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O acidente de trabalho do atleta profissional de futebol

Agenda 08/08/2023 às 14:42

A aplicação subsidiária do art. 19 da Lei 8.213/91 é a forma de garantir que o jogador de futebol não fique desamparado juridicamente, permitindo que também tenha direito à percepção do benefício previdenciário decorrente do acidente de trabalho.

Resumo: Esse artigo tem a missão principal de analisar a caracterização do acidente de trabalho do atleta profissional de futebol, explicitando em que aspecto o acidente de trabalho é aplicado a essa categoria especial de empregado. Defende-se que, tal como outras profissões, o atleta de futebol faz jus aos benefícios previdenciários decorrentes dos acidentes laborais e, a depender da circunstância imposta pelo caso concreto, os clubes também serão responsabilizados civilmente por danos aos jogadores.

Palavras-chave: Atleta Profissional de Futebol; Acidente de Trabalho; Dano; Previdência Social.

1. INTRODUÇÃO

O princípio da dignidade da pessoa humana, de matriz fundamental, pois disposta no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, confere base para que o “Estado de Bem-estar Social” seja consolidado e, a partir daí, surjam ideias que acolham as pessoas e não permitam o seu padecimento. Auxílios previdenciários não promovem riqueza a alguém, mas buscam, ao menos, conceder o mínimo para que a pessoa possa sobreviver.

Normalmente, os acidentes de trabalho no esporte ensejam a responsabilização civil para que, nesse caso, o atleta lesado seja reparado financeiramente; e o(s) autor(es) do dano devem se cercar de todas as medidas necessárias para evitar o máximo possível que novos acidentes aconteçam. É bem verdade que, em alguns momentos, irão prevalecer as excludentes de responsabilidade civil. Entretanto, para isso, absolutamente todos os procedimentos de precaução devem ter sido adotados.

A principal pergunta a ser respondida é: “Em que aspecto o acidente de trabalho é aplicado ao atleta profissional de futebol?”. Tal como outras profissões, o atleta de futebol também faz jus ao benefício previdenciário e, a depender da circunstância imposta pelo caso concreto, os também clubes poderão ser responsabilizados civilmente por danos aos jogadores, por meio de indenização de natureza civil.

2. O ATLETA DE FUTEBOL E A PREVIDÊNCIA SOCIAL

2.1. CONCEITO DE ATLETA PROFISSIONAL

De início, é fundamental delimitar-se o conceito de atleta profissional, a fim de entender e aprofundar melhor o tema.

O art. 3º da CLT nos traz o conceito genérico de empregado:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

A Lei n.º 9.615/1998 (Lei Geral sobre o Desporto), conhecida popularmente como “Lei Pelé”1, é a norma geral do esporte e principal fonte infraconstitucional do Direito Desportivo no Brasil. Em seu art. 3º, a referida lei classifica o desporto brasileiro em três categorias, quais sejam: desporto educacional, desporto de participação e desporto de rendimento, salientando que este último pode ser praticado de modo profissional e não-profissional (art. 3º, § 1º, incisos I e II).

Para o objetivo deste trabalho, o foco principal está no desporto de rendimento de modo profissional, o qual é exercido pelo atleta profissional. Nos termos do art. 3º, § 1º, inciso I:

§ 1º O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;

Por sua vez, o art. 28 da Lei Pelé dispõe que “a atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva”.

Assim, com base na leitura integrada dos dispositivos supra, podemos deduzir, em breve síntese, que o atleta profissional é aquele que recebe remuneração de uma entidade de prática esportiva, em decorrência de um contrato formal de trabalho, firmado entre o atleta e a entidade.

O atleta, independentemente do esporte que pratica, é uma pessoa física única e insubstituível. Ele trabalha todos os dias, treinando em locais e horários determinados pela entidade esportiva, sob sua direção. Em troca, recebe um valor mensal para sustentar sua prática esportiva. Não há dúvidas, portanto, de que a relação entre o atleta e a entidade esportiva contém os elementos descritos no artigo 3º da CLT, não importando qual seja a nomenclatura utilizada para o contrato que os une, restando evidente que se trata de um verdadeiro contrato de emprego.

Com fundamento no conceito extraído da lei, fica claro que a legislação brasileira não permite que atletas sejam contratados como empregados por pessoas físicas, apenas permitindo que o contrato de trabalho esportivo seja firmado com entidades esportivas.

Essa opção legislativa impede a exploração do trabalho do atleta por empresários ou agentes mal-intencionados, que não se comprometem com os princípios valorativos do trabalho humano e o espírito lúdico que deve envolver as competições esportivas, como bem destaca Teixeira Ramos (2013).

Vale ressaltar que, embora a legislação brasileira defina a atividade do atleta profissional, não há uma definição clara do próprio atleta, tratando-o como desportista. No entanto, mesmo com essa omissão legal, é importante entender que um atleta é aquele que pratica esportes de alto rendimento, ou seja, de forma profissional, por meio de um contrato especial de trabalho esportivo, enquanto os praticantes de modalidades educacionais e de participação são considerados desportistas.

Por fim, impende ressaltar que a Lei 9.615/98, em seu art. 94 e parágrafo único, determina que o disposto acerca “da prática desportiva profissional” será aplicado obrigatória e exclusivamente para a modalidade do futebol, ficando facultada a sua aplicação para as demais modalidades desportivas.

2.2. O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

Desde os tempos antigos, os gregos idealizavam a figura atlética e os romanos concediam privilégios aos atletas, demonstrando a importância social e política das atividades esportivas. Além de entreter a população, essas manifestações também serviam para valorizar os organizadores e os vencedores.

Atualmente, nos esportes de alto desempenho, é evidente o crescimento da mentalidade mercantilista. As equipes esportivas se assemelham a grandes empresas de entretenimento, com atletas que acumulam fortunas e apresentações que cativam a mídia e o público. Nos renomados clubes de futebol, uma grande parte das receitas provém das estratégias de marketing realizadas. Isso resulta na contratação de atletas “estrelas”, não apenas para a prática esportiva, mas principalmente para a utilização de suas imagens em propagandas e vendas de camisas e outros produtos, gerando receitas milionárias para os clubes empregadores (MONÇÃO, 2016).

