O PL 1918/21 que trata da igualdade de gênero no conselho de sentença ganhou atenção nos últimos dias. Já é de conhecimento de todos o destaque que o júri argentino vem ganhando em diversos países e também no Brasil. Com um modelo clássico igual ao da common law, é possível aprender enormemente com as leis daquele país e um desses aprendizados é, justamente, referente à paridade de gênero no conselho de sentença que é composto por doze (12) cidadãos. Nas diversas leis de Juicio por Jurados, o painel de jurados deve estar composto, obrigatoriamente, por seis (6) homens e seis (6) mulheres.
Somada a outros fatores, a igualdade de gênero imprime um caráter democrático ao júri, trazendo representatividade igualitária e justa da sociedade, assegurando o ideal de imparcialidade. Em resumo, ela é uma das garantias de um julgamento justo. A Suprema Corte Suprema dos Estados Unidos no caso Taylor v. Louisiana ressalta que a Sexta Emenda exige que um júri seja escolhido de uma seção ampla e representativa da comunidade.
A integração plural no júri está devidamente estabelecida no art. 198 inc. 6 do CPP de Neuquén.
Artículo 198º Audiencia de selección del jurado. Con la presencia obligatoria del juez profesional y las partes, se celebrará una audiencia a fin de constituir el jurado imparcial para resolver el caso:
6) Integración plural. El jurado deberá quedar integrado, incluyendo los suplentes, por hombres y mujeres en partes iguales. Se tratará de que, como mínimo, la mitad del jurado pertenezca al mismo entorno social y cultural del imputado. Se tratará también, en lo posible, que en el panel de jurados haya personas mayores, adultas y jóvenes.
Em 2021, a Cidade Autônoma de Buenos Aires sancionou uma das leis de júri popular mais avançadas do país, trazendo uma inovação à tradicional paridade. O artigo treze dispõe que o painel de jurados deverá sempre estar composto por, no mínimo, cinco (5) mulheres e cinco (5) homens, não podendo superar um máximo de seis (6) mulheres e seis (6) homens. Se diz “por, no mínimo, cinco”, pois assim se dá lugar a todas as outras diversidades além dos binários, ou seja, ao menos dois (2) dos doze lugares. A ley 6.451 Juicio por Jurados en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires traz a seguinte redação:
ART. 13.- Integración.
El Jurado se integrará obligatoriamente con doce (12) miembros titulares y, como mínimo, con dos (2) suplentes.
El/a Juez/a podrá ordenar que haya más suplentes de acuerdo a la gravedad y/o complejidad del caso.
En todos los casos, el panel de Jurados titulares deberá quedar siempre integrado como mínimo con cinco (5) mujeres y cinco (5) hombres, no pudiendo superar un máximo de seis (6) mujeres y seis(6) hombres.
El Juicio por Jurados será dirigido por un/a solo/a Juez o Jueza profesional.
Foram, no entanto, as províncias de Neuquén, Chaco e Río Negro que inauguraram –a nível mundial– a paridade de gênero no júri, tendo sido por diversas vezes citadas nos informes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por seus exemplares e apropriados modelos de funcionamento de júri. A CIDH cita não só a igualdade de gênero, mas a igualdade nos júris indígenas, caso o acusado pertença à população originária. (HARFUCH, 2019)
Neste cenário de julgamento popular, o sucesso argentino se mantém. Devido à adoção um modelo híbrido denominado jurado indígena, emprega-se aqui um número equitativo de membros indígenas e não indígenas, nos casos em que o acusado ou vítima pertençam a um povo originário. (FUKURAI e HARFUCH, 2020) Neste caso, seis dos doze jurados deverão ser indígenas.
Já nos casos em que tanto o acusado quanto a vítima pertençam à mesma comunidade indígena, os doze (12) jurados têm que ser daquela comunidade, conforme o art. 4º da Ley 2364-B de Juicio por Jurados da província de Chaco:
ARTÍCULO 4°: Integración del Jurado con Pueblos Indígenas. Cuando se juzgue un hecho en el que el acusado o la víctima pertenezcan al pueblo indígena Qom, Wichi o Mocoví, el panel de doce jurados titulares y suplentes estará obligatoriamente integrado en la mitad por hombres y mujeres de su misma comunidad de pertenencia. Cuando se juzgue un hecho en el que tanto el acusado como la víctima pertenezcan al mismo pueblo indígena Qom, Wichi o Mocoví, el panel de doce jurados titulares y suplentes estará obligatoriamente integrado en su totalidad por hombres y mujeres de su misma comunidad de pertenencia.
