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Maternidade e prisão: a (im)possibilidade do maternar

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Introdução

As péssimas condições do sistema carcerário brasileiro são dioturnamente discutidas pela mídia, pelo Judiciário e pela academia. O cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais que violam todos os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos privados da liberdade é um doloroso calvário para aqueles que, por algum motivo, estão cumprindo pena. No entanto, esta circunstância se torna mais complexa e profunda quando o objeto de análise é a “Maternidade no Cárcere”. Isso porque, ante a ineficiência dos estabelecimentos prisionais femininos brasileiros para o acolhimento das mães e dos seus filhos, bem como defronte a omissão do Estado acerca de políticas públicas e do Judiciário no que tange a aplicação das Leis que amparam as condições da mulher e do infante, o cumprimento de pena extrapola os limites da exclusiva privação da liberdade no que diz respeito à aplicação da punição estatal.

O aumento da população carcerária feminina no país, inviabiliza as penitenciárias a deterem infraestruturas adequadas para o atendimento de mulheres, especialmente aquelas gestantes e lactantes, de modo que suscitam danos permanentes e irreparáveis à integridade – física e psíquica – dos envolvidos, uma vez que, não tão somente, estas mulheres cumprem a pena, mas a família também, e principalmente, as crianças, cognominadas como “Filhos do Cárcere”. Diante das informações mencionadas, faz-se necessário escrutinar a eficácia do ordenamento jurídico vigente em tutelar estas mulheres e sua prole, garantindo a manutenção de seus direitos não atingidos pela pena aplicada. À vista disso, cumpre exaltar a importância do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641-SP nesta temática. Por isso, o presente artigo objetiva uma análise minuciosa acerca da complexidade do assunto, que se torna cada vez mais relevante, considerando que a invisibilidade social das mulheres em situação de cárcere, além verificar as eventuais violações perpetradas em face dessas mulheres.

I – A privação da liberdade

A pena privativa de liberdade, ao privar uma pessoa de sua liberdade e restringir seus movimentos, afeta diversos direitos do preso. É importante ressaltar que, apesar da privação de liberdade, os direitos fundamentais dos presos restam protegidos pela legislação nacional e pelos tratados internacionais de direitos humanos.

Os direitos das pessoas presas estão amparados pela Carta Magna de 1988 e pela Lei de Execução Penal, sendo que a primeira determina que a integridade física e moral deverá ser respeitada mesmo havendo condenação da pessoa; conquanto, a segunda lei estabelece que, para a pessoa presa, os direitos que não forem atingidos pela sentença condenatória continuarão sendo assegurados, bem como não terá qualquer tipo de discriminação afeta a elas.

Embora a teoria seja assecuratória, infelizmente a realidade não faz jus a ela, uma vez que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é violado reiteradamente, ainda mais à luz da aplicabilidade do Direito Penal, conforme enfatiza o Constitucionalista suíço Thomas Martin Fleiner:

Os ataques contra a dignidade humana não se limitam à utilização de técnicas sutis e sofisticadas, tais como a droga da verdade, difamação e escárnio públicos de certas raças, discriminação social de determinadas nacionalidades, raças ou comunidades religiosas. Quando o homem não pode mais dispor de seu corpo, quando ele é humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, a sua dignidade é atingida de maneira irreparável. A integridade corporal é o último reduto em que um homem pode ser ele mesmo. Quando este espaço de identidade é destruído, não resta mais nada da qualidade de ser humano. (FLEINER, 2003).

Por tal ponto de vista, o Doutrinador José César Naves de Lima Júnior (2018), aponta que “as punições deveriam ser humanizadas, ou melhor, partir do princípio de que o delinquente antes de tudo é um ser humano e na mensuração de sua responsabilidade criminal não poderia se perder de vista esta racionalidade.”

Nesta toada, Michel Foucault, em sua obra “Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões” (2012), assevera que:

Essa necessidade de um castigo sem suplício é formulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua “humanidade”. Chegará o dia, no século XIX, em que esse “homem”, descoberto no criminoso, se tornará o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e de prática estranhas – “penitenciárias”, “criminológicas”. Mas, nessa época das Luzes, não é como tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra a barbárie dos suplícios, mas como limite de direito, como fronteira legitima do poder de punir. Não o que ela tem de atingir se quiser modificá-lo, mas o que ela deve deixar intacto para estar em condições de respeitá-lo. Noli me tangere. Marca o ponto de parada imposto à vingança do soberano. O “homem” que os reformadores puseram em destaque contra o despotismo do cadafalso é também um homem-medida: não das coisas, mas do poder. (FOUCAULT, 2012).

Neste sentido, mesmo que o preso esteja restrito de sua liberdade, os direitos humanos devem ser assegurados em sua totalidade, haja vista serem eles invioláveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.

Tal assunto se tornar especialmente relevante, quando o objeto de análise é a população carcerária feminina. Isso porque, nos últimos anos, a população carcerária feminina no Brasil tem aumentado significativamente. De acordo com os dados mais recentes, entre 2007 e 2012, a quantidade de mulheres encarceradas no Brasil aumentou 42%3. Em 2022, o Brasil ultrapassou a Rússia4 e se tornou o terceiro país com mais mulheres presas no mundo, com mais de 42 mil mulheres atrás das grades5. Em 2018, 74% das mulheres presas no Brasil eram mães e 56% tinham dois ou mais filhos6. Além disso, 62% das mulheres presas em 2022 eram negras7.

Entre 2000 e 2016, a população carcerária feminina no Brasil cresceu 698%, passando de 5.601 mulheres para 44.7218. Em 2020, o total de mulheres privadas de liberdade saltou para 37.165, correspondendo a 4,89% do total de pessoas presas no Brasil9. Apesar de representarem uma pequena parcela da população prisional global, o encarceramento feminino no mundo aumentou mais de 50% no período de 2000 a 201710. O aumento exponencial de mulheres presas no Brasil teve como motores o "uso praticamente automático da prisão preventiva nos casos de acusação de crimes"11.

Não obstante o já mencionado, aos encarcerados, assegura-se o Direito de Petição, com fulcro no artigo 41, inciso XIV, da Lei de Execução Penal12. Este direito é definido pelo Jurista Constitucionalista José Afonso da Silva como:

O direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou situação, seja para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação da situação, seja para solicitar uma modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade. (SILVA, 2003).

Ou seja, esta garantia constitucional está associada à defesa da pessoa, sendo um instrumento de defesa jurisdicional, que visa o requerimento ou a representação junto à Administração Pública de denúncias que versem a respeito de direitos lesionados, torturas e/ou abusos de autoridade ocorridos dentro do ambiente carcerário.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º, inciso LXXIV e 134, caput13, preveem aos presidiários o acesso à justiça integral e gratuita, visto que a grande maioria desta população não desfruta de boas condições financeiras para custear serviços jurídicos particulares. Sendo assim, incumbe-se ao Estado designar um Defensor Público para o assessorar juridicamente.

Ademais, caso o condenado seja mantido preso por período superior ao fixado em sua pena ou haja erro na aplicabilidade desta, competirá ao Estado indenizá-lo, diante da responsabilidade objetiva daquele para com este, assim preconizado pelo artigo 5º, inciso LXXV, da Carta Magna14.

Por fim, mas não menos importante, e diante dos diversos direitos pertinentes às pessoas em condição de cárcere, podemos elucidar a Remição de Pena, prevista pelo artigo 126, da Lei de Execução Penal15. Este benefício apenas é aplicado aos condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto, visando a diminuição de um dia da pena fixada por meio de três dias trabalhados.

De acordo com o levantamento de dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2020), vislumbrou-se que durante a Pandemia do Covid-19 houve um aumento significativo da população carcerária feminina no Brasil, resultando em 49 mil mulheres reclusas, de modo que o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial de maior população carcerária feminina do mundo.

O crime com maior incidência entre as mulheres encarceradas é o tráfico de drogas, apresentando um total de 59,9%, embora elas não tenham vínculos com redes de organizações criminosas. Uma boa porcentagem destas mulheres realizava o transporte de drogas, denominadas como “Mulas”. Ressalta-se que este foi um fator predominante no aumento da massa carcerária feminina com o advento da Lei. nº 11.343/06, a Lei de Tóxicos. Em seguida, podemos citar a prática de roubo, com 12,90%, e o furto, com 7,80%, na forma tentada ou consumada. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, 2017).