Diante do mencionado contexto, tornou-se imprescindível a elaboração de uma legislação que viesse a regular os contratos dos jogadores profissionais de futebol, os quais apresentam peculiaridades intrínsecas, como sua natureza efêmera e a existência de determinadas remunerações específicas que são pagas no momento de sua rescisão.

Inicialmente, é de bom tom frisar que um contrato é, consoante Quintella e Donizetti (2017), um acordo de vontades entre dois polos: contratante e contratado. Nele, são assentados direitos, deveres, cláusulas e outras peculiaridades que sirvam para atender a interesses como honestidade, transparência, lealdade e boa fé.

Para que os contratos sejam válidos e tenham alguma pertinência na ordem jurídica, apesar do regime jurídico de direito privado, cumprem, os trabalhistas, alguns rigores, como respeito à dignidade humana, à autonomia da vontade, horas extras, direitos trabalhistas contidos na Constituição Federal e na Consolidação das Legislações Trabalhistas (CLT) (CASSAR, 2017).

O contrato de trabalho do jogador profissional de futebol é aquele estabelecido entre o atleta (empregado) e a entidade esportiva (empregador), por meio de um pacto formal, no qual fica evidente a relação de subordinação do jogador em relação ao clube, com remuneração e trabalho prestado de forma regular.

É importante ressaltar o caráter formal inerente a esse tipo de contrato. Enquanto a CLT, seguindo o princípio da informalidade, permite que os contratos de trabalho em geral sejam estabelecidos de forma verbal ou escrita, a situação é diferente para os contratos dos atletas profissionais, pois, nessa hipótese, a única opção é a formalidade do contrato escrito, por força do que dispõe o art. 28 da Lei 9.615/98.

No que diz respeito a este contrato de trabalho especial, é importante ressaltar que eles também devem ter os requisitos gerais dos contratos de trabalho, quai sejam, a onerosidade, a subordinação, a habitualidade e a pessoalidade. Se algum desses elementos estiver ausente, o vínculo de emprego entre o atleta profissional e a entidade da prática desportiva será descaracterizado.

No Brasil, a já mencionada Lei Pelé regulamenta essas relações. Não é a única, pois ela própria prevê para os contratos dos atletas profissionais a aplicação subsidiária da CLT e da legislação previdenciária. É o que se observa do seu artigo 28, § 4º:

Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

(...)

§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei.

Uma particularidade notável desse contrato de trabalho é a sua definição precisa de prazo de validade. Diferentemente da norma geral para os contratos trabalhistas, que estabelece que os contratos de trabalho são celebrados por tempo indeterminado, no contrato firmado entre a equipe e o jogador, a própria lei determina o seu limite máximo de duração:

Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos.

Parágrafo único. Não se aplica ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional o disposto nos arts. 445 e 451 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Como se percebe, o próprio parágrafo único já exclui para essas relações trabalhistas a aplicação do artigo 445 da CLT, o qual prevê que os contratos de trabalho por tempo determinado não poderão ultrapassar 02 (dois) anos.

A legislação, em seu artigo 2º, define o empregado como o atleta que pratica futebol sob a subordinação de um empregador, recebendo remuneração e tendo um contrato conforme o artigo seguinte. No entanto, essa definição legal é imprecisa quando comparada ao que é estabelecido no artigo 3º da CLT. O texto consolidado menciona a necessidade de não eventualidade, o que não é abordado no artigo citado anteriormente. A subordinação por si só não é suficiente para caracterizar um vínculo de emprego, pois é possível imaginar um atleta que jogue apenas uma partida e esteja sujeito às ordens do técnico (empregado do clube), sem que haja um contrato de trabalho.

Na nossa perspectiva, é essencial considerar a prática contínua do futebol como uma condição substancial para o atleta. Isso significa que a participação ocasional, mesmo que remunerada, não pode ser considerada um contrato, a menos que o jogador se apresente de forma intermitente por pelo menos três meses, conforme mencionado no artigo 3º da CLT. Em competições esporádicas, a subordinação desapareceria completamente, e a contratação para jogar em uma ou algumas partidas seria um acordo com um claro caráter de autonomia, regido pelas regras do direito civil. Portanto, a participação repetida nos jogos a serviço do empregador é um requisito fundamental para a formação da imagem do empregado.

Os contratos trabalhistas desportivos são discutíveis quanto a determinadas cláusulas, como por exemplo se o direito de imagem tem natureza salarial, a validação do correto percentual do direito de arena, bonificações, premiações e muitas outras questões que o contrato transforma como “lei entre as partes”. De acordo com o que a Lei Pelé apregoa sobre o assunto, o artigo 27-C instrui o seguinte:

Art. 27-C. São nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que: (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

I - resultem vínculo desportivo; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

II - impliquem vinculação ou exigência de receita total ou parcial exclusiva da entidade de prática desportiva, decorrente de transferência nacional ou internacional de atleta, em vista da exclusividade de que trata o inciso I do art. 28;

III - restrinjam a liberdade de trabalho desportivo;

IV - estabeleçam obrigações consideradas abusivas ou desproporcionais;

V - infrinjam os princípios da boa-fé objetiva ou do fim social do contrato; ou

VI - versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 2021, grifou-se).

Na visão de Pamplona Filho e Gagliano (2019), apesar da força executiva dos contratos, eles podem ser revistos, inclusive com base na teoria da imprevisão. Outro ponto é que a abusividade faz com que um lado fique em notória desvantagem quando comparado ao outro, então prestações desproporcionais e com total falta de razoabilidade são passíveis de nulidade. O ordenamento jurídico brasileiro não tolera essa atitude. Para complementar esse conteúdo, o artigo 28, em seus incisos I e II, dispõe:

Art. 28. (...)

I - cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses:

a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo; ou

b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; e

II - cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º. (grifou-se).

Interpreta-se que o direito contratual preza pelo respeito às partes contratantes, direitos fundamentais e dignidade humana. Os jogadores de futebol, na qualidade de contratados de clubes de futebol, por exemplo, possuem as mesmas prerrogativas. Isso posto, a depender do caso concreto, pode ocorrer de o atleta necessitar de algum suporte jurídico para equilibrar os termos contratuais.

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2.3. O ATLETA DE FUTEBOL PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL

A expressão “Seguridade Social” foi adotada pelo Constituinte de 1988, estabelecendo que o Estado assumiria a responsabilidade de atender às demandas e necessidades de todos na esfera social. Essa determinação pode ser encontrada no artigo 194 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Pela leitura do art. 194 da Constituição Federal, supracitado, a Seguridade Social triparte-se em três vertentes, quais sejam a Saúde (art. 196 da CF), a Assistência Social (art. 203 da CF) e a Previdência Social.

