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Seleção e formação de juízes.

O caso espanhol em perspectiva histórica

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Agenda 20/10/2007 às 00:00

4. A Constituição de 1978 e as novas exigências ao Juiz

De acordo com Jimenez Asensio (2001) o quadro descrito acima, de uma magistratura dócil e bem-integrada ao regime político franquista [17] somente terá alguma atenuação quando, já no final do período franquista e na transição democrática, grupos minoritários proporão abertamente críticas ao regime e se engajarão em uma luta pelas liberdades públicas [18]. São, no entanto, minoritários e a maior parte dos juízes continuarão a ter um perfil conservador e reticente quanto às possíveis modificações que o processo constituinte poderia trazer ao desenho institucional do Poder Judiciário e, dentro deste, às formas de ingresso e promoção na carreira.

Essa atividade minoritária teve o condão de motivar um debate público em torno da configuração que se devia dar ao Poder Judiciário na nova constituição e serviu de base, especialmente aos partidos de esquerda, para a proposição de idéias e de medidas adequadas aos novos desafios (democráticos, sobretudo) que se apresentavam. (GARCÍA PASCUAL, 1996).

A Constituição de 1978 fixa as bases, ao menos do ponto de vista de sua expressão textual, de uma modificação na situação da magistratura espanhola, resgatando os princípios da independência, da unidade e da exclusividade da função judicial, dentre outros que, como vimos, já estavam presentes na história constitucional espanhola, embora com pouca ou nenhuma relevância prática. (GARCÍA PASCUAL, 1996)

Frise-se também, como ressalta Jimenez Asensio (2001), que o constituinte utilizou-se da expressão "Poder" para designar o Poder Judiciário, mas não manteve a mesma terminologia ao referir-se ao Executivo e ao Legislativo, fato que poderia demonstrar seu desejo de realmente configurar o Poder Judiciário como um poder em sentido estrito. A discussão doutrinária gerada a partir daí, embora relevante, não significa que, se concluirmos pela correção da atribuição do termo Poder ao Judiciário estejamos, de fato, diante de um órgão capaz de exercer a plenitude de suas funções de modo a configurar-se como um Poder do Estado.

Ainda segundo o autor, há de se verificar como o desenho institucional do Poder Judiciário o aparelha para cumprir suas funções, e, nesse sentido, observar qual a posição institucional desenhada pela Constituição para o juiz e, mais especialmente, quais as expectativas de desenvolvimento político e institucional que foi capaz de gerar.

Quanto a isso, se seguimos a análise de Jimenez Asensio (2001) e de Andrés Ibañez e Movilla (1986), o quadro que temos é o de que o constituinte espanhol foi bastante conservador, ou seja, preferiu manter uma linha de respeito à continuidade histórica na maior parte dos temas atinentes à regulação da carreira judicial, muitas vezes optando pelo silêncio como modo de não alterar radicalmente a situação.

Assim, embora conste do texto constitucional os princípios da independênciae da inamovibilidade, dentre outros, silencia sobre o modo de acesso à carreira. Esse silêncio torna-se eloqüente principalmente se verificarmos que outras constituições espanholas haviam manifestado-se expressamente sobre o tema (como a de 1869) e que outras constituições européias do mesmo período também o fazem (a italiana, por exemplo). Mais significativo ainda se combinamos essa ausência com os dispositivos constitucionais que explicitamente referem-se à organização da carreira judicial em termos de hierarquia estrita e divisão em categorias, características que vinham diretamente da tradição autoritária e corporativa do regime anterior e que debilitam a possível independência interna do juiz frente aos demais, especialmente os que ocupam as categorias superiores.

De outro lado, como ressaltam Andrés Ibañez e Movilla (1986) a Constituição de 1978 avança ao desenhar o Consejo General del Poder Judicial como órgão encarregado do governo da Justiça [19], diminuindo assim o controle direto exercido pelo Ministério da Justiça e garantindo uma maior possibilidade de autonomia do Judiciário frente ao Executivo. Um dado apreciável se nos recordamos da situação descrita nos itens anteriores, a qual, bem sintetizada, significou uma história de séculos de ingerência direta do Executivo nas funções judiciais.

