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O Direito das Obrigações na perspectiva do Direito Romano e sua possível recepção pela ordem jurídica brasileira

Eduardo Fernandes Feitosa
Jamilly Linhares Leite
Jonathan Sabino Bernardino Delmondes
Arthur Maximus Borba de Andrade
Kilvia Kelly Silva Fernandes
Raul Miranda Freires
Vinícius Gonçalves de Lacerda
Agenda 26/05/2023 às 12:15

Analisa-se a evolução da obrigação no Direito Romano e sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1 Conceito de Obrigação e a Evolução Histórica no Direito Romano. 2.2 Elementos Essenciais e Modalidades das Obrigações. 2.2 Modalidades e recepções feitas no Direito Civil brasileiro. 2.3 As Fontes das Obrigações. 2.4 Conteúdo e Efeitos da Obrigação. 2.4.1 Os efeitos das obrigações. 2.4.2 O não cumprimento da obrigação. 2.4.2.1 Inadimplemento por culpa em sentido amplo. 2.4.2.2 Caso Fortuito e Força Maior. 2.4.2.3 Custódia. 2.4.2.4 Mora. 2.4.3 Da ação movida contro o inadimplente pelo credor. 2.4.4 Recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro. 2.5 Reforço e Garantia das Obrigações. 2.5.1 Garantia de obrigações. 2.6 Transmissão das Obrigações. 2.6.1 Cessão de Crédito. 2.6.2 Novação. 2.6.3 Procuratio in rem suam. 2.6.4 Actiones utiles. 2.6.5 Cessão de Débito. 2.6.6 Recepção da transmissão das obrigações. 2.7 Extinção das Obrigações. 3. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Considerando que o Direito Romano – sem contar a sua recepção na ordem jurídica de inúmeros Estados – tem um período de desenvolvimento de quase 2000 anos, percebe-se de modo clarividente que o mesmo, principalmente com o Corpus Juris Civillis, disciplinou e codificou diversas situações presentes na vida social, por exemplo, as relações obrigacionais entre particulares. Nesse sentido, são essas relações que percorrerão todo o desenvolvimento do presente trabalho. Para tanto, será utilizado – com o fim de melhor compreensão do tema supracitado – analogias, trechos de obras romanistas e do próprio Código Justiniano. Outrossim, com o escopo de demostrar a relevante, extensa e perpétua recepção do Direito Romano pelo ordenamento jurídico brasileiro, serão expostas, ao longo de toda a dissertação, artigos do atual Código Civil Brasileiro (CCB/02) e o Código Civil de 1916.

Antes de iniciar de fato a investigação acerca do Direito das Obrigações no Direito Romano de seus respectivos institutos e da recepção, vale a pena destacar que a importância desse tema consiste na ideia de que, desde dos primeiros tempos, o homem estabelece com seus semelhantes relações que atribuem, para uns, um direito e, para outros, um dever. Tais relações, à medida que o meio social progredia na escala de desenvolvimento técnico, passaram a envolver interesses cada vez maiores e mais relevantes, de sorte que fez-se vital disciplinar essas interações humana de modo a garantir a equidade, a segurança jurídica e o equilíbrio nas relações obrigações e evitar possíveis abusos por uma das partes.

Não obstante haja uma notável diferença entre a sociedade romana e a sociedade brasileira e, como efeito, entre os respectivos mundos jurídicos, quando se analisa as normas presentes (e até as que já deixaram de vigorar) é possível perceber que não há uma recepção expressa e literal (ipsis litteris), mas quando se busca o fundamento, a ratio de uma norma, em outros termos, o porquê daquela norma existir a resposta provavelmente terá origem no Direito Romano seja em uma norma codificada e escrita seja em um princípio norteador, uma ideia que se irradia para todo o ordenamento do Direito.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Conceito de Obrigação e a Evolução Histórica no Direito Romano

O Direito das Obrigações está dentro da categoria dos Direitos Pessoais, que são aqueles que tratam das relações entre sujeitos e, no caso das obrigações, sujeito ativo (aquele que exige prestação de conteúdo econômico) e sujeito passivo (aquele de quem a prestação é exigida). E a Obrigação em si pode ser entendida tanto no Direito Romano quanto no moderno como uma relação de dever jurídico, uma ligação coativa, entre sujeitos tendo como elemento fundamental conteúdo econômico, baseada na exigência do dar, do fazer ou do não fazer algo em favor dos interesses de outrem.

Essas conceituações são notáveis para o estudo do Direito Romano, uma vez que serão úteis para a compreensão daquilo que, em Direito Romano, chama-se “obligatio”, de onde vem o anteriormente conceituado termo obrigação. E, levando isso em consideração, direcione-se o pensamento à evolução da obligatio na história do Direito Romano.

Mormente, note-se a percepção da obrigação no Direito Romano pelos romanistas, os estudiosos desse assunto, considerando que, no início, pensava-se que essa ligação jurídica tinha a mesma natureza em toda a história de Roma, podendo ser definida, em todas as etapas do Direito Romano, como vínculo jurídico que faz com que o devedor realize prestação de conteúdo econômico em favor de outrem. Mas essa concepção passou a ser questionada quando o alemão Alois Brinz e o italiano Silvio Perozzi expuseram seus pontos de vista diferentes a respeito da evolução da obligatio na Roma Antiga.

Sobre o pensamento de Brinz, este romanista afirmou que a obrigação pode ser decomposta em dois elementos constitutivos básicos: a dívida (debitum, ou a inadimplência) e a responsabilidade (obligatio, ou a influência sobre o sujeito passivo que surge quando a inadimplência não é desfeita pelo sujeito passivo). Então, ele diz que o debitum, por si só, não tem poder coativo, mas que este existe e é trazido à tona pela obligatio.

Observa Brinz isso notando a seguinte relação jurídica presente na Roma Antiga: quando alguém estava em débito com outra pessoa, celebrava-se um contrato entre as duas partes e, dentro disso, era escolhido um terceiro que servia como um garante para o caso em que o devedor não pagasse o que devia, recebendo a consequência da inadimplência. Esse garante, portanto, tinha a obligatio e o ofensor, ou devedor, é que tinha o debitum. Fica, então, clara essa distinção entre obligatio e debitum.

Mas, com o tempo, isso passou a não mais existir. E tanto a obligatio quanto o debitum passaram a estar sobre o ofensor.

E, quanto ao pensamento de Perozzi, tal erudito entendia que o Direito das Obrigações e o Direito Subjetivo são a mesma coisa: a faculdade de exigir de outrem determinado comportamento, que é dada pelo Direito Objetivo.

