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Reflexões sobre a nacionalidade brasileira.

Aquisição, perda e reaquisição

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Agenda 08/10/2007 às 00:00

O trabalho apresenta uma idéia geral sobre a nacionalidade brasileira, sua aquisição, perda e reaquisição, à luz da Constituição Federal de 1988, já com as alterações promovidas pela EC 54/2007.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva oferecer ao leitor uma idéia geral sobre a nacionalidade brasileira, sua aquisição, perda e reaquisição, à luz da Constituição Federal de 1988, já com as alterações promovidas pela EC 54/2007, possibilitando a reflexão sobre o assunto.

O ponto de partida se dá com a apresentação de alguns conceitos que estão diretamente relacionados com a nacionalidade e que devem ser entendidos para que haja uma melhor compreensão do que vem a ser discutido posteriormente.

Posteriormente, serão feitos comentários sobre as formas de aquisição da nacionalidade brasileira e qual ou quais o(s) critério(s) adotado(s) pelo Brasil para efeito de atribuição da nacionalidade. Analisar-se-á, dessa forma, as hipóteses de aquisição originária e se o Brasil adota o critério do direito do solo, direito do sangue ou um critério misto para atribuição da nacionalidade de origem. Verificar-se-á, ainda, as formas de aquisição derivada (secundária) e o procedimento necessário para adquiri-la. Este capítulo finaliza demonstrando se há ou não alguma diferença entre brasileiro nato e naturalizado.

Ato contínuo, serão discutidas as hipóteses constitucionais de perda da nacionalidade originária e secundária e a possibilidade ou não de reaquisição.

Este trabalho não tem o intuito de esgotar todos os conceitos que aqui foram utilizados, e tampouco o tema abordado.

O principal objetivo desta obra, como dito anteriormente, é oferecer uma idéia geral sobra a nacionalidade brasileira, instigando a reflexão sobre o assunto e, se possível, ser utilizado como fonte de consulta para dirimir alguma dúvida referente ao tema apresentado.


1. NACIONALIDADE: ASPECTOS GERAIS

Inicialmente, antes de estudarmos o conceito de nacionalidade e, ato contínuo, as hipóteses de sua aquisição, perda e reaquisição no contexto da Constituição Federal de 1988, mister se faz apresentar alguns conceitos relativos ao instituto em questão, sem a pretensão de esgotá-los, traçando, inclusive, um paralelo com os direitos humanos, para melhor compreensão do tema.

1.1. ESTADO E NAÇÃO

Temos que admitir, de início, que é difícil encontrarmos uma única definição para Estado, pois sendo o Estado um ente complexo, poderá ser abordado sob diversos pontos de vista.

O ilustre jurista Dalmo de Abreu Dallari apresenta um conceito que vai ao encontro de nosso interesse, qual seja, o Estado é a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território [01].

Pela análise desse conceito, percebe-se que para a existência desse Estado são necessários três elementos: soberania, povo e território, sendo que a ausência de qualquer um deles é o suficiente para descaracterizá-lo.

É oportuno mencionar que Estado e Nação, embora sejam conceitos que se relacionem, não se confundem. Nação resulta da associação de indivíduos de igual origem étnica, que falam a mesma língua, vinculam-se aos mesmos precedentes históricos, cultuam e preservam os usos, os costumes, as peculiaridades, as tradições e os sentimentos religiosos e ideológicos comuns [02]. Como bem observa Dallari, nação jamais teve significação jurídica, não indicando a existência de um vínculo jurídico entre seus membros [03].

O vínculo existente entre as pessoas que pertencem a um determinado Estado é jurídico e o vínculo existente entre as pessoas de uma mesma nação é resultado de características comuns; é um vínculo sociológico-cultural, ou seja, não é jurídico.

Ademais, tendo em vista o conceito de nação apresentado, podemos verificar a ausência de um dos elementos constitutivos do Estado que é a soberania. Não há que se falar em nação soberana, pois o único detentor de soberania é o Estado. Se a nação se tornar soberana, conseqüentemente ela se torna um Estado.