O desenho constitucional do Conselho, no entanto, sofre com a mesma caracterização aberta dada pelo constituinte a outros temas relativos ao Poder Judiciário e essa abertura permitirá que o texto constitucional seja regulamentado com uma perspectiva bastante menos progressista que o seu teor inicial poderia fazer esperar, de acordo com o caráter de manutenção da tradição que se apontava no inicio desse item. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

Assim, embora a Constituição preveja a competência do Conselho para nomeação, acesso, inspeção e regime disciplinar, não se refere ao caráter de exclusividade desta competência. Uma interpretação razoável do texto constitucional poderia apontar a exclusividade como perfeitamente cabível diante das razões subjacentes a essa normatização. A regulamentação infraconstitucional, contudo, amparada nessa ambigüidade (relativa, de todo modo) trará consigo uma curiosa oscilação, em temas como o acesso à carreira judicial, de modo que a Ley Orgânica del Consejo General del Poder Judicial de 1980 preverá a competência exclusiva do Conselho, que será dada novamente ao Ministério da Justiça na Ley Orgânica del Poder Judicial de 1985, voltará ao Conselho em 1994, e finalmente, será partilhada com o Ministério da Justiça na reforma de 2000, que unificou o sistema de acesso à Fiscalía e à carreira judicial. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

Há que se observar também em defesa do texto constitucional de 1978, conforme apontam Andrés Ibañez e Movilla (1986), que ele dá uma notável relevância ao papel desempenhado pelo juiz como alguém que está submetido somente ao império da lei e que deve buscar a tutela efetiva dos direitos, especialmente de igualdade, dos cidadãos.

O paradoxo muito bem apontado por Jimenez Asensio (2001) e por Andrés Ibañez e Movilla (1986) consiste, portanto, em que o sistema de recrutamento e a regulamentação interna da carreira apontam claramente para a tradição, mesmo que seja pela omissão em modificar os parâmetros dela recebidos, enquanto que a Constituição de 1978 aposta explicitamente em uma transformação radical no perfil de juiz que vinha da tradição. Se isso não era tão evidente no momento constituinte, o será no desenvolvimento posterior da atividade judicial que teve de responder aos rápidos movimentos de transformação da Sociedade espanhola, seja pelo processo de integração européia e pela mundialização econômico-financeira, seja pela expansão e internacionalização dos direitos fundamentais.

Uma análise, portanto, dos traços constitucionais que definem o juiz espanhol da atualidade, pode nos levar a defini-los em cinco elementos: a) um juiz da legalidade; b) um juiz garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos; c) o juiz ordinário como juiz da constitucionalidade; d) o juiz espanhol como juiz de Direito Comunitário europeu e supranacional; e) o juiz espanhol que atua nos marcos de um Estado composto pela pluralidade lingüística e cultural que se expressa nas diversas comunidades autônomas que compõem o Estado. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

Quanto ao primeiro elemento, o juiz da legalidade, uma fórmula tão simples quanto enganosa, é necessário observar que a sujeição do juiz à lei implica, nos ordenamentos jurídicos contemporâneos e seguramente no ordenamento espanhol, em identificar e aplicar a norma jurídica adequada a partir de uma pluralidade de fontes. A inflação legislativa e a mudança qualitativa da legislação contemporânea fazem com que algo que semanticamente possa parecer perfeitamente idêntico ao que se pedia de um juiz do século XIX (como também vimos no item 2) seja bastante mais complexo hoje. [20] Assim, identificar na legislação existente, (nacional, das comunidades autônomas e da Comunidade Européia, conforme o caso) interpretar adequadamente à luz dos preceitos constitucionais e aplicar ao caso que está decidindo, é tudo menos uma tarefa mecânica de um juiz "boca da lei". Para nos mantermos no âmbito da mesma metáfora: para fazer a lei falar, é preciso encontrar o que diz e isso, como a teoria contemporânea da interpretação demonstra [21], é uma tarefa complexa.