A Previdência Social é responsável por garantir a proteção dos seus beneficiários contra os diversos riscos sociais aos quais estão sujeitos. Esses riscos podem ser imprevisíveis, como acidentes e doenças, ou previsíveis, como a aposentadoria, que impede que a pessoa possa trabalhar para se sustentar. Vale ressaltar que a proteção social também engloba situações que não são consideradas adversidades, como a maternidade.

No entanto, a Previdência se destaca como uma forma mais avançada de proteção do que os antigos seguros sociais. Isso se deve ao fato de que a Previdência ampliou significativamente sua abrangência, tendo como objetivo principal garantir a subsistência do segurado e de sua família por meios adequados. Vale ressaltar que a Previdência Social não pode ser considerada um seguro no sentido contratual, uma vez que é compulsória. Apenas no caso do segurado facultativo, presente na Previdência complementar, é possível se falar em um acordo de vontades.

Após superar essa ausência de contrato, e considerando as leis existentes no sistema jurídico nacional (principalmente a Lei n.º 8.213/99), pode-se afirmar, com certeza, que a natureza dos regimes previdenciários básicos é estatutária. O Estado utiliza seu poder de império para vincular o beneficiário ao sistema previdenciário, independentemente de sua vontade. Diante dessas considerações, fica evidente que os ramos do Direito Privado não são aplicáveis à matéria previdenciária, que está ligada ao Direito Público.

Vejamos o que diz o art. 201 da Constituição Federal:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

É fundamental destacar a importância das características da contributividade, presentes na maioria dos sistemas previdenciários ao redor do mundo, e da obrigatoriedade de filiação para garantir o sustento do regime.

A ideia por trás de um sistema previdenciário autossustentável é evitar a dependência de recursos estatais, o que requer a contribuição para receber os benefícios.

Além disso, a obrigatoriedade de filiação é um aspecto único do sistema previdenciário, não presente no segmento complementar. Graças a essa obrigatoriedade, qualquer pessoa que exerça uma atividade remunerada no país é automaticamente filiada ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS e obrigada a contribuir com determinados valores para o sistema previdenciário.

Dito isto, é importante comentar que a Previdência Social serve aos direitos fundamentais. Esses direitos são, para Masson (2019), os que permitem aos seus titulares, pessoas físicas e jurídicas, o usufruto do que a Constituição Federal de 1988 alberga nos artigos 5º ao 17º. É bem verdade que a autora frisa que nem todos os direitos fundamentais aplicáveis às pessoas físicas se estendem às jurídicas, então exige-se uma avaliação de adequação ou não.

Em uma acepção popular da expressão, os acidentes de trabalho seriam aqueles oriundos da atividade laboral da qual o indivíduo se ocupa. O acidente de trabalho é o evento não desejável, porém, muitas vezes, previsível e que causa danos aos direitos fundamentais do trabalhador, bem como confere-lhe o direito a indenização pela reparação dos danos.

Por “previsíveis”, o autor compreende que muitas empresas podem fiscalizar as condições nas quais o trabalhador está inserido e cuidar para minimizar, o máximo possível, situações que causem risco. Assim sendo, averiguar o que pode ser ajustado mantém a credibilidade empresarial perante os seus trabalhadores e à sociedade, pois reflete cuidado com a vida e a saúde dos seus funcionários (GARCIA, 2020).

A Lei de Benefícios da Previdência, que é a Lei 8.213/91, traz o conceito legal de acidente de trabalho, sendo que ele apenas é aperfeiçoado pela doutrina:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

O acidente de trabalho definido no caput do art. 19 é o stricto sensu, também conhecido como acidente-tipo, que é aquele que ocorre no exercício do trabalho, seja no local onde as atividades são regularmente exercidas pelo empregado ou em local diverso, decorrente de um trabalho externo.

Tem-se, com base nesse artigo, que entre empresa e seus colaboradores deve ser estabelecida uma relação de proteção e cuidado. Dessa forma, quando o acidente de trabalho ocorre e, por isso, há responsabilização do empregador, conforme será visto, objetiva-se fazer com que as técnicas utilizadas sejam aperfeiçoadas para o ambiente de trabalho ter uma cultura organizacional favorável ao bom desempenho do mister.

A citada Lei não apenas traz o conceito de acidente de trabalho, mas também o que pode ser a ele equiparado, haja vista a existência da relação trabalhista. Por essa razão, o legislador considera beneficiário dos mesmos direitos do acidente trabalhista aquele que sofre a “doença ocupacional” e o “acidente de trajeto”. In verbis o que dispõe o artigo 21, incisos I e IV, “d”, da Lei 8.213/91:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

(...)

IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

Como se percebe, em sentido amplo, o acidente de trabalho abrange não só o acidente-tipo, mas também a doença ocupacional e o acidente de trajeto. Este último, também denominado de acidente in intinere, conforme dispõe o art. 21, inciso IV, “d”, acima transcrito, é aquele que não ocorre no local onde é exercida a atividade, mas enquanto o empregado realiza o trajeto residência-trabalho ou vice-versa.

No caso específico dos atletas profissionais, a Previdência Social também possui uma série de regras específicas. De acordo com a legislação brasileira, os atletas profissionais são considerados segurados obrigatórios da Previdência Social, independentemente do regime de contratação (CLT ou contrato de trabalho desportivo).

Para garantir a proteção social dos atletas profissionais, a Previdência conta com uma série de normas e regulamentações específicas. Essas normas visam assegurar que os atletas tenham acesso aos benefícios previdenciários em caso de acidente de trabalho, bem como garantir que eles possam retornar às suas atividades esportivas de forma segura e saudável.

É importante ressaltar que, para ter direito aos benefícios da Previdência Social em caso de acidente de trabalho, o atleta profissional deve estar devidamente registrado e contribuir regularmente para o sistema previdenciário.

Em resumo, a Previdência Social desempenha um papel fundamental na proteção dos trabalhadores em caso de acidente de trabalho, inclusive dos atletas profissionais. Por meio dos benefícios previdenciários, que serão melhor estudados adiante, os atletas têm a garantia de amparo financeiro e assistência médica adequada, possibilitando sua recuperação e retorno às atividades esportivas.

