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A compensação da jornada de trabalho após a reforma trabalhista

Agenda 26/06/2023 às 16:14

No presente artigo, trataremos da compensação da jornada de trabalho prevista no artigo 59 da CLT, depois da reforma trabalhista (lei 13.467 de 2017), analisando ainda um acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a matéria.

Antes da reforma trabalhista de 2017, o artigo 59, caput, da CLT previa que a duração normal do trabalho poderia ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 horas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.

No art. 59, §1º, previa-se que, do acordo ou do contrato coletivo de trabalho deveria constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, que seria, pelo menos, 20% superior à da hora normal.

Já o parágrafo seguinte, o §2º, previa que poderia ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia fosse compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não excedesse, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem fosse ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

O art. 59, §3º, estabelecia que, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tivesse havido a compensação integral da jornada extraordinária na forma do parágrafo anterior, o trabalhador faria jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão; e o art. 59, §4º determinava que empregados sob o regime de tempo parcial não poderiam prestar horas extras.

Com a reforma trabalhista ocorrida em 2017, no governo de Michel Temer (que foi quem apresentou, como presidente da República, o PL 6.787 em 23 de dezembro de 2016, na antevéspera do Natal daquele ano fatídico, PL que deu origem a esta lei), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que chegou ao poder após o impeachment sofrido pela presidenta eleita Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT) – sendo esta reforma e o próprio governo de Temer comprometidos com uma agenda de cortes de direitos, em substituição à agenda de ampliação de direitos que era pautada pelo governo que sofreu o impeachment, chamado de golpe por alguns cientistas políticos e sociólogos (JINKINGS et al, 2016; SOUZA, 2016) – a CLT foi bastante alterada. No que diz respeito ao artigo 59, este passou a ter uma nova redação, assim como quase todos os seus parágrafos, sendo ainda introduzidos dois novos parágrafos, o §5º e o §6º.

O artigo 59, caput, passou a determinar que a duração diária do trabalho pode ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

O art. 59, §1º, passou a estabelecer que a remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% superior à da hora normal; e o artigo 59, §2º, foi o único dispositivo deste artigo não modificado.

O §3º passou a dispor que, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma dos §§ 2º e 5º do artigo, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão; e o §4º foi revogado.

Incluídos com a reforma trabalhista, os §§ 5º e 6º passaram a determinar que o banco de horas de que trata o § 2º poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses, e que é lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.

Em resumo, cabe destacar que o regime de compensação é previsto na CF-88, art. 7º, XIII, como direito dos trabalhadores. Portanto, a compensação é constitucional. O que a reforma trabalhista de 2017 fez foi afastar a exigência de participação do Sindicato no acordo sobre regime de compensação entre empregadores e empregados, ao permitir que a compensação possa ser acordada de forma individual. Aliás, apenas o acordo individual, tácito ou escrito, admitirá, com a reforma, que a compensação ocorra em até seis meses.

Diante dessas alterações sofridas pelo artigo 59 da CLT com a reforma trabalhista, analisamos o acórdão do Recurso de Revista nº RR - 20812-48.2016.5.0.0234, julgado pela 8ª Turma em 07 de abril de 2021, sob relatoria da ministra Dora Maria da Costa, publicado no DEJT em 09 de abril de 2021.

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Neste acórdão, constatada a existência de possível violação do artigo 59, § 2º, da CLT, deu-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista, com o agravo de instrumento conhecido e provido. Em relação a horas extras, ao regime compensatório e banco de horas e à possibilidade de sua adoção concomitante, segundo a própria ementa do acórdão, o entendimento prevalecente no TST é o de que não há vedação legal à coexistência do acordo de compensação semanal com o sistema de banco de horas, merecendo reforma a decisão regional que havia decidido distintamente desse entendimento. O recurso de revista foi, portanto, conhecido e provido.

Esta decisão reformou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que havia denegado o seguimento ao recurso de revista interposto pela reclamada com fundamento na inobservância do artigo 896, § 1º-A, da CLT. Para este TRT, a reclamada não se conformara com a sentença que a condenara ao pagamento de horas extras, sustentando a validade do regime compensatório adotado e alegando que o trabalho aos sábados havia tido ajuste normativo, que estabelecera a possibilidade de eventual trabalho em dois sábados por mês. A reclamada (uma montadora de automóveis) também sustentara haver a possibilidade de cumulação de regimes compensatórios semanal e banco de horas.