Além disso, Perozzi notou que a obligatio nasceu como uma resposta a um delito. Por exemplo, se alguém lesasse bem de outra pessoa, estaria sujeito a uma vingança vinda da pessoa ofendida. E esse vínculo não era jurídico (imaterial), mas material, visto que o próprio corpo daquele que possuía o debitum respondia para pagar a dívida, embora depois tenha-se estabelecido a celebração de um pacto para que o devedor pagasse a dívida por meio de indenização.

E ele também afirmava que, no período Clássico, não havia uma definição geral sobre obligatio, havendo vários tipos diferentes para casos diferentes decorrentes de atos lícitos ou ilícitos, alguns constantes do Ius Civilis, outros não.

Mas o pensamento que é mais aceito na hodiernidade é o seguinte: Brinz estava correto quando afirmou que, no princípio, a obligatio era distinta do debitum, uma vez que um terceiro poderia receber a responsabilidade e as consequências enquanto o devedor somente ficava com a dívida, mas isso não é realidade depois, nos períodos Clássico e Pós-Clássico. E, quanto a Perozzi, é aceito o que ele fala sobre a origem da obligatio, que foi do delito, não do contrato, e que no tempo Clássico havia muitos conceitos de obligatio, mas não é aceito que o Direito das Obrigações não distingue-se em nada do Direito Subjetivo.

Logo, eis um possível quadro da evolução da obligatio no Direito Romano:

1. Surgiu provavelmente com o delito, não estando baseado em um vínculo jurídico, mas material, e depois passou a verter de um contrato entre os sujeitos ativo e passivo (no período Pré-Clássico).

2. No período Clássico a obligatio não possuía uma definição geral, havendo vários conceitos para ações lícitas e ilícitas, algumas reconhecidas no Ius Civile, outras não.

3. Nós períodos Pós-Clássico e Justinianeu, prevaleceu um conceito de obligatio: o de que a obligatio é a relação jurídica pela qual alguém deve realizar uma prestação de conteúdo econômico em favor de outrem.

E, diante de tudo isso, é possível concluir que esses conceitos foram de suma importância para o que compreende-se hoje como obrigação, revelando a grande importância do Direito Romano para o Direito Posto.

2.2 Elementos Essenciais e Modalidades das Obrigações

As obrigações possuem três elementos essenciais que a integram, sendo eles os sujeito (ativo e passivo), o vínculo entre eles e o objeto dessa relação jurídica. Quanto aos sujeitos, são denominados ativos, ou creditores, os titulares do direito de crédito, já os sujeitos passivos, ou debitores, são aqueles que possuem a obrigação de responder sua dívida para com o credor.

Os termos creditores e debitores anteriormente, em Roma, eram utilizados para indicar sujeitos no empréstimo de coisa fungível, todavia, posteriormente, passaram a designar qualquer credor ou devedor. Além disso, os termos reus stipulandi e reus promittendi também eram usados para designar, respectivamente, o credor e o debitor.

Quanto ao vínculo (vinculam juris), era, de início, material, portanto o devedor pagava sua dívida com o seu corpo e é só através da lei Poetelia Papiria, na Repúplica, que isso muda e passa a ser um vínculo imaterial, em que o devedor pagará sua dívida através de seu patrimônio.

Por fim, há o objeto desse vínculo jurídico (debitum), que é a própria obrigação, a dívida, a prestação, que consiste no dare, facere e non facere. O dare consiste na obrigação de transferir a propriedade de uma coisa ao credor. O facere, por sua vez, consiste na realização de um ato pelo devedor. E por fim, o non facere se trata da abstenção de fazer ou dar algo. Ademais, há o praestare, que é a obrigação de prestar.

Para que essa prestação seja válida, precisa atender alguns requisitos: O primeiro de todos é ser possível física (ou seja, deve existir ou ser possível de ser praticada) e juridicamente (pode ser propriedade); ser lícita; ser determinada ou determinável; ser avaliável em dinheiro. Contudo, o último requisito é ponto de discussão entre alguns juristas romanistas, como afirma Moreira Alves:

(...) sobre esse requisito há muita controvérsia, existindo autores – como, por exemplo, Ihering e Kohler – que defendem a tese de que não é indispensável que a prestação represente interesse econômico para o credor; a maioria dos romanistas, porém, combate essa opinião. (ALVES, 2007, pag. 423)

Assim sendo, no Direito Romano clássico, esses requisitos eram rigidamente observados e seguidos, sem os mesmos não havia obrigação. Todavia, no direito justinianeu essa rigidez não é mais utilizada, admitindo algumas exceções quanto aos requisitos da prestação.

2.2 Modalidades e recepções feitas no Direito Civil brasileiro

O autor Moreira Alves em sua obra, classifica as modalidades de obrigação quanto ao objeto, quanto aos sujeitos e, por fim, quanto ao vínculo.

Quanto ao objeto, podem ser obrigações genéricas, em que o objeto da obrigação é algo determinado pelo gênero, sendo, portanto, são mais abrangentes do que obrigações de espécie, que designam algo específico, e é por ter essa abrangência que a escolha do objeto deve ser feita a partir de sua qualidade, sendo pior, média ou melhor. A escolha era feita pelo devedor, a não ser que houvesse acordo que determinasse o contrário. No Direito Romano clássico, o responsável pela escolha poderia dar ou exigir desde a pior até a melhor qualidade, mas no direito justinaneu é estabelecido que a coisa deve ter qualidade média (mediae aestimationis). Ademais, existe também um princípio chamado genus non perit (o gênero não perece), ou seja, o se houver um perecimento eventual da coisa o devedor não é dispensado de cumprir com sua obrigação, já que pode substituir a coisa por outra do mesmo gênero, contudo Moreira Alves dá um exemplo em que esse princípio deixa de ser absoluto devido a flexibilidade do gênero:

Esse princípio, no entanto, não é absoluto, pois o gênero (genus) pode ser delimitado pelas partes com maior ou menor flexibilidade (por exemplo: cinco sacos de trigo; ou, mais restritamente, cinco sacos de trigo de certo armazém). Na última hipótese, se todo o trigo existente no armazém perecer por caso fortuito, o devedor fica liberado da obrigação. (ALVES, 2007, pag. 424)

Relacionando com o direito posto brasileiro, nos Códigos Civis de 1916 e 2002, na Seção II – Das Obrigações de Dar Coisa Incerta, respectivamente, no Artigo 875 e no Artigo 244, quando há algo determinada por gênero, a escolha é feita pelo devedor, não podendo dar a coisa de qualidade pior, mas podendo escolher a média ou até mesmo a melhor.