Por oportuno salientar, que geralmente os estereótipos criminológicos femininos mais presentes no Brasil tratam de mulheres jovens, afrodescendentes, com baixo nível socioeconômico e escolar, e mães solo, que são incumbidas pelo sustento de suas famílias e dispõem do trabalho informal como fonte de renda. A realidade carcerária exposta, resulta em estereótipos impostos pela sociedade sobre os indivíduos transgressores da Lei. (PILOTO, 2020). No tocante a criminalidade feminina, após um estudo realizado nos presídios do Rio de Janeiro, constatou-se que a maioria das mulheres encarceradas, no passado, sofreram algum tipo de violência antes de terem a liberdade cerceada. (SOARES, 1999-2000).

Logo após terem a liberdade cerceada, estas mulheres são consideradas, pela sociedade, duplamente transgressoras: da legislação e das prescrições sociais impostas ao gênero feminino: o papel de ser mãe e esposa.

Justamente por essa apenação dupla é que urge esmiuçar o tratamento legal dispensado às mulheres encarceradas e que tratem de suas peculiaridades e necessidades específicas. Nesse sentido, podem ser citadas algumas previsões legais dirigidas a essa parcela da população prisional como as que seguem.

Ainda que a história do Brasil esteja marcada por metamorfoses positivas e negativas, que foram, em suma, essenciais para o desenvolvimento do país, dentre elas, como marco positivo, poder-se-á aludir a promulgação da Constituição Federal de 1988, que resguarda a inviolabilidade de direitos e garantias fundamentais inerentes às pessoas, após um período em que a liberdade e os direitos foram maculados pela Ditadura Militar, durante duas longas décadas (1964-1985). (PINTO, s.d.).

Neste ínterim, a Carta Magna apresenta em seu artigo 5º um rol extenso, não taxativo, contemplando todos os direitos e garantias individuais e coletivas. Em análise à temática abordada no presente artigo, podemos discorrer sobre três incisos que são substanciais às Mães e aos Filhos do Cárcere: XLV, XLIX e L16.

O inciso XLV17 preconiza a respeito do Princípio da Intranscendência Penal, sendo certo que “a ação penal não deve transcender da pessoa a quem foi imputada a conduta criminosa, sem que haja a efetiva comprovação de sua participação”, conforme o exposto pelo Habeas Corpus HC nº 4756, do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins.

Ao passo que o inciso XLIX18 preceitua que a integridade física e moral da população carcerária deverá ser respeitada, disposição, esta, que corrobora com os termos do caput, do artigo 3º, da Constituição Federal, o qual suscita que nenhuma pessoa deverá ser submetida à tortura ou a tratamentos considerados desumanos ou degradantes.

Na sequência, o inciso L estabelece o direito à permanência dos Filhos do Cárcere com as suas mães, em estabelecimento prisional, durante o período de amamentação, com as devidas condições necessárias para o pleito.

Não obstante, depreende-se que o aleitamento materno corresponde a um momento crucial para estabelecer elos entre a mãe e o filho que acabara de nascer, de tal modo que este direito deve ser valorizado e garantido, no mínimo, até os seis meses de idade do bebê. (Cartilha mães no cárcere, 2018).

Em casos esparsos, o período de permanência entre mães encarceradas e seus filhos poderá ser flexibilizado e mantido por tempo superior ao adotado pela legislação. Nessa acepção, o Habeas Corpus nº XXXXX-02.2019.8.26.0000, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, restou-se denegado, por unanimidade dos votos, com concretude à interpretação de que violaria a garantia constitucional o afastamento compulsório da criança, no caso em comento.

Tem-se, ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma Lei Federal (Lei nº 8.069/1990)19, que objetiva tutelar os Direitos das crianças e dos adolescentes, protegendo-os em sua integralidade, considerando que são indivíduos com condições peculiares de pessoas em desenvolvimento, sendo assim, “necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral”. (LIBERATI, 2006).

Destarte, o ECA adotou a Teoria da Proteção Integral, visando os direitos próprios e especiais dos infanto-juvenis. Nesta acepção, o doutrinador Wilson Donizeti Liberati explica que:

É integral, primeiro, porque assim diz a CF/88 em seu art. 227, quando determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de qualquer tipo; segundo, porque se contrapõe à teoria do “Direito tutelar do menor”, adotada pelo Código de Menores revogado (Lei nº 6.697/79), que considerava as crianças e os adolescentes como objetos de medidas judiciais, quando evidenciada a situação irregular, disciplinada no art. 2º da antiga lei. (LIBERATI, 2006).

Dito isso, vale frisar que esta Teoria está respaldada, jurídica e socialmente, na Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, aderida pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que ocorreu em 1989. Além disso, é importante salientar que o artigo 2º, do Estatuto20, define os infantes e os adolescentes pelo aspecto etário, de modo que tal distinção não está atrelada às condições psicológicas e sociais destes indivíduos, in verbis: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade”. (Brasil, 1990).

Ademais, são assegurados aos infanto-juvenis os mesmos direitos fundamentais consignados pelo artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, os quais estão corroborados pelo artigo 4º, do Estatuto21, na íntegra:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990).

Por oportuno, destaca-se, nas palavras do exímio Doutrinador Wilson Donizete Liberati que:

Por absoluta prioridade devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes. (LIBERATI, 2006).

Afinal, parafraseando a fala do ínclito Pedagogo e Redator do ECA, Antônio Carlos Gomes da Costa (1990): “o maior patrimônio de uma nação é o seu povo, e o maior patrimônio de um povo são suas crianças e jovens”.

Consoante ao tema abordado nesta dissertação, os infantes devem ser amparados pelo Estado no tocante ao convívio com suas mães em ambiente carcerário, uma vez que a punibilidade imputada às mães do cárcere não poderá transpassar aos seus filhos. Nessa perspectiva, Bárbara C. Pagnozzi elucida que:

Não é uma situação fácil, pois o problema tem muitos lados diferentes. De um lado, quem comete um crime não pode deixar de ser punido pelo fato de estar grávida ou ter filhos. Isto poderia provocar uma corrida pela gravidez por parte de mulheres delinquentes. De outro lado, em visto do tipo de relação estabelecida entre a gestante e o feto ou a mãe e a criança que amamenta, não é fácil falar de garantia de direitos daquele indefeso que por nascer de mãe presa acaba ficando preso com ela e não tendo o conforto próprio do convívio com a família nem garantindo seu direito de desenvolvimento integral. (PAGNOZZI, 2018).

Por conseguinte, incumbe ao Estado garantir que o Princípio Constitucional de Intranscendência Penal seja, de fato, devidamente cumprido para que a pena cominada à mulher não ultrapasse ao seu filho. Além disso, faz-se jus que o Governo busque novas alternativas em relação a custódia de crianças nos estabelecimentos prisionais junto de suas mães, visto que, de modo indireto, a liberdade dos infantes é cerceada e o desenvolvimento prejudicado sob diversos aspectos.

Nesse mesmo escólio, publicada no Diário Oficial da União, em 15 de julho de 2009, a Resolução CNPCP nº 422, estabelece as orientações atinentes a estada, permanência e posterior encaminhamento dos Filhos do Cárcere. Embora os assuntos supracitados sejam objetos de outros textos legais, a Resolução nº 4 propende a singularizar e aclarar estas questões.

Por conseguinte, o preâmbulo da Resolução aduz que a equidade de gênero em relação às Política Públicas deve ser reconhecida, respeitada e garantida.

Além disso, dados estatísticos voltados para o estudo da maternidade, amamentação e guarda dos filhos em condições de cerceamento de liberdade, evidenciados pelo Relatório sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007), apresentado pelo Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas23; como também projetos celebrados entre o Ministério da Justiça e Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres por meio do Acordo de Cooperação Técnica (2006)24; e o artigo 37, do Código Penal Brasileiro25, foram fatores preponderantes que contribuíram conjuntamente para a elaboração desta Resolução.

