

Dessa forma, ao redefinir bruscamente o sistema de normatização social do trabalho e de sua proteção, desenvolvido no Brasil ao longo de décadas, a reforma, compõe um processo de reorganização do modo capitalista, em que o trabalho é e continua a ser entendido como elemento versátil, ajustado de modo a beneficiar o capital na relação entre capital e trabalho.


2. Contexto histórico da Reforma Trabalhista

O universo trabalhista, fruto de intensas transformações, substitui a produção em série pela flexibilização da produção, adequando-se à nova exigência do mercado. Novos padrões são idealizados na busca pela produtividade afetando a subjetividade dos operários, assim como suas formas de representação, verificando-se nesse novo sistema a desproletarização do trabalho industrial/manual por um lado e a crescente subproletarização de outro, com a fragmentação acentuada e a precarização existente 1.

Destarte, o Direito do Trabalho no Brasil, surgiu no contexto da Revolução Industrial, incentivado pelas transformações que vinham ocorrendo na Europa após a Primeira Guerra Mundial e pela criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919. Uma política trabalhista começa a ser desenvolvida por Getúlio Vargas em 1930, com a criação do Ministério do Trabalho nesse mesmo ano, como resposta à crescente demanda do trabalhador por garantias e por regulamentação de suas relações. Contudo, devido a existência de normas esparsas, que versavam sobre os mais diversos assuntos trabalhistas, surgiu a necessidade de sistematização das mesmas, para tanto, foi publicado o Decreto-Lei nº 5.454 de 1943, com o intuito de consolidá-las 2.

Historicamente, a legislação benéfica ao trabalhador, foi desde o século XIX, obtida para combater a constante dominação entre capital e trabalho, tendo nessa luta coletiva dos hipossuficientes, os sindicatos como instrumento de expressão dessa classe. Entretanto, tendo em vista as crescentes transformações sociais, resultantes de avanços políticos e tecnológicos, com a necessidade de adequação à contemporaneidade, a Lei n.º 13.467/2017 foi elaborada. Essa positivação não excluiu a Consolidação até então vigente, apenas modificou-a com a devida observância à Constituição Federal de 1988.

Com o avanço das novas tecnologias e das formas de organização do trabalho, os operários passaram a arcar com jornadas mais extensas. Segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicados no relatório executivo de 2015, figuravam cerca de 201 milhões de desempregados no ano de 2014, quantia esta superior em 30 milhões à quantia existente no começo da crise mundial de 2008. O modelo trabalhista clássico, que contava com um tempo estável e protegido, cede espaço para outras modalidades de contratação por tempo parcial ou temporário. Conforme o relatório executivo de 2015 publicado pela OIT, tais mudanças visualizadas no meio trabalhista impactam de maneira densa a proteção social do trabalho 3.

Frente a essa crise econômica e social, a Reforma Trabalhista foi apresentada como um possível remédio para solucionar a doença que afetava o país. Essa nova positivação originou-se formalmente com o Projeto de Lei 6.787, apresentado à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo, liderado por Michel Temer em 23 de dezembro de 2016. A mencionada propositura foi realizada por Ronaldo Nogueira de Oliveira, então Ministro do Trabalho do referido governo e também deputado federal à época.

A análise do projeto foi submetida à Câmara que, com as devidas considerações a respeito das modificações legislativas objetivadas, pretendeu a alteração da CLT e da Lei n.º 6.019/74, para além do texto original. A fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho, a Câmara aprovou um texto substitutivo, realizando acentuadas alterações no projeto original. Logo no mês de abril de 2017, o novo texto, de autoria do relator deputado Rogério Marinho, apresentado na Comissão Especial da Câmara, alterou diversos aspectos do projeto primário, contando com mais de 800 emendas, o que resultou em mais de 100 alterações para a CLT 4.

Sendo assim, buscou definir o conceito de grupo econômico; descaracterizar como período à disposição do empregador quando o empregado se mantiver no ambiente de trabalho para a prática de atividades particulares; determinar nova configuração à hierarquia quanto ao cumprimento da norma jurídica; estipular que o sócio retirante deverá responder subsidiariamente, no que tange as obrigações da sociedade, somente em ações ajuizadas em até dois anos após a modificação do contrato; possibilitar que o prazo prescricional de cinco anos se dê ainda na vigência do contrato; aplicar a prescrição intercorrente no processo trabalhista com o prazo de dois anos; e dispor sobre a majoração da multa por empregado não registrado no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).