Há também, quanto ao objeto, obrigações alternativas, em que o devedor deve escolher entre duas ou mais prestações. A escolha caberia ao devedor, a não ser que seja determinado que seria feita pelo credor ou por terceiro. Quem fosse o titular dessa escolha poderia mudar a opinião até o cumprimento da obrigação, mas Moreira Alves cita distinções que seriam feitas se houvesse demanda judicial na situação:

Se, porém, houver demanda judicial, há que distinguir: a) no direito clássico, se a escolha couber ao credor, pode ele alterá-la até a litis contestatio (vide nº 129, B); se ao devedor, durante a instância apud iudicem (vide nº 129, C), mas antes da sentença; e b) no direito justinianeu, se ela couber ao credor, ele pode mudá-la até a citação (vide nº 135, A); se ao devedor, até o momento em que se exerça contra ele a actio iudicati (vide nº 135, B, in fine). (ALVES, 2007, pag. 425)

Ademais, o cumprimento parcial já feito não impede que a pessoa mude escolha e se o devedor já deu algo, pode se arrepender, pedir a restituição e dar a outra coisa. Todavia, se houver impossibilidade de dar ou fazer uma das coisas, no Direito Romano Clássico, o devedor deve realizar a que alternativa, mas se essa impossibilidade for causada pelo credor, o debitor pode efetuar uma Actio legis aquiliae contra ele, para ser ressarcido por não poder escolher. Todavia, se a escolha for do creditor e uma for impossível de uma prestação, a obrigação cairá sobre a outra e se essa impossibilidade for causada pelo devedor, o credor pode escolher entre a prestação ou receber o valor da que foi impossível e, por fim, se as duas forem impossíveis, seja por caso eventual ou por culpa do devedor, a obrigação é extinta e no Código Civil brasileiro de 1916 e no de 2002 podemos observar a recepção disso através, respectivamente, do Artigo 888 e Artigo 256, em que fala sobre a extinção da obrigação no caso de todas as prestações serem impossíveis sem a culpa do devedor.

Na época de Justiniano, no entanto, se a escolha coubesse ao devedor e uma fosse impossível, poderia escolher a outra ou pagar o valor da impossibilitada e se as duas coisas forem impossíveis, primeiro por culpa do devedor e, posteriormente, por eventualidade, o creditor poderia efetuar uma Actio Doli por conta do prejuízo sofrido.

Ademais, quanto ao objeto, há as obrigações facultativas, em que o devedor só precisa realizar uma prestação, mas podendo escolher se efetuaria outra prestação, libertando-se assim da obrigação. Por fim, restam as obrigações divisíveis, que a prestação pode ser dividida sem ter sua função econômica e social alterada e as obrigações indivisíveis, que alteram esses pontos se houver divisão. Se forem divisíveis, há a possibilidade de serem cumpridas por parcelas e isso poderia acontecer, no Direito Clássico romano, se o creditor aceitasse, mas no Direito justinianeu ele deve aceitar o parcelamento.

Quanto aos sujeitos, as obrigações podem ser com sujeito variável, definidas por Moreira Alves da seguinte forma:

(...) são aquelas em que a posição do credor ou do devedor compete a quem, inicial ou sucessivamente, se acha em determinada relação com uma pessoa ou coisa, e compete enquanto perdura essa relação. Por exemplo: Pânfilo, escravo de Tício, comete um delito e causa prejuízo a Caio; como o escravo não pode ser devedor em seu nome próprio (ele é coisa, e não pessoa física), o proprietário é que será o devedor da quantia correspondente ao dano; assim, enquanto Tício for dono de Pânfilo, ele será o devedor; se, porém, antes de ser ressarcido o prejuízo, o escravo passar à propriedade de outra pessoa, o débito se transmitirá a esta, deixando Tício de ser o devedor. (ALVES, 2007. pag.427 - 428)

Além de haver, nas obrigações quanto ao sujeito, as obrigações parciais, cumulativas, ou solidárias, que existem vários credores ou vários devedores. Na parcial, deve ser cumprida parte da obrigação. Na cumulativa, deve ser cumprida toda a prestação. Já na época justiniana, as obrigações deixam de ser cumulativas e passam a ser solidárias, ou seja, o credor pode exigir de somente um dos devedores o pagamento total e livrar os restantes e isso, de forma similar, pode ser visto no Código Civil brasileiro de 2002, em seu Artigo 264: “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.” (CIVIL, Código. Lei Nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Senado, 2002.).

Por último, quanto ao vínculo, há as obrigações civis ou pretorianas, sendo as primeiras sancionadas por uma ação feita pelo ius ciuile e as segundas são as que a ação foi feita por um praetor. Ademais, há também as obrigações naturais, que não são tuteladas por uma ação, mas ainda assim possuem efeitos jurídicos.

2.3 As Fontes das Obrigações

As fontes são as causas, ou seja, os fatos jurídicos que dão origem as relações obrigacionais, em segundo sentido para José Moreira Alves as fontes também são norma jurídica que dão eficácia aos requisitos obrigacionais.

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A priori, no período Clássico, Gaio em suas Institutas considerava que uma obrigação sempre surgiria ou por um delito, um contrato ou as várias espécies de causa (que não são nem delitos e nem contratos). Com o passar dos anos e o aumento da complexidade da sociedade, surgiram novas causas de obrigações. Dessa forma, Modestino passou a afirmar que as relações obrigacionais poderia ser contraídas das mais diversas formas: por uma palavra ou por uma coisa, ou por ambas; por lei ou por consentimento; pelo direito honorário; por necessidade ou pelo delito.

Já no século IV d.C, no direito justinianeu foi consagrado o que Gaio havia descrito poucos anos antes, a divisão quadripartite, afirmando que as fontes estariam ligadas não somente ao contrato mas também ao quase contrato, ao delito e ao quase delito. Em suma o contrato seria uma relação de consentimento entre ambas as partes, já o quase contrato seriam situações que são criadas obrigações mesmo sem o consentimento dos envolvidos, como exemplo o negócio jurídico ou a tutela. Ademais o delito são os atos ilícitos geradores de relação obrigacional e o quase delito são atos ilícitos com a noção de culpa. Posteriormente, os romanistas alemães modificaram a estrutura dos delitos e quase delitos agrupando todo tipo de dano doloso ou culposo em um único conceito denominado de ato ilícito.

Portanto, é evidente o quanto a recepção do Direito Romano para o direito brasileiro foi de suma importância, como exemplo disso temos a ideia positivada:

Art. 159 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. (BRASIL, CCB/1916)

Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, CCB/2002)

Logo, a ideia jurídica de delito dos romanistas que depois foi transformada em ato iliticito é presente ao atual ordenamento jurídico brasileiro.