1.2. POVO E POPULAÇÃO

Tendo em vista o conceito de Estado apresentado anteriormente tivemos a oportunidade de observar que, além do território e da soberania, o povo é um elemento essencial à constituição do Estado, até porque é para ele que o Estado se forma.

Mas o que deve se entender por povo?

Dallari diz que:

deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano [04].

Nas palavras de Francisco Xavier da Silva Guimarães, povo é denominação de conteúdo estrito que se refere à soma de nacionais de um Estado [05].

Diante dos conceitos supramencionados percebe-se que povo é uma expressão utilizada para indicar o conjunto de indivíduos que possuem um vínculo jurídico com o Estado e que estão submetidos a sua ordem jurídica soberana onde quer que se encontrem.

Neste momento, é vale registrar que povo não se confunde com população. Por população devemos entender a quantidade de indivíduos que habitam o território de um Estado, num determinado momento, compreendendo nacionais e estrangeiros [06]. É mera expressão numérica que totaliza a quantidade de pessoas que habitam o território num dado momento. O fato de alguém se incluir na população de um Estado nada revela quanto ao vínculo jurídico entre a pessoa e o Estado. É uma expressão que não possui sentido jurídico e não pode ser usada como sinônimo de povo.

1.3. CONCEITO DE NACIONALIDADE

Vimos até aqui, resumidamente, qual o conceito de Estado e que ele possui alguns elementos necessários à sua constituição. Dentre estes, destacamos o seu elemento humano, qual seja, o povo. Feito isto passamos a verificar o significado de povo.

Mas, o que a nacionalidade tem a ver com isso que foi visto até agora ?

Ora, a idéia de nacionalidade se inspira na organização dos indivíduos em sociedade política (Estado) e na conseqüente necessidade de determinar quais são as pessoas que compõe essa sociedade (povo). Noutros termos, é a organização dos indivíduos em sociedade política que enseja a nacionalidade. É a necessidade de indicar quais os membros efetivos da sociedade política que a justifica.

Mas, qual a razão de se querer identificar quais os membros efetivos de um Estado?

Com o nascimento do Estado Nacional, no século XVIII, em contraposição ao absolutismo até então vigente, ocorre a separação das esferas pública e privada e, principalmente, a substituição da soberania real pela soberania nacional. Com isso, o poder passa a emanar do povo que, por sua vez, passa a ser o novo titular da soberania.

Dessa forma, o povo passa, por intermédio de um ente superior, o Estado Nacional, a regular sua própria vida em sociedade, surgindo, por conseqüência disso, direitos e deveres tanto para o Estado como para os indivíduos que o compõem.

Daí decorre a necessidade de se identificar as pessoas que fazem parte do elemento humano (povo) de determinado Estado. O nacional passa a ter direitos e obrigações perante o Estado, razão pela qual mister se faz sua correta identificação.

Pode-se pensar, portanto, que o instituto da nacionalidade está muito atrelado ao surgimento do Estado Nacional.

Por isso, não há como se falar em nacionalidade sem antes falar em Estado, nem como conceber Estado sem seu elemento humano (povo), pois o povo é a razão de ser do Estado.

Frise-se que para a nacionalidade, em sentido jurídico, o que importa não é a figura da nação, mas a do Estado (que pode abranger diversas nações), como bem observa Celso D. Albuquerque Mello em sua obra Curso de Direito Internacional Público [07].

Com relação ao conceito, a nacionalidade, segundo Jacob Dolinger, é geralmente definida como o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado, ou, em outras palavras, o elo entre a pessoa física e um determinado Estado [08].

Francisco Xavier da Silva Guimarães afirma que o vínculo que une, permanentemente, os indivíduos, numa sociedade juridicamente organizada, denomina-se nacionalidade [09].

A nacionalidade, portanto, nada mais é do que o vínculo jurídico entre o indivíduo e o Estado, do qual surgem direitos e deveres para ambas as partes.

1.4. CIDADANIA E NACIONALIDADE

Muitas pessoas utilizam o termo nacionalidade como sinônimo de cidadania.