A modificação realizada pela Câmara também propôs: que a jornada in itinere, tempo dispendido pelo empregado não seria computado na jornada de trabalho; a realização de modificações no regime de tempo parcial em que os contratos com jornada de até vinte e seis horas semanais terão possibilidade de acréscimo; a permissão de extinção do contrato mediante comum acordo; a autorização de ajustes na jornada por outros meios de compensação; tratar da prorrogação de jornada em locais insalubres sem prévia autorização do Ministério do Trabalho; que os prazos de trabalho podem ser prorrogados pelo tempo estritamente necessário por motivo de força maior ou em casos urgentes por serviço inadiável; regulamentar o teletrabalho; a alteração da não concessão ou da concessão parcial do intervalo mínimo de intrajornada; além de manter a disposição acerca dos períodos de férias.

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Para mais, as intensas transformações buscaram definir e tarifar danos extrapatrimoniais; disciplinar quando a empregada deverá ser afastada das atividades insalubres; dispor mediante acordo entre as partes, os horários de amamentação até que o filho complete seis meses de idade; regulamentar a contratação dos autônomos; gerir o contrato de trabalho intermitente; facilitar a livre estipulação de cláusulas, com eficácia legal, quando o empregado com diploma de nível superior perceber salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; criar regras referentes à cessão de empresas ou estabelecimentos; instituir que as importâncias pagas a título de ajuda de custo não integram a remuneração e os encargos consequentes; e estipular que os requisitos caracterizadores de funções idênticas levarão em conta o mesmo estabelecimento empresarial.

Igualmente, o texto que buscava revogar dispositivos da CLT, objetivava também conceder que o empregador reverta a função do seu empregado de confiança ao cargo efetivo; deliberar sobre a não obrigatoriedade de homologação sindical para rescisão dos contratos com mais de um ano de vigência; normatizar sobre a eleição do representante das empresas com mais de duzentos empregados; condicionar à autorização prévia e expressa dos profissionais o desconto de contribuição sindical; priorizar a convenção e o acordo coletivo de trabalho sobre a lei; proibir a estipulação de convenção ou acordo com duração superior a dois anos, vedando a ultratividade; identificar a prevalência do acordo coletivo de trabalho sobre a convenção coletiva; limitar os litígios trabalhistas mediante incentivo à conciliação extrajudicial; implementar requisitos mínimos para a criação de súmulas e enunciados jurisprudenciais, limitando as interpretações do Tribunal Superior do Trabalho (TST); definir como incumbência da parte sucumbente o pagamento dos honorários periciais.

O projeto de lei em estudo, alterou também a Lei 6.019/1974, definindo a possibilidade de prestação de serviços a terceiros na atividade principal; assegurando aos empregados da empresa prestadora de serviços as mesmas condições demandadas pelo trabalho; e impedindo que a pessoa jurídica, cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, possa figurar como contratada.

Por fim, a legislação referente ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Lei 8.036/1990, sofreu adaptações pela nova proposta, na hipótese de extinção do contrato de trabalho seria possível a movimentação do saldo disponível na poupança vinculada do trabalhador. E, ainda, é sugerido a ampliação de despesas não integrantes do salário de contribuição mediante a alteração da Lei 8.212/1991 que dispõe sobre a seguridade social.

Tais alterações passaram a constituir o Projeto de Lei da Câmara nº 38/2017 encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional e aprovado no Senado, funcionando como Casa revisora na hipótese mencionada, sem alterações com relação ao texto apresentado pela Câmara dos Deputados. O projeto é então, distribuído às Comissões de Assuntos Econômicos e de Assuntos Sociais, além da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e posteriormente enviado ao Plenário, necessitando de maioria simples para sua aprovação e prosseguimento à sanção presidencial. Sem a elaboração de emendas o projeto é diretamente enviado ao Presidente da República que sancionou na íntegra o texto de lei em 03 de julho de 2017, com a vacatio legis de 120 dias, entrando em vigor no dia 11 de novembro do mesmo ano. Apesar da complexidade do projeto, a sua tramitação no Congresso se deu de maneira célere, apenas em sete meses após sua tramitação a lei já encontrava-se aprovada.