2.4 Conteúdo e Efeitos da Obrigação

Em primeiro plano, antes de debruçar-se sobre os efeitos de uma obrigação no Direito Romano, faz necessário entender qual é o conteúdo de um obrigação, em outros termos, no que consiste uma relação obrigacional. Desse modo, para o credor, a obrigação constitui um direito de crédito que pode – e deve – ser exigido sua prestação ao devedor, em contra partida para esse a obrigação reflete um dever jurídico, por exemplo, um débito que deve ser satisfeito (cumprido) nos termos e prazos ajustado pelas parte mediante o instrumento instituidor da obrigação.

2.4.1 Os efeitos das obrigações

Seguindo para a inquirição acerca dos efeitos, postula-se desde logo que o efeito de qualquer relação obrigacional é a sua satisfação integral. Em decorrência disso, tão somente o devedor desonera-se e, por conseguinte, os efeitos da obrigação cessam quando cumpre com a prestação para com o credor, ressalvando certos casos, que serão adiante abordados, em que o devedor se exime do seu Pacta sunt servanda. Todavia, essa ideia não se manteu inerte duranto todo o desenvolvimento do Direito Romano, sofrendo alterações principalmente no decorrer do governo do Imperador Justiniano. A título de exemplo, durante esse período passou-se a admitir a dação em pagamento (datio in solutum), em outra palavras, uma situação em que o devedor possuia apenas imóveis em seu patrimônio e não encontrava compradores que pagassem o justo preço, de sorte que se desobrigava da prestação devida ao entregar, para o credo, um ou mais imóveis visando a integral satisfação da dívida contituída. De maneira análoga, o devedor poderia recorrer ao instituto do beneficium competentiae, o qual, no Direito Clássico, não permitia que o devedor fosse condenado além daquilo que seu patrimônio suportava e, no Direito Justinianeu, ditava que o credor, para o cumprimento integral, da obrigação não poderia privar o devedor dos meios indispensáveis a sua própia manutenção.

Entre outros, gozavam do beneficium competentiae:

a) os soldados, com relação a todos os credores;

b) os ascendentes, os patronos e os maridos, com referência, respectivamente, aosdescendentes, aos libertos e às mulheres;

c) o sócio, quanto a outro sócio, em se tratando de débitos decorrentes da sociedade;

d) o doador, com relação ao donatário, pelo cumprimento da doação.

(ALVES, 2018, pag. 445)

2.4.2 O não cumprimento da obrigação

Se o efeito da obrigação é a sua devida satisfação, é válido pensar que esse (efeito) pode não ser imediatamente produzindo e o Direito Romano dispõe sobre os motivos e situações que frutificam esse inadimplemento da obrigação, são exemplos disso, entre outros: o inadimplemento da obrigação resultante de culpa em sentido amplo; a não satisfação da prestação, por ter si tornado impossível; e a mora.

2.4.2.1 Inadimplemento por culpa em sentido amplo

Antes de expor no que consiste o inadimplemento resultante de culpa em sentido amplo, faz-se basilar explicar o que se entende por culpa em sentido amplo. Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, é facilmente perceptível a existência dos institutos do dolo e da culpa. Igualmente, isso ocorria no mundo romano, entretanto havia a ideia da culpa em sentido amplo, que, conforme dito por Moreira Alves (2018, p. 447) diz respeito: “a violação, imputável a alguém, de um dever jurídico, em decorrência de fato intencional (dolo), ou de falta de diligência (culpa)”. Por conseguite, pode-se afirmar que a culpa lato sensu nada mais é do que uma classificação jurídica romana que reúne em um só termo as ideias de dolo e de culpa tal como conhecemos e conceituamos no direito brasileiro vigente.

Sabido desse detalhe, postula-se que o inadimplemento resultando de culpa em sentido estrito poderia ocorrer de duas maneiras. A primeira é o dolo (dolus malus), em que o não adimplemento é intencional, isto é, o devedor, apesar de poder cumprir com seu dever, não quer. Dessa forma, o devedor adota uma atitude consciente e voluntária que impede o cumprimento da obrigação contraída e, por essa razão, se torna responsável pelos danos causados ao objeto da relação material, ainda que haja um pacto[1] que exclua a responsabilidade por dolo, haja vista que esse será tido como inválido. A segunda situação é a culpa em sentido estrito[2], na qual o inadimplemento ocorre em razão de uma de uma falta de zelo vital para com essa relação obrigacional e para com os direitos e deveres a ela inerentes, podendo ser uma culpa tanto em razão de um fazer (culpa in eligendo) quanto de um não fazer (culpa in omittendo ou uigilando).

2.4.2.2 Caso Fortuito e Força Maior

Outra situação de não cumprimento da obrigação é a não satisfação da prestação, por ter si tornado impossível. Nesse caso, a relação obrigacional se extingue em decorrência de atos ou fatos danosos, por exemplo, caso fortuito e força maior, que não podem ser imputados ao devedor, eximindo-o da responsabilidade e, como efeito, desobrigando-o. À vista disso, há inúmeras controvérsias acerca da diferença entre caso fortuito e força maior, porém, de modo geral, depreende-se que ambos tratam de acontecimentos decorrentes da naturez ou de fato humano que é, geralmente imprevisível e o sujeito não pode de nenhuma maneira resistir, por exemplo, o dano causado em um celeiro e no que estava ali sendo armazenado por um raio. Todavia, caso o devedor colocasse, ainda que por culpa, o objeto da relação em perigo de destruição por caso fortuito, não tinha sua responsabilidade excluída.

2.4.2.3 Custódia

Outrossim, poderia correr de o devedor ter sua responsabilidade agravada, isso ocorria naqueles casos, por exemplo o receptum nautarum, envolvendo a responsabilidade por custódia, na qual o devedor se comprometia a restituir algo que recebeu do credor, mas assim não o fez (por roubo, caso fortuito, entre outos). A respeito desse tema, os romanistas diferem quanto à interpretação da ideia da reponsabilidade por custódia, já que para uns, como Biondi, não há responsabilidade em nenhum caso, exceto furto e, se tratando receptum nautarum, pelo perecimento ou avaria da coisa, enquantos outros entendiam que em certas hipóteses o devedor tinha uma responsabilidade objetiva, ou seja, não se leva em consideração a atitude do devedor, mas apenas o fato em si e, contudo, em outras situações, a responsabilidade tava condicionada a existência ou não da culpa ou do dolo. Além disso, outros romanistas entendiam que em certas hipóteses de casus minor como o dano e o furto sem violência não eximiam a responsabilidade do devedor, havendo uma responsabilidade objetiva (independentemente de culpa ou dolo), o que não ocorria nas hipóteses de casus maior, por exemplo, dono e furto praticado sob violência, em que a responsabilidade era subjetiva e, a depender do caso, eximiam da obrigação detida. Por fim, há quem diga que no Direito Clásico, a custódia era uma responsabilidade objetiva e no Direito Justinianeu, subjetiva. Finalizando essa embaraçosa discussão, com as situações nas quais o devedor respondia por custódia, veja:

Por outro lado, não é pacífica a doutrina na determinação das relações obrigacionais em que o devedor respondia por custódia. Como salienta Volterra, são hipóteses seguras as do fullo (tintureiro), do sarcinator (alfaiate), do horrearius (guarda de celeiro), do comodatário, do inspector no seu próprio interesse, do precarista e de depositário que se ofereceu espontaneamente; menos seguras as da locatio conductio operis e da locatio conductio rei; e incertas, a do credor pignoratício e a do vendedor. Demais, os autores modernos incluem no conceito de custódia a responsabilidade que o Edito do pretor estabelecia para o capitão de navio, o albergueiro e o dono de estábulo, no receptum nautarum, cauponum, stabulariorum (ALVES, 2018, pag. 452).

Os romanistas ainda discutem uma possível responsabilidade do devedor em situação de custódia que respondia sem ter culpa e nem dolo, são elas: o furto, o damnum iniuria datum praticado por terceiro e fuga de escravo (ALVES, 452, pag. 452)

2.4.2.4 Mora

Por fim, trata-se da situação em que a obrigação não é satisfeita no tempo devido, seja por mora do devedor ou por mora do credor. Dese modo, a mora debendi ou debitores (mora do devedor) é o retardamento culpaso da quitação da dívida e se iniciava quando ela se tornava exigível e o devedor não cumpria-a. Outrossim, cessa a mora, bem como os efeitos da obrigação, quando devedor executava toda sua prestação ao credor.Vale ressaltar que no Direito Pós Clássico, foi estabelecido que a mora apena inicava-se com a interpelação judicial ou extrajudicial do dever para que o credor cumpra com o dever contraído (Mora ex perosna). De qualquer modo, a consequencia do inadimpelmente resultante de mora é o pagamento da quantia devida pelo devedor, pórem no período Justiniano admitiu-se o acréscimo de juros moratórios ao valor inicial da obrigação.

Por outro lado, o credor também poderia incorrer em mora (mora accipiendi ou creditoris) quando, sem justa causa, se recusava a aceitar a prestação que lhe era oferecida pelo devedor. Entratanto, não seria justo produzir contra o devedor prejuízos que ele mesmo buscou evitar com o adimplemento outrora rejeitado pelo credor. Nesse caso o devedor, além de se eximir dos riscos pelo perecimento ou avaria da coisa, salvo na hipótese de dolo, também era lhe assistido o direito de ser ressarcidos das despesas com a conservação da coisa, bem como fazia cessar a mora debendi. Em última instância, vale destacar que, não obstante a mora creditoris faz cessar a mora debitoris - como foi supracitado - não exonera o devedor da execução da obrigação, já que os efeitos da relação material obrigacional, de regra, somente cessam com a devida satisfação da obrigação.

2.4.3 Da ação movida contro o inadimplente pelo credor

É notório que a atitude do inadimplemento pelo devedor não poderia ficar impune Nessa perspectiva, quando o devedor não cumpre obrigação, o credor pode intentar contra ele aquilo que os romanos chamavam de ação pessoal, seria o que hoje consideramos como uma ação por perdas e danos materiais, objetivando uma indenização. No mundo romano, para a fixação do quatum da indenização já considerava-se necessário ser proporcional ao dano causado ao credor, esse dano dividi-se em outros dois o damnum emergens e o lucrum cessans, em que aquele refere-se a diminuição do patrimônio do credor pelo inadimplemento da obrigação, de modo que para conhecer esse dano simplismente avalia o valor objetivo da coisa; enquanto esse diz respeito as vantagens futuras que adviriam para o patrimônio do credor caso a dívida fosse executada, sendo avaliado por um critério sibjetivo que leva em consideração o interese que o credor possuía para com a obrigação.

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No Direito Clásico, a condenação por vezes abrangia apenas o damnum emergens e, em outros casos, o dano global, formado por ambas as espécies de dano. Por depender das fórmulas, o Direito Clássico permitia essa variação com base na intentio da fórmula, ou seja, no seu conteúdo, de maneira que se houve, expressamente, a previsão da coisa a ser prestada, o juiz somente podia condenar o devedor a pagra o damnum emergens, caso contrário, se a fórmula fosse incerta, não mencionando uma determinada coisa, o juiz poderia, a depender do caso e das circunstância, condenar o réu a pagar o dano global. Com o desenvolvimento do Direito Romano, especialmente, com o Corpus Julis Civilis, estabeleceu-se, como um limite máximo para esse ressarcimente, o dobro do valor do objeto, se este tivesse valor certo.

Em última instância, vale destacar que no processo formulário, independente do objeto da relação a condenção restringia-se a penas pecuniárias, já no processo extraordinário a condenação pecuniárias apenas contecia quando não houvesse a possibilidade de restituir-lá como em casos de perecimento.

2.4.4 Recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro

Dos institutos anteriormente citados, é posssível vizualizar que o beneficium competentiae, datio in solutum, a indenização proporcional ao dano e a subsiariedade da pena pecuniária foram recepcionados, com as adaptações e ajustes basilares para adequar-se a realidade brasileira hodierna, pelo Código Civil Brasileiros de 2002 nos seguintes artigos, respectivamente:

Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.

Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.

2.5 Reforço e Garantia das Obrigações

Bem, depois de observado todos esses aspectos já mencionados, podemos concluir que o credor, em muitos casos, ainda se via inseguro quanto à certeza do cumprimento da obrigação negocial por parte do devedor. Nesse sentido, garantias e reforços de obrigações foram sendo criadas para melhor lidar com essas situações. Diferenciando-se, portanto, uma da outra. O reforço de obrigação, no mundo romano, consistia em uma obrigação acessória que tinha como intuito constranger o devedor ao pagamento do débito, já as garantias de obrigações eram espécies de relações jurídicas que se ajustavam a uma obrigação sempre de maneira voluntária e eventual, dividindo-se em:

a) garantias reais: Aquelas que recaiam sobre os bens do devedor e, quando não cumprida a obrigação, garantia o pagamento da dívida, exemplo: hipoteca, penhor etc

b) garantias pessoais: Eram aquelas destinadas ao patrimônio de um terceiro em caso de inadimplência do devedor.