Logo, o artigo 1º desta previsão legal26, outorga o direito de os filhos permanecerem no logradouro prisional junto de suas mães, desde que sejam respeitadas as orientações elencadas nos incisos I, II e III, ambas alusivas ao bom desenvolvimento dos infantes e das mães. Ademais, ressalta-se que, o inciso III demonstra certa sensibilidade ao compreender que o aleitamento materno traz impactos físicos e psicológicos, e que, portanto, dever-se-á ser tratado de maneira privilegiada e coesa, considerando que a saúde do corpo e da “psique” do infante são dependentes da amamentação. (BRASIL, 2009).

Nesta toada, uma pesquisa intitulada como “O aleitamento materno e o desenvolvimento psicossocial da criança”, concluiu que não tão somente a psique do infante se torna beneficiária do ato de amamentar, mas sim, a da mãe também, vide:

Verificou-se que mães que optaram pelo aleitamento materno relataram níveis mais baixos de estresse e depressão, níveis mais altos de apego maternal, e tendem a interpretar seus bebês mais positivamente do que as mães que utilizaram leite em pó. Há evidências que sugerem que as mães que amamentam podem também despender mais tempo com cuidados emocionais e serem mais sensíveis aos sinais de perturbações emocionais do bebê do que as mães que alimentam com mamadeira.

(...)

Em termos de comportamento dos bebês, evidências mostram que nas primeiras semanas de vida os bebês amamentados podem ser caracterizados por maior agilidade mental e por outros aspectos de funcionamento neurocomportamental. (2007, online).

No que concerne ao caput, do artigo 2º da Resolução27 em comento, o prazo mínimo estipulado para a permanência dos filhos com as mães em ambiente carcerário é de um ano e seis meses, posto que, conforme o próprio texto legal assevera:

A presença da mãe nesse período é considerada fundamental para o desenvolvimento da criança, principalmente no que tange à construção do sentimento de confiança, otimismo e coragem, aspectos que podem ficar comprometidos caso não haja uma relação que sustente essa primeira fase do desenvolvimento humano; esse período também se destina para a vinculação da mãe com sua (seu) filha (o) e para a elaboração psicológica da separação e futuro reencontro. (BRASIL, 2009).

Porém, após decorrido o período acima exposto, dar-se-á início ao processo de separação compulsória entre mães e filhos, devendo ocorrer de forma gradual, até o período máximo de seis meses, conforme corrobora o artigo 3º28. Não obstante a isso, o caput do artigo 6º29, respalda a possibilidade de estender o prazo de permanência no Estabelecimento Prisional até os sete anos de idade do infante, desde que ocorra em Unidades Materno-Infantis (UMI) devidamente equipadas com dormitórios, brinquedotecas, áreas de lazer e participação em creche externa. (BRASIL, 2009).

Todavia, mesmo que a Resolução em epígrafe estabeleça o tempo máximo de convivência das crianças com suas mães em ambiente prisional, o Brasil não o obedece de maneira contumaz, tampouco incide uma unanimidade quanto ao tempo nas diversas Unidades Prisionais: na UMI do Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio de Janeiro e na Penitenciária Feminina do Butantã, em São Paulo, o tempo é de seis meses. (RONCHI, 2017).

Importante salientar, ainda, que cada Estabelecimento Prisional dispõe de um trâmite específico de separação compulsória. Na UMI do Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio de Janeiro, ocorre a determinação judicial, a partir do momento em que o infante completa seis meses de idade, a Unidade Prisional dá início ao processo de desligamento do bebê, e submete-se a uma Audiência para a transferência da guarda provisória para um guardião formal, que deverá ser indicado pela mãe encarcerada, e caso não o haja, o infante será acolhido em uma instituição ou em uma família acolhedora. (RONCHI, 2017).

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Conquanto na Penitenciária Feminina do Butantã, em São Paulo, findado o prazo de seis meses da criança, deverá ser indicada à Assistente Social um guardião para o infante, e em falta deste, a Vara da Infância e Juventude designará o abrigamento para a criança. (RONCHI, 2017). Apesar disso, em inúmeros casos, as Mães do Cárcere são vítimas da impossibilidade de oitivas durante o processo, sendo, decerto, punidas com os filhos conduzidos aos abrigos, sem sequer haver aviso prévio a elas. (BRASIL, 2015).

Deduz-se, portanto, que a Resolução CNPCP nº 4, de 15 de julho de 200930, demonstra uma grande sensibilidade acerca da convivência e do desenvolvimento físico e psíquico dos infantes e de suas mães, bem como a atenção voltada para a adequação da infraestrutura dos Estabelecimentos Prisionais, de modo a inibir que estes indivíduos estejam custodiados em ambientes hostis.

Já no que diz respeito à Lei de Execução Penal31, o ínclito doutrinador Guilherme Nucci (2018), conceitua a Execução Penal como sendo “a fase processual em que o Estado faz valer a pretensão executória da pena, tornando efetiva a punição do agente e buscando a concretude das finalidades da sanção penal”.

Explica, ainda, que:

Com o trânsito em julgado da decisão, a sentença torna-se título executivo judicial, passando-se do processo de conhecimento ao processo de execução. Embora seja este um processo especial, com particularidades que um típico processo executório não possui (...) é a fase do processo penal em que o Estado faz valer a sua pretensão punitiva, desdobrada em pretensão executória. (NUCCI, 2018).

Dito isso, a Lei de Execuções Penais tem como escopo principal a efetivação das disposições de sentença ou decisão criminal, como também assegurar condições para a integração social do condenado e do internado de maneira harmoniosa, conforme preceituado pelo artigo 1º32. Em continuidade, a redação legal do artigo 3º33, enuncia que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. À vista disso, a mulher, mesmo que cerceada de vossa liberdade, todos os demais direitos inerentes a ela, prevalecerão. Dessarte, “estão, por lei, privadas do direito à liberdade, e não da maternidade”. (D’ÉÇA, 2010).

Neste cenário, levando em consideração as sensibilidades das condições atinentes às mulheres, torna-se relevante explanar que as presas gestantes e lactantes devem ser amparadas com assistência social e material, e com acompanhamento médico mensal, “principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido”, assim como respalda o excerto legal do §3º, artigo 14, da LEP34.

Outro aspecto preponderante observando pela Lei de Execuções Penais, concerne a respeito das estruturas dos estabelecimentos prisionais para custódia das mães encarceradas, que deverão conter berçários para o aleitamento materno e para a convivência entre mães e seus filhos (artigo 83, §2º, LEP)35; e uma ala especial para gestantes e parturientes, dotadas de creche para os infantes de seis meses até sete anos de idade (artigo 89, caput, LEP)36. Inobstante a isso, Norberto Avena (2019) assevera que “na prática, essa assistência é bastante prejudicada pela absoluta falta de estrutura dos estabelecimentos penais, tanto em termos de recursos humanos como de espaço físico adequado”.

Por sua vez, o artigo 318, incisos IV e V, do Código de Processo Penal37, reverbera quanto à possibilidade outorgada ao Magistrado em substituir a prisão preventiva pela domiciliar, mais especificamente, nos casos em que a mulher em condição de cárcere esteja gestante ou possua filhos de até doze anos de idade incompletos, bem como ser a única responsável pelos cuidados da criança, logo estes requisitos deverão ser sopesados cumulativamente.

Faz-se oportuno destacar que a redação legal elenca o verbo “Poder”, de modo que a aplicabilidade deste dispositivo não ocorrerá ex officio, mas sim, de maneira devidamente motivada e fundamentada. Para tanto, o juiz deverá analisar com criticidade as circunstâncias atreladas ao caso concreto.

No que tange a esta perspectiva, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça de São Paulo (STJ), Rogério Schietti Cruz, enfatizou em seu voto proferido aos autos do Habeas Corpus nº 351.494/SP, julgado em 10 de março de 201638, o que se segue, in verbis:

A despeito da benfazeja legislação, que se harmoniza com diversos tratados e convenções internacionais, vale o registro, com o mesmo raciocínio que imprimi ao relatar o HC nº 291.439/SP (DJe 11/06/2014), de que o uso do verbo “poderá”, no caput do art. 318 do CPP, não deve ser interpretado com a semântica que lhe dão certos setores da doutrina, para os quais seria “dever” do juiz determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar ante a verificação das condições objetivas previstas em lei.

Reafirmo que semelhante interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela máxima em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com eficiência, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Outrossim, importaria em assegurar a praticamente toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal o direito a permanecer sob a cautela alternativa, mesmo se identificada a incontornável urgência da medida extrema. (CRUZ, 2016).