Por força do art. 11 da Lei 8.213/91, os atletas profissionais de futebol estão inseridos no Regime Geral da Previdência Social como segurados obrigatórios, pois, na condição de empregados da entidade de prática desportiva, esta é compelida a contribuir mensalmente para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Assim, quando um atleta se machuca ou adoece, e fica impossibilitado de exercer suas atividades temporariamente, ele pode requerer o benefício de auxílio-doença (art. 59 da referida lei), que lhe será pago pela autarquia previdenciária durante o período em que estiver afastado da atividade profissional, sem prejuízo do recebimento dos salários pelo clube com base no que fora estipulado contratualmente entre as partes. Para isso, é necessário apresentar laudos médicos que comprovem a lesão e a incapacidade temporária para o trabalho.

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Outro benefício que faz jus é o auxílio-acidente (art. 86 da lei). Esse benefício é concedido quando o atleta sofre uma lesão que resulta em sequelas permanentes, diminuindo sua capacidade de trabalho. Nesses casos, o atleta pode receber uma indenização mensal vitalícia ou por um período determinado, dependendo da gravidade da lesão.

Por fim, em casos mais graves, em que o atleta fica permanentemente incapacitado de exercer sua atividade profissional, ele pode ter direito à aposentadoria por invalidez, nos termos do art. 42 da Lei 8.213/91. Esse benefício é concedido quando o atleta é considerado totalmente incapaz de praticar profissionalmente o esporte e, portanto, passa a receber uma renda mensal vitalícia.

3. O ACIDENTE DE TRABALHO DO ATLETA DE FUTEBOL

3.1. LESÕES NO FUTEBOL

O futebol é o esporte mais popular do mundo e, por isso, é também um dos mais praticados. É um esporte caracterizado por constantes embates físicos, tendo em vista que o objetivo do jogo é marcar o gol, enquanto a defesa do time adversário, por sua vez, tem como principal meta tentar impedir que o ataque contrário alcance esse objetivo, valendo-se, muitas vezes, de condutas mais fortes e violentas, na tentativa de impedir os atacantes adversários.

Ao longo dos anos, o esporte tem passado por uma incrível metamorfose, impulsionando o jogo para uma velocidade e intensidade inimagináveis. Essa evolução exigiu uma significativa melhoria da capacidade física dos atletas, que se tornaram cada vez mais fortes e mais ágeis. Porém, esse progresso também trouxe consigo um aumento significativo no número de lesões sofridas pelos atletas.

Os pesquisadores Mendes Barbalho, Nóvoa e Amaral (2017) conduziram um estudo no Clube Tuna Luso Brasileira, um clube de futebol da cidade de Belém, no Pará. Os pesquisadores analisaram os prontuários médicos de 23 jogadores e, comparando dados entre os anos de 2013 e 2014, descobriram que 10 jogadores, o equivalente a cerca de 44% do elenco, sofreram lesões durante esse período.

Na mesma esteira, Elizabeth A. Grossar e Johnny G. Owens (PETACCI, 2016) constataram que os jogadores de futebol da elite masculina sofrem ao menos uma lesão limitante ou impactante por ano. Por sua vez, concluiu-se que as lesões mais recorrentes no futebol são as entorses, os estiramentos e as contusões de início repentino, e, portanto, agudas.

Em estudo desenvolvido pela Comissão Nacional de Médicos do Futebol (CNMF) e disponibilizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em seu sítio eletrônico oficial, no ano de 2018, foi produzido um mapeamento das lesões sofridas pelos jogadores que disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro de 2017. Nessa pesquisa, ficou demonstrado que, no decorrer dos 380 jogos disputados ao longo do campeonato, no total, ocorreram 327 lesões, o que dá uma impressionante média de 0,86 lesões por jogo.

Dessa forma, com base nos dados acima apresentados, não há como se negar que os atletas profissionais de futebol estão constantemente expostos ao risco de sofrerem alguma lesão que possa limitar a sua capacidade laborativa. Logo, é de se concluir que a atividade esportiva profissional também deveria ser considerada como uma atividade de risco para fins previdencários.

3.2. ACIDENTE DE TRABALHO NO ESPORTE

Assim, uma vez apresentado este panorama, que nos mostra as principais lesões que acometem os atletas profissionais de futebol, em decorrência da prática do esporte, e já analisado quem pode ser considerado um atleta profissional do futebol, analisaremos o que poderia ser entendido como acidente de trabalho no esporte.

Como visto antes, a principal lei que regula o esporte no Brasil é a Lei 9.615/98, a qual, no entanto, não traz nenhuma definição expressa ou implícita do que poderia ser considerado como acidente de trabalho no esporte.

Constatamos, assim, a presença de uma brecha legal, ou seja, aquilo que o renomado Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior (2015) descreve como uma incompletude insatisfatória dentro do sistema jurídico.

Portanto, quando nos deparamos com esse tipo de falha, é necessário recorrer à lei mais similar para corrigir essa lacuna. Seguindo essa lógica, podemos utilizar o conceito apresentado no artigo 19 da Lei 8.213/91, adaptando-o às particularidades e características do esporte, para considerar a possibilidade de classificar como acidente de trabalho no contexto esportivo:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Adotando esse raciocínio, Oliveira (2019) defende que, ao analisar a Lei 8.213/91, é quase óbvio concluir que o legislador pode ter pensado no conceito legal de acidente de trabalho para qualquer tipo de profissional, mas certamente não pensou especificamente no atleta profissional de futebol. Dessa forma, a aplicação subsidiária do art. 19 da Lei 8.213/91 é a forma de garantir que o jogador de futebol não fique desamparado juridicamente, conferindo-lhe o direito à percepção do benefício previdenciário quando for vítima de um acidente de trabalho.

Dessa forma, de acordo com o dispositivo acima mencionado, podemos conceituar o acidente típico desportivo como a morte do atleta, ou a lesão sofrida pelo atleta enquanto exerce sua profissão, seja durante uma partida oficial, um treinamento ou até mesmo durante o período de concentração. Essa lesão pode resultar na perda ou redução, tanto permanente quanto temporária, da capacidade do atleta lesionado.

Nesse conceito proposto, buscamos incluir a palavra lesão, uma vez que os acidentes que podem ocorrer em razão do exercício da prática desportiva, reduzindo a capacidade laborativa dos atletas, são prioritariamente as lesões.