O segundo elemento, de garantia dos direitos fundamentais, pode ser definido, como propõe Jimenez Asensio (2001) como a circunstância que de que ao juiz cabe aplicar os preceitos constitucionais que estabelecem direitos fundamentais em primeira instância, ou seja, que as violações desses direitos serão examinadas pelo juiz ordinário, antes mesmo que o Tribunal Constitucional possa intervir.

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O terceiro elemento vincula-se estreitamente com o segundo, pois o juiz da constitucionalidade é também aquele chamado a interpretar a legislação infraconstitucional à luz dos preceitos constitucionais e, em grande medida, para impedir que se atinja indevidamente o conteúdo de direitos fundamentais previstos. Embora a sede própria da discussão de inconstitucionalidade seja o Tribunal Constitucional, o juiz ordinário pode deixar de aplicar aqueles dispositivos regulamentadores que sejam inconstitucionais porque extrapolam os termos nos quais a matéria foi constitucionalizada, ou considerar derrogados os textos anteriores à Constituição que com ela colidam. A última palavra sobre esses casos terá o Tribunal Constitucional, mas sem dúvida cabe um papel importante ao juiz ordinário na medida em que esse tem de deflagrar o procedimento previsto para questionar a constitucionalidade de um dispositivo normativo. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

O quarto elemento, expressado na idéia de obrigação do juiz espanhol de aplicar o Direito Comunitário, traz consigo a conseqüência de que em sua atividade de aplicador do Direito espanhol o juiz tem o dever de utilizar-se das normas comunitárias, eis que o principio vigente é o da primazia do Direito Comunitário sobre o nacional. Essa característica implica, como é fácil perceber, uma necessidade de conhecimento das normas comunitárias e de seus desenvolvimentos jurisprudenciais pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, de modo a poder utilizá-las adequadamente e, ademais, valorar o direito nacional como compatível com elas. Segundo uma estimativa apresentada por Jimenez Asensio (2001) mais de setenta por cento do Direito que se aplica na Espanha tem conexões mais ou menos diretas com o Direito Comunitário. Esse quadro deve ser completado, ademais, com a referência aos Direitos Fundamentais, em razão da atividade do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Por fim, o quinto elemento diz respeito ao contexto territorial de pluralismo político, normativo, cultural e lingüístico que caracteriza o Estado espanhol e que exige que o juiz conheça e aplique a normatização específica das Comunidades Autônomas tanto em matérias de Direito Privado quanto Público, bem como realize esforços para prestar os serviços jurisdicionais a seu encargo na língua específica da Comunidade, naquelas comunidades que tem o regime de cooficialidade lingüística [22]. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

Se esse é o quadro das exigências da Constituição de 1978 ao juiz, vejamos no próximo item como a legislação infraconstitucional regulamentou esses temas.


5. A legislação infraconstitucional do Poder Judiciário e suas características

A primeira lei infraconstitucional a tratar de temas pertinentes ao Poder Judiciário foi a Ley Orgánica del Consejo General del Poder Judicial de 1980. Essa lei instituiu o Consejo General del Poder Judicial que, como vimos no último item, era uma das novidades da Constituição de 1978 no que tange à administração da justiça e que contava com a competência para a seleção e nomeação dos juízes e magistrados.

A composição do Conselho, prevista na Constituição em doze membros advindos da carreira judicial foi regulada de modo a representar mais os escalões elevados da carreira judicial (magistrados) e dentre estes os do Tribunal Supremo e menos os de escalões mais baixos (juízes), acentuando a dimensão de controle hierárquico que poderia ter sido atenuada se se optasse por outro desenho institucional diante da abertura do texto constitucional. Esse quadro de controle da cúpula da carreira judicial se completava ao distribuir as funções dentro do Conselho na medida em que aos membros advindos da escolha do Senado e do Congresso de Deputados não se atribuía nenhuma função relevante. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA, 1986).

