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Retrocessos, contradições e precarização:

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Agenda 08/10/2023 às 15:05

4. Aporte crítico à “Deforma Trabalhista”

O capitalismo contemporâneo, esculpido nas últimas décadas, acentuou um viés destrutivo ao trabalhador, haja vista que as manifestações mais marcantes se desenvolvem pela destruição e precarização da força humana prestadora de serviços. Trata-se assim, de uma intensa deterioração dos direitos sociais dos trabalhadores, somado ao combate do sindicalismo classista, da propagação de um subjetivismo e de um individualismo acentuado, traços contrários aos valores e interesses do proletariado 16.

É notório que o ordenamento jurídico, a fim de acompanhar as transformações sociais, não pode manter-se estático. Esta adequação é benéfica, pois ratifica a busca do homem pela otimização de suas relações contemporâneas, sendo assim, reformas legislativas são vistas como artifício hábil a renovação da sociedade. Conforme o dicionário brasileiro dispõe, o termo reforma diz respeito a correção, a modificação de algo para melhor, ou seja, uma reforma busca implementar inovações, corrigindo e melhorando alguma postura anterior 17.

Nesse sentido, por ter a Lei 13.467/17, resultado em uma precarização ao hipossuficiente, quanto aos direitos e proteções anteriormente garantidos, observa-se equivocada a utilização da terminologia reforma para fazer alusão a esse diploma. Dessa maneira, não se trata de mera reforma trabalhista e sim de uma reformulação profunda no modo de ser social, que passa pela destruição das bases jurídicas do Estado de Direito brasileiro, caracterizando uma verdadeira “Deforma Trabalhista”, uma vez que renúncia direitos e retrocede a um momento de desordem no país. Tal entendimento decorre da desarticulação de direitos que promove conjunturas favoráveis apenas a uma das partes do meio trabalhista. Isto posto, os trabalhadores estarão submetidos às inseguranças do mercado e à precarização do trabalho, observando-se um contexto prejudicial ao trabalhador.

Uma das hipóteses alteradas pela referida Lei, prejudiciais ao trabalhador, se refere a desconstrução de direitos, pois propõe a subordinação dos mesmos a negociação coletiva e individual em detrimento do que é legislado. Isso afronta diretamente a ideia de um Estado Social, pelo qual a vontade dos sujeitos não deve imperar sobre o acordo de solidariedade existente para instituir um nível civilizatório mínimo. Ressalvado o rol de direitos dispostos no art. 611-B da CLT, percebe-se uma ruptura com os direitos e garantias protetivas ao trabalho baseados na CF, nas normas internacionais consolidadas e na legislação federal trabalhista. A nova lei pressupõe uma rejeição ao princípio da adequação setorial negociada, pois busca afastar a participação estatal de controle aos preceitos trabalhistas.

Ao mesmo tempo, sob a justificativa de modernizar as relações de trabalho, o novo regramento favoreceu a classe empresarial, sintetizando os custos que proporcionavam estabilidade e segurança ao trabalhador. Diante disso, as regulamentações propostas no âmbito do trabalho temporário, terceirizado, jornada parcial, assim como a instituição de uma nova forma de contrato, qual seja, a do trabalho intermitente promovem uma desconstrução do mercado de trabalho, haja vista que propaga contratos atípicos, propiciando a informalidade, a terceirização e a precarização.

Como uma espécie de contrato que se contrapõe ao acordo de trabalho indeterminado, o trabalho temporário estimula a rotatividade do mercado, reduzindo os custos de admissão e dispensa de funcionários, ao passo que inviabiliza a ascensão profissional do trabalhador. A responsabilização patronal, se vê dizimada nessa situação, visto que a mesma é transferida ao subordinado, que além disso enfrenta a supressão de garantias e estabilidades.

A terceirização, por sua vez, segue a racionalidade econômica típica do capitalismo, utilizada principalmente devido a sua redução de custos, ganho de tempo e aumento da produção. Observa-se que a terceirização e a precarização são institutos indissociáveis, visto que essa realidade se encontra presente, em sua maioria, nos segmentos econômicos de fragilização do meio ambiente trabalhista, em que há maiores riscos de adoecimento da classe laboral. Além da expansão provocada, que ampliou a terceirização para as atividades-fim, verifica-se a permanência do controle patronal na determinação do produto ou serviço sobre a contratada. Assim, a terceirização da atividade principal, com responsabilidade subsidiária do tomador, coloca em risco a qualidade dos serviços oferecidos, pois são executados por operários que não se encontram dirigidos pelo próprio tomador, de modo que o trabalhador, o consumidor e a sociedade em geral sofrem suas consequências desse serviço 18.

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A proposta de trabalho intermitente procurou desfazer direitos e garantias justrabalhistas significativas à estrutura do Direito do Trabalho, as quais são: a percepção da duração do trabalho e a noção de salário. Nesse sentido, permitir que o trabalho seja realizado de tempos em tempos, sem a prerrogativa mínima de um salário mensal e sem a estabilidade mínima de dias trabalhados, remete ao empregado os riscos do contrato, equiparando o mesmo ao autônomo. Sendo assim, o vínculo do trabalhador com seu processo de trabalho é reduzido, provocando excessivos prolongamentos de jornadas e ausência de continuidade das atividades.

