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PL 1918/21: a paridade de gênero, as leis argentinas e outras perspectivas no tribunal do júri

Agenda 11/06/2023 às 15:54

A igualdade de gênero imprime um caráter democrá­tico ao júri, trazendo representatividade justa da sociedade, assegurando o ideal de imparcialidade.

O PL 1918/21 que trata da igualdade de gênero no conselho de sentença ganhou atenção nos últimos dias. Já é de conhecimento de todos o destaque que o júri argentino vem ganhando em diversos países e também no Brasil. Com um modelo clássico igual ao da common law, é possível aprender enormemente com as leis daquele país e um desses aprendizados é, justamente, referente à paridade de gênero no conselho de sentença que é composto por doze (12) cidadãos. Nas diversas leis de Juicio por Jurados, o painel de jurados deve estar composto, obrigatoriamente, por seis (6) homens e seis (6) mulheres.

Somada a outros fatores, a igualdade de gênero imprime um caráter democrá­tico ao júri, trazendo representatividade igualitária e justa da sociedade, assegurando o ideal de imparcialidade. Em resumo, ela é uma das garantias de um julgamento justo. A Suprema Corte Suprema dos Estados Unidos no caso Taylor v. Louisiana ressalta que a Sexta Emenda exige que um júri seja escolhido de uma seção ampla e representativa da comunidade.

A integração plural no júri está devidamente estabelecida no art. 198 inc. 6 do CPP de Neuquén.

Artículo 198º Audiencia de selección del jurado. Con la presencia obligatoria del juez profesional y las partes, se celebrará una audiencia a fin de constituir el jurado imparcial para resolver el caso:

6) Integración plural. El jurado deberá quedar integrado, incluyendo los suplentes, por hombres y mujeres en partes iguales. Se tratará de que, como mínimo, la mitad del jurado pertenezca al mismo entorno social y cultural del imputado. Se tratará también, en lo posible, que en el panel de jurados haya personas mayores, adultas y jóvenes.

Em 2021, a Cidade Autônoma de Buenos Aires sancionou uma das leis de júri popular mais avançadas do país, trazendo uma inovação à tradicional paridade. O artigo treze dispõe que o painel de jurados deverá sempre estar composto por, no mínimo, cinco (5) mulheres e cinco (5) homens, não podendo superar um máximo de seis (6) mulheres e seis (6) homens. Se diz “por, no mínimo, cinco”, pois assim se dá lugar a todas as outras diversidades além dos binários, ou seja, ao menos dois (2) dos doze lugares. A ley 6.451 Juicio por Jurados en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires traz a seguinte redação:

ART. 13.- Integración.

El Jurado se integrará obligatoriamente con doce (12) miembros titulares y, como mínimo, con dos (2) suplentes.

El/a Juez/a podrá ordenar que haya más suplentes de acuerdo a la gravedad y/o complejidad del caso.

En todos los casos, el panel de Jurados titulares deberá quedar siempre integrado como mínimo con cinco (5) mujeres y cinco (5) hombres, no pudiendo superar un máximo de seis (6) mujeres y seis(6) hombres.

El Juicio por Jurados será dirigido por un/a solo/a Juez o Jueza profesional.

Foram, no entanto, as províncias de Neuquén, Chaco e Río Negro que inauguraram –a nível mundial– a paridade de gênero no júri, tendo sido por diversas vezes citadas nos informes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por seus exemplares e apropriados modelos de funcionamento de júri. A CIDH cita não só a igualdade de gênero, mas a igualdade nos júris indígenas, caso o acusado pertença à população originária. (HARFUCH, 2019)

Neste cenário de julgamento popular, o sucesso argentino se mantém. Devido à adoção um modelo híbrido denominado jurado indígena, emprega-se aqui um número equitativo de membros indígenas e não indígenas, nos casos em que o acusado ou vítima pertençam a um povo originário. (FUKURAI e HARFUCH, 2020) Neste caso, seis dos doze jurados deverão ser indígenas.

Já nos casos em que tanto o acusado quanto a vítima pertençam à mesma comunidade indígena, os doze (12) jurados têm que ser daquela comunidade, conforme o art. 4º da Ley 2364-B de Juicio por Jurados da província de Chaco:

ARTÍCULO 4°: Integración del Jurado con Pueblos Indígenas. Cuando se juzgue un hecho en el que el acusado o la víctima pertenezcan al pueblo indígena Qom, Wichi o Mocoví, el panel de doce jurados titulares y suplentes estará obligatoriamente integrado en la mitad por hombres y mujeres de su misma comunidad de pertenencia. Cuando se juzgue un hecho en el que tanto el acusado como la víctima pertenezcan al mismo pueblo indígena Qom, Wichi o Mocoví, el panel de doce jurados titulares y suplentes estará obligatoriamente integrado en su totalidad por hombres y mujeres de su misma comunidad de pertenencia.