Acontece que, originariamente, como vimos no tópico anterior, a expressão nacionalidade tem seu nascimento atrelado ao surgimento do Estado Nacional, durante o século XVIII.

A palavra cidadania, por sua vez, já era utilizada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa possuía ou podia exercer. Os romanos livres tinham cidadania; eram, portanto, cidadãos, mas nem todos podiam ocupar altos cargos políticos, como o de senador ou magistrado. Fazia-se uma distinção entre cidadania e cidadania ativa. Somente os cidadãos ativos tinham o direito de participar da vida política e de ocupar altos cargos administrativos.

Como se vê, em sua origem o termo cidadania, diferentemente da nacionalidade, era utilizado para designar a situação política de um indivíduo.

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Além desta diferença originária, fato é que o Estado pode estabelecer determinadas condições, cujo atendimento é pressuposto para que o nacional adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do exercício da soberania. Neste caso, somente aqueles que atenderem a esses requisitos serão denominados cidadãos. Se o cidadão deixar de atender a alguma dessas condições, poderá perder ou ter reduzidos os atributos da cidadania, segundo o próprio Estado dispuser, sem, no entanto, perder a nacionalidade.

No Brasil é assim, pois a cidadania, aqui, pressupõe a condição de nacional, mas exige que, além disso, o indivíduo obtenha a qualidade de eleitor que, documentalmente se manifesta na posse do título eleitoral válido. Os direitos de cidadania, portanto, no Brasil, se adquirem mediante o alistamento eleitoral na forma da lei.

O alistamento eleitoral e o voto, nos termos do artigo 14 e seus parágrafos da CF/88 é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para os maiores de 16 e menores de 18; analfabetos e maiores de setenta anos. Já os estrangeiros e, durante o período do serviço militar, os conscritos são inalistáveis, estando privados, por conseguinte, do exercício dos direitos da cidadania.

Oportuna as lições de José Afonso da Silva que diz:

...cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas conseqüências. Nacionalidade é conceito mais amplo do que cidadania, e é pressuposto desta, uma vez que só o titular da nacionalidade brasileira pode ser cidadão [10].

Deve-se ter sempre em mente que a cidadania é um conceito complexo e dificilmente teremos uma concepção única, em razão dos vários aspectos que ela pode ser abordada.

Para nós interessa mais a análise sob o ponto de vista jurídico e nesse sentido a cidadania, no Brasil, pode ser definida, consoante visto anteriormente, como o uso e gozo dos direitos políticos, distinguindo-se, assim, do conceito de nacionalidade.

Destacando a diferença entre nacionalidade e cidadania, Florisbal de Souza Del’Olmo [11] afirma que:

Cidadania é o status jurídico de que se vêem investidos aqueles, dentre os nacionais, que, pelo implemento de condições especiais, como a idade, formam um vínculo político com o Estado, de que são exemplos os direitos-deveres de votar e ser votado. Embora empregada, algumas vezes, como sinônimo de nacionalidade, não deve com ela ser confundida, até porque a nacionalidade é mais abrangente, incluindo os menores e os incapazes, que não são abrangidos pelo instituto da cidadania, pelo menos na conotação jurídica que se aborda neste estudo.

Além disso, até nossa atual Lei Maior distingue nacionalidade de cidadania. No título relativo aos direitos e garantias fundamentais, há um capítulo dedicado à nacionalidade (capítulo III) e outro dedicado aos direitos políticos (capítulo IV), compondo estes as características da cidadania. No artigo 22, XIII, a CF/88 estabeleceu a competência privativa da União para legislar sobre nacionalidade, cidadania e naturalização. Se o legislador constituinte tivesse a intenção de considerar os termos cidadania e nacionalidade como sinônimos não haveria razão para a existência dos capítulos III e IV do Título II, bem como a discriminação da competência realizada pelo artigo 22, XIII, retromencionado.

