6. A DISCIPLINA JURÍDICA DE INSTRUMENTOS PROCESSUAIS ELETRÔNICOS
Os atos processuais por meio eletrônico já foram vislumbrados quando da elaboração da nova redação do art. 170 do Código de Processo Civil – resultado da reforma processual de 1994 –, segundo Marcacini, pois a expressão "uso de outro meio idôneo" em juízos e tribunais incluiria a eletrônica lastreada em mecanismos confiáveis. [129] A recente Lei Federal nº 11.341/2006, a seu turno, alterou o parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil, autorizando a prova de divergência jurisprudencial por meio de decisões constantes de meios eletrônicos. Ademais, dispositivos como as Leis Federais nos 10.259/2001 e 11.280/2006, adiante analisadas, igualmente caminham no sentido da aceitação de meios eletrônicos no processo. Não obstante, muitas vozes têm questionado a aplicação dessa via ao processo judicial, demonstrando várias opiniões e preocupação com a situação de princípios processuais como a documentação escrita.
Fato é que em breve os documentos eletrônicos deverão ser a regra – trata-se, talvez, da maior esperança para a celeridade e a efetividade que as reformas pelas quais vem passando a carta processual civil tanto desejam –, pelo que regulá-los se mostra essencial, em que pese a possibilidade de enxergá-los sob as normas atuais. [130]
A indispensabilidade dessa regulamentação já foi sentida quando a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a possibilidade do uso de correio eletrônico para os fins da Lei Federal nº 9.800/1999 no Recurso Especial 594.352/SP. Entendeu-se que inexistiria regulamentação sobre o tema, tampouco técnica para verificar a idoneidade do documento e de seu subscritor. [131]
Além de inexistirem normas federais para regulamentar a informatização – o que acaba por ampliar o campo de liberdade dos tribunais com espeque no parágrafo único do art. 154 do Código de Processo Civil –, a legislação atual contém certos requisitos frontalmente incompatíveis com os instrumentos eletrônicos, mesmo considerando-se que a lei brasileira adota o princípio da liberdade de forma – consubstanciado no art. 332 do Código de Processo Civil –, como no caso do testamento particular, que só poderá ser escrito de próprio punho. Do mesmo modo, a regra do art. 1.525 do Código Civil, no qual se consigna a necessidade de firma manuscrita para requerer habilitação para casamento. Diante de regras com essa característica, Greco explica que serão mais facilmente substituíveis por seus correspondentes eletrônicos aqueles documentos para os quais a assinatura seja o único foco de autenticidade. [132]
Segundo Cabral, inexistindo norma específica tratando dos documentos eletrônicos, dever-se-á aplicar a eles o Código de Processo Civil. [133] Com base nesse entendimento, a título exemplificativo, Marcacini ensina que, no que se refere ao ônus da prova em sede de argüição de falsidade de chave pública, [134] ter-se-ia hipótese de contestação de autoria do documento. Tomando por base o art. 389, II do Código de Processo Civil, competiria à parte produtora do documento provar a autenticidade da chave, assim como na argüição de falsidade de assinatura em documento tradicional. [135] Noutro passo, sendo argüido o uso indevido de chave pública autêntica por terceiros, o ônus da prova caberá a quem defender tal tese.
Ressalvadas são as regras da carta processual civil que não se harmonizam com a natureza de tais inovações. [136] Exemplo é o art. 370, III, uma vez que a impossibilidade física de assinar manualmente não necessariamente afasta a capacidade de assinar por meio digital. Outra disposição inaplicável é a que trata do preenchimento abusivo do documento assinado, pois qualquer alteração documental posterior à assinatura eletrônica acaba por invalidá-la. Ainda, não há como se atribuir a documentos eletrônicos não assinados a credibilidade prevista no Código de Processo Civil para os similares em papel, pois aqueles são extremamente vulneráveis. [137]
Questão pertinente diz respeito à cifragem de dados que se mostrarem necessários à instrução processual. Se sua exibição for cabível, podem ser aplicadas as regras presentes atualmente na legislação. Recusando-se a parte de modo ilegítimo a exibir dados legíveis, caberia a pena de confissão ficta; no caso de um terceiro deixar de exibir dados inteligíveis injustificadamente, a única alternativa será a incursão nas sanções do crime de desobediência, pois em princípio medida de busca e apreensão seria inútil. [138]
Ausentes normas jurídicas particulares, poderá ainda o juiz se fundamentar naquilo que ordinariamente acontece, a teor do art. 335 do Código de Processo Civil.