O artigo 227, da CF/8839, que dispõe sobre o melhor interesse da criança e do adolescente, foi um preceito basilar e fundamental para a inovação legislativa, considerando que ao conceber a benesse da prisão em sede de regime domiciliar à mãe, o infante não quedará em situação de vulnerabilidade. Sendo, para a mãe, um receio a ausência de contato com os seus filhos que estão sob os cuidados de terceiros. Causando, assim, um sentimento de culpa e abandono por parte dessas mulheres, temendo que os seus filhos estejam desamparados e percam o vínculo familiar e materno. (GUEDES, 2006).

Ainda sobre o mesmo tema, mas no que tange às previsões de ordenamentos jurídicos internacionais, as Regras de Bangkok40 elencam princípios e regras mínimas voltadas ao tratamento de mulheres presas, concedendo um patamar mínimo civilizatório que deverá ser devidamente apreciado durante o tratamento de mulheres no sistema carcerário. (PELINSKI et al, 2017).

Ademais, o Brasil é membro da Organização das Nações Unidas, e, portanto, incumbido do “dever” de respeitar as regras, no entanto, não poderá ser punido se não as cumprir. As regras estão voltadas ao tratamento de prisioneiros. (ROSA, 2021).

Por oportuno salientar que as Regras de Bangkok41 foram estabelecidas para complementar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso42, instituídas em 1955, e somente aprovadas em 1957. Infelizmente, a realidade das mulheres em condições de cárcere não fora levada em consideração na época, tampouco uma prioridade específica de sua realidade. (CERNEKA, 2013).

O Marco Normativo Internacional também apresenta diversas diretrizes aplicáveis ao tratamento de mulheres presas gestantes, com filhos ou lactantes. (RONCHI, 2017). Posto isso, a seguir serão elencadas as principais regras atinentes ao assunto:

A Regra nº 5, preceitua que o estabelecimento prisional deverá assegurar instalações e materiais adequados para o suprimento de necessidades específicas relacionadas a higiene das mães e dos filhos. As Regras de Bangkok também estabelecem o cuidado com o pré-natal, visto que a mulher será devidamente instruída pelos profissionais da saúde. (SCHNEIDER; OBREGÓN, 2020). Levando em consideração que “é no pré-natal que a mulher deverá ser mais bem orientada para que possa viver o parto de forma positiva, ter menos riscos de complicações no puerpério e mais sucesso na amamentação”. (RIOS; VIEIRA, 2007).

No que concerne as medidas disciplinares impostas à mulher presa, as Regras nº 22 e nº 2343, trazem duas vedações, veja:

Regra nº 22:

Não se aplicarão sanções de isolamento ou segregação disciplinar a mulheres gestantes, nem a mulheres com filhos/as ou em período de amamentação.

Regra nº 23:

Sanções disciplinares para mulheres presas não devem incluir proibição de contato com a família, especialmente com crianças. (BRASIL, 2016c).

Além disso, a Regra nº 2444 menciona que “instrumentos de contenção jamais deverão ser utilizados em mulheres em trabalho de parto, durante o parto e nem no período imediatamente posterior”, assegurando a dignidade das detentas gestantes. (BRASIL, 2016c).

Aos infantes foram estabelecidas três regras relevantes a serem citadas, in verbis:

Regra nº 49:

Decisões para autorizar os/as filhos/as a permanecerem com suas mães na prisão deverão ser fundamentais no melhor interesse da criança. Crianças na prisão com suas mães jamais serão tratadas como presas.

Regra nº 50:

Mulheres presas cujos/as filhos/as estejam na prisão deverão ter o máximo possível de oportunidades de passar tempo com eles.

Regra nº 51:

1. Crianças vivendo com as mães a prisão deverão ter acesso a serviços permanentes de saúde e seu desenvolvimento será supervisionado por especialistas, em colaboração com serviços de saúde comunitários.

2. O ambiente oferecido para a educação dessas crianças deverá ser o mais próximo possível àquele de crianças fora da prisão. (BRASIL, 2016c).

No que tange quanto a aplicabilidade de penas diversas das privativas de liberdade, a Nota do Secretariado das Regras de Bangkok, a Assembleia Geral da ONU, evidencia que:

Ao sentenciar ou aplicar medidas cautelares a uma mulher gestante ou á pessoa que seja fonte principal ou única de cuidado de uma criança, medidas não privativas de liberdade devem ser preferidas sempre que possível e apropriado, e que se considere impor penas privativas de liberdade apenas a casos de crimes graves ou violentos. (BRASIL, 2016c).

À face do exposto, o excerto legal da Regra nº 6445, corrobora o entendimento, vide:

Regra nº 64:

Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando a diligências adequadas para seu cuidado. (BRASIL, 2016c).

Ainda, levando em conta o melhor interesse do infante, poder-se-á ser suspendida a medida privativa de liberdade da mulher encarcerada, contudo a Regra nº 246, torna-se nebulosa em relação ao prazo máximo de suspensão da pena, aludindo apenas a “um período razoável”.

Por fim, as Regras de Bangkok possuem um escopo totalmente relevante para a temática abordada, objetivando a resguardar a dignidade das Mães e dos Filhos do Cárcere. Todavia, em um levantamento de dados realizados pelo INFOPEN – Mulheres (Levantamento de Informações Penitenciárias), no ano de 2018, concluiu-se que o Brasil não conseguira implementar o exposto nas Regras de Bangkok de maneira eficaz. Ademais, é possível vislumbrar a situação precária das mulheres gestantes, lactantes e/ou mães no Sistemas Prisional Brasileiro, considerando que os direitos básicos são violados pelo próprio Estado. (SCHNEIDER; OBREGÓN, 2020).

Apesar do robusto arcabouço legal que visa proteger os direitos das mulheres gestantes e/ou lactantes privadas de liberdade e de seus infantes, é de conhecimento amplo e geral de que ainda existem inúmeros obstáculos a serem superados para que os direitos assegurados sejam faticamente garantidos.

II – Maternidade x maternar

A maternidade e o ato de maternar são conceitos relacionados à experiência e ao papel das mulheres em relação à maternidade, mas apresentam diferenças significativas47. A maternidade refere-se ao estado biológico ou social de ser mãe, ela reúne o conjunto de aspectos físicos, emocionais e sociais que estão relacionados à gestação, ao parto, ao cuidado e à responsabilidade pelos filhos. A maternidade está ligada à ideia de ser mãe, seja pela concepção e gestação biológica, adoção ou outros meios pelos quais uma pessoa assume o papel de mãe48.

Por outro lado, o termo "maternar" vai além do conceito de maternidade. Maternar é um verbo que expressa uma ação, um comportamento e um conjunto de práticas relacionadas ao cuidado, ao afeto, à educação e ao acolhimento dos filhos49. O ato de maternar envolve o desenvolvimento de habilidades parentais, o estabelecimento de vínculos emocionais e a promoção do bem-estar e do desenvolvimento saudável da criança50.

Enquanto a maternidade é mais associada a uma posição ou identidade, o maternar se refere às ações e relações estabelecidas no cuidado e na educação dos filhos51. O maternar pode ser desempenhado não apenas por mulheres que são mães biológicas, mas também por outras pessoas que assumem o papel de cuidadoras e desempenham funções parentais, como pais adotivos, avós, tias, padrastos, entre outros52.

Além disso, o conceito de maternar também pode ser aplicado em um sentido mais amplo, extrapolando os limites da família nuclear. Ele pode abranger a ideia de cuidado e responsabilidade afetiva em relação a outras pessoas, como o cuidado com pessoas idosas, doentes ou com necessidades especiais.

Em suma, enquanto a maternidade se refere à condição de ser mãe, o maternar se refere às ações, práticas e relações envolvidas no cuidado e no papel parental53. O maternar não está limitado apenas às mulheres e pode ser desempenhado por qualquer pessoa que assuma o papel de cuidador e desenvolva relações afetivas e responsabilidades em relação aos filhos.

De maneira mais detalhada, a maternidade é um termo que se refere à condição de ser mãe. Pode ser entendida tanto no sentido biológico, relacionado à capacidade reprodutiva das mulheres, quanto no sentido social, relacionado ao papel e à responsabilidade assumidos pelas mulheres na criação e cuidado dos filhos. A maternidade envolve aspectos físicos, emocionais e sociais, incluindo a concepção, gestação, parto, amamentação, educação e cuidado cotidiano dos filhos. É um conceito amplo que abrange tanto a experiência individual das mulheres quanto as expectativas e normas sociais associadas à maternidade.