De acordo com García Pascual (1997) a forma como a lei regulou o sistema associativo de juízes e magistrados, que repercutiria também na eleição dos membros togados do Conselho, resultou de fato em um impedimento de acesso ao Conselho de juízes e magistrados que se agrupavam na associação denominada Justicia Democrática, que deixou de existir legalmente em função da exigência de uma representação mínima de 15 por 100 para exercício do direito de constituição formal como associação representativa da categoria. Exigência essa, segundo os discursos dos congressistas envolvidos nos trabalhos preparatórios, posta no texto legal de maneira deliberada. (ANDRÉS IBAÑEZ, 1988). Tendo como única associação legalizada a Associación Professional de la Magistratura – APM, dominada pelos conservadores, nascerão nela nos anos seguintes as correntes denominadas Jueces para la Democracia (1983) e Francisco de Vitória (1984), de esquerda e de centro, respectivamente.

Para a escolha dos membros togados do Conselho, nessa primeira experiência, orientada pelo disposto na lei de 1980, se estabeleceu a regra de que a metade dos membros seriam escolhidos em votação direta por juízes e magistrados e a outra metade indicada pelas câmaras, ou seja, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. O resultado final do processo foi uma maioria conservadora. (GARCÍA PASCUAL, 1997)

Ademais, a lei optou pela manutenção expressa da prática vinda dos regimes anteriores de realizar "informes reservados" sobre a conduta dos juízes e magistrados e que constituíam documento a instruir as deliberações do Conselho para promoção na carreira. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA, 1986). Esse dado, somado ao do caráter reservado das sessões do Conselho, cujas deliberações são secretas, evidencia um caráter pouco transparente no controle exercido pelos membros das categorias superiores sobre os das categorias inferiores da magistratura espanhola.

Quanto ao tema específico de nosso estudo, a lei de 1980 previa a competência do Conselho para todo o processo de seleção, nomeação e formação dos juízes, mas sem que isso tenha acarretado nenhuma mudança significativa, nem na lei e nem nas atitudes do Conselho a partir dela. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

A Ley orgánica del Poder Judicial de 1985, como aponta García Pascual (1997) veio acompanhada, desde o anteprojeto, por um clima de polêmica e critica [23]. O anteprojeto refletia claramente a intenção do Poder Executivo, seu autor, de diminuir as competências do Conselho e tornar a atribuí-las ao Ministério da Justiça [24], o que, de fato, acontecerá na lei de 1985 apesar dos protestos do Conselho que se via diminuído a funções mais bem burocráticas de que de governo da magistratura. Os membros advindos da escolha parlamentar receberão um papel mais ativo e a característica altamente restritiva que a lei de 1980 previa será afastada.

A grande modificação, no entanto, operada pela lei de 1985 foi a modificação no sistema de escolha dos membros togados do Conselho que deixaram de ser escolhidos pelos juízes e magistrados (ao menos a metade deles o eram) e passaram a ser escolhidos em sua totalidade pelas Câmaras, por maioria de 3/5. (GARCÍA PASCUAL, 1997) A partir desse momento, a indicação dos juízes e magistrados a comporem o Conselho terá um caráter representativo das forças políticas presentes no parlamento ao invés de um caráter representativo interno, da própria magistratura. Essa sistemática de eleição segue vigente e não foi alterada pelas reformas legislativas posteriores.

As competências em termos de seleção e formação dos juízes passaram a ser compartilhadas com o Ministério da Justiça e a competência regulamentar do Conselho delimitada em apenas assuntos internos, ou seja, atinentes ao seu próprio funcionamento. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA, 1986).

A repartição das competências em termos de seleção e formação dos juízes entre Conselho e Ministério não foi, no entanto, paritária e, de fato, o Ministério ficou com a parte mais significativa, pois restou encarregado do processo de seleção e formação inicial, atribuindo-se ao Conselho funções mais burocráticas ou inócuas, como nomear os juízes que tenham sido aprovados no processo de oposición e de formação inicial e cuidar dos processos de formação continuada. (JIMENEZ ASENSIO, 2001; GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988 ).

