A obra “Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism” – em tradução livre “Reação cultural: Trump, Brexit e populismo autoritário – é um livro de autoria de Pippa Norris e Ronald Inglehart – cientistas políticos, caucasianos e ocidentais – com a proposta de traçar as principais características, com bases empíricas, do autoritarismo e do populismo no território europeu e nos Estados Unidos da América. A obra foi elaborada com o intuito de apresentar uma teoria sobre as razões do fortalecimento de políticas autoritárias-populistas e propor meios para mitigar os prejuízos dessas políticas causados à democracia liberal.
No levantamento de dados, os autores puderem observar fenômenos gerais que possibilitaram a fundamentação das teorias propostas durante toda a obra. E, ainda que exceções puderam ser detectadas, estas não foram relevantes suficientes para prejudicar a argumentação construída. Os argumentos foram construídos a partir da exposição de conceitos até as conclusões a que chegaram diante dos resultados das pesquisas realizadas.
É iniciada a obra com uma série de conceituações sobre os temas chaves do texto. Para os fins propostos na pesquisa, o populismo é compreendido como as ações de políticos que assumem uma postura de crítica ao establishment e o papel de defesa da soberania popular, construindo uma imagem de únicas personalidades que se propõem a defender a pátria. Esse fenômeno não é recente, sendo, por exemplo, amplamente utilizado por políticos na história dos Estados Unidos da América.
Os autores, ainda, conceituam o que seria o autoritarismo, composto por alguns elementos cruciais, como, por exemplo, a postura de defesa do elemento nacional contra o elemento estranho (estrangeiro, imigrante, minoria, pós-materialista, novo). Outros elementos do autoritarismo seriam a conservação dos valores tradicionais da comunidade e a necessidade de lealdade ao líder protetor capaz de romper com a revolução silenciosa, marcada pela mudança de valores da comunidade mundial, com a popularização da defesa da igualdade e da liberdade em suas mais amplas formas.
Compreende-se o oposto do populismo como a pluralidade, que defende a legitimidade das instituições e de seus governantes. A legitimidade, por sua vez, trata-se da crença de que essas instituições são as mais adequadas. E a antítese do autoritarismo seria a postura libertária, em defesa das liberdades pessoais, do pluralismo e do individualismo.
Tais conceitos, entre outros levantados, são importantes para contextualizar as discussões que serão tomadas nos próximos capítulos, que envolvem a teorização da revolução silenciosa e a resposta reacionária das forças autoritárias-populistas. Destaca-se, ainda, que o autoritarismo e o populismo – mesmo sendo conceituações e tipagem de políticos diferentes – são atualmente vistos, em muitos contextos, unidos, como se a presença de uma figura populista atraísse a postura autoritária e a postura autoritária pudesse se aproveitar de uma conduta populista. E, embora possam atuar de forma separada, a sua junção seria a causa de graves riscos à defendida democracia liberal.
Para o estudo proposto, a obra é dividida em quatro partes. Após a primeira parte, conceitual, segue-se a parte voltada para o que os autores chamam de demanda do autoritarismo-populismo. A demanda é marcada pelo contexto histórico, cultural, social e político de um determinado território, que explicaria quais as condições sociais que permitiram o surgimento de políticos autoritários-populistas.
Após o estudo das demandas da sociedade, a obra inicia uma análise sobre o que é chamado de oferta. Esse aspecto é marcado pelas condições favoráveis que a política institucionalizada apresenta, seja nas divisões ideológicas dos próprios partidos políticos, seja na formatação do processo eleitoral que pode ser menos ou mais favorável ao surgimento de forças autoritárias-políticas.
Por fim, na quarta parte, os autores se voltam para as implicações que o estabelecimento dessas forças autoritárias, sobretudo no território europeu e nos EUA, geram na difícil manutenção da democracia liberal, entendida nesta obra como a defesa suprema de valores como igualdade religiosa, étnica, racial, de gênero, sexual, entre outras formas. E as conclusões dos autores, argumentadas no final de cada um dos treze capítulos da obra, estão fundamentadas nos dados e tabelas expostos no decorrer do discurso.
Além da macrodivisão do livro em conceituação, demanda, oferta e resultado, cada um dos treze capítulos da obra foi dividido em três partes. Cada capítulo foi esquematizado de forma a conter uma parte dedicada às teorias dos autores e suas possíveis conclusões sobre o tema, outra parte expondo e interpretando os dados que os autores tiveram acesso sobre o assunto em específico e, por fim, os resultados obtidos no estudo desses dados, confirmando ou não sua teoria.