Por certo, muitas mudanças na legislação processual são necessárias, pois, como alertam Lima et al., [139] ela não está pronta para o novo processo que nasce. [140] A automação do processo, a segurança dos dados processuais, a prova documental [141] e questões também delicadas como o conceito de jurisdição deverão implicar em revisão das normas processuais. Lima acrescenta que, para além da modernização dos atos do processo, há regras incompatíveis com a celeridade processual almejada, como o prazo de sessenta dias para contestação da Fazenda Pública, igualmente beneficiada pela agilidade conferida pelo computador. [142]
Corroborando a necessidade de adaptações no Código de Processo Civil em face das inovações tecnológicas, tem-se o exemplo ilustrativo de seu art. 385, segundo o qual a prova por meio de fotografia deverá ser acompanhada do negativo pertinente. O documento eletrônico correspondente a esse tipo de prova – a fotografia digital – sabidamente não se vale de negativos, e não obstante se tornou preponderante até mesmo em países subdesenvolvidos.
Sublinhe-se, quanto a essas mudanças que certamente haverão de ser feitas, a lição de Lima Neto quanto ao documento eletrônico no direito comparado. Relata o autor que no direito alienígena o documento escrito não é tido por referência em relação ao eletrônico, que além do mais tem particularidades no que se refere à técnica informática cuja regulação a interpretação não consegue suprir. [143]
Com efeito, na falta de lei, a incerteza que se instala desestimula o uso dessas novas tecnologias, mais uma razão para que sejam regulamentadas. A necessidade de regulamentação de assinaturas informáticas, a título de exemplo, já foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, em votação unânime:
...Assinatura digitalizada não é assinatura de próprio punho. Só será admitida, em peças processuais, após regulamentada. Equívoco material pela alusão à regulamentação da recente lei viabilizadora do correio eletrônico na prática de atos processuais não é bastante para qualquer mudança no resultado do julgamento. Embargos rejeitados.
(STF, RMS-AgR-ED 24257/DF, Relatora Ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, publicado em 14/02/2003)
Wambier, Wambier e Medina anotam [144] que os atos processuais por meio eletrônico, enquanto sua regulamentação não for projetada para além do art. 8º, § 2º da Lei 10.259/2001, continuarão a ser objeto de discordância, notadamente por ser imperativa disciplina sobre a autenticidade, a integridade, a validade jurídica e a interoperabilidade. [145]
No que se refere aos moldes dessa legislação a ser elaborada, por fim, Lima e Fonseca defendem que a melhor técnica legislativa para autorizar o uso de meios eletrônicos no processo seja genérica, tratando apenas dos requisitos essenciais de segurança sem se referir a técnicas ou métodos específicos. [146]
6.1 LEI FEDERAL Nº 10.259/2001
A Lei Federal nº 10.259/2001, embora se destaque mais nos Juizados Especiais Federais, tem amplo emprego para além destes, como destaca Guedes. A mencionada lei inova ao permitir o recebimento de petições por meio eletrônico (art. 8º, § 2º: "Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico"), desde que haja organização e previsão regimental por parte dos Tribunais Regionais Federais. [147] Dentre os desafios que essa proposta apresenta, na visão do autor, há o horário de expediente previsto no art. 172, § 3º do Código de Processo Civil, que poderá ser repensado – refletindo-se no instituto da preclusão –, com a possibilidade de se receber petições em qualquer horário no protocolo eletrônico.
