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A responsabilidade civil dos influenciadores digitais

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O CONAR – CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA – E SUA ATUAÇÃO FRENTE AOS INFLUENCIADORES

Antes de abordar o tema em questão, é importante destacar que, no Brasil, ainda não existe uma lei específica para regulamentar as atividades dos influenciadores. Contudo, desde 05/05/1980 o país conta com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), uma organização de autorregulamentação da publicidade.

Uma das principais funções do CONAR é a emissão de pareceres e recomendações às empresas e influenciadores envolvidos em casos denunciados. Eles buscam orientar e sugerir ajustes necessários para que a publicidade esteja em conformidade com as normas estabelecidas.

Essa autorregulamentação promovida pelo CONAR tem se mostrado eficaz na promoção da responsabilidade e da transparência na publicidade brasileira. Além disso, o órgão busca acompanhar as mudanças no cenário digital, adaptando suas normas e diretrizes para abranger as novas formas de publicidade, como as realizadas por influenciadores nas redes sociais.

No entanto, é importante ressaltar que as decisões do CONAR não têm caráter legal, ou seja, não têm poder de aplicar sanções ou multas. Ainda assim, o cumprimento das recomendações do CONAR é valorizado pelo mercado publicitário e pelos próprios influenciadores, uma vez que evidencia o comprometimento com a ética e a boa prática da comunicação publicitária. A partir disso, vamos analisar a atuação do CONAR nos casos de influenciadores digitais:

Conar mediante queixa de consumidor vs. Desinchá e Gabriela Pugliesi

No caso em questão, a CONAR recebeu uma queixa de um consumidor paulistano contra a empresa Desinchá e a influenciadora Gabriela Pugliesi. A reclamação estava relacionada a publicidades veiculadas nas redes sociais sobre o produto Desinchá, nas quais o consumidor alegava que poderia haver uma indução ao engano sobre a presença de diuréticos na fórmula do produto, omitindo possíveis riscos.

A partir dessa queixa, a CONAR iniciou o processo de análise do caso. A Desinchá argumentou que a postagem em questão não era uma publicidade, mas sim uma ação espontânea da influenciadora, que teria divulgado o produto após receber amostras.

No entanto, a relatora do caso, Conselheira Milena Seabra, não aceitou os argumentos da anunciante. Ela considerou que a postagem em questão se caracterizava como publicidade. Levando em conta o formato da publicação, que já não estava mais em exibição, a relatora propôs a aplicação de uma advertência tanto à Desinchá quanto a Gabriela Pugliesi.

A decisão da relatora foi acompanhada por unanimidade pelos membros da Sexta Câmara do CONAR. A advertência aplicada teve como base os artigos 1º, 3º, 6º, 23, 27 e 50, letra "a", do Código de Autorregulamentação Publicitária e seu Anexo H. Esses artigos estabelecem diretrizes e princípios éticos a serem seguidos pelos anunciantes.

A consequência direta da decisão foi a aplicação de uma advertência à Desinchá e a Gabriela Pugliesi. Essa medida tem como objetivo alertar os envolvidos sobre o não cumprimento do princípio da veracidade na publicidade e ressaltar a importância de evitar enganos ao consumidor.

Conar mediante queixa de consumidor vs. Ana Clara e O Boticário

No caso em questão, a CONAR recebeu uma queixa de consumidor contra a blogueira Ana Clara e a empresa O Boticário. A consumidora, alegou que um anúncio veiculado nas redes sociais não estava claro e ostensivo quanto à sua natureza publicitária, o que contrariava as recomendações do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

O Boticário, em sua defesa, argumentou que a peça publicitária em questão era um exemplo de publicidade nativa, afirmando que os consumidores conseguem distinguir quando se trata de um conteúdo patrocinado. Além disso, eles destacaram que a blogueira adicionou a informação de que se tratava de uma "parceria paga" na postagem.

A conselheira relatora do caso, Mirella Caldeira Fadel, reconheceu a boa intenção das partes em corrigir a postagem após a reclamação, porém, recomendou a alteração do post original e impôs uma advertência à blogueira Ana Clara. Essa recomendação foi aceita por unanimidade pelas Quinta, Sexta, Sétima e Oitava Câmaras do CONAR.