O órgão que efetivamente deve realizar as provas para a seleção e depois realizar a formação inicial é o Centro de Estudios Judiciales, sucessor da Escuela Judicial criada em 1944 e o decreto que regulamenta a sua atividade em 1986 [25] prevê que ela se desenvolva como colaboração com o Consejo General del Poder Judicial e com o Ministério da Justiça. O centro é, no entanto, adstrito ao Ministério da Justiça. O argumento que se utilizou para justificar a atribuição da competência para a seleção e formação inicial ao Ministério e ao Centro e não ao Consejo foi de que os candidatos à seleção e os alunos do Centro não eram ainda juízes e a competência, segundo o previsto na Constituição, do Consejo era para tratar de assuntos pertinentes aos "juízes". (GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988)

Uma avaliação mais detida desse argumento revela seu caráter formalista e, de acordo com Andrés Ibañez e Movilla (1986) e Jimenez Asensio (2001), bem poderia ser visto como uma (falsa) justificativa para uma "punição" imposta ao Poder Judiciário e especialmente ao Conselho por sua contínua crítica ao governo e aos seus mais destacados membros. [26]

De acordo com García Valdés (1987) o diagnóstico sobejamente conhecido das falhas do formato memorístico das provas da oposición fez com que o mesmo decreto de 1986 instituísse exercícios escritos. Os exercícios seriam divididos em duas fases. Na primeira o candidato deveria discorrer sobre três temas sorteados dentre três grupos de matérias: direito civil e mercantil, teoria geral do direito, direito constitucional, direito penal, direito administrativo, direito do trabalho e por fim direito processual. Os escritos preparados seriam em seguida lidos em sessão pública e o candidato responderia às perguntas do tribunal por quinze minutos. O segundo exercício consistiria na redação de dois textos pertinentes a dois casos concretos propostos pelo tribunal, um deles pertinente a direito civil e mercantil e o outro a direito penal. (GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988)

Passada a oposição, o candidato ingressaria para um período de formação inicial de caráter teórico e prático, com previsão de estágios orientados em órgãos jurisdicionais. O período de permanência no Centro de Estudios não era regulado nem pela lei e nem pelo decreto, ficando a cargo de uma deliberação conjunta entre Centro de Estudios e Consejo General. As iniciativas de formação continuada também ficavam a cargo do Centro de Estudios e seriam realizadas em regime de colaboração com o Consejo.

A oposición seguia sendo o sistema de ingresso por excelência, mas se introduziam vias de acesso laterais à carreira judicial, com a previsão do tercer turno e do quarto turno, nos quais se permitia um acesso mais significativo de profissionais com experiência e sem passar pelo sistema tradicional da oposición libre, dita livre exatamente porque destinada a todos os formados em Direito. O tercer turno significava a possibilidade de acesso por profissionais que passassem em um concurso de méritos e que comprovassem a experiência profissional de mais de seis anos em atividades jurídicas. Destinava-se a esse meio de acesso um terço das vagas da categoria de juiz, por isso a denominação de terceiro turno. O cuarto turno, por sua vez, era a possibilidade de ingresso na carreira na categoria de magistrado, por profissionais que comprovassem mais de dez anos de experiência jurídica e que passassem em um concurso de méritos. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

O concurso de méritos vinha, por sua vez, regulado como a apresentação de um conjunto de documentos, a serem avaliados conforme parâmetros de pontuação determinados em normativas internas do Ministério da Justiça, e em uma entrevista de duração de até uma hora. Os aprovados no terceiro turno ingressavam no Centro de Estudios e os provenientes do quarto turno diretamente em suas funções. (GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988)

Ambas as experiências – o antes inexistente terceiro turno e o reincorporado quarto turno – tiveram pouco sucesso. Como aponta Jimenez Asensio (2001) os velhos fantasmas do clientelismo político, o desenho que se deu ao concurso de méritos previsto na lei e as resistências internas da magistratura fizeram com que uma iniciativa que poderia ter agregado uma interessante característica do modelo anglo-saxão de juiz profissional ao modelo de juiz funcionário acabasse por se transformar em uma confirmação da prevalência da oposición como único meio legítimo para ingresso na carreira judicial.