Por sua vez, maternar é um verbo que expressa a ação de cuidar, educar e desenvolver relações afetivas com os filhos. Enquanto a maternidade está mais relacionada à identidade e à posição social de ser mãe, o maternar envolve as práticas concretas do cuidado parental. Maternar vai além da mera biologia ou da posição social e se concentra nas ações e relações envolvidas no processo de cuidado. É um termo que abrange tanto as mães biológicas quanto outras pessoas que assumem o papel de cuidadoras e desempenham funções parentais, como pais adotivos, avós, tios, padrastos e até mesmo irmãos mais velhos54.

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O maternar envolve uma gama de práticas e comportamentos que vão desde a alimentação, higiene e proteção física dos filhos até o desenvolvimento emocional, a educação, a promoção da autonomia e o estabelecimento de vínculos afetivos saudáveis55. Essas ações incluem o fornecimento de suporte emocional, apoio no desenvolvimento de habilidades, acompanhamento escolar, estabelecimento de limites, orientação moral e cuidado com a saúde física e mental das crianças.

É importante destacar que o maternar não se restringe apenas às mulheres e pode ser desempenhado por qualquer pessoa que assuma o papel de cuidador e desenvolva uma relação de afeto e responsabilidade com os filhos56. A paternidade também envolve o maternar, pois os pais também são capazes de desempenhar as mesmas práticas e assumir as mesmas responsabilidades que tradicionalmente têm sido associadas às mães.

Além disso, o maternar pode ser aplicado em um sentido mais amplo, extrapolando os limites da família nuclear. Ele pode abranger a ideia de cuidado e responsabilidade afetiva em relação a outras pessoas, como o cuidado com pessoas idosas, doentes ou com necessidades especiais. Nesse sentido, maternar transcende as noções estritamente biológicas e sociais de maternidade, incorporando o cuidado e a preocupação com o bem-estar de outros seres humanos.

Na psicologia infantil, o contato com a mãe é considerado de extrema importância para o desenvolvimento saudável do bebê. O vínculo afetivo estabelecido entre a mãe e o bebê desempenha um papel crucial no desenvolvimento emocional, cognitivo e social da criança57. Aqui estão algumas das razões pelas quais o contato com a mãe é fundamental para o bebê58:

i) Segurança emocional: O contato físico, como o toque e o abraço da mãe, transmite ao bebê uma sensação de segurança e conforto. Isso cria uma base emocional sólida para a criança, ajudando-a a desenvolver uma imagem positiva de si mesma e do mundo ao seu redor.

ii) Regulação emocional: O contato físico e emocional com a mãe ajuda o bebê a regular suas emoções. O contato visual, a voz materna e o toque suave auxiliam na regulação do sistema nervoso do bebê, promovendo um senso de calma e tranquilidade.

iii) Apego seguro: O contato regular com a mãe é fundamental para a formação de um apego seguro entre a criança e a figura de cuidado primário. O apego seguro proporciona uma base segura a partir da qual a criança pode explorar o mundo, desenvolver relacionamentos saudáveis e lidar com desafios emocionais.

iv) Desenvolvimento social e cognitivo: O contato com a mãe permite ao bebê aprender e desenvolver habilidades sociais e cognitivas. O bebê observa o rosto da mãe, ouve sua voz, experimenta diferentes expressões faciais e gestos, o que é essencial para o desenvolvimento da linguagem, da comunicação não verbal e da capacidade de se relacionar com os outros.

v) Regulação fisiológica: O contato com a mãe também desempenha um papel na regulação do sistema nervoso autônomo do bebê. O toque materno suave, o contato pele a pele e a amamentação ajudam a regular o batimento cardíaco, a respiração e a temperatura corporal do bebê.

É importante ressaltar que, embora o contato com a mãe seja crucial59, o envolvimento e o cuidado de outras figuras parentais também desempenham um papel significativo no desenvolvimento saudável do bebê. O importante é que o bebê tenha relações de cuidado e afeto consistentes e seguras.

De acordo com os órgãos de saúde brasileiros, como o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria, a amamentação exclusiva é recomendada até os 6 meses de idade do bebê60. Isso significa que o leite materno deve ser o único alimento fornecido ao bebê durante esse período, sem a introdução de chás, sucos, água, fórmulas infantis ou outros alimentos61.

Após os 6 meses, a amamentação deve ser complementada com a introdução gradual de alimentos sólidos e nutritivos, enquanto o aleitamento materno continua sendo importante. Recomenda-se que o aleitamento materno seja mantido até, pelo menos, os 2 anos de idade, junto com uma alimentação adequada e balanceada.

Essas recomendações são baseadas em evidências científicas que demonstram os benefícios do leite materno para o crescimento saudável e o desenvolvimento da criança, além de fornecer proteção contra diversas doenças e fortalecer o vínculo afetivo entre a mãe e o bebê.

Os órgãos internacionais de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), também recomendam a amamentação exclusiva até os 6 meses de idade do bebê62. Essa recomendação está alinhada com as diretrizes brasileiras mencionadas anteriormente. Após os 6 meses, a amamentação deve continuar juntamente com a introdução de alimentos complementares adequados e seguros. A OMS e o UNICEF recomendam que a amamentação seja mantida até pelo menos os 2 anos de idade, ou mais, conforme desejado pela mãe e pela criança.

Essas recomendações são baseadas em pesquisas científicas que evidenciam os inúmeros benefícios do leite materno para a saúde e o bem-estar do bebê, incluindo sua capacidade de fornecer todos os nutrientes essenciais e proteção contra diversas doenças63.

III – As consequências das violações

Para a mulher, a maternidade é um marco significativo em sua vida, considerando que a fase gestacional dispõe de um período que traz à tona intensas mudanças físicas e psíquicas no corpo. Não obstante, para uma futura mãe, que está encarcerada, este período se apodera de diversas preocupações, justificáveis pelo local insalubre e precário em que se encontram: a prisão.

Após o nascimento, o bebê é conduzido ao berçário localizado na própria prisão em que a mãe estiver alocada, e lá, poderão conviver até, no mínimo, os seis meses de idade, período fundamentado pelas diretrizes do Ministério da Saúde, para a amamentação exclusiva. Transcorrido este prazo, o infante deverá ser retirado dos cuidados de sua mãe e direcionado a um familiar que poderá deter a sua guarda, ou na falta deste, será entregue ao Conselho Tutelar.

À visto disso, quando menos esperam, a fase da separação da mãe e de seu filho chega, ocorrendo de modo abrupto e sem adaptações, de tal maneira que ambas as partes passam por perpetuações que resultam em danos psicossomáticos. Conforme pondera o Dr. Drauzio Varella (2017) “a retirada do bebê do colo da mãe ainda com leite nos seios é uma experiência especialmente dolorosa”.

Por conseguinte, após este rompimento, “de uma hora para a outra, voltam ao pavilhão de origem e à rotina dos dias repetitivos que se arrastam em ócio, gritaria, tranca, solidão e saudades do bebê que acabaram de perder de vista” (VARELLA, 2017), vem à tona.

Esta ruptura resulta em danos totalmente irreversíveis, como a criação e o vínculo afetivo que a mulher, enquanto encarcerada e longe dos filhos, não pode conceder. A título exemplificativo, podemos citar a história real de Safira, na íntegra:

Depois de quase seis anos, era a primeira vez que Safira podia fazer o café da manhã dos dois filhos – um de seus desejos imediatos na sua primeira saída do presídio no regime semiaberto.

Colocou os copos na mesa, sorridente. Um dos meninos olhou aquilo com estranheza.

- Mas você não sabe, mãe, que a gente não toma café, só toma Toddy?

A frase caiu sobre ela com o peso dos anos perdidos. Em sete anos de prisão, chegara a ficar três sem vê-los. Perdeu o primeiro dia de aula, a primeira vez que andaram de bicicleta. O mais velho, de 13 anos, já tinha até uma namorada.

“Eu não conheço meus filhos. Eu sou assim: eles sabem que eu sou a mãe deles, mas praticamente sou uma desconhecida. Além de eu ter que me adaptar às coisas que eu perdi todo esse período que estive presa, eu tenho que aprender a conhecer os MEUS filhos.” (QUEIROZ, 2016).