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A decisão foi baseada em fundamentos legais, como os artigos Artigos 1º, 3º, 6º, 9º, 28, 30 e 50, letras "a" e "b", do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, os quais estabelecem diretrizes e normas para a publicidade no Brasil.

Portanto, os casos apresentados ilustram a crescente preocupação com a responsabilização dos influenciadores digitais em relação à publicidade e propaganda divulgada em suas redes. Ainda, existem desafios a serem enfrentados, como a adequação das regras de publicidade às peculiaridades das redes sociais. É fundamental que os influenciadores estejam cientes de suas responsabilidades e sigam as diretrizes estabelecidas pelo CONAR para garantir a transparência e a proteção do público consumidor.


RESPONSABILIDADE CIVIL DOS INFLUENCIADORES PELAS PUBLICIDADES E PROPAGANDAS DIVULGADAS

Essas publicidades divulgadas nas redes sociais tem a capacidade de desenvolver um comportamento no consumidor consciente e inconscientemente, gerando uma resposta imediata ao conceito e admiração que se tem daquela pessoa ou grupo que está promovendo o produto, dessa forma, a publicidade gera valores como: sucesso, riqueza, beleza, juventude, alegria e status.

Quando um influenciador digital indica algo, a sua imagem traz credibilidade e segurança sobre a qualidade daquele produto ou serviço que está sendo indicado. Nessa perspectiva, os influenciadores se posicionam como garantidores pelos produtos e serviços indicados.

Se porventura, as qualidades atribuídas aos produtos e serviços não sejam condizentes com a realidade, o fator de persuasão dos influenciadores aparece de forma negativa e essa situação pode gerar danos e/ou prejuízos ao consumidor.

Partindo dessa premissa, surgem questões sobre a responsabilidade civil dos influenciadores digitais, o objetivo deste artigo é analisar a responsabilidade civil dos influenciadores digitais no contexto das redes sociais. Sobre o tema tem-se que:

A responsabilidade civil está relacionada ao conceito de não prejudicar outro, pode ser definida como tomar medidas para obrigar alguém a reparar danos causados a outros por suas ações ou omissões. (SANTOS, 2012).

A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. (RODRIGUES, 2003, p.6).

Nesse contexto, a responsabilidade civil dos influenciadores digitais está diretamente associada aos danos causados por suas ações ou omissões no exercício da promoção de produtos e/ou serviços. Esse tema é uma questão jurídica complexa, visto que envolve diferentes fundamentos a respeito de qual obrigação deve ser aplicada a esses influenciadores.

Juridicamente é a obrigação que acarreta, para o autor do ato ilícito, a reparação do dano, surgindo o dever de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. Trata-se de obrigação de natureza pessoal, em que o patrimônio do devedor será acionado.

De acordo com Paulo Jorge Scartezzini Guimarães devem ser aplicadas às celebridades todas as diretrizes do Código de defesa do consumidor, inclusive no que concerne a responsabilidade em caso de violação aos direitos dos consumidores, tendo em vista que as celebridades são partes integrantes da cadeia de consumo, figurando ao lado de todos os outros agentes. (GUIMARÃES, 2001,p.98).

Posto isto, se faz necessário estabelecer se tal responsabilidade é objetiva ou subjetiva. Muitos afirmam que a responsabilidade é subjetiva, visto que contribuem e avaliam apenas com sua imagem: “pouco razoável responsabilizar a celebridade objetivamente quando apenas anuncia determinado produto sobre o qual não possui conhecimento técnico para avaliá-lo” (SPERANZA, 2012).

Ação indenizatória. Responsabilidade civil. Ilegitimidade passiva do apresentador do produto adquirido em rede social conhecido com influenciador digital mantida. Impossibilidade de responsabilização pelo insucesso do negócio. Inexistência de danos morais indenizáveis. Ausência de constrangimento, ofensa à honra e/ou exposição dos autores a situação vexatória ou humilhante. Indenização por dano moral que deve ser reservada para os casos de dor profunda e intensa, em que ocorre violação aos direitos da personalidade. Multa. Conversão em perdas e danos. Astreintes que devem ser majoradas, pois seu objetivo é impor a parte a cumprir a decisão judicial. Sentença parcialmente reformada. Recurso provido em parte".