Outro ponto crucial decorrente dessa mudança, diz respeito a fragilização dos sindicatos porquanto os afastam de seus associados. Devido esta fragmentação da classe trabalhadora e a facultatividade da contribuição obrigatória, o papel do sindicato nas negociações coletivas e nas homologações das rescisões contratuais torna-se trabalhoso. Por esse novo entendimento, o poder e a força dos sindicatos encontram-se afetados, inviabilizando a existência de entidades representativas no país. Dessa forma, sem o apoio do sindicato, os trabalhadores carecem de instrumentos que possibilitam verificar o cumprimento de seus direitos na íntegra 19.

Com o advento da lei, verifica-se a vulnerabilidade prestacional da Justiça do Trabalho, obstaculizando o acesso à mesma e limitando a atuação dos tribunais. Nesse sentido, os altos custos e o risco conferido aos beneficiários da justiça gratuita, afastam o trabalhador da busca pelos seus direitos. Esses novos critérios de interpretação judicial restringem a elaboração de súmulas e outros enunciados jurisprudenciais pelo TRT e pelo TST. Logo, a Lei 13.467 encontra-se ultrapassada, pois atende exclusivamente os desejos do capital ignorando os valores consagrados pela CF.

Em suma, essa “deforma” reprime as perspectivas de futuro da classe trabalhadora, fenômenos como a “pejotização” e a “uberização” estimulam a contratação atípica e introduzem expressões de um mercado cada vez mais precarizado. A ampliação da vulnerabilidade, a deteriorização das condições de vida e de trabalho, o comprometimento das finanças públicas e a desestruturação do universo social sujeitam o trabalhador às oscilações do capital, fomentando a desigualdade e a exclusão social.


5. Considerações finais

A contribuição histórica é fundamental para visualizar a necessidade de transformação de uma lei segundo a evolução da sociedade, contudo, é imprescindível que se mantenha o respeito às normas vigentes, assim como aos princípios éticos inerentes ao Estado Democrático de Direito. Tendo em vista o acelerado tramite da Lei 13.467/17, observa-se que a ausência de planejamento denota uma afronta ao ideal civilizatório mínimo proposto pela Constituição de 1988, uma vez que não obedeceu ao debate necessário, considerando as propostas apresentadas pelos grupos sociais envolvidos, bem como o lapso temporal esperado, quando comparado ao tempo de discussões para a elaboração do Código Civil de 2002 e de outras alterações legislativas.

Com a reforma vislumbrou-se um aquecimento da economia e uma ascensão das finanças, provocando a redução do desemprego diante da crise vivenciada pelo país. Em contrapartida, instaurou-se uma realidade de desemprego estrutural, com ampliação da terceirização, instituição do trabalho intermitente e fragilização dos sindicatos representativos. À vista disso, observa-se o prevalecimento dos anseios capitais e empresariais sobre a classe operária; dentre outras manifestações contrárias ao principal destinatário da Lei trabalhista.

Em virtude dos fatos supracitados, constata-se que o legislador, ao elaborar a Lei 13.467/17, impôs um modelo trabalhista sem a devida legitimidade popular, ignorando as necessidades e as carências da classe mais afetada. Portanto, a “deforma” implementada constitui um verdadeiro retrocesso, caracterizado por uma crise institucional que atinge não apenas o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, mas o tecido social brasileiro, uma vez que promove uma distorção do conceito das normas que disciplinam a sociedade.


6. Referências Bibliográficas

  1. ANTUNES, Ricardo Luis Coltro. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2.ed., 10. reimpr. rev. e ampl. - São Paulo, SP: Boitempo, 2009.

  2. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 25. ed. - São Paulo: Atlas, 2009.

  3. Organização Internacional do Trabalho (OIT). Panorama laboral 2015. Lima: Oficina Regional para America Latina y el Caribe, 2015.

  4. SEVERO, Valdete Souto; MAIOR, Jorge Luiz Souto. Manual da reforma trabalhista: pontos e contrapontos. Organizadores Afonso Paciléo Neto, Sarah Hakim; prefácio Lívio Enescu. – São Paulo (SP): Sensus, 2017.

  5. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.

  6. CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2017.

  7. CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2017.

  8. CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2017.

  9. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

  10. CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2017.

  11. SEVERO, Valdete Souto; MAIOR, Jorge Luiz Souto. Manual da reforma trabalhista: pontos e contrapontos. Organizadores Afonso Paciléo Neto, Sarah Hakim; prefácio Lívio Enescu. – São Paulo (SP): Sensus, 2017.

  12. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

  13. SEVERO, Valdete Souto; MAIOR, Jorge Luiz Souto. Manual da reforma trabalhista: pontos e contrapontos. Organizadores Afonso Paciléo Neto, Sarah Hakim; prefácio Lívio Enescu. – São Paulo (SP): Sensus, 2017.

  14. CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2017.

  15. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? : ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11 ed. São Pulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2006.

  16. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio : o dicionário da língua portuguesa. Coordenação de edição Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreira – 6. ed. rev. e atual – Curitiba: Positivo, 2005.

  17. CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2017.

  18. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

Sobre os autores
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Maria Fernanda Braga e Silva

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Monique Silvia Almeida; SILVA, Maria Fernanda Braga et al. Retrocessos, contradições e precarização:: a certeza do que fica da reforma trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7403, 8 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103989. Acesso em: 17 nov. 2024.

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