Por sua vez, também defendemos que as lesões ocorridas durante os jogos oficiais, treinamentos e até mesmo durante o período de concentração devem ser consideradas como acidentes de trabalho. Isso se deve ao fato de que o artigo 4º da CLT estabelece que o período em que o empregado está à disposição do empregador também é considerado como tempo efetivo de trabalho:

Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.

E, por fim, ressaltamos o requisito de que o acidente, no caso a lesão, deve importar na morte, ou na perda ou redução da capacidade laborativa do atleta, como consta no texto original do art. 19 da Lei 8.213/91.

3.3. SEGURO ACIDENTÁRIO

Pela sua função em campo, como dito acima, sabe-se que o atleta profissional de futebol se expõe constantemente a riscos e, por isso, os acidentes de trabalho são frequentes.

Impõe-se, de início, discorrer um pouco sobre a responsabilidade civil com foco na recuperação do dano causado ao trabalhador, por conta de um acidente de trabalho que o violentou física e/ou moralmente.

Sob o prisma de Quintella e Donizetti (2017), a responsabilidade civil é uma forma de fazer com que o dano causado seja reparado no campo das finanças. Assim, estabelece um quantum que pretenda levar em consideração a extensão do dano causado pelo autor. Por essa razão, os valores arbitrados a título de indenização variam muito.

Tartuce (2021) dispõe que conduta, nexo de causalidade e dano compõem o tripé para que se dê a reparação civil. Explica-se: conduta é ação ou inatividade que exterioriza um comportamento danoso e exige-se consciência para que haja esse primeiro elemento. Nexo de causalidade é sintetizado como o que fundamenta a existência do dano, e, esse último, nada mais é do que o abalo comprovadamente vivenciado pela vítima, sendo ele moral, material ou extrapatrimonial.

De acordo com Pamplona Filho e Gagliano (2019), a responsabilidade civil subjetiva fica refém da demonstração da imprudência, negligência ou imperícia para que a ação seja caracterizada como tal. É possível, também, que incidam excludentes de responsabilidades e, por isso, não haverá mais qualquer dever de indenização civil, independentemente da modalidade de responsabilidade civil.

Na responsabilidade civil de caráter objetivo, a análise da imprudência, negligência ou imperícia não é importante, pois que baseada na teoria do risco. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2019, acolheu a responsabilidade do empregador, em situação diversa daquela, como sendo objetiva. In verbis:

RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. CONSTRUÇÃO CIVIL. SERVENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. TEORIA DO RISCO PROFISSIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL E MATERIAL. “QUANTUM” INDENIZATÓRIO. 1. Trata-se de hipótese na qual o Tribunal Regional do Trabalho, valorando fatos e provas, concluiu pela existência de nexo causal entre o acidente de trabalho e a lesão meniscal no joelho esquerdo e condromalácia do autor, razão pela qual reconheceu a responsabilidade civil objetiva da empregadora pelos danos moral e material causados ao autor, vítima de acidente de trabalho em atividade desempenhada na construção civil. 2. A jurisprudência deste Tribunal Superior vem reconhecendo que, nas atividades vinculadas à construção civil, como na hipótese, por apresentarem alto grau de risco, aplica-se a responsabilidade objetiva do empregador com apoio na teoria do risco profissional. Precedentes. Recurso de revista de que não se conhece. (TST - RR: 2904220115110052, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 10/04/2019, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/04/2019, grifou-se).

A averiguação do elemento culpa é, ao que se percebe a partir da análise dos dois julgados, objetiva ou subjetiva a depender da atividade realizada. Nesses termos, o risco determinará a responsabilidade objetiva, ao passo que essa imposição não ocorre na subjetiva.

A atividade desempenhada pelos atletas profissionais em uma entidade esportiva envolve riscos inerentes, o que faz com que a teoria do risco profissional seja aplicável. É inegável que a atividade do atleta, que é explorado e aproveitado pelo clube, traz consigo a possibilidade de lesões, tanto em jogos oficiais quanto em treinamentos. Portanto, de acordo com o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, a entidade esportiva deve indenizar o atleta profissional em caso de acidente de trabalho, especialmente quando há sequelas irreversíveis.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Essa compensação financeira é totalmente justificada, uma vez que a carreira de um atleta é efêmera. A interrupção de sua atividade profissional pode acarretar sérios prejuízos, como a perda de um valioso patrocínio, a oportunidade de um contrato futuro mais vantajoso ou até mesmo o ostracismo ao qual ele é relegado. É crucial reconhecer e valorizar a importância desses aspectos para garantir a estabilidade e o bem-estar dos atletas.

Imperioso se faz preservar a integridade física dos atletas, para que não tenham lesões significativas e, caso as tenham, recebam algum suporte financeiro. O advento da Lei Pelé trouxe alguma segurança a esse público, obrigando as entidades de prática desportiva a contratarem seguro de vida e acidentes pessoais aos seus atetas, vinculado à atividade desportiva:

Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

O parágrafo primeiro determinou que a importância segurada deve garantir o direito à indenização mínima, que corresponderá ao valor anual da remuneração pacutada, e o parágrafo segundo dispôs sobre a obrigatoriedade de pagamento das despesas médico-hospitalares e dos medicamentos necessários pelas entidades:

§ 1º A importância segurada deve garantir ao atleta profissional, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito a indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada.

§ 2º A entidade de prática desportiva é responsável pelas despesas médico-hospitalares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização a que se refere o § 1º deste artigo.

O seguro de acidentes pessoais para atletas profissionais terá um valor mínimo de indenização que corresponderá à soma de todos os elementos que compõem a remuneração anual. Isso inclui os doze meses de salário, o décimo terceiro salário e, também, o terço constitucional de férias. Em outras palavras, tudo o que foi acordado entre as partes para a composição do salário será considerado na hora de determinar o valor mínimo da indenização.

Essa medida visa garantir uma proteção adequada aos atletas profissionais, reconhecendo o valor integral de sua remuneração e assegurando que qualquer acidente ou lesão sofrida durante a prática esportiva seja devidamente compensado.