Nos termos da lei em comento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região implantou o processo eletrônico dos Juizados Especiais Federais de sua região. O sistema, denominado e-proc, busca um processo integralmente digital. A garantia de autenticidade e de origem dos documentos é, nos termos do art. 4º da Resolução nº 13/2004 – que regula o e-proc –, baseada na geração de chaves eletrônicas. [148]
Outros Tribunais Regionais Federais, também em atenção à Lei 10.259/2001, já organizaram serviços de recepção de petições por meio eletrônico. [149]
6.2 LEI FEDERAL Nº 11.280/2006
No Código de Processo Civil, o art. 154 bem dispõe a finalidade instrumental do processo, que garante a aceitação do ato processual realizado em desconformidade com a norma se atingir sua finalidade. A Lei Federal nº 11.280/2006 alcançou a referida regra, nela inserindo um parágrafo único, semelhante a disposições existentes em outros países, que possibilita expressamente a prática – disciplinada por normas regimentais – de atos processuais por meios eletrônicos, "atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil".
Wambier, Wambier e Medina defendem que "a implementação das regras referidas no parágrafo único do art. 154 exigirá novas reformas processuais, tendentes a ajustar não só os aspectos procedimentais, mas também questões relacionadas aos institutos fundamentais do direito processual civil e ao denominado ´´e-processo´´". [150]
Diante das técnicas dessa natureza já postas em prática, como os juizados virtuais, necessário se faz verificar o respeito à sistemática da ICP-Brasil – analisada logo a seguir – por tais implementações. [151]
7. A ICP-BRASIL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.200/2001
Cumpre inicialmente consignar o entendimento de Reinaldo Filho, para quem infra-estrutura de chaves públicas é "um conjunto de regimes normativos, procedimentos, padrões e formatos técnicos que viabilizam o uso em escala da criptografia de chaves públicas em rede digital aberta", [152] sendo sua precípua função, por meio de autoridades certificadoras, adicionar segurança no uso de chaves públicas e certificados digitais destinados a garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos eletrônicos. As ICP permitem o estabelecimento da cadeia de confiança, fundamento do sistema de certificação digital, pois a confiança nas assinaturas é estabelecida pela autoridade certificadora – e não pelas partes. Estas confiam naquela e manifestam essa confiança ao autorizar seus programas de computador a aceitarem os certificados daquela autoridade como válidos.
A Medida Provisória nº 2.200, de agosto de 2001, criou a ICP-Brasil e estabeleceu as condições de validade jurídica de documentos eletrônicos no Brasil. Nos termos de seu art. 1º, a ICP-Brasil destina-se a "garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica".
A ICP-Brasil é definida, pela página governamental a ela dedicada na internet, como
um conjunto de técnicas, práticas e procedimentos, a ser implementado pelas organizações governamentais e privadas brasileiras com o objetivo de estabelecer os fundamentos técnicos e metodológicos de um sistema de certificação digital baseado em chave pública. [153]
A aludida medida provisória, que já gera debates acerca de sua constitucionalidade, estabeleceu que documentos eletrônicos assinados digitalmente com certificados emitidos sob a égide da ICP-Brasil presumem-se verdadeiros. O dispositivo não definiu em detalhes a organização da ICP-Brasil – previu apenas seus órgãos no art. 2º –, do que ficou incumbido o regulamento.
Essa medida provisória, com força de lei, está atualmente com a numeração 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, após alterações textuais. Trata-se do primeiro e único diploma legal a regular meios de segurança para documentos eletrônicos e deverá ser revogado pelo Projeto de Lei nº 7.316/2002, com maior abrangência normativa.
A medida provisória dividiu tarefas entre as autoridades certificadoras e autoridades de registro, coordenadas por um Comitê Gestor – composto de maneira eclética –, cadastradas e fiscalizadas pela Autoridade Certificadora Raiz.