No Brasil, curiosamente, o primeiro júri indígena foi realizado de forma semelhante à lei acima citada, pois o conselho de sentença foi composto inteiramente por índios (quatro homens e três mulheres das etnias Macuxi, Ingaricó, Patamona e Taurepang) –inédito no Brasil–, pois tanto os acusados quanto a vítima eram indígenas da etnia Macuxi. Levado a cabo na cidade de Roraima em 2015, o caso envolveu dois réus, irmãos, acusados de tentar matar um terceiro no ano de 2013, pois alegavam que este último, a vítima, estaria possuído por uma entidade indígena denominada Canaimé. Os réus, suspeitando que este indivíduo seria o responsável por outras duas mortes ocorridas dentro da comunidade, atacaram-no com uma faca cortando seu braço e pescoço.

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Trazendo a discussão para o cenário brasileiro, o tema da paridade de gêneros no Conselho de Sentença ganhou holofotes em 23 de maio de 2023, já que o PL 1918/21 ganhou, no Senado, relatório favorável, prevendo quantidade mínima de mulheres dentre os jurados sorteados e para a composição final do painel de jurados.

Diferentemente de como acontece hoje em que não estão previstos na legislação processual penal número mínimo de homens e mulheres, o projeto sugere a alteração dos art. 433, 447 e 469 do CPP que passariam a dispor:

“Art. 433. O sorteio, presidido pelo juiz, far-se-á a portas abertas, cabendo-lhe retirar as cédulas até completar o número de 25 (vinte e cinco) jurados, para a reunião periódica ou extraordinária, sendo que, no mínimo, treze (13) jurados serão mulheres.”

“Art. 447. Parágrafo único. Dos 7 (sete) jurados que constituirão o Conselho de Sentença, no mínimo, três (3) serão homens e três (3) mulheres, com exceção do julgamento dos crimes em que a vítima for mulher, no qual haverá no Conselho, no mínimo, 4 (quatro) mulheres.”

“Art. 469. § 1º A separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sentença, na forma prevista pelo parágrafo único do art. 447 deste Código.”

É certo que a paridade de gênero traz certa imparcialidade ao julgamento, mas quais outras garantias devemos ter para que se chegue a um veredicto válido? Embora valiosa a discussão desse tema, ela é incompleta.

À luz do que podemos aprender com Argentina, para que o júri no Brasil tenha todos os mecanismos de controle de veredicto válidos que conduzem ao ideal de imparcialidade, é necessário trazer à discussão a questão da implementação das instruções do juiz aos jurados, maior número de jurados no conselho de sentença, implementar o juiz de garantias, ter uma audiência de seleção de jurados (voir dire), permitir a deliberação em segredo, exigir unanimidade, proibir recurso da acusação em caso de sentença absolutória e novo julgamento em caso de jurado estancado, a pedido dos acusadores. (PANZOLDO, 2022)

Na Argentina, a perspectiva de gênero também está presente nas instruções aos jurados, pois elas trazem com um olhar atento nos casos de violência de gênero. Pouco a pouco, julgam-se os casos em que as instruções foram construídas sob essa ótica, visto que casos assim requerem alguns cuidados e precauções adicionais, especialmente na maneira como ditas instruções são transmitidas aos jurados. É necessário que em cada uma das instâncias do processo e do julgamento seja possível pensar, analisar e executar a atuação com esse enfoque de gênero. (REYES, 2021)

Da mesma forma que o júri criminal, as causas cíveis e comerciais na Argentina também serão julgadas por doze cidadãos, obedecendo a igualdade de gênero. É necessário inspirar-nos nas leis argentinas e propor outras reformas no júri brasileiro que se complementarão ao PL 1918/21, fazendo com que o tribunal do júri tenha as garantias necessárias tanto ao acusado quanto à vítima, refletindo na confiança que a sociedade tem na justiça.


Referências bibliográficas:

FUKURAI, Hiroshi y HARFUCH, Andrés, “La necesidad de un jurado bifurcado en diversidad de género y de nacionalidad. Recuperatores en Roma, jurado de medietate linguae en Inglaterra y Estados Unidos y el jurado indígena en Argentina”, en Revista de Derecho Penal y Criminología, La Ley, Año X, Número 11, Diciembre 2020.

HARFUCH, Andrés. El veredicto del jurado. 1ª ed., Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Ad-Hoc, 2019. (Colección Jurados y Participación Ciudadana n. 6)

PANZOLDO, Lisandra. O tribunal do Júri no Brasil e na Argentina. Estudo Comparado.

REYES, Analía V. Instrucciones al jurado con perspectiva de género. LA LEY. Año LXXXV, n.º 175. Septiembre, 2021.

U.S. Supreme Court. Taylor v. Louisiana, 419 U.S. 522 (1975).

Sobre a autora
Lisandra Panzoldo

Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Penal pela Damásio Educacional e em Direito Probatório no Processo Penal pela Escola da Magistratura Federal (Esmafe). Autora do livro "O Tribunal do Júri no Brasil e na Argentina. Estudo Comparado", publicado pela editora Lumen Juris e também publicado na Argentina pela editora Ad-Hoc na coleção "Jurados y participación ciudadana en la administración de justicia". Autora de artigos na área jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANZOLDO, Lisandra. PL 1918/21: a paridade de gênero, as leis argentinas e outras perspectivas no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7284, 11 jun. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104444. Acesso em: 22 dez. 2024.

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