Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Lei nº 13.869 de 2019, lei de abuso de autoridade e seu caráter constitucional e situações emblemáticas

Agenda 21/06/2023 às 08:44

Autor: Iago Silva de Oliveira Araújo1

RESUMO

A “nova” lei que tipifica os crimes de abuso de autoridade, Lei nº 13.869 de 2019, revogou uma da década de 1960, portanto, ainda oriunda do período do regime militar. Esta encontrava-se obsoleta tanto por suas disposições generalizantes quanto por estar longe das realidades tecnológicas advindas com o avanço das telecomunicações. Note-se que essa “nova” lei só fora editada 21 anos após da promulgação da Constituição Cidadã. Apresar de “nova” e atualizada aos novos tempos, ela passou a ser alvo de ações diretas de inconstitucionalidade sob argumentação de que ela traz em seu bojo muitos conceitos jurídicos indeterminados, o que a fragiliza e inviabiliza a sua aplicabilidade. Faz-se necessário pesquisar sobre as fundações dessa lei em nosso ordenamento jurídico e Constitucional. Para tanto, este estudo desenvolve-se pelo método bibliográfico-hermenêutico para que se analisem a própria lei, bases doutrinárias e jurisprudenciais, fundamentais para esse debate. Estruturamos este estudo em 4 partes: introdução, abordagem ampla da lei e cenário social em que se aplica; conceitos, tipos e sujeitos; penalidades e seus efeitos; casos emblemáticos, com grande repercussão junto à opinião pública e, por fim, penalidades e seus efeitos. Assim, encontraremos respostas para essa problemática acerca da meandros constitucionais que validam essa lei, apesar de algumas linhas hermenêuticas tentarem assegurar o contrário.

Palavras-chaves: Crime de Abuso de Autoridade. Conceitos jurídicos indeterminados. Controle de Constitucionalidade. Bases doutrinárias e jurisprudenciais.

ABSTRACT

The “new” law that typifies crimes of abuse of authority, Law No. 13,869 of 2019, revoked one from the 1960s, therefore, still coming from the period of the military regime. This was obsolete both for its generalizing provisions and for being far from the technological realities that came with the advance of telecommunications. It should be noted that this “new” law was only enacted 21 years after the enactment of the Citizen Constitution. Being “new” and updated to the new times, it became the target of direct actions of unconstitutionality on the grounds that it brings in its core many indeterminate legal concepts, which weakens it and makes its applicability unfeasible. It is necessary to research the foundations of this law in our legal and constitutional order. Therefore, this study is developed using the bibliographic-hermeneutic method in order to analyze the law itself, doctrinal and jurisprudential bases, fundamental for this debate. We have structured this study into 4 parts: introduction, broad approach to the law and the social scenario in which it is applied; concepts, types and subjects; penalties and their effects; emblematic cases, with great repercussions among public opinion and, finally, penalties and their effects. Thus, we will find answers to this problem about the constitutional intricacies that validate this law, despite some hermeneutical lines trying to ensure the opposite.

Keywords: Law No. 13,869 of 2019. Crime of Abuse of Authority. Indeterminate concepts. Limits to legal interpretation. Constitutional review.

  1. INTRODUÇÃO

No Estado Democrático de Direito, a Entidade Estatal administra Poderes sobre os cidadãos, ou seja, exerce uma autoridade sobre o seu povo, sobre os seus governados. Entretanto, esse jogo de poderes e autoridade não pode ser ilimitado ou estaríamos em um Estado absolutista. A atuação estatal tem o seu poder de império sobre os administrados, mas deve agir dentro de limites legais e oferecer/apresentar direitos e garantias fundamentais, assim como resguardar meios para executá-los. Assim, todo o agente público, vale dizer todo aquele que atua para satisfazer demandas que representem o Estado, o faz usando da sua autoridade que é limitada por regramentos infra e constitucionais.

Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. (BRASIL, 2019).

Preocupado com possíveis acessos e/ou desvios dessas prerrogativas imperativas do Estado, o Congresso Nacional editou uma lei para criminalizar condutas inadequadas praticadas por agentes públicos. Dessa maneira, a lei n. 4.898/1965 fora elaborada para exercer essa regulação quanto ao direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, para os casos de abuso de autoridade.