(TJ-SP - RI: 10069269220208260223 SP 1006926-92.2020.8.26.0223, Relator: Suzana Pereira da Silva, Data de Julgamento: 29/06/2021, 6ª Turma Cível - Santos, Data de Publicação: 29/06/2021)

Seguindo nessa linha de pensamento, Oliveira (2014) complementa: “caso demandado, deverá, portanto, provar que não agiu com culpa ao participar da publicidade viciada”.

Em contrapartida há doutrinadores que defendem que a responsabilidade é objetiva como por exemplo o magistrado e professor Paulo Jorge Scartezzini Guimarães e por outros doutrinadores como Herman Benjamin e Fábio Henrique Podestá.

Algumas decisões judiciais têm trazido luz sobre a responsabilidade civil dos influenciadores digitais. A falta de responsabilidade civil acarreta diversas consequências negativas para os indivíduos e para a sociedade como um todo, nesse sentido, o TJRJ emitiu em março de 2020 um projeto de sentença no qual traz o seguinte entendimento:

Cuida-se de Ação de Conhecimento, pelo procedimento sumaríssimo da Lei nº 9.099/95, por meio da qual a parte autora objetiva a condenação das rés em restituição de valor pago, e ao fim, compensação por dano moral, decorrente de ausência de entrega de produto exposto à venda em ambiente virtual com participação de todos os requeridos.

(...)

INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL, TRATANDO-SE DE RELAÇÃO ENTRE PARTICULARES, NA ESPÉCIE SE REVELA EM VERDADEIRA AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL, NOS TERMOS DO ART. 927 DO CC/02.

No que tange ao mérito, entendo que assiste parcial razão ao postulante. Ao compulsar os autos verifico ser incontroversa a relação jurídica entre as partes, conforme o acervo probatório anexo às fls.22/53.

(...)

Em condensado resumo, aduz o "pedido" (art. 14 da Lei 9.099/95), que a parte autora em 12/08/2019 após examinar conteúdo publicitário de venda de um IPHONE 8 PLUS, descrito na peça vestibular, que foi intermediada e incentivada com aprovação de segurança e qualidade por influenciadora digital (fls.22/23), que, aliás, a autora segue nas mídias sociais. Narra que, após efetuar o pagamento do produto (fls.25), não recebeu o mesmo, tomando posteriormente ciência de que se tratava de um golpe aplicado em território nacional. Informa que realizou o R.O (fls.27/28), mas não obteve êxito na solução extrajudicial do fato porque não foi restituída do valor pago.

Por fim, constrói toda a sua tese jurídica dentro da solidariedade dos influenciadores digitais, bem como da plataforma do facebook/instagram, fls.05/09. De outro lado, os réus apresentaram suas defesas suscitando a preliminar acima rejeitada, e no mérito, pugnando pela improcedência do pleito, sendo o réu (facebook) alegando que apresenta apenas o espaço digital, e na senda de precedentes do Eg.STJ não tem responsabilidade jurídica; a ré (virgínia), na matéria de direito sustentou culpa exclusiva da autora.

Ora, no caso em apreço, não se pode olvidar que, ainda que estamos fora de uma relação de consumo, é possível subsistir a responsabilidade objetiva, conforme declara o art. 927, parágrafo único do NCC/02, que:

"Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a ATIVIDADE NORMALMENTE DESENVOLVIDA PELO AUTOR DO DANO IMPLICAR, POR SUA NATUREZA, RISCO PARA OS DIREITOS DE OUTREM."

Assim, ao perscrutar os autos verifico que a ATIVIDADE NORMALMENTE DESENVOLVIDA pela requerida (Virgínia) implicar em expor produtos de terceiros a venda, sob sua chancela e indiscutível influência, posto que sem ela, não teríamos a contratação do produto, pois por ser seguidora desta é que a ré comprou o direcionado produto.

Portanto, é notório que a segunda requerida faz tal ato com habitualidade, conforme se apura em seu perfil virtual na plataforma do instagram, aliado a isso, essa ré não nega tal intermediação, mas apenas a questão do valor, permanecendo incólume a relação de intermediação, sobre a qual se lucra com habitualidade, o que atraia responsabilidade normalmente desenvolvida pela mesma.

Ademais, a responsabilidade civil tem se tem ampliado ao repousar-se sobre a vítima, o que se denomina de primazia da vítima com fundamento na solidariedade dos ofensores, e isso por meio do princípio da solidariedade, que, aliás, tem matriz Constitucional, (art. 3ª, I da CFRB/88).