Também poder-se-á relatar a história de Desirée Pinto, mulher encarcerada na Penitenciária do Butantã, em São Paulo, concedida à entrevista gravada pela equipe Dar à Luz Na Sombra (DLNS), em 2014, veja:

Eu não esqueço nunca do dia que o meu filho foi embora. Eu olhava de cima da janela, eu olhava embaixo da porta, uns 80 metros de distância só via o pezinho da minha mãe e o pé dela (filha de 15 anos; hoje). Aí eu pensei: “minha mãe chegou e agora?”. Desci com as coisas do meu filho, pus nos braços da minha mãe e eu nem olhei pra trás, eu já voltei morta pra dentro. Eu me lembro da roupa que ele estava vestindo e isso tem 11 anos, mas eu me lembro como se fosse ontem, eu entregando o meu filho pra minha mãe. Quando a guarda falou “volta, Desirée”, eu não olhei para trás mais e fui, fui. (DLNS, 2015).

Em consonância com os relatos acima, esta é a realidade enfrentada por muitas mulheres que regressam ao lar depois de anos sem contato com os seus filhos. Dessarte, quando reinseridas na sociedade, estas mulheres encontram diversas dificuldades, se sentindo perdidas para encararem o novo capítulo de sua vida, após as sequelas deixadas pela separação compulsória.

A separação prematura de mães e seus bebês pode ter várias consequências negativas64, especialmente para bebês prematuros ou com baixo peso ao nascer65. Algumas das consequências incluem66:

Mortalidade infantil67: O método canguru, que envolve manter o bebê em contato pele a pele com a mãe, demonstrou reduzir a mortalidade infantil em até 40% em bebês prematuros ou com baixo peso ao nascer68.

Hipotermia69: Bebês prematuros ou com baixo peso ao nascer têm maior risco de hipotermia quando separados de suas mães70.

Problemas de aprendizagem e comportamentais71: À medida que essas crianças crescem, têm maior risco para problemas de aprendizagem e comportamentais, deficiências motoras, infecções respiratórias crônicas e outros problemas de saúde.

Danos emocionais: A separação da mãe pode causar danos emocionais ao bebê, afetando a construção de um sentimento de confiança e segurança da criança72.

Dificuldades de recuperação: O contato íntimo da mãe com o bebê prematuro pode interferir positivamente em sua recuperação73.

No que diz respeito aos danos emocionais decorrentes da separação antecipada de mães e seus bebês, estes podem se dar de várias maneiras, como: a) ansiedade de separação: bebês prematuros podem desenvolver ansiedade de separação materna, o que pode afetar negativamente seu desenvolvimento emocional74; b) dificuldade em estabelecer vínculos75: a separação da mãe pode dificultar a construção de um vínculo afetivo saudável entre mãe e bebê, o que pode afetar o desenvolvimento emocional da criança76; c) danos emocionais: a separação da mãe pode causar danos emocionais ao bebê, afetando a construção de um sentimento de confiança e segurança da criança77; d) dificuldades de recuperação: o contato íntimo da mãe com o bebê prematuro pode interferir positivamente em sua recuperação, além da relação dele com o mundo78.

Em resumo, a separação prematura pode afetar negativamente o desenvolvimento emocional do bebê, dificultando a construção de vínculos afetivos saudáveis e causando danos emocionais. É importante manter a mãe e o bebê juntos para evitar essas consequências negativas.

Importante ainda registrar que frente ao vínculo e a dependência que os recém-nascidos estabelecem com suas mães, enfrentarão problemas pois nasceram em ambiente carcerário, sendo assim, privados de liberdade. De modo que a cadeia será a sua casa, local onde se sentirão acolhidos, tão logo crescerão com a ideia distorcida sobre o que realmente é um lar. (PERSICH, 2021).

A personalidade dos infantes reclusos em estabelecimentos prisionais com suas mães, serão marcadas pela rotina rígida, frieza, hierarquia e regras. Muros e grades obstam a construção de novos horizontes. (FATTORELLI, 2014).

Em consonância com o exposto acima, convém citar o caso acompanhado pela doutrinadora Aline D’ÉÇA, em que um recém-nascido em uma Unidade Prisional dormia em um colchão de cimento junto a sua mãe, que dividia a cela com mais duas mulheres. Ademais, a cela era desprovida de luz solar e apresentava um odor típico de cadeia. O banho do bebê ocorria na própria cela. (D’ÉÇA, 2010).

Infelizmente, este é apenas um dos inúmeros (des)casos ocorridos em Penitenciárias do país. Além de a criança conviver em um ambiente totalmente hostil, ainda carrega a reputação de ser taxada, pela sociedade, como fruto de uma mulher criminosa. (SILVA; PEREIRA, n.d).

Não obstante, mesmo que os Filhos do Cárcere sejam amados, desejados e cuidados pelas Mães do Cárcere, eles enfrentam, desde a fase gestacional, um desgosto social doloroso que se intensifica com a violência policial. (PERSICH, 2021).

Neste interim, é importante destacar que:

São inúmeros os estudos que indicam que aspectos psicológicos, emocionais e sociais da criança começam a se delinear dentro da barriga da mãe. Por isso, é imensurável a profundidade dos traumas com que esses bebês nascem. (QUEIROZ, 2019).

Deve-se ainda salientar que os infantes nascidos e criados em ambiente prisional, são tratados como prisioneiros, de tal maneira que são punidos junto de suas mães e cumprem a pena com elas. (PERSICH, 2021).

A invisibilidade dos filhos do cárcere é tanta que, embora o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN Mulheres traga dados parciais acerca do número de filhos das mulheres privadas de liberdade no Brasil, até 2016 não havia sido incluída no relatório informação relativa ao quantum dos que vivem junto às mães nas prisões e, se são invisíveis quanto aos dados, nem é preciso mencionar quanto às políticas públicas, quem nem passam por eles. (SANTOS; SOUSA, 2020).

Vale frisar que o Estado permanece oculto frente a estes casos, despontando a problemática do desenvolvimento social e psicológico dos terceiros.

IV - O Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP

Diante das inúmeras violações dos direitos maternos e dos infantes já mencionados, cumpre destacar a importância do Habeas Corpus, um remédio Constitucional mormente impetrado para evitar ou obstar violências ou coações à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, conforme preceitua o excerto legal do inciso LXVIII, artigo 5º, da Magna Carta de 1988.

Ainda, esta Garantia Constitucional prescinde de advogado, ou seja, “poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”, assim respaldado pelo caput do artigo 654, do CPP.

Dito isso, cumpre-nos fazer uma análise acerca do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP impetrado diretamente no Supremo Tribunal Federal pelo Advogados do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), em maio de 2017, concedendo a benesse da prisão domiciliar à “todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no Sistema Penitenciário Nacional, que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com crianças de até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças”.

Ressalta-se que o Poder Judiciário opera de maneira ilegal ao cercear a liberdade de mulheres nestas condições especiais, sem que tenha ocorrido o Trânsito em Julgado de suas sentenças, eivando o acesso aos direitos básicos inerentes a elas e aos infantes. Por tal ponto de vista, sob a eminente precariedade dos estabelecimentos prisionais brasileiros, bem como a notória violação aos direitos das Mulheres encarceradas e defronte a seletividade do Poder Judiciário, o CADHu requereu perante a Suprema Corte o que se segue, ipsis litteris:

No âmbito dos autos do Habeas Corpus nº 143.641/SP (e autos desmembrados), impetrado pelos membros do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHU), com objetivo de que todas as mulheres gestantes, puérperas ou mães de crianças com até 12 (doze) anos de idade e submetidas à prisão processual tenham a medida privativa de liberdade aplicada contra si revogada ou, de forma subsidiária, substituída por prisão domiciliar, em obediência à proibição de efeitos negativos contra terceiros em função de processos oficiais de criminalização (artigo 5º, XLV, da Constituição da República), às Regras 57 e 64 das Nações Unidas para Tratamento das Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok) e às alterações legislativas determinadas pela Lei nº 13.257/2016 (Marco Legal da Primeira Infância). (IBCCRIM; ITTC; PASTORAL CARCERÁRIA, 2012).