Como bem lembrado por Luis Ivani de Amorim Araújo [12], ressaltando a distinção entre os dois conceitos ora analisados, o texto constitucional conferiu ao cidadão e não apenas ao nacional a legitimidade para a prática de alguns atos, como a propositura de ação popular (art. 5º, LXXIII) e a iniciativa de projeto de lei (art. 61 CF).

1.4.1. EXCEÇAO A REGRA DE QUE A NACIONALIDADE É PRESSUPOSTO DA CIDADANIA

Com relação a regra de que a nacionalidade é pressuposto da cidadania, uma exceção entre nós diz respeito aos portugueses, que podem exercer certos direitos políticos sem serem nacionais [13]. Isto ocorre, pois o parágrafo 1º do artigo 12 da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional Revisora nº 3, de 1994, dispõe que: Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

Como se vê, o dispositivo constitucional supra atribui aos portugueses um privilégio adicional, qual seja, o de obterem o reconhecimento dos direitos inerentes ao brasileiro, desde que residam permanentemente no país e que se verifique tratamento recíproco por parte de Portugal, ressalvados sempre os casos previstos na Constituição Federal, reservados aos brasileiros natos.

Atualmente, a reciprocidade entre Brasil e Portugal no que tange à Igualdade de Direitos e Obrigações Civis e o Gozo dos Direitos Políticos encontra respaldo no Decreto 3927/2001 que promulgou o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre os referidos países, celebrado em Porto Seguro/BA em 22/04/2000.

O português que se encontrar regularmente no Brasil e pretender obter os benefícios do Estatuto da Igualdade, sem perder a nacionalidade originária, poderá pleitear ao Ministro da Justiça [14]:

a) aquisição de igualdade de direitos e obrigações civis, provando, neste caso:

I) que tem capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II) residência permanente no Brasil; e

III) gozo da nacionalidade portuguesa

b) aquisição do gozo dos direitos políticos, comprovando:

I) residência no território brasileiro pelo prazo de 3 (três) anos;

II) saber ler e escrever o português; e

III) estar no gozo dos direitos políticos no Estado de nacionalidade.

O requerimento pertinente aos direitos civis pode ser feito conjuntamente com o dos direitos políticos, desde que preencha o interessado os requisitos exigidos para ambos, ou isoladamente.

Estas exigências são iguais para os brasileiros em território português.

1.5. NATURALIDADE E NACIONALIDADE

A expressão nacionalidade também não se confunde com naturalidade, uma vez que esta é uma terminologia utilizada para indicar o lugar do nascimento da pessoa, em certa região ou lugar. Por esta razão que quando se pergunta qual a naturalidade de determinada pessoa, a resposta geralmente se relaciona com a cidade de seu nascimento e não com seu Estado Nacional (nacionalidade).

1.6. PRINCÍPIOS GERAIS DA NACIONALIDADE

Assim como outros institutos estudados pelo direito, a nacionalidade possui alguns princípios que lhe são próprios, mas estão longe de serem absolutos.

Apontaremos aqui os 04 princípios mencionados pelo ilustre doutrinador Celso D. de Albuquerque Mello [15]:

1)Todo indivíduo deve ter uma nacionalidade e não mais que uma. Este princípio é o ideal da sociedade internacional. Todavia, na prática, ele não é levado muito em consideração, haja vista as hipóteses de apatrídia e dupla nacionalidade;

2) A nacionalidade é individual, não se estendendo a parentes ou dependentes;

3) A nacionalidade não é permanente, podendo o indivíduo, por conseguinte, mudar de nacionalidade;

4) Via de regra, por tratar-se de manifestação do poder soberano, é assunto de competência do Estado, sujeito em determinadas hipóteses às normas e controles internacionais.

1.7. ESPÉCIES DE NACIONALIDADE

Costuma-se distinguir a nacionalidade em originária e secundária.

A nacionalidade é originária quando decorre do nascimento. Denomina-se, também, primária ou atribuída [16]. Este tipo de nacionalidade decorre, via de regra, de dois critérios que incidem no momento do nascimento: o ius soli e o ius sanguinis e que, às vezes, se combinam em critério eclético [17].