Diante da vigência da nova lei, foi elaborada a Medida Provisória 808/2017, que alterou variados aspectos do recém publicado projeto. Esta MP decorreu de um acordo entre a Presidência da República e o Senado Federal, com o intuito de garantir a futura discussão de pontos controversos e possibilitar a livre tramitação da proposta. As alterações previstas pela Medida, modificaram a aplicação da Lei 13.467 desde sua publicação, mas conforme determina a legislação brasileira, tal instrumento com força de lei, adotado pelo presidente necessita ser aprovado pelo Congresso, sob pena de perder sua validade. Isto posto, sem a efetiva aprovação da medida, os artigos de lei retrocederam ao teor de origem, tornando ao entendimento primário e implementando conflitos ao Direito do Trabalho.

Com relação a MP proposta, a jurisprudência manifestou-se pela impossibilidade de aplicação da mesma, visto que dentre outras exposições, pretendia ministrar, em sua integralidade, as declarações da Lei nº 13.467 aos contratos de trabalho vigentes. Por esse dispositivo legal, a lei posterior retroagiria às celebrações anteriores, o que contraria os princípios norteadores do ordenamento jurídico, excetuadas as hipóteses de contratos prolongados.

Em suma, essas inovações inseridas apresentaram-se em três planos pactuados: Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. No primeiro plano, as transformações suprimiram ou flexibilizaram variadas parcelas trabalhistas, reduzindo significativamente, o preço do trabalho na economia e na sociedade, em virtude do poder econômico crescente. Em segundo lugar, quanto ao Direito Coletivo do Trabalho, verifica-se o enfraquecimento das entidades representativas sindicais frente a supressão da obrigatoriedade de pagamento a essas instituições, sem um devido lapso temporal para a aplicação desse método. Por último, trata-se de alterações relevantes que atingem à pessoa vulnerável frente ao processualismo constante do Poder Judiciário, dificultando o acesso pleno à justiça, imprescindível ao cotidiano trabalhista 5.

Portanto, ao analisar as mutações processadas no universo trabalhista no Brasil, o aporte histórico demonstra evidente a inconsistência do atual modelo apregoado pela denominada Reforma Trabalhista. É inadmissível que um sistema retroaja a fim de controlar problemas sobrevenientes, uma reforma precisa transformar para melhor, necessita acompanhar os princípios trabalhistas, as premissas específicas do diálogo social e o pressuposto democrático do procedimento legislativo.


3. Aspectos preponderantes da alteração trabalhista

A partir das reflexões dispostas no título precedente, este texto traça as características principais das mudanças promovidas pela Lei n. 13.467 na Consolidação das Leis Trabalhistas, na Lei do Trabalho Temporário, em parte da Lei do FGTS e da Lei Orgânica da Seguridade Social. Esse título busca justamente expor ao leitor as modificações previstas no corpo da lei, observando a dinâmica hermenêutica, os princípios da valorização do trabalho e do emprego, a dignidade da pessoa humana e a justiça social dentre outros.

Nesse sentido, procedendo da problemática proposta, o corrente estudo visa, apresentar as principais inovações encontradas em cada campo jurídico trabalhista, os quais são, a área do Direito Individual do Trabalho, do Direito Coletivo e do Direito Processual do Trabalho, para que possamos mensurar de maneira ampla, os reflexos e repercussões na sociedade brasileira.

3.1. Alterações no direito individual do trabalho

O caput do artigo 4º, sofre a alteração imposta pelo § 2º da reforma, excluindo do tempo à disposição do empregador, o lapso temporal em que o subordinado permanece no estabelecimento, por sua escolha, sem exercer o ofício, tratam-se de situações extraordinárias, que não poderão ser computadas na jornada de trabalho. Além disso, a nova disposição acrescenta um rol ao artigo, estabelecendo situações em que o tempo de permanência do empregado na empresa não será considerado para fins da jornada, como a realização de práticas religiosas, o tempo de lazer, alimentação, higiene pessoal e troca de uniforme. Cumpre destacar que, essa obrigatoriedade da troca de uniforme na empresa tornará a permanência do empregado tempo à disposição.

Do mesmo modo, o regimento trabalhista manifestou a respeito do tempo em que o trabalhador se desloca da sua casa até a efetiva ocupação do posto de trabalho e retorna, ou seja, as horas in itinere. Segundo a modificação acrescentada ao artigo 58, § 2º da CLT, o tempo dispendido neste percurso não será computado na jornada de trabalho e consequentemente na renda percebida pelo mesmo, posição oposta ao diploma antecedente.