Vale apontar que as prisões preventivas de mulheres gestantes e mães, era uma temática debatida reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal há alguns bons anos. (RODRIGUES, 2018). Nesta perspectiva, o Decano Ministro do STF, Gilmar Mendes aduziu que a 2ª Turma concedeu a benesse da conversão da prisão cautelar pela domiciliar à detentas gestantes e lactantes, nos seguintes julgados: HC 134.104/SP; HC 134.069/DF; HC 133.177/SP; HC 131.760/SP; HC 130.152/SP; HC 128.381/SP; HC 142.593/SP; e HC 142.279/CE. (MENDES, 2018).

Importante ainda registrar que uma das principais motivações que serviu de respaldo para que o CADHu pleiteasse o Habeas Corpus Coletivo, decorreu com a concessão da prisão domiciliar pelo TRF da 2ª Região do Estado do Rio de Janeiro, para que a ex primeira-dama, Adriana Ancelmo, cuidasse dos seus filhos após ser presa preventivamente na Operação Calicute.

Convém mencionar que o Ordenamento Jurídico-Constitucional não detém uma modalidade coletiva de Habeas Corpus, sendo, portanto, uma novidade a admissibilidade pela Suprema Corte. (RODRIGUES, 2018). Sob este viés, os Advogados do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos explicam que:

A defesa coletiva da liberdade de ir e vir por meio da impetração de habeas corpus coletivo está alinhada à tendencia de coletivização de direitos e à aguçada percepção da sistematicidade dos atos ilegais que violam a liberdade ambulatorial, especialmente quando estão em questão as estruturas prisionais. Imperativos de isonomia no tratamento dos jurisdicionados, celeridade e economia processual, em suas variadas dimensões de racionalização do uso de recursos, tempo e esforços, bem como considerações sobre a (ir)razoabilidade da exigência de impetração de habeas corpus por toda e cada pessoa atingida, recomendam a via multitudinária para o endereçamento de lesões a direitos que tenham origem comum. (IBCCRIM; ITTC; PASTORAL CARCERÁRIA, 2012).

À vista disso, ao impetrar um Habeas Corpus coletivo, trata mais eficiência e celeridade aos julgados, levando em consideração que o Sistema Judiciário brasileiro está sobrecarregado com casos pendentes de julgamento.

O Ministro do STF, Ricardo Lewandowski foi o Relator do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, e após a devida e minuciosa análise jurídica do Remédio Constitucional, impetrado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHU), concluiu deferindo o pedido.

Em seu voto, o Ministro Relator entendeu que, embora inexista no Ordenamento Jurídico-Constitucional a previsão de cabimento de Habeas Corpus Coletivo, tal “ação coletiva emerge como sendo talvez a única solução viável para garantir o efetivo acesso à Justiça, em especial dos grupos mais vulneráveis do ponto de vista social e econômico”. (LEWANDOWSKI, 2018).

Sob este viés, a Corte Suprema passou a viabilizar “diversos institutos que logram lidar mais adequadamente com situações em que os direitos e interesses de determinadas coletividades estão sob risco de sofrer lesões graves”. (LEWANDOWSKI, 2018).

Prossegue o parecer, argumentando de forma contundente, ipsis letteris:

Com maior razão, penso eu, deve-se autorizar o emprego do presente writ coletivo, dado o fato de que se trata de um instrumento que se presta a salvaguardar um dos bens mais preciosos do homem, que é a liberdade. Com isso, ademais, estar-se-á honrando a venerável tradição jurídica pátria, consubstanciada na doutrina brasileira do habeas corpus, a qual confere a maior amplitude possível ao remédio heroico, e que encontrou Ruy Barbosa quiçá o seu maior defensor. Segundo essa doutrina, se existe um direito fundamental violado, há de existir no ordenamento jurídico um remédio processual à altura da lesão. (LEWANDOWSKI, 2018).

Sustenta, ainda, quanto as violações de direitos da coletividade e a celeridade processual no período moderno:

É que, na sociedade contemporânea, burocratizada e massificada, as lesões a direitos, cada vez mais, assumem um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por razões de política judiciária, disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteção dos segmentos por elas atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa céleres e adequados. (LEWANDOWSKI, 2018).

Ademais, reafirmou que o acesso à Justiça no Brasil é defeituoso, veja:

O acesso à Justiça em nosso País, sobretudo das mulheres presas e pobres (talvez um dos grupos mais oprimidos do Brasil), por ser notoriamente deficiente, não pode prescindir da atuação dos diversos segmentos da sociedade civil em sua defesa. (LEWANDOWSKI, 2018).

Explicou que o entendimento contrário da PGR em deferir o Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, restou-se superado com o apoio de dados de mulheres em prisão cautelar, fornecidos pelo DEPEN e demais autoridades estaduais:

Não vinga, data venia, a alegação da Procuradoria-Geral da República no sentido de que as pacientes são indeterminadas e indetermináveis. Tal assertiva ficou superada com a apresentação, pelo DEPEN e por outras autoridades estaduais, de listas contendo nomes e dados das mulheres presas preventivamente, que estão em gestação ou são mães de crianças sob sua guarda. O fato de que a ordem, acaso concedida, venha a ser estendida a todas aquelas que se encontram em idêntica situação, não traz nenhum acento de excepcionalidade ao desfecho do julgamento do presente habeas corpus, eis que tal providência constitui uma das consequências normais do instrumento. (LEWANDOWSKI, 2018).

O Ministro Ricardo Lewandowski citou, também, a ADPF 347 MC/DC, demonstrando a similitude abordada no julgado com o caso sub judice, em relação a falta de estrutura adequada no Sistema Carcerário brasileiro, parafraseando o voto do Relator, Ministro Marco Aurélio (f. 21):

A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa falha estrutural a gerar tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação. A inércia, como dito, não é de uma única autoridade pública – do Legislativo ou do Executivo de uma particular unidade federativa –, e sim do funcionamento deficiente do Estado como um todo. Os poderes, órgãos e entidades federais e estaduais, em conjunto, vêm se mantendo incapazes e manifestando verdadeira falta de vontade em buscar superar ou reduzir o quadro objetivo de inconstitucionalidade. Faltam sensibilidade legislativa e motivação política do Executivo.

É possível apontar a responsabilidade do Judiciário o que 41% desses presos, aproximadamente, estão sob custódia provisória. Pesquisas demonstram que, julgados, a maioria alcança absolvição ou condenação a penas alternativas, surgindo, assim, o equívoco da chamada “cultura do encarceramento”.

Lewandowski aludiu, também, que o trabalho de pesquisa realizado pelo CADHU, se tornou relevante, visto que apresentou exemplos condizentes ao descaso proveniente da invisibilidade Estatal, em relação às condições submetidas às mulheres encarceradas, ainda que em regime cautelar, considerando que o próprio Estado é o legitimado pela custódia destas mulheres:

A duríssima – e fragorosamente inconstitucional – realidade em que vivem as mulheres presas, a qual já comportou parto em solitárias sem nenhuma assistência médica ou com a parturiente algemada ou, ainda, sem a comunicação e presença de familiares. A isso soma-se a completa ausência de cuidado pré-natal (acarretando a transmissão evitável de doenças graves aos filhos, como sífilis, por exemplo), a falta de escolta para levar as gestantes a consultas médicas, não sendo raros partos em celas, corredores ou nos pátios das prisões, sem contar os abusos no ambiente hospitalar, o isolamento, a ociosidade, o afastamento abrupto de mães e filhos, a manutenção das crianças em celas, dentre outras atrocidades. Tudo isso de forma absolutamente incompatível com os avanços civilizatórios que se espera tenham se concretizado neste século XXI. (LEWANDOWSKI, 2018).

Sob a égide do exposto, notoriamente a segregação existente nos presídios e nas entidades de acolhimento institucional, resultarão em profundos danos irreversíveis e permanentes aos Filhos do Cárcere. (LEWANDOWSKI, 2018).

Nos cárceres, habitualmente estão limitadas em suas experiências de vida, confinadas que estão à situação prisional. Nos abrigos, sofrerão com a inconsistência do afeto, que, numa entidade de acolhimento, normalmente, restringe-se ao atendimento das necessidades físicas imediatas das crianças. (LEWANDOWSKI, 2018).