Essa lei, no entanto, passou a integrar o nosso ordenamento jurídico antes da Constituição de 1988, logo, e sua redação padecia pelo caráter generalizante, e, por razões cronológicas, pelo caráter obsoleto, especialmente em face das grandes transformações dos meios de comunicação, volume e velocidade de transmissão de dados em tempo real. Somados a isso, apresentava penas insuficientes e, portanto, não protegia os bens jurídicos que pretendia tutelar.

Nesse panorama, nasce a nova Lei de Abuso de Autoridade (LAA), Lei no 13.869/2019 e revoga por completo a Lei n. 4.898/1965. A nova lei passou, então, a regular inteiramente os crimes de abuso de autoridade. Sua vigência só teve início em janeiro de 2020, depois de o Congresso Nacional derrubar os vetos ao texto encaminhado inicialmente e da sua vacatio legis expirar.

  1. CONCEITOS, TIPOS E SUJEITOS

De antemão, vale ressaltar que são muitos casos previstos na letra da lei. Entre os artigos 3º e 4º somam-se as tipificações de 15 crimes:

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção;

b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;

d) à liberdade de consciência e de crença;

e) ao livre exercício do culto religioso;

f) à liberdade de associação;

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

h) ao direito de reunião;

i) à incolumidade física do indivíduo;

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. 

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

(BRASIL, 2019).

Podemos deduzir que neste extenso rol descritivo, exemplificativo, muitas interpretações são possíveis e que produzam guerras de versões sobre as ações dos agentes públicos, o que promove uma insegurança sobre a aplicabilidade da lei.

Este estudo observou que essa “nova lei” do crime de abuso de autoridade - Lei nº 13.869/2019 - é recorrentemente alvo de ações diretas de inconstitucionalidade. Ou seja, o referido diploma é submetido a análise de controle concentrado de constitucionalidade, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, fato que aduz a sua relevância doutrinária e acadêmica.

Segundo STRECK (2021), essa lei não poderia estar vigente em nosso ordenamento jurídico. Asserta o referido teórico que a lei em comento padece de vários “conceitos jurídicos indeterminados”, logo, tendem a hermenêuticas inconstitucionais. Nessa perspectiva, vários princípios de ordem expressamente constitucional seriam violados, e, em sendo considerada inconstitucional, evidentemente, viola o princípio da legalidade, por exemplo. Vejamos nas palavras do mestre:

Assim, o problema que se depara é saber se os principais fundamentos que sustentam a pretensão de declaração de inconstitucionalidade da mencionada lei encontram amparo no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro ou não. A hipótese deste artigo é que não. Para tanto, analisam-se os principais grupos argumentativos dos debates constitucionais, sendo eles: a lei contém conceitos indeterminados que são inconstitucionais por violarem a legalidade penal, possibilitando abusos; alguns artigos violam o princípio da proporcionalidade; e alguns dispositivos normativos caracterizam a criminalização da hermenêutica, o que não pode ser aceito num Estado Democrático de Direito. (STRECK et al., 2021, p. 2).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O fato é que a LAA prossegue vigente em nosso ordenamento e que, apesar, das controvérsias jurídicas é a traves dela que se tenta dirimir alguns casos abusivos cometidos por alguns agentes públicos.

Abordaremos comentários que abrangem da lei de abuso de autoridade (Lei n. 13.869/2019), desde a sua elaboração à sua aplicação quanto aos agentes públicos, especialmente às ações dos agentes do Poder Executivo. Este, portanto, torna-se um dos pontos cruciais de qualquer estudo que se refira esse diploma legal: quem são os sujeitos do crime? Veremos como a letra da lei nos apresenta esse rol.

2.1 SUJEITOS DO CRIME

2.1.1 Sujeito Ativo

O art. 1º da Lei nº 13.869/2019, lei de abuso de autoridade, apresenta aqueles que podem cometer crime de abuso de autoridade, para tanto, define esses crimes. Mas, vamos aos seus agentes: a) qualquer agente público (da administração direta, indireta ou fundacional; seja servidor de carreira ou não; de qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território); b) que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; c) abuse do poder que lhe seja atribuído.

