Somente nas primeiras semanas deste ano de 2023, tenho percebido uma grande quantidade de anúncios de vagas exigindo experiência profissional dos candidatos, acima daquela permitida por lei.
Àqueles menos avisados, uma mudança, nada recente, na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, foi feita através da inclusão do art. 442-A, por meio da Lei 11.644, de 10 de março de 2008, estabelecendo que o empregador não poderá exigir, para fins de contratação, mais de 6 meses de experiência do candidato a emprego.
À inteligência da lei trabalhista:
Art. 442-A. Para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade.
Quando uma empresa é denunciada pelo candidato ou trabalhador, o órgão responsável pelo cumprimento dos direitos trabalhistas enviará um auditor fiscal para averiguar a denúncia. O fiscal, então, fará uma avaliação das irregularidades, podendo a empresa receber penalidades, multas ou até mesmo ser interditada, caso a irregularidade seja grave.
O que mais causa espécie neste caso concreto, é saber que incontáveis empresas de gestão de mão de obra, as chamadas empresas de recrutamento e seleção, desconhecem as leis trabalhistas ou simplesmente as ignoram.
Ao orientar uma dessas empresas de recrutamento e seleção, de forma graciosa e de boa-fé, a qual estava exigindo experiência profissional para determinada vaga, leia-se cinco anos,esta teve uma reação mais estapafúrdia ainda, querendo se defender de forma esdrúxula do indefensável, acusando-me de crime de difamação (sic), sendo que o banner desta estava bem explícito, com logomarca e contatos. Em tempo, ainda querendo se eximir da responsabilidade legal, tentou jogar a culpa no seu cliente, informando que ele é que estava exigindo cinco anos de experiência.
Ora, à luz do Decreto-lei de No. 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, temos:
Art. 3o - Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Art. 4o - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Consoante a tentativa descabida, antiética e sobremaneira antiprofissional da empresa de recrutamento e seleção tentar se eximir da responsabilidade imputando a culpa ao seu cliente, é de total responsabilidade daquela orientar este quanto ao cumprimento das leis vigentes, sobretudo aquelas trabalhistas, em que pese o caso em análise tratar de anúncio para contratação de mão de obra.
Diante desta situação, há que se falar em ação de responsabilidade civil, pois diz respeito a obrigação em reparar o dano causado a outra pessoa, seja por ação ou omissão, sendo que está ação independe da criminal.
O artigo 186 do Código Civil traz os elementos da responsabilidade civil.
Art. 186, CC/02 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Juridicamente falando, trata-se de litisconsórcio, fenômeno processual que ocorre quando há uma pluralidade de partes na mesma lide. Ou seja, quando duas ou mais pessoas, na parte ativa ou passiva, dividem o mesmo lado, ou lados opostos, no processo. Ou seja, tanto a empresa contratante quando a empresa de recrutamento e seleção podem figurar no polo passivo da lide.
Não obstante aos anúncios exigindo experiência profissional acima daquela permita por força de lei, ainda podemos constatar outras duas formas ilegais e discriminatórias de anúncios, quais sejam: discriminar o gênero do candidato e exigir foto.
Em contraposição a estas duas práticas cotidianas nos anúncios de emprego, podemos avocar as seguintes normas:
"Art. 1º, CRFB/88: É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas"no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal. (Redação dada pela lei 13.146/15)".
"Art. 5º, CRFB/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)"
Quanto a solicitação de foto no currículo ou ficha de emprego, não há expressa vedação à essa exigência, todavia, o art. 373-A da CLT, pode ser interpretado como forma discriminatória.
Art. 373-A. [...] é vedado:
I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
Ainda, segundo o entendimento sobre a vedação da exigência de foto do candidato, assim como demais dados pessoais, como gênero, podemos encontrar apoio na Lei Geral de Proteçâo de Dados Pessoais, (LGPDP), Lei No. 13.709/18, cujo entendimento é de que a foto da pessoa é considerada "dado sensível".
A Lei Geral de Proteção de Dados, em seu artigo 5º, define como dado sensível:
Art. 5º. II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.
Em tempo, o art. 2º, II do Decreto 10.046/19 dispõe que os dados biométricos são "características biológicas e comportamentais mensuráveis da pessoa natural que podem ser coletadas para reconhecimento automatizado, tais como a palma da mão, as digitais dos dedos, a retina ou a íris dos olhos, o formato da face, a voz e a maneira de andar". Assim sendo, é pacífico que a foto é um tipo de dado sensível por se enquadrar como dado biométrico.
Em suma, nem a empresa contratante, nem a empresa intermediária no processo de recrutamento e seleção, podem exigir dos candidatos: 1) Experiência profissional acima de seis meses; 2) Exigir que uma vaga seja eminentemente masculina ou feminina, discriminando o gênero do candidato; 3) Exigir que o candidato forneça sua foto no currículo.
Mesmo que os responsáveis por processos seletivos nas empresas sejam, via de regra psicólogos ou administradores/gestores de recursos humanos, os quais não possuem conhecimentos profundos em Direito, ainda assim, é exigido destes que tenham ao menos conhecimento da legislação trabalhista a qual faz parte do seu métier profissional.
Antes de publicar um simples anúncio de vagas para contratação, consulte a sua assessoria jurídica e evite possíveis lides na justiça!
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição /constituição.htm>. Acesso em 23 Jan 2023.
BRASIL. Decreto-lei No. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lex: Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm#:~:text=perdido%20a%20vig%C3%AAncia.-,....>. Acesso em 23 Jan 2023.
BRASIL. Decreto-lei No. 5.452, de 1o de maio de 1943. Lex: Consolidação das Leis de Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 23 Jan 2023.
BRASIL. Decreto-lei No. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Lex: Institui o Código Civil. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 23 Jan 2023.
BRASIL. Lei No. 11.644, de 10 de março de 2008. Lex: Acrescenta parágrafo ao art. 442-A da CLT. Disponível em < https://www2.câmara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11644-10-marco-2008-572781-publicacaooriginal-9608...>. Acesso em 23 Jan 2023.
BRASIL. Lei No. 13.146, de 6 de julho de 2015. Lex: Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 23 Jan 2023.
BRASIL. Lei No. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lex: Lei Geral de Proteçâo de Dados Pessoais ( LGPD). Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em 23 Jan 2023.