O Ministro Relator salienta a despeito do aleitamento materno e da traumática separação compulsória entre as Mães e os Filhos do Cárcere, “privando-os subitamente da mãe, que até então foi uma de suas únicas referências afetivas”. (LEWANDOWSKI, 2018). De tal modo, enfatiza que:

Por tudo isso, é certo que o Estado brasileiro vem falhando enormemente no tocante às determinações constitucionais que dizem respeito à prioridade absoluta os direitos das crianças, prejudicando, assim, seu desenvolvimento pleno, sob todos os aspectos, sejam eles físicos ou psicológicos. (LEWANDOWSKI, 2018).

Não obstante, Lewandowski ressalta que as mulheres encarceradas e seus filhos, mesmo cerceados de liberdade, não perderam a cidadania, e que, sob o olhar humanista e utilitarista, não se justifica manter a situação atual de privação. (LEWANDOWSKI, 2018).

Embora haja celeuma entre os entendimentos, da PGR, diga-se de passagem, o Ministro Relator entendeu por bem a conceder o pedido invocado pelo Writ Constitucional, assim, “estabelecendo parâmetros a serem observados, sem maiores dificuldades, pelos juízes, quando se depararem com a possibilidade de substituir a prisão preventiva pela domiciliar”. (LEWANDOWSKI, 2018).

Por oportuno, aplicou também o Habeas Corpus Coletivo, ex officio, para as mulheres encarceradas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem como às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em situações semelhantes no país, observando as restrições elencadas no parágrafo anterior. (LEWANDOWSKI, 2018).

Em face de todo o exposto, o ínclito Ministro Ricardo Lewandowski culmina o seu voto conferindo uma ordem ao Poder judiciário:

Embora a provocação por meio de advogado não seja vedada para o cumprimento desta decisão, ela é dispensável, pois o que se almeja é, justamente, suprir falhas estruturais de acesso à Justiça da população presa. Cabe ao Judiciário adotar postura ativa ao dar pleno cumprimento a esta ordem judicial. (LEWANDOWSKI, 2018).

Conclusão

O Direito Penal atua sob a máxima de que a prisão preventiva deverá ser a ultima ratio. Como coaduna a decisão do Ministro Relator Sebastião Reis Júnior, proferida no Habeas Corpus nº 577.538/SP, in verbis:

A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Existindo medidas alternativas capazes de garantir a ordem pública e evitar reiteração delitiva, deve-se preferir a aplicação dessas em detrimento da segregação extrema. (REIS JR., 2020).

Todavia, embora o Judiciário potencialize esta ressalva, ainda assim, na seara jurídica, perseveram celeumas discrepantes entre os Julgados, de tal modo que a ultima ratio se torna invisível aos olhos de alguns Magistrados.

Em relação ao Habeas Corpus Nº 143.641/SP, em comento neste capítulo, o Poder Judiciário intensifica os crimes cometidos por mulheres gestantes, de modo que a perspectiva de uma sociedade patriarcal e retrógrada permanece em voga na contemporaneidade.

Isto posto, a razão de o Judiciário potencializar os crimes nos casos de mulheres grávidas, é justamente esta, “cometer um crime gestante torna-se mais grave do que infringir a lei, visto que deslegitima a maternidade e a faz menos merecedora de proteção ou benefícios”. (PERTILE, 2020).

Conquanto que, torna-se questionável se as decisões proferidas, em todas as instâncias, estão, de fato, sendo analisadas sob o crivo objetivo. No entanto, ao que parece, a moralidade dos Togados sobrepuja nos entendimentos, levando a inefetividade da decisão proferida pela Suprema Corte.

O Marco Legal, que visa proteger a maternidade de mulheres mães em conflito com a lei, é deturpado na medida em que justamente o fato de a mulher ser mãe é mobilizado – por meio de julgamentos morais do judiciário – para reforçar sua punição. (GUIMARÃES; RODRIGUES, 2019). Nesta lógica, o Marquês de Beccaria, acentua quanto a imprescindibilidade de inexistir parâmetros discricionários para a aplicabilidade da sanção em sua devida proporção. (BECCARIA, 1993).

Em contrapartida ao mencionado no parágrafo anterior, as negativas ao Habeas Corpus Coletivo, muitas das vezes, estão pautadas em convicções pessoais advindas do próprio Magistrado. (PERTILE, 2020). Sendo que deveriam estar fundamentadas sob a égide da ética, da integridade e da coerência do Direito. (CONJUR, 2012).

Nesta toada, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, José Maurício Pinto de Almeida, evidencia que:

Em vez de alguns julgadores buscarem o Direito para encontrar a solução, eles buscam a solução – dentro daquilo que entendem como Justiça – para depois buscarem o Direito”, constata o professor de Direito Constitucional da UFPR, Emerson Gabardo, um dos pesquisadores envolvido no estudo. (ALMEIDA, 2012).

Em suma, os juízes legitimados para proferirem as sentenças frente a estes casos especiais, não devem levar em consideração apenas as mães que farão jus ao resultado, positivo ou negatório, mas também às suas crianças.

Em virtude disso, sustento esta afirmação com o seguinte excerto:

Com efeito, trata-se de tutelar direito fundamental de uma criança que cumpre uma sobre pena em paralelo, em condições precárias e sub-humanas, inseridas em grupo vulnerável, tendo seus direitos suprimidos. Os abusos que sofrem as presas gestantes ou ainda, aquelas em período pós-parto, nos remete considerar o princípio da intervenção mínima (ultima ratio). (AGUIAR, 2015).

Não obstante ao exposto, cabe ressaltar que:

Por não haver relação das crianças com o crime realizado pelas suas genitoras, há uma grande necessidade do acompanhamento dentro dos estabelecimentos prisionais pelos Juízes da Vara da Infância e Juventude, cobrando e defendendo a dignidade dessas crianças e mães nas sombras obscuras de suas vidas no cárcere. (PERTILE, 2020).

Contudo, a partir do momento em que o Poder Judiciário denega o pedido de Prisão Domiciliar à Mulher-mãe, mesmo que esta tenha passado pelo crivo objetivo dos requisitos da benesse, ela é duplamente punida.

A Diretora Executiva do IDDD, Marina Dias alude que:

A mulher é duplamente punida: pelo crime que cometeu e por ter descumprido com o papel que é esperado dela na sociedade. Você nunca vê um juiz perguntando onde os filhos estavam quando um homem comete um crime. Ou ouve um juiz comentando que agora o homem está chateado sem os filhos, mas quando cometeu o crime não pensava neles. Isso uma mulher encarcerada ouve rotineiramente. (DIAS, 2019).

Nathalie Fragoso, Advogada do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, uma das impetrantes responsáveis por redigir o Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, relata que:

Há uma frustração, porque temos observado esse comportamento resistente do Judiciário, que enxerga excepcionalidade em situações não excepcionais e mantém mulheres presas de maneira ilegal. No entanto, já antecipávamos que seria difícil porque é um problema que existe justamente por conta de um padrão decisório do judiciário. As próprias autoridades que criam o problema estão sendo incumbidas de resolvê-lo. (FRAGOSO, 2019).

Em um levantamento de dados realizado pelo ITTC, 601 processos de mulheres encarceradas foram acompanhados, e concluiu-se que quanto mais alta a instância para qual o Writ Coletivo nº 143.641 é pedido, maior a probabilidade destas mulheres obterem a concessão da prisão domiciliar. (DOLCE, 2019).

Consequentemente, à luz do aqui exposto, vislumbra-se que a moralidade presente nos Tribunais, deturpam e estigmatizam os direitos processuais e fundamentais das Mães e dos Filhos do Cárcere. Logo, aquele que deveria amparar estes indivíduos, vulneráveis perante o Estado e a Sociedade, desprotege, limita e suprime-os.

Ademais, a imposição de uma pena quem durante o seu cumprimento, seja agravada pelas consequências da privação de liberdade – como acontece na separação de mães e bebês, uma vez que o Estado não atende às previsões legais mínimas sobre o assunto – configura grave violação aos direitos das encarceradas e sua prole.

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Sobre os autores
Amanda Matioli Corrêa

Atualmente Estagiária Jurídica de Pós-Graduação na 7ª Defensoria Pública do Estado de São Paulo - Regional de Osasco-SP, com foco na área de Infância e Juventude. Bacharel em Direito graduada pela Universidade São Judas Tadeu – Campus Butantã. Pós-Graduanda em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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