Nesse ínterim, faz-se necessário debatermos sobre o conceito de agente público. A lei de abuso de autoridade considera o conceito de agente público de maneira ampla, para a sua aplicação aproxima-se do que se aplica na lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Logo, para essas leis o agente público é aquele que exerce qualquer atividade em nome da Administração Pública, ou exerça atividade requisitada por ela, ainda que transitoriamente e/ou sem remuneração. O vínculo estabelecido ou caracterizado seja por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou designação. Seja por mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade da abrangidos da administração direta, indireta ou fundacional. Por exemplo, o funcionário de uma empresa que instala e administra radares de aferição de velocidade para registro de multas, no momento de seu exercício profissional está, sob o entendimento da lei em tela, exercendo o papel de funcionário público. Este seria o caso do particular em colaboração com o poder público. E também: podemos listar “vínculos mais frágeis” como os voluntários, os estagiários e os mesários, mesmo esses que desempenham suas atividades de forma menos “seguras” junto ao poder público podem ser enquadrados nas tipificações de abuso de poder.


2.1.2 Sujeito Passivo

As vítimas do crime de abuso de autoridade, para o Direito Penal, são os sujeitos passivos, aqueles que sofrem a ação delituosa. O crime de abuso de autoridade alcança dois sujeitos passivos: 1) a pessoa (que pode ser física ou jurídica) diretamente prejudicada pela conduta abusiva. É o caso da testemunha ou o investigado, (art. 10, condução coercitiva); 2) Estado que é atingido em sua imagem, credibilidade e/ou patrimônio quando um agente seu pratica ato abusivo.

  1. SITUAÇÕES EMBLEMÁTICAS

Nesta sessão abordamos algumas das situações mais debatidas, portanto, emblemáticas no tocante aos crimes de abuso de autoridade. Sabemos que a ação do agente público é revestida de presunção da verdade, em contrapartida, devemos averiguar os relatos dos usuários dos serviços sobre as condutas.

3.1 Abuso de autoridade com a violação de domicílio

É a proteção do direito fundamental de inviolabilidade do domicílio que justifica a criminalização dessa conduta. De acordo com art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

O ingresso no domicílio alheio2 será permitido nas seguintes hipóteses: a) quando do cumprimento de ordem judicial; b) quando for ação autorizadamente legal, como nos casos previstos nos artigos 13 e 3º, II, da Lei nº 12.850/13 (agente infiltrado e instalação de escuta ambiental) e nos diversos casos que outros atos normativos permitem exceções, como por exemplo, no exercício profissional dos agentes de combate a endemias, que têm autorização “especial” para ingressar em imóveis abandonados ou em caso de recusa injustificada dos moradores; c) para prestar socorro; d) em flagrante delito ou de desastre.

O agente público comete esse crime quando viola o domicílio alheio em razão de sua função ou na pretensão de exercê-la. As condutas tipificadas para a caracterização desse crime são: a) invadir ou entrar de forma clandestina ou ardilosamente ou à revelia da vontade do ocupante de imóvel alheio em qualquer de suas dependências, ou nesse imóvel permanecer sem a necessária permissão, sem ordem judicial ou em desrespeito fora das condições estabelecidas em lei; b) quando o agente público coage alguém mediante violência ou grave ameaça, para que seja “permitido” acessar imóvel ou seus cômodos; c) sob o pretexto de cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar no período compreendido entre as 21h (vinte e uma horas) as 5h cinco horas da manhã.

Vale ressaltar que, apesar de haver hipóteses que excepcionam a inviolabilidade de do domicilio, o ingresso de imóvel e respectivas dependências, algumas cautelas devem ser observadas. Por salvaguarda, para que se evite possível responsabilização administrativa, civil e penal, o agente público adentre o domicílio com expressa manifestação de vontade do titular do imóvel, pode ser de próprio punho, com a devida assinatura, por exemplo.

Para os casos de cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar, os responsáveis devem registrar o horário de execução da diligência, com diversos meios; ressaltando-se que o cumprimento de ordem judicial só se realiza durante o dia, a depender da região do país e da época do ano, com luz solar, e nunca depois das 21h e antes das 5h3. Assim como, quanto existir fundada necessidade do ingresso em razão de flagrante delito ou desastre, é essencial que os agentes estatais assegurem o registro de sólidas informações para que justifiquem suas ações.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça4 quanto às denúncias anônimas acerca de fuga do acusado não configuram razão suficiente para autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem a devida concessão ou a devida determinação judicial.