De acordo com o critério do direito do solo (ius soli), a nacionalidade originária se estabelece pelo lugar do nascimento, independentemente da nacionalidade dos pais [18]. Por este critério, a nacionalidade dos pais não interfere em nada, o que importa é o lugar do nascimento. Este sistema dá ao indivíduo a nacionalidade do Estado em cujo território ele tenha nascido. Geralmente, esta forma de atribuição da nacionalidade é adotada por países de imigração, como o Brasil.

Eduardo Augusto Garcia, citado por Florisbal de Souza Del’Olmo defende que o critério do jus soli é o mais justo e adequado, porquanto permite ao indivíduo, desde o nascimento, identificar-se com o meio ambiente em que nasceu, se criou, foi educado e vive com seus compatriotas, trabalhando e perseguindo os mesmos ideais. [19]

De outra parte, consoante o critério do direito do sangue (ius sanguinis), os filhos adquirem a nacionalidade que os pais tinham à época de seu nascimento, não sendo afetado por eventuais mudanças de nacionalidade que posteriormente ocorram a seus pais [20]. Deve-se observar que quando se fala em nacionalidade dos pais, tanto pode ser a de ambos, como também só de um deles. Isso pode variar de país para país.

Vale ressaltar que o critério do direito de sangue é aquele que atribui a nacionalidade em razão da filiação. Neste caso o que importa é o fato de ser filho de nacional, ou seja, é a nacionalidade dos pais (vínculo jurídico) - ambos ou de somente um deles - e não a consanguinidade sob o aspecto biológico racial. Se assim não fosse, o filho do naturalizado não deveria seguir a nacionalidade do pai, ante a sua vinculação étnica a grupo diverso. Por este motivo a denominação direito do sangue recebe algumas críticas.

Com relação ao ius sanguinis, nenhuma dúvida surge quando os pais possuem a mesma nacionalidade. Todavia, a celeuma é levantada quando os pais possuem nacionalidades diferentes. Nesse caso, segundo Dolinger, o filho seguirá a nacionalidade do pai, seguindo a nacionalidade da mãe em caso de ser filho natural ou de ser desconhecido o pai, ignorados ambos os pais, o filho terá sua nacionalidade fixada pelo critério do "ius soli" [21]. Todavia, pode-se perceber pelos estudos até aqui realizados que, em razão da atribuição da nacionalidade ser uma manifestação da soberania do Estado, este pode adotar a solução que melhor lhe convenha.

Em regra, este critério é adotado pelos países de tendência emigratória, pois retrata a vontade do Estado em manter o vínculo originário, não só do imigrante, como da família por este constituída, fora de seu território. Neste momento, convém citar as lições de Florisbal de Souza Del’Olmo no sentido de que:

A emigração diminui o número de nacionais residentes no país, e o emprego do jus sanguinis no ordenamento jurídico desses Estados vai propiciar que os descendentes, nascidos nas novas terras, continuem ligados pela nacionalidade à pátria de seus genitores, aonde ao chegarem estarão capacitados para uma integração mais fácil. Por isso o jus sanguinis é o critério admitido, existindo países, como a Itália, que nem mesmo limita o número de gerações dos descendentes para continuarem nacionais. As ordens jurídicas, em sua maioria, contudo, limitam em uma geração, no caso, os filhos, os descendentes aptos ao reconhecimento da nacionalidade originária pelo jus sanguinis. [22]

Francisco Xavier da Silva Guimarães [23], bem como, Celso D. Albuquerque Mello [24], mencionam, ainda, o critério misto que se caracteriza pela conjugação dos critérios do jus sanguinis e do jus soli, refletindo a tendência moderna de adoção de formas jurídicas flexíveis que atendam melhor à evolução da humanidade e ao convívio internacional.

A nacionalidade será secundária, adquirida ou de eleição, quando surge por solicitação, escolha ou opção do indivíduo e é aceita e concedida pelo Estado, em substituição à de origem [25]. É a aquisição da nacionalidade que se verifica após o nascimento. Cumpre salientar que o sistema internacional não admite a naturalização forçada ou compulsória.