Sobre o assunto, o TST, em 2021, compreendeu o seguinte:

RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.015/2014. ATLETA PROFISSIONAL. JOGADOR DE FUTEBOL. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. SEGURO ACIDENTE DE TRABALHO. LESÕES TEMPORÁRIAS. PAGAMENTO DEVIDO. ARTIGOS 45, §§ 1º E 2º, E 94 DA LEI 9.615/98. 1. Caso em que o Tribunal Regional, após exame das provas dos autos, registrou que restou comprovado que a Reclamada contratou seguro de vida em grupo e de acidentes pessoais coletivos, os quais “possuem como proteção cobertura de morte natural ou acidental, invalidez permanente total ou parcial por acidente”. Destacou que “o seguro previsto no art. 45 da Lei 9.815/98 busca justamente resguardar a segurança de familiares e do próprio atleta, tudo em face do notório risco de antecipação do término da carreira profissional por morte ou lesões graves”. Consignou que o Autor permaneceu atuando como jogador de futebol pelo clube Chapecoense em 2015 (...) 2. Segundo o disposto nos artigos 45, caput, §§ 1º e 2º, e 94 da Lei 9.615/98, é obrigação das entidades de prática desportiva a contratação de seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas profissionais, visando cobrir os riscos aos quais estão sujeitos em razão da atividade desenvolvida. (TST - RR: 13519320145020015, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 24/11/2021, 5ª Turma, Data de Publicação: 10/12/2021, grifou-se).

Na percepção de Lazzari e Castro (2020), a indenização moral e/ou material, por meio da responsabilidade civil, que o trabalhador faz jus, não exclui a percepção do auxílio-acidente e vice-versa. Em relação ao tema, a jurisprudência tem se manifestado a favor da cumulação:

AGRAVO DO RÉU EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO DO AUTOR. LEI Nº 13.015/2014. CPC/2015. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. DANOS MATERIAIS. PENSÃO MENSAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, é plenamente possível a cumulação de pensão mensal paga pelo empregador, a título de indenização por danos materiais decorrentes de acidente do trabalho, com o auxílio-doença acidentário, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte, pagos pelo órgão previdenciário. Registre-se, ainda, que não há que se falar em compensação da indenização por danos materiais, na forma de pensionamento mensal, com o benefício pago pelo INSS, a teor do disposto no artigo 950 do Código Civil e na forma da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça. No caso, não obstante o Tribunal Regional tenha afirmado que “Não se olvida que o recebimento de benefício previdenciário (pensão por morte como dependente), assim como o recebimento do seguro de vida, não excluem o direito do empregado à indenização por danos materiais, se configurado o fato gerador para tanto, até mesmo porque os benefícios ostentam natureza e fundamentos diversos”, acrescentou que “não ficou demonstrado o fato gerador da indenização por danos materiais na vertente dos lucros cessantes, eis que não se vislumbra a existência de perda patrimonial que exceda os valores já recebidos pelo autor da demanda a título de pensão”. Nesse contexto, está em dissonância com o a jurisprudência desta Corte Superior. Agravo conhecido e não provido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO AJUIZADA PELO HERDEIRO DA EMPREGADA FALECIDA. DIREITO SUBJETIVO PRÓPRIO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. No presente caso, os honorários advocatícios são devidos em razão da mera sucumbência, visto que o autor, herdeiro da empregada falecida em acidente do trabalho, postulou direito subjetivo próprio. Agravo conhecido e não provido. (TST - Ag-ARR: 107658720155030004, Relator: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 16/10/2019, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/10/2019, grifou-se)

ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PENSÃO MENSAL. CUMULAÇÃO COM O AUXÍLIO PAGO PELO INSS. CABIMENTO. A indenização por danos materiais deferida na presente reclamação tem como fundamento o ato ilícito praticado pela reclamada, ao passo que os valores pagos pelo INSS decorrem das contribuições recolhidas pelo empregado e pelo empregador, no curso do contrato de trabalho. Trata-se de parcelas completamente distintas e não se compensam, pois, consoante o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, o seguro social contra acidentes do trabalho não exclui a indenização civil devida pelo empregador, quando incorrer em dolo ou culpa. Precedentes. Recurso Ordinário das reclamadas a que se nega provimento, quanto à questão. (TRT-2 10005149020195020291 SP, Relator: BENEDITO VALENTINI, 12ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 21/09/2020, grifou-se)

Como visto, o seguro desportivo tem como objetivo proteger os atletas profissionais, especialmente aqueles de alto desempenho, contra os riscos de morte ou incapacidade laborativa, seja ela parcial ou total, temporária ou permanente. Esses riscos podem surgir de acidentes ou agressões decorrentes da rivalidade competitiva no esporte. Afinal, as competições esportivas exigem dos atletas um grande empenho, dedicação e esforço, o que naturalmente traz consigo riscos próprios e inerentes à prática esportiva.

Observamos que a atual legislação não estabelece nenhuma punição para as entidades esportivas que optarem por não contratar um seguro de vida e acidentes pessoais para seus atletas. Isso pode resultar na possibilidade de os clubes não se sentirem obrigados a adquirir tal seguro. Em outras palavras, trata-se de uma norma sem consequências, sem sanções, apenas uma sugestão.

No entanto, é notável que os Tribunais têm firmado entendimento de que a omissão na contratação do seguro de vida e de acidentes pessoais, conforme estabelecido no artigo 45 da Lei 9.615/98, por parte das entidades esportivas, é suficiente para configurar a responsabilidade do clube, que deverá ressarcir o atleta lesionado pelos prejuízos sofridos:

JOGADOR DE FUTEBOL. ART. 45, § 1º DA LEI 9.615/98. INDENIZAÇÃO PELA NÃO CONTRATAÇÃO DE SEGURO OBRIGATÓRIO. Incontroverso o acidente de trabalho sofrido pelo autor, vez que o clube réu admitiu, na peça contestatória, que o atleta ficou impossibilitado de jogar, em virtude de lesão sofrida no joelho durante os treinos, faz jus o reclamante à indenização prevista no art. 45, § 1º, da CLT, ante o ato ilícito cometido pelo clube de futebol, que se omitiu no dever de contratar seguro obrigatório de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva (art. 45 c/c 94 da Lei 9.615/98), independentemente do pagamento de salários e de despesas de saúde pelo clube contratante, no período em que o jogador permaneceu em recuperação. Recurso obreiro provido, no particular. (Processo: RO - 0000475-08.2015.5.06.0011, Redator: Jose Luciano Alexo da Silva, Data de julgamento: 14/11/2018, Quarta Turma, Data da assinatura: 14/11/2018) (TRT-6 - RO: 00004750820155060011, Data de Julgamento: 14/11/2018, Quarta Turma, grifou-se)