A duração do trabalho disposta no artigo 58-A da CLT, foi outro tema que sofreu mutação, pois o regime de trabalho por tempo parcial passou a atingir a jornada de até trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas extras, ou de até vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acrescentar no máximo seis horas suplementares. Nesse viés, ocorreu uma ampliação do sistema, haja vista que no formato jurídico anterior a jornada máxima era de 25 horas semanais, vedadas as horas extras. No mesmo sentido, a disposição acerca das férias foi substituída, permitindo ao empregado, sob regime parcial, a conversão de um terço das férias em abono pecuniário, obedecendo o artigo 130 da Consolidação e revogando o artigo 130-A, que apresentava uma tabela especial para este regime 6.

O caput do artigo 59 foi modificado para corrigir a terminologia “contrato coletivo” pelo devido termo “convenção ou acordo coletivo”. Similarmente, o § 1º do mesmo texto foi retificado, determinando a remuneração da hora suplementar para 50% (cinquenta por cento) superior à hora normal, diferente da antiga estipulação de apenas 20% (vinte por cento) de acréscimo. Na hipótese do § 3º, se houver rescisão contratual sem a devida compensação integral da jornada extraordinária, o subordinado terá direito à percepção das horas extras não compensadas sobre a remuneração na data da rescisão. Quanto ao banco de horas, considerado uma espécie de compensação de jornada aleatória, verifica-se que o § 5º do artigo 59 visou permitir a compensação mediante ajuste por escrito entre empregado e empregador, desde que obedecido o prazo máximo de seis meses.

A lei 13.467/17 incluiu o artigo 59-A, autorizando o acordo escrito entre as partes para a compensação de jornada de doze horas de trabalho seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observando os intervalos necessários para repouso e alimentação. Para mais, o artigo 59-B, adotando o mesmo entendimento, prevê que a prestação de horas extras habituais, além da jornada estabelecida por intermédio de acordo tácito, não pressupõe a repetição do pagamento das horas suplementares à jornada normal diária, desde que não exceda a duração máxima semanal. Sendo assim, o serviço prestado em horas extras habituais não anula o acordo de compensação.

Outro ponto a ser destacado, acrescentado pelo parágrafo único do artigo 60 da CLT, diz respeito ao trabalho extra em local insalubre, o qual expõe ao risco a saúde do subordinado, que se apresenta por excessivo período ao local nocivo. Por essa determinação, é possível a compensação de doze horas trabalhadas por trinta e seis horas de descanso, sem a prévia autorização pelo responsável competente em matéria de higiene e saúde do trabalho. Dessa forma, a nova legislação possibilitou o plantão fixado apenas pelo acordo bilateral escrito, em detrimento de instrumentos coletivos e até mesmo da norma legal específica a depender das situações 7.

Frente as inovações tecnológicas da sociedade, surgiu a necessidade de regulamentar as novas formas de trabalho. Segundo esse novo paradigma, o legislador entendeu pela possibilidade do teletrabalho em que o empregado exerce seus serviços fora das dependências da empresa, com a alternativa de comparecer ao local de trabalho para a realização de atividades específicas, sem descaracterizar o regime de teletrabalho e sem que seja considerado um trabalhador externo. Nesse sistema, o teletrabalhador é supervisionado por meio de mecanismos informatizados de comando que equiparam ao controle presencial, como web câmera, internet, telefone, rádio etc.

Diante disso, a Lei n. 13.467/2017 acrescentou o inciso III no rol de excludentes do artigo 62 da CLT, em que aos teletrabalhadores não se aplicam as regras atinentes à duração do trabalho ali dispostas. A partir disso, os empregados, sem o controle de jornada comum, perderam o direito à hora extra, adicional noturno, intervalos trabalhistas, dentre outros. Dispõe a lei, no artigo 75-C, sobre a necessidade de constar a especificação das atividades a serem realizadas pelo subordinado de modo expresso no contrato individual. Além disso, o § 1º prevê a possibilidade de transferência do regime presencial para o regime de teletrabalho, observado o mútuo acordo entre as partes e conforme o § 2º, a alteração reversa por determinação do empregador poderá ser realizada, desde que garantido o prazo de transição mínimo de quinze dias e contanto que registrado um contrato aditivo, em ambas as hipóteses 8.