  1. Constrangimento de preso ou detento

Os agentes de segurança encarregados da custódia de presos são os agentes públicos que podem incorrer no constrangimento ilegal de detentos e presos. O agente estatal que submeter constrangimento para “conseguir” um depoimento usando para isso de ameaça de prisão, de forçar alguém que deva guardar segredo ou sigilo em razão de função, ministério, ofício ou profissão configura abuso de autoridade, inclusive, por ferir o princípio de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência. (BRASIL, 2019).

Submeter indivíduos que estejam presos ou detidos a situações vexatórias ou degradantes5. Por exemplo, os agentes responsáveis pela prisão devem atentar para a produção de vídeos ou imagens do momento para salvaguardar suas ações legítimas, cabíveis pela lei. É fundamental que as cenas que vierem a ser produzidas sejam sem qualquer motivação de exposição pública desnecessária e/ou com emissão de juízo de valor. Além não produzirem nenhum registro vexatório ou constrangedor, o agente público deve zelar para que terceiros não o façam. Dessa forma, evita-se que haja a midiatização da imagem do preso junto à opinião pública. Outro ponto fundamental e que é obrigação do agente de segurança pública é informar, de pronto, ao custodiado o seu direito de permanecer em silêncio.

3.3 Violar direitos e prerrogativas do advogado6

Esse tipo penal fora estabelecido para proteger o legítimo exercício da advocacia por sua condição constitucional de atividade essencial à justiça. O legislador elencou expressamente quais prerrogativas, acaso infringidas, configurariam abuso de autoridade. No entanto, não abrangem todo o rol de direitos e garantias previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB). Essas violações configuram 4 tipos penais distintos de abuso de autoridade, de acordo com a prerrogativa desrespeitada.

O primeiro caso de possível violação refere-se ao inciso II do artigo 7º do EOAB que assegura a inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho do advogado, seus instrumentos de trabalho e comunicações condizentes à atividade advocatícia. Ressalte-se que o mesmo dispositivo legal reforça essa inviolabilidade para a atividade funcional do advogado, entretanto, presentes indícios de prática delituosa quebra-se essa previsão de salvaguarda (art. 7º, §6º, EOAB).

O segundo caso de infração seria desobedecer ao EOAB, em seu inciso III do artigo 7º, que se reserva a registrar o resguarda o direito constitucional de comunicação entre o advogado e o cliente preso, de maneira pessoal e reservada, mesmo que sem procuração.

As 3ª e 4ª hipóteses referem-se aos incisos IV e V do artigo 7º do EOAB que, respectivamente, versam do direito de o advogado só ser preso na presença de um membro da OAB, desde que a prisão tenha relação com seu mister, e de ser preso, sem sentença transitada em julgado, em “sala de Estado Maior” e, na falta desta, em prisão domiciliar.

Vale dizer que, ao se cumprir mandados de busca e apreensão ou cumprir quaisquer outras medidas de caráter administrativo que possam significar a quebra ou flexibilização das inviolabilidades expressas no artigo 7º, II, do EOAB, preservam-se as partes, com prévia autorização judicial e do devido acompanhamento integral dos atos por representante da OAB (zelar pela integridade do local e só iniciar as buscas na presença do representante da Ordem). Cabe, lembrar que os agentes públicos, para garantir o estrito dever legal, devem se ater ao objeto que deu causa a demanda judicial e justifica a diligência. Ou seja, é imprescindível se evitar a utilização de quaisquer dados que não guardem relação direta com o caso em tela, por exemplo, acabar, desatentamente, recolhendo documentos que dizem respeito a outros clientes do advogado que sofre as buscas e apreensões.

O Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 1127/DF declarou inconstitucional a expressão “assim reconhecidas pela OAB” – assim como afirmou ser competência estatal e não da Ordem dos Advogados, a designação do local como “sala de Estado Maior” - fixou a interpretação de que tal sala pode ser substituída por ambiente físico que possua condições dignas de funcionamento. Devendo o advogado deve ser recolhido e permanecendo apartado dos demais presos, até que se dê o trânsito em julgado. Se a prisão se relacione ao exercício da profissional, sua prisão deve ser acompanhada por membro da OAB, senão, deve ser comunicada à instituição.