JOGADOR DE FUTEBOL. ATIVIDADE PROFISSIONAL. SEGURO OBRIGATÓRIO CONTRA ACIDENTES. NÃO CONTRATAÇÃO. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. Na hipótese da associação futebolística não contratar seguro obrigatório previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/98 para resguardar o jogador profissional de eventuais acidentes de trabalho, deve responder pelo pagamento de indenização substitutiva do valor não segurado, independentemente de ter o atleta sofrido ou não lesão ou de a entidade desportiva ter custeado o tratamento médico e eventuais procedimentos necessários para a recuperação da saúde do trabalhador. Reparação devida na forma da lei. Provimento do recurso do reclamante que se impõe. (TRT-4 - ROT: 00200558420195040384, Data de Julgamento: 17/09/2020, 7ª Turma, grifou-se)

Andrade e Miranda (2020) também defendem que as lesões sofridas pelo atleta de futebol sejam encaradas como acidentes trabalhistas. O nexo de causalidade se constitui pelo fato de que o sujeito apenas se lesiona por estar submetido aos riscos visualizados em um campo de futebol. Os autores argumentam, ainda, que os clubes devem ser responsabilizados nesses casos, mas, ainda assim, essa responsabilidade precisa ser observada caso a caso.

Já foi explicado, aqui, que a responsabilidade civil atua para recuperar o status quo ante e, nessa medida, usa-se o dinheiro para alcançar um valor que é capaz de, efetivamente, recuperar o dano. Assim dito, insta colocar este julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª região:

RECURSO ORDINÁRIO OBREIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ATLETA DE FUTEBOL. CLUBE DESPORTIVO. ACIDENTE DO TRABALHO. Trata-se de obrigação do Clube profissional cuidar da saúde física dos atletas e providenciar o reparo nos possíveis danos acarretados pelo desempenho das atividades. Configurada a responsabilidade objetiva, a qual independe de culpa, em razão da atividade de risco desempenhada pelo atleta de futebol. Indenização devida. Recurso obreiro parcialmente provido. (Processo: RO - 0001901-90.2015.5.06.0161, Redator: Fabio Andre de Farias, Data de julgamento: 07/12/2018, Segunda Turma, Data da assinatura: 07/12/2018) (TRT-6 - RO: 00019019020155060161, Data de Julgamento: 07/12/2018, Segunda Turma, grifou-se).

Nessa senda, os clubes de futebol devem articular como conquistar dinheiro e evitar que seus atletas se acidentem. A presença de um profissional da área de educação física auxilia o objetivo de dar mais segurança para evitar lesões e preparar o corpo dos atletas para os desafios experimentados em campo.

Pelas razões demonstradas, o acidente de trabalho é possível aos atletas de futebol, embora não desejável. A própria atividade colabora para a possibilidade de atritos físicos e lesões, a ideia é, no entanto, fazer com que as intercorrências sejam cada vez mais raras, já que impossíveis não são e nem serão.

Diagnosticado que o atleta de futebol foi vítima de um acidente de trabalho, ele deverá ser indenizado, por meio do mecanismo da responsabilidade civil. Os argumentos são inúmeros e foram colocados ao longo do texto, mas têm-se dignidade humana e direito fundamental à integridade física como principais.

3.4. DIREITO À ESTABILIDADE PROVISÓRIA

Primeiramente, é importante destacar que o atleta profissional que sofre um acidente tem direito a receber o benefício previdenciário correspondente, caso fique impossibilitado de trabalhar por mais de 15 dias. Nesse caso, ele passará a receber da da Autarquia Previdenciária, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, enquanto a equipe esportiva continuará sendo responsável pelas despesas médicas e medicamentos necessários para a recuperação do atleta. Essa regulamentação está prevista no artigo 45, parágrafo 2º, da Lei 9.615/98, já mencionado anteriormente.

A Lei 9.615/98, em seu artigo 30, estabelece que o contrato especial de trabalho desportivo deve ter um prazo determinado, que varia de 03 (três) meses a 05 (cinco) anos. Portanto, quando um atleta profissional fica inativo devido a um acidente de trabalho, isso interrompe o contrato.

Embora teoricamente não seja necessário pagar salários durante esse período de afastamento pelo INSS, o empregador ainda precisa fazer o depósito do FGTS, de acordo com o artigo 15, parágrafo 5º, da Lei 8.036/90. Isso significa que há uma contraprestação obrigatória por parte do empregador, mesmo durante a inatividade forçada do atleta.

Art. 15. (...)

(…)

§ 5º O depósito de que trata o caput deste artigo é obrigatório nos casos de afastamento para prestação do serviço militar obrigatório e licença por acidente do trabalho.

O artigo 118 da Lei 8.213/91 garante ao empregado vítima de acidente de trabalho a manutenção do seu contrato pelo prazo de 12 (doze) meses, contados a partir da cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção do auxílio-acidente:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Importante pontuar que a jurisprudência majoritária defende que o direito à estabilidade provisória pressupõe a ocorrência de acidente de trabalho e o gozo de auxílio-acidente, como leciona André Studart Leitão (2018).

Considerando que o contrato especial de trabalho desportivo é por prazo determinado, em tese, não seria possível garantir estabilidade provisória em caso de acidente de trabalho, uma vez que as partes já teriam conhecimento prévio do término do contrato, tornando o dispositivo mencionado inaplicável. No entanto, é fato que o artigo 118 da Lei 8.213/91 não pode ser interpretado de forma restritiva, excluindo a estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho nos contratos de prazo determinado. Ele estabelece, de maneira geral, a garantia ao empregado de reintegração e aproveitamento no mercado de trabalho, sem exceções.

Após diversas decisões contraditórias, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da súmula 378, III, entendeu que mesmo os empregados com contrato de prazo determinado têm direito à estabilidade prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91, pacificando o entendimento sobre a matéria.

Súmula 378 - ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. (...) III - O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no n no art. 118 da Lei nº 8.213/91.

A base desse entendimento, em princípio, reside na ampliação da interpretação social atribuída ao artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, que impõe ao empregador a responsabilidade de adotar medidas para garantir a saúde, higiene e segurança do trabalhador.