Relativamente aos equipamentos e despesas correspondentes a modalidade em foco, o art. 75-D da nova lei estabelece que as mesmas serão previstas em contrato escrito, sem que integrem a remuneração do empregado, isto é, poderá haver o reembolso das despesas arcadas pelo empregado referente ao material, incluindo os riscos com sua saúde.

No que tange ao intervalo intrajornada, o dispositivo incluiu o § 4º ao art. 71, concedendo ao empregado a garantia de receber somente o período não desfrutado, contrariando a súmula 437 do TST. A previsão estabelece que esse intervalo, nos casos de não concessão ou concessão parcial, implica o pagamento apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal. Por sua vez, o parcelamento das férias aumentou para, no máximo, três períodos desde que pelo menos um deles não seja inferior a quatorze dias consecutivos e os demais a cinco dias cada.

A perspectiva do contrato intermitente foi introduzida no artigo 443 da CLT, caracterizado por mesclar períodos de atividade e inatividade, quando o trabalhador não trabalha e não recebe salário, contrariando a visão anterior da CLT em que o tempo à disposição do empregador sempre foi remunerado. Sendo assim, a empresa, ao invés de contratar um empregado para a jornada semanal fechada, fará um contrato sob demanda, no qual o empregado será acionado a depender das necessidades empresariais, podendo aceitar ou recusar o pedido, de modo que receberá apenas pelo período trabalhado.

Ademais, o artigo 452-A, estabelece que o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito com a especificação do valor da hora de trabalho não inferior ao salário mínimo vigente ou ao valor devido aos demais empregados da empresa. Após receber a convocação, o empregado deverá responder em um dia útil, presumindo o seu silêncio como recusa, ao passo que, se aceitar e não comparecer deverá arcar com uma multa equivalente a 50% do valor devido. Conforme o § 6º, ao final de cada período trabalhado o empregado receberá o pagamento imediato da remuneração, do repouso, das férias, dos adicionais e do décimo terceiro salário. Assim, a cada doze meses as férias serão usufruídas sem o pagamento direto, pois a previsão é pela quitação das mesmas de modo proporcional ao fim de cada período.

A Lei 13.467/17 promoveu alterações nos §§ 1º, 2º e 4º do art. 457 da CLT, tratando essencialmente do conceito e da composição do salário, referindo-se ainda, ao pagamento de gorjetas considerada de natureza remuneratória. Em virtude dessas mudanças, a Lei da Organização e do Plano de Custeio da Seguridade Social (Lei 8.212/91) também sofreu ajustes com intuito de reduzir o custo trabalhista do empregador. Dentre as modificações, ressalta-se o § 2º em que o legislador apontou a não incorporação de importâncias, ainda que habituais, a remuneração do empregado como qualquer outra compensação, podendo ser suprimidas unilateralmente.

No âmbito da extinção do contrato de trabalho, procedimentos de homologação pelo sindicato ou pelo Ministério do Trabalho agora se tornam desnecessários conforme o artigo 477. Quanto à extinção por comum acordo, o empregado receberá metade da indenização do FGTS e metade do aviso prévio, se indenizado. Por se tratar de um acordo, algumas parcelas rescisórias são divididas entre as partes e as demais são devidas integralmente, como o saldo de férias, as férias + 1/3 e o décimo terceiro, de modo que o levantamento do FGTS será limitado a 80% dos valores depositados pelo empregador, consequentemente sem o direito ao seguro-desemprego.

3.2. Alterações no direito coletivo do trabalho

À medida que a Lei 13.467/17 dispõe a respeito das normas relativas à representação coletiva dos trabalhadores, resta evidente a intenção contrária ao fortalecimento dos meios de representação coletiva. O primeiro conjunto de alterações encontra-se disposto no Título IV-A, a respeito da representação dos empregados, integrado pelos arts. 510-A ao 510-D. Conforme essa seção, foi institucionalizado no País a Comissão de Representação dos Empregados, para desempenho de suas funções no interior de empresas com mais de 200 empregados. Essa comissão será composta conforme o número de empregados, que a empresa possuir, podendo ser integrada por empregados contratados diretamente pela empresa principal ou por trabalhadores terceirizados com caráter permanente 9.

O texto da CLT estabelece garantia provisória de emprego em benefício dos integrantes da Comissão, assegurando-lhes proteção contra a dispensa arbitrária, sendo que o mandato desses representantes é de apenas um ano, vedada a reeleição. As prerrogativas dessas comissões obreiras intraempresariais, por sua vez, estão detalhadas nos sete incisos integrantes do art. 510-B da Consolidação das Leis do Trabalho.