4 ABUSO DE AUTORIDADE: CONDENAÇÕES E EFEITOS

A lei em comento, Lei n. 13.869/2019 não apresenta sanções administrativas ou cíveis específicas às práticas de crimes tipificados como abuso de autoridade, porém, ratifica a independência entre as instâncias. Ou seja, as penalidades previstas pela LAA têm aplicabilidades independentes nas esferas cabíveis, quer seja civil ou administrativa.

Os crimes previstos na LAA que configurarem faltas funcionais deverão ser comunicadas às autoridades competentes para que realizem as devidas apurações. O artigo 7º da LAA afirma que as responsabilidades civil e administrativa são independentes entre si, inclusive, independentes da criminal, e estas, uma vez decididas no juízo criminal não podem mais ser questionadas da existência ou da autoria dos fatos.

A de abuso de autoridade, Lei n. 13.869/19, em seu artigo 4º, apresenta os efeitos condenatórios. Uma das penalidades aplicadas aos agentes que incorrem em abuso de autoridade é a perda de cargo, mandato ou da função pública. Os efeitos da inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, dependem ocorrência reiterada de crime de abuso de autoridade e não se aplicam de maneira automática, para que seja declarada a inabilitação deve o juiz fazê-lo expressamente e motivadamente na sentença. A inabilitação pode ocorrer pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos.

Outra penalidade que o agente que incorre em abuso de autoridade é a obrigação de indenizar qualquer dano causado pelos seus atos. O juiz da causa, deve atentar-se para a demanda do ofendido e estipular na sentença valor justo para reparação dos danos percebidos.

Uma vez que o referido diploma legal não apresenta previsão de penas restritivas de direito, a doutrina tem entendido pela aplicação do art. 44 do Código Penal.

As penas restritivas de direitos em função substitutiva das penas privativas de liberdade previstas na Lei de Abuso de Autoridade são a prestação de serviços à comunidade ou em entidades públicas que prestam serviços públicos e a suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, no período que pode variar de 1 (um) a 6 (seis) meses, além da perda dos vencimentos e das vantagens. Vale ressaltar ainda que essas penas descritas, (restritivas de direitos), também podem ser aplicadas de forma autônoma e cumulativamente.

Em suma: os crimes de abuso de autoridade podem ser punidos em três esferas: 1) Administrativa, que pode variar de advertência a demissão; 2) Civil, cabe indenização proporcional ao dano causado; 3) Penal, com previsão de multa e detenção, esta, de até 6 meses; além de perda do cargo e inabilitação para outros cargos públicos por até 3 anos.   

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Produzimos este artigo com abordagens fundamentais para discussão da Lei de Abuso de Autoridade, desde uma visão panorâmica desse diploma legal como dos debates oriundos em decorrência de sua aplicabilidade. Um dos “rumores” mais fortes seria sobre a sua inconstitucionalidade, principalmente, devido aos seus “conceitos jurídicos indefinidos” que abririam margens interpretativas nocivas à segurança jurídica e causaria uma perseguição aos agentes públicos. Ora, fora em observância de valores do Direito Administrativo e Constitucional que se pretendeu criar essa lei, para combater condutas abusivas, criminosas dos agentes públicos.

Entretanto, apesar das dissidências “hermenêuticas” iniciais, tratamos de casos emblemáticos de ocorrências tipificadas na referida Lei e que são de “repercussão geral” para a opinião pública e que pode despertar muitas indagações, como por exemplo: Abuso de autoridade com a violação de domicílio, constrangimento de preso ou detento, Violar direitos e prerrogativas do advogado.

Essas hipóteses estudadas podem conferir maior discernimento sobre a aplicação das Lei e consolidar aspectos formais de segurança jurídica no julgamento e punição dos agentes públicos, especialmente do Poder Executivo.

A lei de abuso de autoridade surge em nosso ordenamento para impedir excessos, para que se evite que ações rotineiras de cada agente público ocorra de maneira arbitrária e/ou coercitiva para além da permissão legal, ferindo assim, os interesses da coletividade, o interesse público.