Segundo Celso Duvivier de Albuquerque Mello [26], o indivíduo pode adquirir uma nacionalidade diferente daquela que ele tem pelo nascimento por diversos modos: benefício da lei; casamento; naturalização; "jus laboris"; nos casos de mutações territoriais (cessão, anexação); o "jus domicilli". Estes critérios variam de Estado para Estado. O Brasil admite apenas a naturalização como forma de aquisição da nacionalidade secundária.

1.8. CONFLITOS DE NACIONALIDADE – APATRIDIA E POLIPATRIA

A aplicação simultânea e diversificada, pelos diferentes Estados, dos critérios do ius soli e do ius sanguinis, dá margem a numerosos conflitos, doutrinariamente, denominados conflitos de nacionalidade.

Assim, se o filho do nacional de um Estado que segue o princípio do sangue nasce no território de outro que se orienta pelo ius soli, dá-se o chamado conflito positivo, porque ambos os Estados reivindicam a subordinação desse indivíduo, que o Direito Internacional qualifica de polipátrida. Esse acontecimento também é conhecido como dupla nacionalidade, pois o indivíduo ao nascer pode ter duas nacionalidades, uma em razão da filiação e outra do lugar do nascimento, de acordo com a lei do país.

Nos casos em que se verifica a plurinacionalidade, o Estado não pode exercer proteção diplomática sobre indivíduo considerado seu nacional, no território de outro Estado que o considere, também, como seu nacional.

Desse modo, como bem observa Francisco Xavier, em se tratando de polipátrida, no Estado "X" a pessoa terá a nacionalidade "X". No Estado "Y" terá a nacionalidade "Y". Num terceiro Estado, poderá ser reconhecida a qualidade de multinacional ou considerada, apenas, como nacional de um outro Estado, conforme dispuser a lei desse terceiro Estado [27].

Exemplo sempre citado pela doutrina para ilustrar esta situação é o caso Canevaro. Rafael Canevaro, peruano pelo ius soli e italiano pelo ius sanguinis que, ante um processo na área tributária do Peru, e na iminência de expropriações em seus bens, invocou proteção diplomática da Itália. A sentença arbitral proferida no caso, em 1912, não acolheu o pedido por não admitir a ação de um dos Estados de que o indivíduo seja nacional contra o outro, podendo, entretanto, qualquer deles agir contra terceiro país em seu favor. [28]

Não é correto dizer que o Brasil não admite a dupla nacionalidade, pois a nossa Constituição Federal em seu artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, alíneas "a" e "b", com a redação dada pela EC de revisão nº 03/94, expressamente admite tal possibilidade.

A alínea "a", do dispositivo constitucional supramencionado, estabelece que o indivíduo não perderá a nacionalidade brasileira quando adquirir outra nacionalidade, desde que haja reconhecimento da nacionalidade originária pela lei estrangeira. De acordo com este dispositivo constitucional, se ao brasileiro for conferida nacionalidade originária por lei estrangeira, ele não perde a nacionalidade brasileira e, por conseguinte, passa a possuir duas nacionalidades.

No mesmo caminho sinaliza a alínea "b", do inciso II, parágrafo 4º, do artigo 12 da CF/88, porquanto ao brasileiro que for imposta a naturalização como condição para permanência no território ou para o exercício dos direitos civis será mantida a nacionalidade brasileira. Neste caso, portanto, o indivíduo terá a nacionalidade imposta pelo país estrangeiro, bem como a nacionalidade brasileira.

Deve-se tomar cuidado em dizer dupla cidadania, quando há o desejo de se referir ao polipátrida, pois a cidadania pode depender do preenchimento de alguns requisitos fixados por cada Estado, além da nacionalidade. No nosso caso, vimos que nacionalidade e cidadania são conceitos diferentes e que o fato de ser nacional não significa que o indivíduo seja também cidadão. O mais aconselhável é dizer dupla nacionalidade.