Dessa forma, passaremos a falar mais dos reforços de obrigações para depois chegarmos nas garantias de obrigações. Existem quatro meios de o credor obter o reforço de obrigações:

2.5.1 Garantia de obrigações

Agora vamos falar sobre garantias de obrigações. Recapitulando, garantias de obrigações são uma espécie de relação jurídica que se ajusta à obrigação principal de maneira voluntária e eventual. Dentre as garantias de obrigações, as mais importantes eram as fianças.

A fiança é uma garantia pela qual alguém assume uma dívida alheia em detrimento da inadimplência do devedor principal. As fianças se dividiam, primeiramente, em:

No entanto, devido a implementação de várias leis que concediam direitos aos fiadores, como lei publililia que concedia que o fiador poderia entrar com uma ação penal contra o devedor, houve um enfraquecimento que a garantia representava para os credores. Dessa forma, o sponsio e o fidepromissio começou a entrar em desuso em detrimento do fideiussio, um novo tipo de fiança.

A Fideiussio, como a fidepromissio, era um negócio do ius gentium. Podia ser utilizado por estrangeiros e por romanos. Dessa forma, a fideiussio mantinha vínculos obrigacionais mais fortes. Ela não se extinguia, como as demais, em um prazo de dois anos. Pelo contrário, era perpétua, transmitindo-se com a morte do fideiussor a seus herdeiros. Em suma, não se aplicava à fideiussio aqueles preceitos das leis que recaíam sobre as demais fianças. No entanto, devido a outros benefícios que foram sendo somados aos credores, esse vínculo obrigacional também foi se enfraquecendo.

O mandatum pecuniae credendae era uma espécie de “contrato de mandato”, pelo qual o mandante (fiador) determina ao mandatário (credor) que empreste certa importância ou quantia de coisas fungíveis a terceiro (o devedor). Diferenciava-se do fideiussio pelos seguintes aspectos:

O receptum argentarii é um pacto pretoriano pelo qual um banqueiro (argentarius) se obrigava a pagar uma dívida que seu cliente irá contrair. Isso ocorria se este tivesse, em depósito junto ao banqueiro, quantia que cobrisse o valor da importância objeto dessa garantia, ou porque o banqueiro, dessa forma, lhe concedia uma abertura de crédito. O banqueiro não ficava obrigado perante o terceiro. O credor, no vencimento da dívida, se dirigia ao devedor, e este, se não pudesse pagá-la, convidava-o a cobrar do banqueiro; se o argentarius de recusasse a efetuar o pagamento do débito, seu cliente, o devedor, podia mover-lhe a actio recepticia.

O constitutum debiti alieni é também um pacto pretoriano pelo qual alguém (o fiador) se obriga a pagar a outrem, em certo dia, débito preexistente de terceiro (o devedor).

No Direito Justinianeu, em virtude de o receptum argentarii ser usado apenas por banqueiros gregos, fundiu esse pacto com o constitutum debiti alieni

2.6 Transmissão das Obrigações

A transmissão de obrigação ocorre, quando temos alteração de sujeitos, tanto no polo ativo (transmissão de crédito), este sendo o credor, quanto no polo passivo (transmissão de débito), este sendo o devedor, mantendo-se a mesma relação jurídica obrigacional.

No Direito Romano, o vínculo obrigacional era pessoal, intransferível e pautado por solenidades que praticamente transformavam qualquer mutação subjetiva em nova relação obrigacional. Nessa época, a única forma que transmitia obrigações era a morte, onde o de cujus ao deixar dívidas, estas eram transmitidas aos herdeiros no momento de seu fim. Dessa forma, os herdeiros passavam a suceder a dívida deixada pelo seu antecessor. No plano inter uiuos (entre vivos), porém, a transmissão de obrigações não era reconhecida como válida nos tempos mais primitivos, em face do caráter estritamente pessoal da relação entre credor e devedor, que inclusive permitia a disposição do corpo físico do devedor.

Com isso, a Lei Poetelia Papiria, de 326 a.C., aboliu a regra da disposição corporal do devedor, que passa a responder pela obrigação exclusivamente com seu patrimônio. Porém, o Direito Romano, em todas suas fases de evolução, ainda manteve o princípio da intransmissibilidade da obrigação. Na prática, no entanto, devido às exigências do mercado encontraram-se meios indiretos para a transmissão de obrigações, na cessão de crédito, tendo: a novatio (novação), da procuratio in rem suam (procuração em causa própria) e das actiones utiles, ou "ações úteis". E na cessão de débito, sendo a novação e a procuração por causa própria.

2.6.1 Cessão de Crédito

A cessão de crédito consiste em um negócio jurídico pelo qual o titular de determinado crédito (credor) transfere a um terceiro este direito.

2.6.2 Novação

A delegatio, ou novatio, é a novação da obrigação por meio de uma stipulatio, (estipulação) visando prestação idêntica à obrigação originária. Pela novação ocorre indiretamente a cessão de crédito, que, com a nova estipulação, extingue-se a obrigação entre o antigo devedor e credor, e surge uma nova obrigação entre aquele devedor e o novo credor. Não há, consequentemente, transmissão de obrigação, mas, sim, extinção da obrigação primitiva e nascimento de uma nova.

O procedimento da delegatio tinha o inconveniente de exigir consentimento, presença e cooperação das três partes tanto na assunção de dívida quanto na cessão de crédito, embora seja indiferente ao devedor a pessoa a quem ele irá pagar sua prestação. Outro inconveniente era o da perda das garantias originais do contrato, já que a stipulatio se baseia na formalidade do seu ato e garante apenas o que foi prometido, desconsiderando boa-fé e eventuais responsabilidades. E o devedor não podia opor contra o novo credor os meios de defesa de que dispunha contra o anterior.

2.6.3 Procuratio in rem suam

No direito clássico, surge um novo expediente para se obter, também de modo indireto, a transmissão dos créditos: A procuratio in rem suam, ou procuração em causa própria, que surge para remediar os dois inconvenientes da delegatio: a perda de garantias e a necessidade de consentimento do devedor.

Cria-se o instituto do mandato processual, o mandatum agendi, no qual o credor-cedente (que cede o crédito) encarrega um cessionário, cognitor ou procurador (a quem a cessão se destina) para representá-lo, como mandatário, no processo com o devedor a fim de que este cobrasse judicialmente a dívida. Ao constituir este procurator, o cedente renuncia à sua actio mandati directa, (o seu direito) que lhe permitiria exigir execução e prestação de contas por parte do mandatário. Assim, o cessionário se torna senhor da obrigação, agindo em seu próprio interesse — daí a procuração em causa própria.