No Brasil, curiosamente, o primeiro júri indígena foi realizado de forma semelhante à lei acima citada, pois o conselho de sentença foi composto inteiramente por índios (quatro homens e três mulheres das etnias Macuxi, Ingaricó, Patamona e Taurepang) –inédito no Brasil–, pois tanto os acusados quanto a vítima eram indígenas da etnia Macuxi. Levado a cabo na cidade de Roraima em 2015, o caso envolveu dois réus, irmãos, acusados de tentar matar um terceiro no ano de 2013, pois alegavam que este último, a vítima, estaria possuído por uma entidade indígena denominada Canaimé. Os réus, suspeitando que este indivíduo seria o responsável por outras duas mortes ocorridas dentro da comunidade, atacaram-no com uma faca cortando seu braço e pescoço.
Trazendo a discussão para o cenário brasileiro, o tema da paridade de gêneros no Conselho de Sentença ganhou holofotes em 23 de maio de 2023, já que o PL 1918/21 ganhou, no Senado, relatório favorável, prevendo quantidade mínima de mulheres dentre os jurados sorteados e para a composição final do painel de jurados.
Diferentemente de como acontece hoje em que não estão previstos na legislação processual penal número mínimo de homens e mulheres, o projeto sugere a alteração dos art. 433, 447 e 469 do CPP que passariam a dispor:
“Art. 433. O sorteio, presidido pelo juiz, far-se-á a portas abertas, cabendo-lhe retirar as cédulas até completar o número de 25 (vinte e cinco) jurados, para a reunião periódica ou extraordinária, sendo que, no mínimo, treze (13) jurados serão mulheres.”
“Art. 447. Parágrafo único. Dos 7 (sete) jurados que constituirão o Conselho de Sentença, no mínimo, três (3) serão homens e três (3) mulheres, com exceção do julgamento dos crimes em que a vítima for mulher, no qual haverá no Conselho, no mínimo, 4 (quatro) mulheres.”
“Art. 469. § 1º A separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sentença, na forma prevista pelo parágrafo único do art. 447 deste Código.”
É certo que a paridade de gênero traz certa imparcialidade ao julgamento, mas quais outras garantias devemos ter para que se chegue a um veredicto válido? Embora valiosa a discussão desse tema, ela é incompleta.
À luz do que podemos aprender com Argentina, para que o júri no Brasil tenha todos os mecanismos de controle de veredicto válidos que conduzem ao ideal de imparcialidade, é necessário trazer à discussão a questão da implementação das instruções do juiz aos jurados, maior número de jurados no conselho de sentença, implementar o juiz de garantias, ter uma audiência de seleção de jurados (voir dire), permitir a deliberação em segredo, exigir unanimidade, proibir recurso da acusação em caso de sentença absolutória e novo julgamento em caso de jurado estancado, a pedido dos acusadores. (PANZOLDO, 2022)
Na Argentina, a perspectiva de gênero também está presente nas instruções aos jurados, pois elas trazem com um olhar atento nos casos de violência de gênero. Pouco a pouco, julgam-se os casos em que as instruções foram construídas sob essa ótica, visto que casos assim requerem alguns cuidados e precauções adicionais, especialmente na maneira como ditas instruções são transmitidas aos jurados. É necessário que em cada uma das instâncias do processo e do julgamento seja possível pensar, analisar e executar a atuação com esse enfoque de gênero. (REYES, 2021)
Da mesma forma que o júri criminal, as causas cíveis e comerciais na Argentina também serão julgadas por doze cidadãos, obedecendo a igualdade de gênero. É necessário inspirar-nos nas leis argentinas e propor outras reformas no júri brasileiro que se complementarão ao PL 1918/21, fazendo com que o tribunal do júri tenha as garantias necessárias tanto ao acusado quanto à vítima, refletindo na confiança que a sociedade tem na justiça.
Referências bibliográficas:
FUKURAI, Hiroshi y HARFUCH, Andrés, “La necesidad de un jurado bifurcado en diversidad de género y de nacionalidad. Recuperatores en Roma, jurado de medietate linguae en Inglaterra y Estados Unidos y el jurado indígena en Argentina”, en Revista de Derecho Penal y Criminología, La Ley, Año X, Número 11, Diciembre 2020.
HARFUCH, Andrés. El veredicto del jurado. 1ª ed., Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Ad-Hoc, 2019. (Colección Jurados y Participación Ciudadana n. 6)
PANZOLDO, Lisandra. O tribunal do Júri no Brasil e na Argentina. Estudo Comparado.
REYES, Analía V. Instrucciones al jurado con perspectiva de género. LA LEY. Año LXXXV, n.º 175. Septiembre, 2021.
U.S. Supreme Court. Taylor v. Louisiana, 419 U.S. 522 (1975).