A reforma legislativa ocorrida em 1994 [27] já tratou de tornar mais rígida a possibilidade de acesso ao terceiro turno, diminuindo as vagas a ¼ das existentes para juiz. O desenho do concurso de méritos foi alterado espelhando fielmente a sistemática tradicional da oposición e constava de um conjunto de temas a serem recitados pelo candidato perante um Tribunal. O temário representava em torno de um terço do temário da oposición libre. Sua natureza memorística, contudo, estava precisamente mantida e reforçada, o que, como aponta Jimenez Asensio (2001) funcionava como medida de dissuasão para os profissionais que teriam de abandonar as suas atividades habituais para dedicarem-se a aprender, de memória, um conjunto de temas.

De toda sorte, a natureza memorística parecia enquadrar-se mal nos pressupostos da instituição do terceiro turno, pois se tratava de incorporar profissionais que pudessem trazer ao corpo judicial sua experiência, a qual, curiosamente, não era avaliada na prova que se fazia de seus conhecimentos. Outro elemento de dissuasão era o fato de que os candidatos aprovados na prova de memória eram integrados à fase de formação inicial em igualdade de condições com os advindos da oposição livre, ou seja, teriam de lá permanecer o mesmo período de tempo realizando atividades com as quais, presume-se, tinham já alguma familiaridade. A natureza memorística foi utilizada, ademais, pelo Tribunal julgador para reprovar a grande maioria dos candidatos, destinando-se as vagas não preenchidas aos advindos da oposição livre, sob o argumento de que os candidatos do terceiro turno não tinham o nível adequado de preparação. Essa realidade significou que, de um ponto de vista prático, como demonstra Jimenez Asensio (2001) o ingresso de candidatos pelo terceiro turno era algo perfeitamente marginal. Tomando como exemplo o número de candidatos que ingressaram na Escuela Judicial para o período de 2001/2003, temos que ingressaram 8 alunos pelo terceiro turno, diante de 288 pela oposição livre. Ao terceiro turno corresponderiam, no entanto, 75 vagas.

Quanto ao quarto turno o diagnóstico de Jimenez Asensio (2001) caminha em uma direção bastante semelhante. A previsão na lei de 1985 era a de que se convocassem concursos de mérito para selecionar os candidatos, sem que se atendesse a nenhum regime de especialidade, ou seja, um candidato que comprovasse experiência em direito do trabalho poderia ser, se aprovado, designado para um posto de magistrado civil ou penal. De outra parte a sistemática de avaliação também pecava, segundo o autor, por uma excessiva formalidade e uma baixa eficiência em avaliar de fato as qualidades do candidato. Em suas palavras, uma sistemática em tudo tributária de uma visão de que concursos de mérito devam ser meritocráticos e realizar-se pela avaliação de um conjunto de "papéis", tornando difícil controlar a sua discricionariedade. O sistema, além disso, prestou-se a não poucos comportamentos clientelistas, reforçando assim as atitudes de rechaço internas à magistratura procedente do sistema de oposição livre.

A lei de 1994 ao tratar do quarto turno procurará racionalizar o ingresso dos candidatos, permitindo que se abra concursos específicos para ordens jurisdicionais específicas, ou seja, por especialidade jurídica, permitindo diminuir a imagem negativa que se havia gerado. O defeito, todavia, segue sendo que não se prevê períodos de formação inicial destinados a integrar o aprovado no concurso ao corpo judicial de maneira mais adequada. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