Na verdade, uma possível solução para o conflito positivo de nacionalidade seria que toda pessoa tivesse somente uma nacionalidade, devendo o indivíduo ser cidadão de um só Estado e só nele possuir direitos políticos. Este é o caminho apontado e desejado pela sociedade internacional, como visto no tópico 1.5, no qual vimos que o primeiro princípio geral da nacionalidade é que todo indivíduo tenha apenas uma nacionalidade.

Todavia, acreditamos que, para isso se tornar realidade, seria necessário a adoção de um único critério de atribuição da nacionalidade para todos os Estados.

Por outro lado, se o nascimento do filho de uma nacional de Estado que adota o ius soli ocorre no território de outro que adota o ius sanguinis, resulta desse fato o chamado conflito negativo, porque nenhum desses Estados reconhece como seu nacional a esse indivíduo, que no Direito Internacional é conhecido como Apátrida ou heimatlos.

A apatrídia é o nome que se dá a situação dos que não têm nacionalidade, que nunca tiveram ou que já tiveram e perderam [29].

Quanto a denominação do conflito negativo, Florisbal de Souza defende a utilização do termo anacionalidade, pois segundo ele não existe ser humano sem pátria, sem vinculação sócio cultural, mas sim pessoa sem nacionalidade, sem vínculo jurídico político [30].

Apesar da sugestão do termo anacionalidade/anacinal, certo é que a expressão apátrida já se consagrou no cenário internacional, razão pela qual será por nós adotada.

De acordo com o artigo 1 do Decreto 4.246 de 22 de maio de 2002, que promulgou a Convenção sobre o Estatuto do apátrida, "apátrida designará toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado, conforme sua legislação".

A polipatria é um acontecimento que não cria nenhuma dificuldade. Ao contrário, via de regra, beneficia o indivíduo, pois o portador de dupla nacionalidade estará amparado por dois Estados. Já o apátrida não estará amparado por nenhum, ou seja, não poderá pedir proteção, nem exigir nenhum direito perante nenhum Estado. É um fenômeno que cria enormes dificuldades para o indivíduo, porquanto lhe gera restrições jurídicas em qualquer Estado em que viva.

De acordo com Celso D. Albuquerque Mello [31] uma possível solução para o problema do conflito negativo de nacionalidade seria adotar o critério do domicílio para se atribuir a nacionalidade.

Como o apátrida não está vinculado a nenhum Estado ele submete-se a legislação do país que se encontra. Deve-se ressaltar, contudo, que com a promulgação do Decreto 4246/2002, Estatuto do apátrida, o estatuto pessoal de todo apátrida será regido pela lei do país de seu domicílio ou, na falta de domicílio, pela lei do país de sua residência (art. 12).

1.9. COMPETÊNCIA

É importante destacar que o direito positivo de cada Estado é o competente para legislar sobre a sua nacionalidade, até porque a atribuição da nacionalidade é uma manifestação da soberania do Estado. Aliás, como mencionado no tópico anterior, a competência estatal é um dos princípios gerais da nacionalidade.

Nesses termos, A Dardeau de Carvalho [32] afirma que outro não foi o critério adotado pela Convenção de Haia em 12/04/1930, em seu artigo primeiro, aderida pelo Brasil em 19/05/1931, embora sob a reserva de que a legislação interna de cada Estado, para ser respeitada pelos demais, deve estar de acordo com as convenções internacionais e os princípios geralmente admitidos em matéria de nacionalidade.

No Brasil, a competência para legislar sobre a nacionalidade é privativa da União, conforme podemos verificar do artigo 22, XIII, da Constituição Federal de 1988:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização.

1.10. NACIONALIDADE E DIREITOS HUMANOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não definiu exatamente o que vem a ser direitos humanos. Esta tarefa, como não poderia deixar de ser, ficou a cargo dos estudiosos do direito.

Nesse passo, via de regra, os doutrinadores tem definido os direitos humanos como aqueles inerentes ao ser humano, que visam resguardar sua integridade física e psicológica perante seus semelhantes e o próprio Estado, sendo válidos para todos os povos em todos os tempos.