E por fim, discutimos a Lei de Abuso de Autoridade, seu sistema de penas a depender das condenações e seus respectivos efeitos.

Buscando dirimir questões “abusivas”, a partir desse diploma legal, n que tange o abuso de autoridade praticada por agentes públicos, muito comumente por agentes de segurança pública que em 5 de setembro de 2019 fora promulgada a “nova” Lei nº 13.869 - Lei de Abuso de Autoridade, em substituição a antecedente, Lei nº 4.898/65.

Enfim, a “nova” Lei nº 13.869 - Lei de Abuso de Autoridade representa um avanço na tentativa de banir de nossa sociedade verdadeiros flagrantes atentados aos preceitos inerentes à Dignidade Humana e, portanto, dos Direitos Humanos. Precisamos combater diuturnamente qualquer violência disferida pelo Estado através de seus representantes, quer seja física ou moral, como também limitação de liberdade indevida contra os cidadãos.

REFERÊNCIAS

BRANCO, Emerson Castelo; CAVALCANTE, André Clark Nunes; PINHEIRO, Igor Pereira. Nova Lei de abuso de autoridade comentada artigo por artigo. Leme, SP: JH Mizuno, 2020

BRASIL. Enunciado n. 10 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível em: https://www.cnpg.org.br/grupo-nacional-de-direitos-humanos-gndh/2-uncategorised/6627-enunciado.html Acessado em: 10.05.23

BRASIL. Enunciado n. 15 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível em: https://www.cnpg.org.br/grupo-nacional-de-direitos-humanos-gndh/2-uncategorised/6627-enunciado.html Acessado em: 10.05.23

BRASIL. Lei nº 13.869 - Lei de Abuso de Autoridade. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13869.htm Acessado em: 10.05.23

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Informativo da Jurisprudência. 6ª Turma. RHC 83501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623). Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/Paginas/Institucional/Composicao/6_turma_online.pdf Acessado em: 23.05.23

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Lei de abuso de autoridade, partes 1, 2 e 3. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:

https://www.dizerodireito.com.br/2019/11/lei-de-abuso-de-autoridade-parte-1.html.

COGAN, Bruno Ricardo; SILVA, Marco Antonio Marques da. Considerações sobre o abuso de autoridade: desenvolvimento histórico e atualidades. Revista DIREITO UFMS | Campo Grande, MS | v. 5 | n. 2 | p. 270 - 293 | jul./dez. 2019.

LESSA, Marcelo de Lima; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; GIUDICE, Benedito Ignácio. Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019): diretrizes de atuação de Polícia Judiciária. São Paulo: Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, 2020.

LIMA, Renato Brasileiro de. Nova lei de abuso de autoridade. Salvador: Juspodivm, 2020.

STRECK, Lenio Luiz; MORBACH, Gilberto; LORENZONI, Pietro Cardia. Lei de Abuso de Autoridade: “Conceitos Jurídicos Indeterminados” e Interpretação Constitucional. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index ISSN on-line: 1982 - 9957 DOI: 10.17058/rdunisc.vi64.16941 Acesso em: 15.04.2023


  1. Acadêmico de Direito da Faculdade Santa Teresinha.

  2. Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem: I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências; III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas). § 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.

  3. Enunciado n. 15 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM): “O mandado de busca e apreensão deverá ser cumprido durante o dia (art. 5º., XI, CF/88). Mesmo havendo luz solar, veda-se seu cumprimento entre 21h e 5h, sob pena de caracterizar abuso de autoridade (art. 22)”.

  4. STJ. 6ª Turma. RHC 83501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).

  5. Enunciado n. 10 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) assim afirma: “Constranger o preso ou o detento, mediante violência ou grave ameaça, a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro pode configurar delito de abuso de autoridade (Lei 13.869/19) ou crime de tortura (Lei 9.455/97), a depender das circunstâncias do caso concreto”.

  6. Art. 43. A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B: (Promulgação partes vetadas). Art. 7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Estatuto da OAB (Lei n° 8.906/94): Art. 7º São direitos do advogado: (...). II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008) III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes sacharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis; IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB; V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar; (Vide ADIN 1.127-8).

Sobre o autor
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!