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Pensão alimentícia para animais de estimação após o divórcio ou dissolução da união estável

Agenda 19/05/2023 às 15:50

A discussão acerca da categoria jurídica que os animais pertencem está presente há muito tempo nas discussões jurisprudenciais e doutrinárias, uma vez que o Código Civil admite, a princípio, apenas a caracterização entre (i) pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, e (ii) os bens, que são normalmente entendidos como coisas suscetíveis de apropriação, sendo incluídos nessa categoria os denominados bens semoventes, que são os animais (art. 82 do CC). 

PREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL 

Nesse sentido, a despeito de o animal, perante o Código Civil, ainda não ser considerado um sujeito de direito, mas sim propriedade de uma pessoa, já há projeto de lei (PL 27/18), aprovado na Câmara dos Deputados, objetivando alterar essa natureza jurídica, a fim de que os animais sejam reconhecidos como seres sencientes – termo que une sensibilidade e consciência. 

Além disso, levando em consideração a importância da discussão, inclusive, em razão de o Brasil ocupar o 3º lugar no ranking mundial[1] como o país com maior população total de animais de estimação, o STJ firmou o entendimento (REsp 1713167/SP[2]) de que os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente, também devem ter o seu bem-estar considerado. 

Nesse contexto, evidencia-se que discussões relacionadas à guarda, regime de visitas e custos dos animais de estimação, tornam-se cada vez mais frequentes no âmbito do Poder Judiciário. 

Auxílio financeiro aos animais de estimação adquiridos na constância do casamento/união estável 

Em vista do quanto exposto, coloca-se em destaque um caso recente em que uma mulher pleiteou, em reconvenção na ação de divórcio, o auxílio financeiro para os animais de estimação. 

Tal auxílio financeiro foi indeferido em 1ª instância, sob o fundamento de que “a legislação brasileira não prevê o pagamento de pensão alimentícia para animais de estimação, conforme já dito, razão pela qual o pedido, nesse ponto, resta improcedente“. 

O entendimento foi de que questões relacionadas à manutenção dos animais, incluindo deveres com a alimentação e cuidados veterinários dos cinco cães e do gato, poderiam ser discutidas extrajudicialmente.   

COMO FICA A GUARDA? 

Por outro lado, foi decidida quanto à questão da “guarda”, entendendo o Julgador que os animais de estimação do ex-casal permaneçam sob os cuidados e responsabilidade exclusiva da mulher, uma vez que a Autora pleiteou a “guarda unilateral” dos cinco cães e do gato alegando ser a pessoa “mais adequada” para cuidar deles. 

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A decisão retromencionada foi objeto de Apelação, interposta pela mulher, a qual foi provida, por unanimidade, pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), condenando o ex-marido da apelante a pagar por mês 15% do salário-mínimo (R$ 165,00) a cinco cães e um gato. 

Isso porque, de acordo com o Desembargador Edson Luiz de Queiroz, relator da apelação, “restou incontroverso que o autor declarava os bichos como integrantes da família” e que eles foram adquiridos na constância do casamento. Isto é, considerando que os litigantes assumiram a obrigação de cuidar dos animais de estimação, é cabível a responsabilidade financeira solidária. 

Em suma, conforme o Relator, a imposição de tal obrigação econômica, independentemente da falta de lei específica que a regule para situações pós-divórcio, justifica-se pelos gastos do detentor da guarda com o sustento dos animais.

DISCUSSÃO RECENTE NO STJ 

Ainda no âmbito da discussão do presente artigo, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisará pela primeira vez um recurso que trata de pensão alimentícia para animais de estimação após o divórcio de um casal. 

Trata-se de Recurso Especial n° 1944228, no qual um homem questiona o benefício concedido à ex-mulher pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). 

Basicamente, o casal mantinha uma união estável, mas, no momento da separação, o ex-marido optou por não ficar com os quatro pets adquiridos durante a União. Nesse sentido, a mulher ajuizou uma ação de obrigação de fazer, com cobrança de valores despendidos para a manutenção dos animais adquiridos durante a união estável. Houve sentença de parcial procedência, e o homem foi condenado ao ressarcimento de quase R$ 20 mil, além de arcar com despesas mensais de R$ 500 , até a morte ou alienação dos cachorros. 

Em 2ª instância, foi mantida a sentença, e afastada pretensão do homem de prescrição. O acórdão considerou que o ressarcimento de quantia despendida exclusivamente pela mulher para manutenção de obrigação conjuntamente contraída atrai aplicabilidade do prazo geral decenal estabelecido no art. 205 do CC. 

Diante desta decisão, o ex-marido interpôs Recurso Especial sustentando que não precisa pagar a pensão, vez que não é mais dono dos animais, além de alegar que não tem condições financeiras de arcar com o valor estabelecido pelo TJSP. Outrossim, defende que a lide versa sobre pensão alimentícia de animais de estimação, tendo em vista que trata de prestações periódicas tal e qual ocorre nos alimentos, e que por isso deve ser aplicada a prescrição de dois anos. 

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O REsp foi inicialmente inadmitido, mas, em decisão monocrática, o ministro Cueva deu provimento a agravo e determinou a reautuação como recurso especial, para que seja julgado pela Corte. 

Ressalta-se, desde já, que o relator do caso, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou pela admissibilidade da ação por considerar a relevância do tema para a sociedade, nos seguintes termos 

“Hoje já se pode falar em guarda e até pensão alimentícia para os bichos, exatamente sob a rubrica de ‘pensão’”. 

O Ministro Marco Aurélio Bellize pediu vista durante o julgamento, adiando a votação sobre o caso. 

Diante dos entendimentos supracitados, podemos concluir que, apesar de não haver expressa previsão legal, os alimentos fixados para subsistência e manutenção do patrimônio, que está na posse de um dos cônjuges, são medidas necessárias para preservação da justa partilha e preservação do direito dos animais, visto que, animal de estimação é um ser que demanda atenção, cuidado, custos e carinho.


[1] Abinpet.org.br | Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação 

[2] STJ, REsp 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/201 

Sobre o autor
Murilo Zerrenner

Advogado do Battaglia & Pedrosa Advogados, graduado em Direito e pós-graduando em Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro na comissão de compliance da OAB Santo Amaro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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