A indenização fruto da conversão de licenças-prêmio e férias em pecúnia, no processo de aposentação do servidor público, deve representar a remuneração que o servidor perceberia caso tivesse gozado de tais benefícios em atividade, incluído aí, as verbas de caráter permanente como auxílio saúde, auxílio alimentação e abono de permanência, sob pena de haver enriquecimento ilícito por parte da administração.
A interpretação atual dos tribunais superiores no Brasil, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), é de que o auxílio alimentação e o auxílio saúde, apesar de serem classificados como verbas de caráter indenizatório pela legislação, devem ser considerados na base de cálculo da pecúnia indenizável pelo não gozo da licença prêmio e férias, por ocasião da aposentação.
Essa interpretação baseia-se no entendimento de que esses benefícios possuem caráter permanente, ou seja, são concedidos de forma regular e duradoura, incorporados à remuneração do servidor, independentemente de condições temporárias ou eventos específicos. Portanto, eles são considerados como parte integrante da remuneração e devem compor a base de cálculo da pecúnia da licença prêmio e férias não gozadas.
Essa posição dos tribunais, de considerar o caráter permanente das vantagens pecuniárias em detrimento de sua classificação legal como indenizatórias, pois, ao considerar o caráter permanente das vantagens, os tribunais buscam proteger os direitos dos servidores e evitar interpretações restritivas que poderiam excluir essas parcelas da base de cálculo de benefícios, como a pecúnia da licença prêmio não gozada. Isso é importante para garantir que os servidores recebam uma remuneração adequada e justa pelos serviços prestados ao longo do tempo.
A interpretação favorável aos servidores também se baseia nos princípios constitucionais que asseguram a valorização do trabalho e a proteção dos direitos dos trabalhadores, incluindo os servidores públicos. Dessa forma, os tribunais têm buscado uma interpretação ampliativa, considerando a realidade das vantagens pecuniárias e seu caráter permanente, independentemente de sua classificação legal como indenizatórias.
A Constituição Federal do Brasil estabelece diversos dispositivos que respaldam a proteção dos direitos dos trabalhadores e a valorização do trabalho. Alguns desses princípios relevantes são:
Dignidade da pessoa humana: a Constituição consagra o princípio da dignidade da pessoa humana como um valor fundamental, que deve nortear todas as relações de trabalho, inclusive no serviço público. Esse princípio exige o respeito à integridade física e moral dos trabalhadores e a garantia de condições dignas de trabalho.
Valorização do trabalho humano: a Constituição preconiza a valorização do trabalho como um dos fundamentos da ordem econômica e social. Isso implica reconhecer a importância do trabalho desempenhado pelos servidores públicos e garantir a justa remuneração e condições adequadas para o exercício de suas atividades.
-
Direitos sociais e trabalhistas: a Constituição estabelece uma série de direitos sociais e trabalhistas que devem ser assegurados aos trabalhadores, incluindo os servidores públicos. Dentre esses direitos, destacam-se a remuneração digna, a jornada de trabalho adequada, a licença remunerada e a proteção contra práticas discriminatórias.
Ao interpretar as normas e legislações relacionadas aos direitos dos servidores públicos, os tribunais buscam promover uma interpretação que esteja alinhada com esses princípios constitucionais. Isso implica uma abordagem favorável à proteção dos direitos trabalhistas, à garantia de uma remuneração justa e à valorização do trabalho dos servidores públicos.
Acerca do tema, o STJ, refirmando o seu entendimento, estabeleceu que a base de cálculo é o valor referente à remuneração do servidor antes da aposentadoria, incluídos aí, no presente caso, o vencimento básico, os quinquênios, o auxilio alimentação e o auxílio saúde (por serem verbas de caráter permanente), devidamente excluídas as verbas de natureza transitória. Segue abaixo a jurisprudência atualizada, pacífica e dominante dos nossos Tribunais Superiores:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. INCLUSÃO DO ABONO DE PERMANÊNCIA E DO AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO PARA FINS DE CONCESSÃO DE LICENÇA-PRÊMIO. AGRAVO INTERNO DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO. 1. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento adotado por esta Corte de que as rubricas que compõem a remuneração do Servidor deverão ser incluídas na base de cálculo da conversão da licença-prêmio em pecúnia, dentre elas o auxílio-alimentação, o abono de permanência e a saúde suplementar. Nesse sentido: REsp. 1.489.904/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25.11.2014, DJe 4.12.2014. 2. Agravo Interno do DISTRITO FEDERAL desprovido. (AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 475.822 - DF, Primeira Turma do STJ, Data de julgamento: 06 de dezembro de 2018) (grifou-se)
Bem por isso, outros tribunais têm ajustado o seu entendimento, a exemplo do transcrito abaixo:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL INATIVO. LICENÇA PRÊMIO NÃO GOZADA E NEM UTILIZADA EM DOBRO PARA CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. BASE DE CÁLCULO. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO E ABONO PERMANÊNCIA. INCLUSÃO.
1. É possível a conversão em pecúnia dos meses de licença prêmio por assiduidade não usufruídos pelo servidor aposentado nem computados em dobro para fins de aposentadoria ou abono permanência, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração. Precedentes.
2. O cálculo da licença-prêmio convertida em pecúnia deve se dar com base em todas as verbas de natureza permanente, em quantia correspondente à da última remuneração do servidor quando em atividade, inclusive auxílio-alimentação e abono permanência, quando for o caso.
(TRF4, AC 5025848-53.2018.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 08/09/2020) (grifou-se)
No caso do auxílio-alimentação, por exemplo, que tem caráter permanente, inclusive, sendo verba recebida por todos os servidores ativos, sem exceção de direito ao recebimento, não havendo qualquer restrição ao recebimento deste, quando do usufruto de licença-prêmio e férias.
Com efeito, a inclusão do auxílio-saúde e o abono de permanência decorrem do mesmo fundamento para a inclusão do auxílio-alimentação, pois, são verbas com caráter permanente, “cuja supressão no pagamento quando da conversão em licença prêmio e férias em pecúnia” não se justifica.
Em suma, se o auxílio-alimentação, o abono de permanência e o auxílio-saúde sendo pagos nos salários mensais durante o gozo das licenças prêmios, não há justificativa para a sua exclusão da base de cálculo da conversão das licenças em pecúnia, sob pena de enriquecimento ilícito da administração.
Concluindo pelo que foi exposto, principalmente às justas decisões judiciais aqui aludidas, fica inquestionável que as verbas como auxílio-alimentação, auxílio saúde e outras de caráter permanente, devem compor a base de cálculo da conversão de férias e da licença-prêmio em pecúnia.