A procuratio (ou cognitio) in rem suam – embora, ao contrário do que ocorria com a novatio, não exigisse o consentimento do devedor – também apresentava inconvenientes outros, próprios ao instituto do mandato:

2.6.4 Actiones utiles

Para eliminar os inconvenientes criados pela procuratio in rem suam, surgiu, no principado (mas só alcançou pleno desenvolvimento no Direito Justinianeu), o sistema de se concederem aos cessionários ações úteis (actiones utiles), que lhes permitiam assegurar-se, de modo autônomo e irrevogável, dos benefícios do crédito que lhes fora cedido. Com as actiones utiles em vigor, o cessionário e o devedor retém as mesmas condições e garantias existentes antes da cessão.

Por esse sistema, quem quer que, por meio de convenção com o credor (venda, dote, doação etc.), se tornasse cessionário de um crédito poderia cobrá-lo judicialmente com a mesma ação de que dispunha o credor, mas estendida a ele, cessionário, utilitatis causa (ação útil). Assim, o cessionário, suo nomine (em seu próprio nome), e não em nome do credor, como ocorria na procuratio ou cognitio in rem suam, cobrava, judicialmente, do devedor a dívida.

O sistema das actiones utiles visa eliminar os inconvenientes criados pela procuratio in rem suam com base na ficção de que o cessionário seja o sucessor legal do cedente, com ações que cabem a este podendo ser intentadas também pelo outro. Assim, contornam-se as disposições rígidas do direito estrito, estabelecendo-se as bases do instituto moderno da cessão.

A cessão via actiones utiles podem ser feitas a título gratuito ou oneroso. Caso gratuito, o cedente é responsável apenas pelo verum nomen, isto é, a veracidade da dívida, certificar-se de que esta existe. Já a cessão onerosa obriga o cedente não apenas à existência mas à solvência do devedor, isto é, a capacidade de ter as devidas condições de honrar todas as suas obrigações financeiras.

Porém, o sistema das ações úteis apresentava um inconveniente grave: ao ceder o crédito, o credor não perdia a titularidade desse direito, de maneira que o devedor, antes da cobrança judicial por parte do cessionário, se liberava do débito se pagasse ao primitivo credor (o cedente). Segundo parece, somente com Justiniano é que foi isso foi eliminado, por notificação (denuntiatio), feita pelo cessionário, ao devedor; realizada essa notificação, se o devedor pagasse ao antigo credor, não se eximiria de ter de pagar de novo ao cessionário.

Com isso há, no Direito Romano, uma verdadeira cessão de crédito, pois ocorrida a denuntiatio, o credor, embora continue a titular do direito de crédito, não dispõe mais de ação para cobrar o débito, tendo-a, como ação útil, somente o cessionário, a quem unicamente devia o devedor pagar, para eximir-se da obrigação.

Por outro lado, nos períodos pós-clássico e Justinianeu, a cessão de crédito se difundiu tanto, e tantos foram os abusos cometidos contra os devedores, que providências foram tomadas no sentido de restringi-la. Assim, proibiram-se as cessões:

2.6.5 Cessão de Débito

Cessão de débito: consiste em negócio jurídico onde terceiro assume obrigação anteriormente assumida pelo devedor, desde que com o consentimento expresso do credor, exonerando-se assim o devedor primitivo. Os romanos, para alcançá-la economicamente, apenas conheceram dois meios indiretos: a novatio, com mudança de devedor (denominada tecnicamente expromissão); e a procuratio (ou cognitio) in rem suam, com relação ao devedor.

Por esses dois meios se atingia a finalidade prática da cessão de débito, da mesma forma por que, com eles, se alcançava a da cessão de crédito. É de notar-se, porém, que ao contrário do que ocorria com a cessão de crédito, em que o assentimento do devedor apenas era necessário na novatio, e não na procuratio (ou cognitio) in rem suam, em ambos, para a cessão de débito, era necessário a concordância do credor. No Direito Romano, em matéria de transmissão de débito, não se foi além.

2.6.6 Recepção da transmissão das obrigações

No Direito Romano, o vínculo obrigacional era pessoal, intransferível e pautado por solenidades que praticamente transformavam qualquer mutação subjetiva em nova relação obrigacional, a principal forma que transmitia obrigações era a morte. No plano entre vivos, a transmissão de obrigações não era reconhecida como válida nos tempos mais primitivos. Porém,a partir da Lei Poetelia Papiria, de 326 a.C., aboliu-se a regra da disposição corporal do devedor, a qual responde pela obrigação exclusivamente com seu patrimônio. No entanto o Direito Romano, durante a sua evolução, ainda manteve o princípio da intransmissibilidade da obrigação. Mas na, devido às exigências do mercado, surgiram meios indiretos para a transmissão de obrigações, como a cessão de crédito, tendo: a novatio (novação), da procuratio in rem suam (procuração em causa própria) e das actiones utiles, ou "ações úteis". E a cessão de débito, tendo a novação e a procuração por causa própria.

O Código Civil de 1916 não possuía um título dedicado à transmissão das obrigações. Assim, era apenas estudada neste código, a cessão de crédito, como a única modalidade de transmissão da obrigação. No código de 2002, são abarcadas pelo Direito Brasileiro três formas de transmissões obrigacionais. São elas:

Este ponto, por mais diferente que pareça em relação à transmissão das obrigações no Direito Romano, esta se baseia nelas, tendo como características tanto nas três formas de cessão de crédito, bem como da cessão de débito.

2.7 Extinção das Obrigações

As obrigações no mundo romano assim como hodiernamente carregam consigo desde a sua criação, o objetivo de extinguir-se por meio do seu efetivo cumprimento, porém não se limitam apenas a essa modalidade de extinção como ver-se-á adiante. Sendo tais considerações romanas de tamanha relevância que influenciaram e foram recepcionados em grande parte pelo direito pátrio, principalmente no que tange o direito civil, o Código Civil de 1916 e 2002.

Para o jus civile separavam-se em duas principais modalidades de extinção das obrigações: a ipso jure (pleno direito), essa é aquela onde há o efetivo cumprimento da obrigação contratual, extinguindo-a assim. E exceptionis ope (oposição perante o pretor) nessa modalidade o devedor poderia requer ao pretor que declarasse extinta a sua dívida por situações de exceção, vale salientar que essa divisão persistiu durante grande parte da história romana, sofrendo uma revisão no governo de Justiniano, onde não mais vigorava, tornando-se apenas uma modalidade de extinção: "Nenhuma diferença há entre alguém que não tenha, de direito, uma ação ou que esta seja invalidada por uma exceção" (Nihil interest ipso jure quis actionem non habeat, na per exceptionem in firmetur (Dig. 50,17,112).