É possível encontrar durante toda a leitura o argumento de que o atual surgimento de políticos autoritários-populistas seria uma resposta do conservadorismo à revolução silenciosa. Tal revolução é caracterizada pela mudança de valores. Há uma mudança perceptível, de uma sociedade materialista caminhando para uma sociedade pós-materialista, com novas gerações mais propícias a tomar atitudes mais liberais a respeito de temáticas sociais, em oposição às gerações anteriores, que são mais tradicionalistas.
Há, ainda, a identificação setorial de grupos da sociedade europeia e estadunidense mais voltados para o conservadorismo, como os cidadãos rurais, os homens, os trabalhadores e os que não tiveram acesso à educação formal. Por outro lado, o grupo reiteradamente identificado como mais propícios a propostas libertárias são as pessoas identificadas como minorias ou grupos em vulnerabilidade, assim como os cidadãos urbanos e as pessoas que tiveram acesso à educação formal em maiores graus.
Outro ponto de abertura para o surgimento de autoritários-populistas, não necessariamente juntos, é o nível de confiança da população na política. Os dados apresentados pelos autores demonstram que há um baixo nível, surgem pessoas que se identificam como a única solução para os problemas enfrentados pela sociedade e, para isso, sacrificariam os valores mais caros da democracia liberal, como as liberdades pessoais.
O surgimento de políticos autoritários-populistas está presente em várias regiões. Isso foi possível em virtude da mudança de valores verificadas em diferentes lugares. Para cada transformação, a reação daqueles que se sentem oprimidos por tais mudanças foi proporcional aos efeitos dessa revolução silenciosa. Capaz de se adaptar aos diferentes processos eleitorais, os autoritários-populistas se apresentaram como resposta às demandas da parcela da sociedade, acerca de suas queixas econômicas e ansiedades culturais.
O estudo das reclamações econômicas e culturais da população foram analisadas com recorte geográfico (território europeu e estadunidense), em nível individual e coletivo, assim como em seu espectro longitudinal, ou seja, ao longo do tempo. E foi perceptível a aproximação das gerações anteriores (entreguerras e baby boomers) com as autoridades autoritárias e a aproximação das gerações mais recentes (X e Y) com as autoridades populistas. Tal fenômeno é interessante para se entender o porquê de figuras autoritárias-populistas alcançarem rápidos crescimentos em diferentes países.
É possível categorizar diferentes formas de se fazer política. Nesse contexto, pode-se identificar a existência de políticos autoritários-populistas, autoritários-libertários e populistas-libertários. Por outro lado, os autores propõem a categorização das posições partidárias no espaço tridimensional, qual seja, analisando no espectro esquerda-direita, autoritário-libertário e populismo-pluralismo.
O ano de 2016 foi marcado pelas eleições que deram vitória a Donald Trump nos Estados Unidos da América e pela vitória do Brexit em referendo no Reino Unido. Tais momentos históricos foram utilizados como exemplo das consequências da influência e da concretização de políticas identificadas pelos autores como autoritárias-populistas. Nos EUA, a vitória de Trump foi o resultado da ampliação do poder da ala mais extremista dos conservadores e de sua abertura social nas últimas décadas, tanto os partidos políticos como os setores sociais voltados ao autoritarismo.
O Brexit é identificado como algo surpreendente até para os cidadãos do Reino Unido que viram a participação de seu país na União Europeia – algo percebido como estável há décadas – ser arruinada por um jogo político de David Cameron, ex-primeiro-ministro do Reino Unido (2010-2016), e o Partido de Independência do Reino Unido (UKIP). Tal ação deu vitória à política autoritária-populista, contrária à abertura imigratória e à visão globalizada, com forte sentimento nacionalista.
Na última parte da obra, foi demonstrado como, durante os ciclos históricos, as ondas democráticas sempre foram seguidas por ondas reversas e de modo contrário também. Isso foi perceptível no século XX, com as Grandes Guerras substituídas pelo fortalecimento de valores democráticos em todo o globo até o surgimento da onda oposta subsequente, que instalasse as ideias autoritárias-populistas, em prejuízos dos valores liberais.
Por fim, os autores invocam os leitores a entenderem a força positiva que políticas populistas podem ter ao influenciar a população a ser mais ativa nas decisões políticas, ampliando o acesso democrático da sociedade na tomada de decisões. Por outro lado, as críticas e o trabalho de oposição são necessários no jogo político e, para que o extremismo não se apodere das isntituições democráticas, é necessária a resposta efetiva aos problemas reais da população – inclusive na questão econômica, com a redução da desigualdade, e na questão cultural, com meios de diminuir o medo do outro – e a mobilização da juventude, propícia à defesa de valores democráticos liberais.
Referência
NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism. Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 2019.