Selma Regina Aragão, citada por Florisbal de Souza [33], em sua obra Direitos Humanos na Ordem Mundial, conceitua direitos humanos como os direitos em função da natureza humana, reconhecidos universalmente, pelos quais indivíduos e a humanidade, em geral, possam sobreviver e alcançar suas próprias realizações.

Na prática, muitas expressões têm sido utilizadas como sinônimo de direitos humanos, como, por exemplo, direitos fundamentais, direitos do homem, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, etc.

Há quem sustente que direitos humanos não se confundem com direitos fundamentais. Enquanto aqueles constituem valores e garantias asseguradas ao ser humano decorrentes de sua própria natureza e reconhecidos pela ordem internacional, os direitos fundamentais são aqueles direitos essenciais reconhecidos por determinada ordem jurídica, estando delimitados espacial e temporalmente.

Um dos grandes expoentes na matéria de direitos humanos, o magistrado e jurista Ingo Wolfgang Sarlet, em sua obra A eficácia dos direitos fundamentais (3ª edição, Porto Alegre, Livraria do advogado – 2003) faz uma distinção entre direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais. Os primeiros seriam os direitos naturais ainda não positivados. Os segundos seriam os direitos do homem positivados na ordem internacional e os terceiros (direitos fundamentais) seriam os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito interno de cada Estado.

Nesta ótica, pode-se dizer que direitos humanos são o gênero do qual os direitos fundamentais são a espécie.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1948, estabelece em seu artigo XV que:

1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, instrumento criado para dar eficácia social (efetiva aplicação aos casos concretos) à Declaração Universal dos Direitos Humanos, no elenco dos principais direitos, estabelece o direito a uma nacionalidade. No mesmo caminho, a Declaração Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), principal instrumento do sistema interamericano de proteção dos direitos do homem.

Não bastasse este reconhecimento pela ordem internacional de que a nacionalidade trata-se de direito humano, inerente a própria natureza do ser humano, fato é que a Constituição Federal de 1988, caminhando na mesma direção, reconhece, expressamente, a nacionalidade como direito fundamental. Em seu Título II, a Lei Maior vigente estabelece os direitos e garantias fundamentais, subdivindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos.

Tratando-se de direito fundamental do indivíduo, a nacionalidade adquire toda a proteção inerente aos direitos fundamentais. À título de ilustração, uma norma internacional sobre nacionalidade, por tratar-se de norma sobre direitos humanos, poderia entrar no ordenamento jurídico pátrio com status de norma constitucional, desde que preenchido o procedimento legislativo previsto no artigo 5º, parágrafo 3º da CF/88, com a redação dada pela EC 45/2004.

Da mesma forma, tratando-se de direito humano e fundamental, eventual violação ao direito da nacionalidade pode ser defendido, também, pelo Ministério Público, já que trata-se de instituição responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

E porque a nacionalidade é reconhecida como direito humano e fundamental?

Ora, um indivíduo sem nacionalidade é um ser humano desprovido de proteção estatal, desprovido de pleitear a efetivação de seus direitos perante uma ordem jurídica soberana. Negar a nacionalidade, portanto, seria dizer ao indivícuo que ele não possui direitos, muito menos proteção, seria negar o mínimo necessário para uma existência digna.

Na visão de Ilmar Penna Marinho, um indivíduo nacionalmente desprotegido, tal qual o mendigo, que, sem teto, sem família e sem amigos, só pode invocar o vago e impreciso apoio da caridade pública [34]

Vale registra, aqui, os belíssimos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet [35] para quem a negação dos direitos fundamentais, dentre os quais se inclui a nacionalidade, é a negação da própria dignidade humana:

Em suma, o que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que "atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais", exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade.

Sobre o autor
Cesar Henrique Kluge

pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura, servidor do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLUGE, Cesar Henrique. Reflexões sobre a nacionalidade brasileira.: Aquisição, perda e reaquisição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1559, 8 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10493. Acesso em: 27 dez. 2024.

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