O autor da ação, por sua vez, buscou o pagamento de horas extras (“excedentes a 8ª e quadragésima quarta semanal, além dos intervalos), impugnando os sistemas de banco de horas e compensatório adotados pela reclamada, que advogou pela regularidade de ambos, conforme o disposto nos acordos coletivos incidentes. Aos autos, a reclamada acostou ainda demonstrativos de pagamento e controles de horário. O autor, por sua vez, confirmou a validade desses demonstrativos e controle, asseverando ainda a fruição integral do intervalo intrajornada.

O TRT, porém, apesar da autorização da norma coletiva, destacou que não restou demonstrado que o banco de horas da reclamada fora implantado de forma regular, com registros que indicassem saldo de horas compensadas e de horas a compensar. O TRT ainda entendeu que a adoção de ambos os sistemas (compensação de jornada e banco de horas) em prejuízo do trabalhador seria suficiente para invalidá-los.

Por isso, com base na jornada registrada, o TRT condenou a reclamada a adimplir o adicional sobre as horas excedentes de 8h diárias de segunda à sexta-feira, até o momento em que a empresa adotou jornada de 8h diárias com carga horária semanal de 40h, não havendo mais se falar em sistema compensatório, ou seja, fora dado provimento parcial ao recurso da reclamada para limitar a condenação ao adicional de horas extras apenas para as horas irregularmente compensadas (excedentes da 8ª hora diária até a 44ª semanal).

Neste Recurso de Revista, a reclamada alegou a compatibilidade de institutos (banco de horas e regime compensatório).

Na sua decisão, o TST entendeu que o TRT considerou inválidos os regimes de compensação adotados apenas diante da concomitância, mas que o entendimento do TST é o de que não há vedação legal à coexistência do acordo de compensação semanal com o sistema de banco de horas, desde que respeitada a validade de ambos os regimes, nos termos dos arts. 7º, XIII, da CF/88 e 59, § 2º, da CLT, destacando que o art. 59, § 2º, da CLT não veda a realização de horas extras habituais, tampouco exige que o trabalhador tenha sido informado sobre as horas laboradas em excesso, as já compensadas e as que ainda não foram compensadas, para efeito de validade desse regime de compensação, inexistindo, pois, disposição legal ou normativa nesse sentido.

De acordo com o TST, não seria possível extrair do acórdão regional nenhuma irregularidade no sistema de banco de horas, por não se constatar a extrapolação do limite máximo de dez horas diárias de trabalho e porque foi regularmente estabelecido por norma coletiva. Além disso, o TRT não observou a limitação da Súmula nº 85 do TST, sendo essas as razões para reforma da decisão recorrida.

Diante do exposto, em face da ofensa ao art. 59, §2º, CLT, no que diz respeito ao regime de compensação, o TST deu provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista que, por sua vez, foi conhecido, por atender aos pressupostos de admissibilidade, e analisado o mérito, foi dado provimento ao recurso para excluir a condenação do pagamento de horas extras e adicional, julgando improcedente a ação, dispensando o reclamante dos ônus da sucumbência, mas declarada a validade dos sistemas de compensação adotados pela reclamada.

Vemos neste acórdão que o entendimento do TST é o de que o regime compensatório das horas extra pode ser concomitante com o regime do banco de horas, desde que haja a validade de cada regime, de acordo com o que a lei dispõe. Portanto, valeu nesta decisão o negociado ao lado do legislado, sem o entendimento do TRT de que seria vedada a concomitância dos dois regimes de compensação da jornada.

Referências

JINKINGS, Ivana et al. Por que gritamos golpe? Rio de Janeiro: Boitempo, 2016

SOUZA, Jessé. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro: Leya, 2016

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (8ª Turma). Recurso de Revista nº RR-20812-48.2016.5.0.0234, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Julgamento em 07 de abril de 2021. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, 09/04/2021.

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

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