Aliado ao acima mencionado, a ré (Revel) não se desincumbiu de demonstrar a presença de fato que possa obstar, modificar ou extinguir o direito subjetivo da demandante, na forma do artigo 373, inc. II, do NCPC, devendo RESPONDER PELOS RISCOS DO SEU EMPREENDIMENTO, CONSIDERANDO QUE QUEM RETIRA PROVEITO DE UMA ATIVIDADE DE RISCO, COM PROBABILIDADE DE DANOS, OBTENDO VANTAGENS, LUCROS, BENEFÍCIOS, DEVE ARCAR COM OS PREJUÍZOS DELES DECORRENTES.

Assim restou patente a responsabilidade da revel nesse caso em tela.

(...)

Dr. RAFAEL DA SILVEIRA THOMAZ, Juiz Leigo

TJRJ, Processo: 0019543-02.2019.8.19.0007, Procedimento do Juizado Especial Cível/Fazendário - Dano Moral Outros - Cdc

Assim, a parte prejudicada pode buscar a reparação do dano por meio de ações judiciais, exigindo o ressarcimento dos prejuízos materiais e morais sofridos. Além disso, a ausência de responsabilidade pode afetar a reputação e a confiança nas relações sociais e comerciais, prejudicando a credibilidade do indivíduo ou da empresa envolvida.

Esses doutrinadores seguem o que é estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, que prevê que a responsabilidade é objetiva em decorrência da noção de vulnerabilidade do destinatário final dos produtos e serviços. Assim, pela simples colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado serviço, ao consumidor é conferido o direito de tomar as medidas cabíveis contra todos os que estiverem na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no mercado, ou então a prestação do serviço.

Nesse sentido, algumas decisões judiciais têm trazido luz sobre a responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Citações de casos notórios e suas respectivas jurisprudências podem enriquecer a discussão e demonstrar a aplicação prática do tema. Guimarães apresenta ainda o entendimento do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que decidiu: [...] a teoria da confiança atribui responsabilidade àquele que, por seu comportamento na sociedade, gera no outro contratante justificada expectativa no adimplemento de determinadas obrigações. A publicidade integrará o contrato, de acordo com o art. 30 do CDC (GUIMARÃES, 2001, 167).

Ainda, Marques disserta em sua obra que o Superior Tribunal de Justiça entende que a responsabilidade no que tange à publicidade se estende àqueles que a veiculam e àqueles que dela se aproveitam:

Tratando-se de risco profissional (responsabilidade própria do profissional), tratando-se de atuação à qual a lei impõe deveres especiais (através de normas de ordem pública) não transferíveis aos consumidores, nem mesmo através de previsão contratual (ex vi arts. 1º, 51, I, e 25 do CDC), terá o fornecedor de suportar a sua falha, responder pela informação mal transmitida, pelo inadimplemento contratual ou pelo ato ilícito eventualmente resultante da publicidade falha. E note-se que a jurisprudência do STJ tem considerado solidária a responsabilidade daquele que veicula e daquele que se aproveita da publicidade (art. 30 c/c 35 e art. 37 do CDC). (MARQUES, 2011, 629-630)

Nesse rol, os influenciadores digitais, assim como outras celebridades, devem ser responsabilizados por qualquer dano causado aos consumidores, pois, como mencionado anteriormente, os seguidores passam a comprar produtos e serviços com base na confiança e na boa-fé, que na verdade, são as diretrizes do direito do consumidor (GALLUCCI, 2021).

Conclui-se que a responsabilidade dos influenciadores digitais é objetiva. Afinal, possuem o poder de influência sobre seus seguidores e usuários da internet e recebem vantagem financeira com as suas atividades.

Além disso, a responsabilidade também é solidária tendo em vista o entendimento do STJ, que entende que a responsabilidade é daquele que veicula e que se aproveita da publicidade. Considerando princípios da solidariedade e boa-fé o consumidor que é a parte mais vulnerável em uma relação comercial deve ser protegido. Se os atributos de qualidade de um produto ou serviço não condizem com a realidade, os influenciadores podem ser vistos negativamente pelos consumidores, violando os princípios da boa-fé e confiança.

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