O Título V da norma trabalhista, compõe o segundo campo de modificações, referente a Organização Sindical, formado pelos arts. 511 ao 610. Tais artigos foram convertidos sob o intuito de remodelar em facultativa a contribuição sindical obrigatória desde 1940. Dessa maneira, a nova redação enfatizou a necessidade de autorização prévia e expressa dos integrantes das diversas categorias, como requisito indispensável para o desconto.

No que concerne a terceira seção de alterações, destaca-se o Título VI das Convenções Coletivas do Trabalho, originalmente integrado pelos arts. 611 até o 625 da CLT. As transições desse capítulo envolvem regras referentes à negociação coletiva trabalhista, salientando a convenção coletiva do trabalho e o acordo coletivo de trabalho. A nova redação, objetiva flexibilizar as possibilidades de direitos previstos em lei que poderão ser reduzidos ou alterados mediante negociação coletiva, o rol exemplificativo disposto no texto normativo, enfraquece o princípio da indisponibilidade dos direitos legais trabalhistas, tendo em vista a prevalência da negociação sobre a legislação. Em contrapartida, o art. 611-B descreve as limitações de negociação coletivas quanto à supressão ou alteração de certos direitos, que embora apresente o termo “exclusivamente” não se trata de um rol taxativo, pelo fato de existirem outros vícios capazes de anular a norma coletiva.

Nesse quadro, o novo § 3º do artigo 614 da CLT buscou regulamentar duas novas restrições a negociação coletiva. Por este dispositivo, não será permitido qualquer estipulação de convenção ou acordo superior a dois anos, além de vedar a ultratividade das normas coletivas negociadas. Dando continuidade, o artigo 620 disserta sobre a hierarquia das normas negociais coletivas, estabelecendo a prevalência do acordo coletivo sobre as cláusulas inerentes à convenção coletiva de trabalho. O texto original determinava a primazia das condições estabelecidas em convenção coletiva quando estas fossem mais favoráveis ao subordinado. Pela nova imposição, percebe-se uma negligência ao princípio da norma mais favorável, pois a ainda que o acordo delibere a respeito de norma que reduza direitos, esta será preponderante 10.

Ainda na esfera coletiva, percebe-se os reflexos da terceirização trabalhista, sistema que, até então, não possuía um diploma legal e específico no país. O novo texto do artigo 4º-A da Lei n. 6.019/74 estabelece o conceito de prestação de serviços a terceiros como a transferência realizada pela contratante da execução de qualquer atividade, incluindo a principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que disponha de capacidade econômica compatível com sua execução 12.

Outra alteração significativa, consiste na discriminação salarial entre os trabalhadores terceirizados e os empregados da empresa contratante, pelo novo regimento, existe a possibilidade de escolha pelas empresas. Assim, apenas a alimentação, serviços de transporte, atendimento médico ou hospitalar foram estendidos, com igualdade de tratamento aos empregados terceirizados.

Outrossim, a referida lei permite o fenômeno da “quarteirização”, em que a empresa terceirizada subcontrata os serviços de outra. Cabe salientar ainda que para configurar a terceirização o vínculo com o tomador de serviços não pode existir, sob pena de caracterizar o liame empregatício. Para mais, segundo este dispositivo, deverá ser obedecido o lapso temporal de 18 meses entre a demissão do trabalhador efetivo e a nova contratação do mesmo como terceirizado. Este critério buscou inibir a dispensa de empregados para posteriormente contratá-los sob o regime de pessoa jurídica, situação que precariza os direitos e garantias do hipossuficiente.

3.3. Alterações no Direito Processual do Trabalho

O Direito Processual do Trabalho regulamenta o acesso à justiça dos indivíduos e das entidades associadas ao universo trabalhista, formalizando sua estrutura e o seu curso processual e judicial na Justiça do Trabalho. Nesse diapasão, o campo do Direito em estudo estabelece regras e princípios que objetivam asseverar o amplo acesso à justiça ao trabalhador, assim como lhe proporcionar uma igualdade material efetiva, equilibrando a desproporcionalidade entre as partes trabalhistas.