Às autoridades de registro cabem tão somente a identificação e o cadastro de usuários, que poderão obter, junto às autoridades certificadoras, certificados digitais com pares de chaves criptográficas baseadas na tecnologia da criptografia assimétrica. [154]
As críticas feitas pela OAB à medida provisória em comento vão desde os procedimentos de segurança implementados na ICP-Brasil até a opção por uma só chave raiz oficial, sem paralelo no mundo. A fé própria do Poder Judiciário impediria igualmente que este dependesse do Poder Executivo para validar seus atos. [155]
Chama a atenção – Cabral afirma tratar-se do dispositivo mais relevante do diploma – o parágrafo primeiro do art. 10 da Medida Provisória, que estabelece a presunção de veracidade erga omnes das declarações apostas em documentos eletrônicos em relação aos seus signatários, desde que tais documentos sejam assinados com processo de certificação regulado pela ICP-Brasil. Tal disposição se assemelha às dos arts. 368 do Código de Processo Civil e 219 do Código Civil de 2002, incumbindo-se o ônus da prova ao subscritor. Cabral entende que apesar do foco na integridade do conteúdo do documento (declarações), silenciou a medida provisória no que se refere à sua autenticidade, referida no art. 369 do Código de Processo Civil. [156]
Críticas à medida provisória são também desferidas por Atheniense, para quem norma de tamanha importância – estabelecendo os fundamentos da validade jurídica do documento eletrônico – não deveria ter sido elaborada por ato do Poder Executivo. Afirma o autor, ainda, que a existência de um certificado único – com o suposto objetivo de assegurar a interoperabilidade entre as autoridades certificadoras – é uma desnecessária afronta à privacidade, porque pode haver perfeita interação por meio de padrões tecnológicos comuns, como o X.509, [157] enquanto que com a adoção de um certificado único facilita-se a devassa das informações referentes ao usuário, fator responsável pela recusa dos países europeus em utilizar tal sistema. [158]
Rezende igualmente censura os procedimentos estabelecidos pelo diploma normativo instituidor da ICP-Brasil, que no seu entender permite a subversão da capacidade de os usuários buscarem por si sós o controle da segurança dos documentos eletrônicos. Outro ponto negativo para o autor é a falta de transparência dos procedimentos realizados pelos credenciados, dado que são auditáveis somente internamente pelo órgão credenciador – conforme resoluções do Comitê Gestor –, não sendo permitida a auditoria por parte da sociedade ou do Poder Público dos mecanismos que irão presumir verdadeiro um documento em relação ao signatário. [159]
O mesmo Rezende [160] entende ser motivo de grande preocupação a validade jurídica, no sistema instituído pela medida provisória, de um certificado auto-assinado – o da Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil, eis que ela própria o assina para apresentar-se – como gerador de presunção da identidade do signatário. [161] Segundo ensina, meios haveriam para forjar esta autocertificação, com dificuldades à caracterização do crime, em contraposição a benefícios que o tornariam atraente a falsificadores, podendo introduzir desequilíbrios desanimadores no ordenamento jurídico.
Passa-se à crítica de Rezende [162] sobre as possibilidades de revogação de chaves. O Comitê Gestor previu, nas normas que editou, dois tipos de revogação. Varia a iniciativa, que pode ser do titular ou do certificador. A revogação de uma chave privada por iniciativa do titular, buscando evitar os efeitos nefastos de seu vazamento, consiste em procedimento questionável. Presumivelmente, a iniciativa de revogação decorrerá da quebra indevida do sigilo da chave, o que, como visto, provavelmente só se detectará após a ocorrência da fraude. Por outro lado, revogar uma chave por iniciativa do certificador seria procedimento a ser tomado diante da suspeita de falsidade ideológica do titular. Tanto em um caso como noutro, confirmadas as expectativas de uso indevido da chave, a revogação só neutralizaria os efeitos caso pudesse retroagir, hipótese em que as possibilidades de fraude aumentariam exponencialmente.
A impossibilidade de se realizar auditoria externa nas certificadoras pode fazer da revogação retroativa um problema maior que o vazamento de chaves privadas ou a falsificação de certificados, defende Rezende, [163] pois ter-se-á que confiar na palavra do revogador, não havendo outros meios para saber se a data de revogação foi forjada artificiosamente.
Sobre os órgãos de cúpula da ICP-Brasil, preleciona o referido autor [164] que o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), na condição de Autoridade Certificadora Raiz, e o Comitê Gestor atuam sobre as atividades de certificação digital no país com propósitos próprios de agências reguladoras, pois podem direcionar as atividades dos credenciados em consonância com interesses públicos definidos juridicamente.