As modalidades de ipso jure são aquelas onde a obrigação se extingue pelo cumprimento das obrigações firmadas em contrato, pode-se afirmar que é o meio “normal” de extinção da obrigação onde entende-se de maneira mais palpável e clara o cumprimento da obrigação do devedor perante o credor. Entre os modos de ipso jure estão:

“Art. 972. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação o depósito judicial da coisa devida, nos casos e formas legais.

Art. 973. A consignação tem lugar:

I - se o credor, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condições devidas;

III - se o credor for desconhecido, estiver declarado ausente, ou residir em lugar incerto, ou de acesso perigoso ou difícil;

IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;

V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento;

VI - se houver concurso de preferência aberto contra o credor, ou se este for incapaz de receber o pagamento.” (BRASIL, Código Civil, 1916).

Também podemos ver um disposto similar no CC de 2002:

“Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.

Art. 335. A consignação tem lugar:

I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;

III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;

IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;

V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.” (BRASIL, Código Civil, 2002).

Vale também observar que a codificações de 1916 e 2002 são ainda bem alinhadas nas hipóteses dos romanos, é claro que passaram por certas modernizações.

“Art. 360. Dá-se a novação:

I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;

II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.

Art. 362. A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentemente de consentimento deste.” (BRSIL, Código Civil, 2002).

Alguns romanistas também elencam a morte e o capitis diminutio como maneiras para extinção de alguns tipos de obrigações por meio do ipso jure, sendo a morte causa da extinção das obrigações intransmissíveis, sendo as outras obrigações transmitidas aos sucessores, e capitis diminutio extinguia os débitos do afetado, mas os créditos permaneciam como elenca Moreira Alves:

“A capitis diminutio – máxima, média ou mínima – acarreta a extinção, iure ciuili (segundo o direito civil), apenas dos débitos (e não dos créditos) do que a sofria. Com a extinção dos débitos do capite minutus, ficavam prejudicados os credores. Por isso veio o pretor em seu auxílio, ou decretando uma restitutio in integrum (pela qual se considerava não ocorrida a capitis diminutio, para efeito da cobrança dos débitos), ou concedendo-lhes actiones utiles contra a pessoa que recebera o ativo patrimonial do capite minutus, ou, enfim, imitindo-os na posse dos bens que tinham sido do capite minutus, para que os vendessem e, com o produto da alienação, se pagassem.” (ALVES, Moreira, 2018).

Mas nem em todas as situações podia-se aplicar o ipso jure, quando surgiam problemas referentes a extinção das obrigações, os romanos poderiam apelar aos magistrados para que esses pudessem operar um modo para extinção da obrigação, principalmente por meio dos pretores com grande ênfase durante o período no qual perdurou o Direito pretoriano, esse meio era denominado exceptionis ope, que possuía as seguintes modalidades:

“O prazo prescricional para alguém ingressar em juízo com uma ação de cobrança foi fixado pelo imperador Teodósio II em 30 anos. Se algum credor, passado esse período, acionasse o devedor, este poderia alegar perante o pretor a praescriptio longi temporis, ou seja, a prescrição do direito do credor em decorrência do tempo, obtendo, dessa forma, a extinção da sua obrigação.”.

Tal dispositivo é similar ao que temos disposto no ordenamento brasileiro no que diz respeito a prescrição das obrigações, também conhecido como ato de “caducar a dívida”, o artigo 205 do CC/2002 demonstra de maneira clara “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.” (BRASIL, Código Civil, 2002).


3. CONCLUSÃO

Portanto, fica desse modo claro o nível de complexidade do sistema jurídico romano que está carregado de aspectos extremamente avançados para sua época, observa-se as muitas hipóteses elaboradas pelos romanos, por exemplo, para as extinção das obrigações, e a relevância das mesmas que são utilizadas hodiernamente com sua essência praticamente inalterada, ficando assim evidente que estudar o Direito dos antigos, principalmente o romano, é uma peça chave para entender o direito contemporâneo e promover o desenvolvimento e evolução deste.

Como pode ser visto, é mais do que claro que os fundamentos do direito pátrio localizam-se, na maioria das vezes, nos conhecimentos jurídicos elaborados pelos legisladores e pelos jurisprudentes romanos. As recepções aqui denotadas não são as únicas, é possível percebê-las ao longo de todo o Código Civil de maneira mais ou menos explícita a depender do caso, já que apesar da ideia estar praticamente inalterada é preciso adapta-la para a realidade sociopolítica atual, levando em consideração ou valores e as peculiaridades dessa.

Objetivou-se com o presente trabalho, além de fornecer uma breve explicação no tocante as obrigações no mundo romano, descontruir certos postulados, os quais insistem em afirmar que o Direito Romano ficou restrito ao seu tempo de vigência e se encontra presente apenas nos livros dos romanistas e dos jurisprudentes romanos. Nessa perspectiva, tem-se a equívoca e vaga percepção que quanto mais a sociedade se desenvolve mais é aceitável abandonar as ideias pretéritas, mas, quando se olha para o Direito Romano, inverte-se a lógica, haja dito que embates jurídicos que se têm nos dias atuais podem e – a partir do que foi visto no presente trabalho, devem levar em consideração as teses e princípios utilizados no mundo romano e, ainda que não traga de imediato a solução do problema, de certo ajudará o intérprete contemporâneo a alcançá-la em razão da objetividade, solidez e coerência que norteavam todo o universo do Direito Romano.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei n° 3.071 de 1° de janeiro de 1916. Código Civil.

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FRANZOI, Jackeline Guimarães Almeida. Fontes das obrigações e fases da Evolução do direito das obrigações. Revista Jurídica Cesumar, 2007. Disponível em: <https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/download/426/345/>

RAMOS, Arthur Ferreira. Transmissão das Obrigações - Direito Civil. Jusbrasil. Disponível em: <https://arthurfr.jusbrasil.com.br/artigos/253624590/transmissao-das-obrigacoes-direito civil> . Acesso em 6 de Agosto de 2022.

ROLIM, L. A. Instituições de Direito Romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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Notas

[1] Dessarte o devedor não pudesse se eximir da responsabilidade por dolo, era possível convencionar um acordo para se eximir no caso de culpa, tal como o devedor poderia obrigar-se a responder por todos os graus de culpa (ALVES, 2018, pag. 450).

[2] Quando essa culpa em sentido estrito se refere a inadimplemento de uma obrigação, denomina-se culpa contratual em oposição a culpa extracontratual que se configura com uma violação a um direito real ou pessoal (ALVES, 2018, pag. 447).

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