O regulamento da lei orgânica de 1994, Reglamento 1 de 1995 também abandona a tentativa do decreto regulamentar de 1986 de realizar provas que não sejam orais e de recitação de temas. Nesse sentido o art. 14 do referido regulamento diz que a oposição livre será realizada por meio de dois exercícios teóricos de caráter eliminatório constantes em desenvolver oralmente perante o tribunal temas extraídos de um temário previamente indicado em cada convocatória de concurso. O primeiro exercício consiste em desenvolver um tema de teoria geral do direito e direito constitucional, dois temas de direito civil e dois temas de direito penal, em um tempo de setenta e cinco minutos para os cinco temas, não devendo o candidato dar a nenhum dos temas mais de vinte minutos. O segundo exercício versa sobre temas de direito processual civil, direito processual penal, direito mercantil, direito do trabalho e direito administrativo. Antes do desenvolvimento dos exercícios perante o tribunal, dispõe o regulamento, o candidato terá 30 minutos para preparar-se e, se desejar, realizar algum esquema que pode ter à mão enquanto expõe o tema, mas lhe é vedada a consulta a qualquer material escrito. Dito de outro modo, o referido esquema deve ser feito com recurso exclusivo à memória do candidato.

Quanto ao sistema das provas para os aspirantes ao ingresso pelo terceiro turno, diz o referido regulamento que o tribunal avaliador será o mesmo que julga os candidatos da oposição livre e que a convocatória deve prever a realização primeiro das provas para o terceiro turno e em seguida para a oposição livre, a fim de destinar as vagas não ocupadas aos candidatos da oposição livre. Quanto à seleção propriamente dita, em perfeitamente conformidade ao apontado por Jimenez Asensio (2001) [28], o regulamento prevê um quadro de pontos que devem ser atribuídos pelo tribunal aos dados aportados pelo candidato, bem como prevê a possibilidade de o tribunal dirigir-se aos órgãos nos quais o candidato tenha prestado serviços jurídicos para informar-se sobre seu desempenho, desde que não configure informação sobre a intimidade dos candidatos. Os aprovados nessa fase devem ser então convocados pelo tribunal para uma entrevista na qual se discutirão os dados aportados no currículo, sem que se possa converter em um exame sobre os conhecimentos jurídicos. Os aprovados nessa fase, chamada de concurso, são então convocados para uma oposición que consiste em recitar cinco temas perante o tribunal, escolhidos dentre cem temas previstos na convocatória, em uma sistemática idêntica à da oposición libre.

Outro dado importante da reforma de 1994 será o retorno da competência sobre seleção e formação dos juízes ao Consejo General del Poder Judicial e a previsão de que os candidatos aprovados nas oposições sejam recebidos na Escuela Judicial para um período de formação de dois anos, antes de exercer as suas atividades jurisdicionais [29]. A Escuela Judicial vem qualificada como órgão dependente do Consejo General del Poder Judicial e a ela se atribuem as competências de seleção, formação inicial e formação continuada.

A reforma legislativa efetivada em 2000 [30], por intermédio da Ley orgánica 9/2000 de 22/12, modificará o sistema de acesso à carreira judicial unificando as provas da oposição livre às dos candidatos à carreira de fiscal, sob a justificativa de que muitos dos candidatos prestavam ambas as provas, eram em ambas aprovados e ao optar por uma das carreiras, deixavam vagas em aberto na outra. Após passada a fase da oposição, prevê a lei, os que escolherem a carreira de juiz ingressarão na Escuela Judicial e os que escolherem a de fiscal, no Centro de Estudios Jurídicos de la Administración de la Justicia. A Escuela está vinculada ao Consejo General del Poder Judicial e o Centro ao Ministério de la Justicia. Atendendo ainda aos interesses urgentes de melhorar a prestação dos serviços jurisdicionais a referida lei relativiza o prazo de dois anos de formação inicial, permitindo que seja encurtado. Mantém o terceiro e quarto turno nos termos em que haviam sido desenhados na reforma de 1994 ao não revogar os dispositivos que o regulam.

Por fim, a reforma legislativa encetada a partir da Ley orgánica 19/2003 de 23/12, elimina o terceiro turno, consagrando a oposición libre como o mecanismo de ingresso na carreira na categoria de juiz. Mantém-se o quarto turno para a categoria de magistrado, ao passo que se passa a exigir um período de formação inicial na Escuela Judicial antes de tomar posse de seu cargo.