7.1 O COMITÊ GESTOR
A atividade normativa na ICP-Brasil, incluindo a definição de regras para a operação das autoridades certificadoras e de registro, é exercida pelo Comitê Gestor – integrado também por representantes da sociedade, o que lhe confere autonomia frente ao poder político central –, restando uma parcela residual à Autoridade Certificadora Raiz, à qual compete dar execução aos atos normativos. Essa competência residual, não prevista no Projeto de Lei nº 7.316/2002, consubstancia-se naquilo que não for de encontro às resoluções do Comitê Gestor. [165] Para Reinaldo Filho, [166] a atividade normativa deve se firmar como exclusiva desse comitê, como se verifica no citado projeto de lei, que possivelmente revogará a atual medida provisória.
A função do Comitê Gestor, na prática e apesar de todas as atribuições que lhe são confiadas, será a de definir políticas gerais de certificação, a serem executadas pela Autoridade Certificadora Raiz, sobre a qual recairão igualmente o credenciamento, a auditoria e a supervisão dos prestadores de serviço credenciados, com fulcro no art. 4º, parágrafo único da Medida Provisória nº 2.200/2001, que autoriza a delegação, por parte do Comitê Gestor, de atribuições à Autoridade Certificadora Raiz. [167]
7.2 AUTORIDADE CERTIFICADORA RAIZ
Importa destacar o papel da Autoridade Certificadora Raiz (AC Raiz) da ICP-Brasil, cujo par de chaves criptográficas e o correspondente certificado digital foram gerados em novembro de 2001. Apesar de ter funções semelhantes às outras autoridades certificadoras, é regida por algumas peculiaridades, como a necessidade de vinculação ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Assim como as outras autoridades da cadeia certificadora, com exceção daquela no nível mais baixo (que é a que poderá emitir certificados ao usuário final), pode gerar certificados apenas para as autoridades certificadoras de nível imediatamente inferior. [168]
A existência de uma autoridade certificadora raiz, que estabelece as políticas gerais de certificação e na qual todas as certificadoras hierarquicamente inferiores devem confiar, é uma maneira de expandir, com sua respeitabilidade, a validade dos certificados emitidos por estas. Este foi o modelo adotado pela ICP-Brasil, com uma estrutura hierarquizada e vertical de âmbito nacional. [169]
Dispositivos da Medida Provisória nº 2.200/2001 especificam a quem incumbirá o papel de AC Raiz e suas funções, como se vê a seguir:
Art. 5º À AC Raiz, primeira autoridade da cadeia de certificação, executora das Políticas de Certificados e normas técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, compete emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados das AC de nível imediatamente subseqüente ao seu, gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos, e executar atividades de fiscalização e auditoria das AC e das AR e dos prestadores de serviço habilitados na ICP, em conformidade com as diretrizes e normas técnicas estabelecidas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, e exercer outras atribuições que lhe forem cometidas pela autoridade gestora de políticas.
Parágrafo único. É vedado à AC Raiz emitir certificados para o usuário final.
(...)
Art. 12º Fica transformado em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), com sede e foro no Distrito Federal.
Art. 13º O ITI é a Autoridade Certificadora Raiz da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
Art. 14º No exercício de suas atribuições, o ITI desempenhará atividade de fiscalização, podendo ainda aplicar sanções e penalidades, na forma da lei.