Nesse viés, a Lei n. 13.467/2017 implementou uma restrição ao princípio constitucional do acesso à justiça. Essa limitação a empregados, ex-empregados e demais trabalhadores se dá, de um lado, por meio da descaracterização da justiça gratuita, fazendo com que o novo dispositivo seja desfavorável ao hipossuficiente, parte significativa nas relações trabalhistas. De outra forma, a inserção de um sistema de sucumbência recíproca no que tange aos honorários advocatícios proporciona elevado risco econômico e uma incerteza para o ajuizamento de qualquer ação trabalhista 13.

Importa destacar que a descaraterização da justiça gratuita, feita pela reforma, revela um ato discriminatório ao assalariado, mantendo diversos encargos econômicos ao beneficiário da gratuidade durante e após o curso do processo. Por esse novo regime, a figura do beneficiário responde pelo pagamento dos honorários periciais, se sucumbente, no objeto da perícia, estendendo esse mesmo entendimento aos honorários advocatícios devidos, podendo ser executado nos dois anos subsequentes do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a obrigação 14.

Além disso, a nova lei estabeleceu regras censórias nos artigos 793-A ao 793-D, transformando o processo judicial trabalhista em um ambiente de elevado risco para o hipossuficiente, desestimulando a busca da proteção jurisdicional. À vista disso, as inúmeras restrições impostas comprometem o princípio constitucional da eficiência, celeridade e efetividade da prestação jurisdicional previstos no artigo 5º da Constituição como exemplo: o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que suspende totalmente o processo de execução; o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, disposto no artigo 855-B e seguintes; e eliminação da execução de ofício no processo trabalhista conforme expõe Delgado.

Observa-se ainda, a limitação da atuação dos Tribunais do Trabalho (TRT e TST) por meio da contenção da sua função jurisdicional. A princípio, a função interpretativa desempenhada pelos tribunais foi condicionada pelos §§ 2º e 3º do art. 8º da CLT, implicando ofensa a harmonia atribuída aos órgãos do Poder Judiciário pela Constituição. De igual modo, esse controle, por meio dos novos dispositivos do artigo 702 da Consolidação, afetou a criação e a reforma de súmulas e demais enunciados uniformes da jurisprudência.

Ademais, destaca-se a regra geral da competência territorial no processo do trabalho que se dá no local da prestação dos serviços, sendo possível ainda ocorrer no local da contratação. O regimento anterior previa que qualquer arguição de incompetência necessitava do comparecimento do empregador com seu preposto e advogado no juízo incompetente, restando prejudicada a parte que não comparecesse, situação em que se aplicava à revelia. Nesse contexto, a modificação do artigo 800 da CLT, possibilitou que a exceção de incompetência seja alegada por peça autônoma, prestigiando o contraditório e potencializando o acesso à justiça pelo empregador 15.

Apesar do TST reconhecer a aplicação da litigância de má-fé ao processo do trabalho, a penalidade referente ao assunto era mínima em razão da vulnerabilidade do trabalhador. Assim, a partir da Lei 13.467 a parte que agir dolosamente, conforme disposição do artigo 793-A e seguintes da CLT, sofrerá a penalidade do pagamento de no mínimo 1% e, no máximo, 10% do valor da causa que pode ser aplicada de ofício pelo juiz ou a requerimento da parte. Além da multa, o litigante de má-fé também será compelido a pagar indenização sobre os prejuízos referentes ao processo.

Por fim, o artigo 775 da CLT sofre uma alteração para acompanhar o Novo CPC, estabelecendo a contagem dos prazos em dias úteis com a exclusão do primeiro e a inclusão do dia do vencimento. Desse modo, é possível a dilatação, pelo juízo ou por força maior, dos prazos pelo tempo estritamente necessário, bem como a alteração da ordem de produção dos meios de prova, a qual visa adequar as necessidades do conflito.

Em suma, essas limitações ao acesso à justiça, somadas à explicita descaracterização do processo trabalhista e da Justiça do Trabalho como ferramentas de concretização da ordem jurídica, acentuam os regressos promovidos pela nova lei. Essas mudanças remontam um cenário que inviabiliza a reparação de perdas econômicas, jurídicas e sociais mediante o exercício da cidadania processual democrática.

Sobre os autores
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Maria Fernanda Braga e Silva

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Monique Silvia Almeida; SILVA, Maria Fernanda Braga et al. Retrocessos, contradições e precarização:: a certeza do que fica da reforma trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7403, 8 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103989. Acesso em: 22 dez. 2024.

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