A ausência de um regulamento como de 1995, tornado inaplicável pela sua inadequação às reformas realizadas pelas sucessivas leis orgânicas de 2000 e 2003, fez com que a regulação específica das provas da oposición esteja sendo realizada por acordos do pleno do Consejo General del Poder Judicial e pelas convocatórias específicas para cada concurso. Assim, a partir da convocatória de 2003 temos, ao invés dos dois exercícios teóricos previstos anteriormente, três exercícios teóricos, todos eliminatórios. O primeiro consiste em um teste no qual os candidatos respondem a um questionário sobre os mesmos temas do segundo exercício, que consiste em uma exposição oral perante o tribunal de cinco temas, seguido de uma outra exposição oral de outros cinco temas e que configura o terceiro exercício, conforme já se previa no regulamento de 1995. A única novidade, portanto, é a incorporação do teste escrito. (VALLS GOMBAU, 2003)

O retrato geral dessa evolução legislativa que procuramos traçar, ainda que de maneira sintética, nos evidencia uma política de seleção e formação bastante instável, cujo grande denominador comum parece ser a presença da oposição como mecanismo acreditado de acesso à carreira e seu caráter memorístico. Notam-se tentativas de introduzir provas menos memorísticas no concurso (como em 1986), mas observa-se também que essas provas logo são substituídas, como se lê claramente no regulamento de 1995, por outras mais tradicionais.

A dificuldade para quem tenta acompanhar as sucessivas reformas legislativas é que, de fato, poucos são os autores que tratam do tema e que entram em detalhes sobre o modo como as provas foram organizadas e quando um formato foi substituído por outro, aduzindo-se às vezes informações contraditórias e de difícil comprovação fática. A percepção do pesquisador que daí decorre é a de se contrastamos a opinião mais ou menos generalizada desde o inicio do século XX de que o formato das provas não era o adequado com a ausência de registros de sua modificação efetiva, temos uma situação em que o predomínio, ao fim e ao cabo, coube às provas memorísticas, se não enquanto norma, ao menos enquanto prática.

Deve-se observar também que a legislação previa desde a LOPJ de 1985 (e prevê até hoje) as formas de ingresso direto na categoria de magistrado das salas de Direito Civil e de Direito Penal dos Tribunais Superiores de Justiça [31] e do Tribunal Supremo aos juristas de reconhecido prestigio e com um período de experiência profissional que é de 10 anos no primeiro caso e de 20 anos no segundo. A eleição desses candidatos fica a cargo do Consejo General del Poder Judicial e, no caso dos candidatos aos Tribunais Superiores de Justiça o Conselho o faz com base em lista tríplice apresentada pela Assembléia Legislativa da respectiva Comunidade Autônoma. As vagas a serem preenchidas correspondem a um terço das vagas existentes na sala. Quanto aos candidatos ao Tribunal Supremo, as vagas correspondem a um quinto das vagas existentes na sala a que se destinam e quem escolhe é o pleno do Consejo General.

Uma visão geral das formas de ingresso na magistratura espanhola após a Ley orgánica del Poder Judicial de 1985 nos daria um quadro composto por várias formas de acesso, o que, no entanto, resulta falso, conforme expõe Jimenez Asensio (2001), na medida em que a grande maioria dos juízes espanhóis ingressou e segue ingressando na carreira pela oposición. Estima-se que entre 10 e 15% dos juízes espanhóis tenham ingressado por uma via de acesso alternativa à oposición.

Sobre a autora
Claudia Rosane Roesler

doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pós-doutora pela Universidade de Alicante (Espanha), professora dos cursos de Graduação em Direito, Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica e Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI/SC) e da Graduação em Direito do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROESLER, Claudia Rosane. Seleção e formação de juízes.: O caso espanhol em perspectiva histórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1571, 20 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10536. Acesso em: 22 nov. 2024.

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