7.3 AUTORIDADES CERTIFICADORAS
A autoridade certificadora (AC) [170] é uma instituição credenciada destinada à expedição de identidades digitais certificadas aos interessados, vinculando pares de chaves criptográficas a seu titular mediante contraprestação periódica. Após receber o pedido de emissão de certificado das autoridades de registro, que previamente verificaram a real identidade – por meios tradicionais – do tomador de serviço, valem-se da criptografia assimétrica para apor seu certificado na chave pública do titular (a chave privada é de exclusivo controle e conhecimento deste). A chave pública é então disponibilizada na página da certificadora na grande rede, ficando acessível a todos para verificação da autenticidade de assinaturas, enquanto que a chave privada fica em poder do interessado para a codificação de seus documentos. [171]
Em outras palavras, às AC, objeto do art. 6º da Medida Provisória nº 2.200/2001, cabe gerar, distribuir e gerenciar chaves públicas e certificados digitais, segundo uma estrutura técnica e normativa, dando segurança ao sistema, cumprindo papel similar ao dos notários na certificação tradicional. Cabral compara essas autoridades a um cartório virtual. [172]
Na ICP-Brasil, especificamente, as AC se situam na hierarquia certificatória um nível abaixo da AC Raiz, por quem são credenciadas, cabendo a elas emitir certificados digitais aos usuários finais. [173]
A fé pública do ente certificante público, por gerar presunção simples de autenticidade, serve para inverter o ônus da prova em desfavor daquele que eventualmente se insurja contra o certificado, como anota Marcacini, para quem as funções de autoridade certificadora possivelmente incorporar-se-ão às já exercidas pelos tabeliães, dotados de fé pública e com investidura feita pelo Estado. [174]
Na visão de Marcacini, tanto técnica como juridicamente, todos poderão assinar as chaves públicas de outrem – que é o que as autoridades certificadoras fazem. No caso de entes certificantes privados, porém, ensina o autor que
...se algumas cautelas foram tomadas pelo ente certificante, como, por exemplo, colher do cliente uma declaração escrita em papel, reconhecendo a chave como sua, esta sim, dado que proveniente daquele contra quem se quer fazer a prova, poderia demonstrar a autenticidade da chave pública assinada pelo ente certificador privado. Ademais, se a certificação eletrônica privada, por si só, não faz prova contra o titular da chave, por certo gera obrigações para o certificador em relação a terceiros que tenham acreditado nele. [175]
Segundo a Medida Provisória nº 2.200/2001, a criação de uma autoridade certificadora é livre e independe de autorização específica, sendo que, se atendidos aos requisitos estabelecidos pela ICP-Brasil, poderá a AC criada se credenciar junto a ela (art. 8º do citado dispositivo legal), passando a integrar sua infra-estrutura e com isso tendo o raio de validade de seus certificados – que poderão ser aplicados em qualquer documento – expandido, conferindo-lhes valor probante contra terceiros em todo o território nacional. [176] Quanto ao uso de chaves públicas na esfera pública, caberia aos próprios Poderes o estabelecimento de uma infra-estrutura pertinente.
Poderão algumas certificadoras atestar a data e a hora de produção do documento, elementos úteis perante terceiros. [177] No caso, porém, a certificação se dará sobre o próprio documento, e não mais sobre a chave pública. Mostra-se, na hipótese, conveniente a publicação do ato, para que se afaste a possibilidade de a data certificada ser forjada. De todo modo, averbe-se que, para o peticionamento eletrônico, deverá bastar o art. 370, IV do Código de Processo Civil, segundo o qual a partir da apresentação em juízo considera-se datado o documento.
Uma autoridade certificadora da ICP-Brasil chama a atenção por reunir de modo mundialmente pioneiro apenas instituições ligadas à Justiça: é a Autoridade Certificadora da Justiça (AC-JUS). Integram-na, podendo ter seus documentos por ela certificados, o Conselho da Justiça Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os cinco Tribunais Regionais Federais, assim como o Conselho Nacional de Justiça, os demais tribunais superiores e o Colégio Notarial. [178]
Além da AC-JUS, como exemplos de autoridades certificadoras credenciadas, destaquem-se, entre os órgãos públicos, a Secretaria da Fazenda, a Presidência da República, o Serpro e a Caixa Econômica Federal. [179]
7.4 AUTORIDADES DE REGISTRO
As autoridades de registro (AR) têm por missão verificar a real identidade daquele que se apresenta como titular de um determinado par de chaves, em sua presença, para – uma vez confirmada a veracidade daquela – encaminhar pedido de emissão de certificado à autoridade certificadora à qual estão vinculadas. O art. 7º da Medida Provisória nº 2.200/2001, que trata das AR, estabelece que o registro de suas atividades cabe a elas próprias. Kaminski e Volpi, que noticiam ter a Associação dos Notários e Registradores do Brasil solicitado o seu credenciamento como Autoridade de Registro, anotam que a estrutura para se estabelecerem as AR, que deverá ser a mais ampla possível, poderá ter por base outras já existentes, como os registros notariais, correios e casas lotéricas. [180]