Por sua vez, o art. 2º, inciso XI, da Lei 9.618/95, elenca como princípio fundamental do desporto o da “segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua a integridade física, mental ou sensorial”.

Conclui-se, portanto, que é possível a concessão da estabilidade provisória aos jogadores de futebol que se lesionarem perto do fim de seu contrato, estendendo o seu vínculo com o clube empregador por mais 12 (doze) meses, conforme dispõe o art. 118 da Lei 8.213/91. A jurisprudência tem corroborado com esse entendimento, vejamos:

JOGADOR DE FUTEBOL. GARANTIA PROVISÓRIA NO EMPREGO. Aplicação do entendimento consolidado por meio do item III da Súmula 378 do TST, no sentido de que, mesmo tendo o autor sido admitido mediante contrato com prazo determinado, fazia jus à estabilidade provisória prevista no art. 118 da Lei nº. 8.213/91 e, por isso, é inválido o pedido de demissão por ele firmado, na medida em que não conta com a homologação do Sindicato da sua categoria, exigido pelo art. 500 da CLT.Recurso ordinário do réu não provido, no ponto. INDENIZAÇÃO POR NÃO-CONTRATAÇÃO DE SEGURO. A teor do art. 45 da Lei nº 9.615/98 é ilícita a omissão do réu, ao não contratar seguro, considerando que ocorreu efetivo prejuízo ao reclamante. Recurso ordinário do réu não provido, no aspecto. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS. Caso em que o reclamante declarou a sua miserabilidade jurídica, fazendo jus aos honorários assistenciais, conforme Súmula 61 deste Tribunal, Recurso adesivo do autor ao qual se dá provimento. (TRT-4 - RO: 00206077820145040334, Data de Julgamento: 01/02/2016, 11ª Turma, grifou-se)

Ademais, não podemos deixar de considerar que a garantia de emprego prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91 ao atleta profissional de futebol, externada pelo entendimento majoritário da jurisprudência justrabalhista (S. 378, III, do TST), é devida não apenas por ser um direito social previsto na Constituição Federal (redução dos riscos inerentes ao trabalho), mas também por representar um princípio fundamental do desporto que privilegia a segurança física, mental e sensorial do atleta de qualquer modalidade desportiva.

4. CONCLUSÃO

Em momentos de impossibilidade para exercer a atividade laboral, a Previdência Social concede benefícios aos segurados, a exemplo do auxílio-doença e do auxílio-acidente, a fim de permitir com que o trabalhador possua condições de prover o mínimo para a sua subsistência. Esse pensamento tem como base a preservação da dignidade da pessoa humana e o cumprimento dos direitos fundamentais sob a égide do Estado Democrático de Direito.

A atividade do atleta profissional de futebol desperta especial interesse por milhões de pessoas ao redor do mundo. Seja em virtude do amor ao esporte, seja em razão da própria prática amadora ou até mesmo em decorrência da natural curiosidade da vida de glamour que alguns atletas desfrutam, atraindo a atenção de muitos.

A legislação brasileira não fornece uma definição clara do que é um atleta, mas divide o esporte em três categorias: esporte educacional, esporte de participação e esporte de rendimento. O último pode ser praticado tanto de forma profissional quanto não-profissional. No entanto, mesmo com essa falta de definição legal, podemos considerar como atleta aquele que pratica o esporte de rendimento de forma profissional, por meio de um contrato especial de trabalho desportivo. Os demais praticantes das modalidades educacionais e de participação são considerados desportistas.

O acidente de trabalho é regulado pela Lei 8.213/91, sendo que o acidente de trabalho stricto sensu, também conhecido como acidente-tipo, é definido pelo artigo 19 da referida lei como aquele ocorre no exercício do trabalho, causando lesão corporal ou perturbação funcional que causa a morte do empregado ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da sua capacidade laborativa.

Em sentido amplo, o acidente de trabalho abrange não só o acidente-tipo como também a doença ocupacional e o acidente de trajeto. Este último, também denominado de acidente de acidente in intinere, é aquele que não ocorre no local onde é exercida a atividade, mas enquanto o empregado percorre o trajeto residência-trabalho ou vice-versa, durante o período de descanso ou, ainda, quando estiver executando alguma atividade externa.

A Lei 9.615/98, principal norma que regula o esporte no Brasil, no entanto, não traz nenhuma definição expressa ou implícita do que poderia ser considerado como acidente de trabalho no esporte. Dessa forma, a aplicação subsidiária do art. 19 da Lei 8.213/91 é a forma de garantir que o jogador de futebol não fique desamparado juridicamente, permitindo que, assim como os empregados “comuns”, o atleta profissional de futebol também tenha direito à percepção do benefício previdenciário decorrente do acidente de trabalho.

Dessa forma, de acordo com o dispositivo acima mencionado, podemos conceituar o acidente típico desportivo como a morte do atleta, ou a lesão sofrida pelo atleta enquanto exerce sua profissão, seja durante uma partida oficial, um treinamento ou até mesmo durante o período de concentração. Essa lesão pode resultar na perda ou redução, tanto permanente quanto temporária, da capacidade do atleta lesionado.

A responsabilidade objetiva pode ser aplicada em casos de acidente de trabalho de atletas profissionais, pois o artigo 7º da Constituição Federal não é taxativo. A lei ordinária tem o poder de ampliar ou adicionar medidas que visem melhorar a condição social desses profissionais, conforme autorizado pela própria norma constitucional. É inegável que a atividade do atleta profissional, que é explorado e aproveitado pela entidade esportiva que o emprega, traz consigo um risco inerente de lesões, tanto em jogos oficiais quanto em treinamentos.

Como demonstrado, a contratação do seguro de que trata o artigo 45 da Lei 9.615/98 é uma obrigação imposta pela legislação ao empregador, que deve ser paga independentemente de gozo de auxílio previdenciário eventualmente usufruído pelo atleta profissional, tendo em vista a distinta natureza jurídica dos institutos. A sua não contratação, conforme a jurisprudência, é suficiente para configurar a responsabilidade do clube, que deverá ressarcir o atleta lesionado pelos prejuízos sofridos.

Por fim, o artigo 118 da Lei 8.213/91, que trata da estabilidade no emprego após a ocorrência de um acidente de trabalho, é uma ferramenta essencial na relação entre atletas profissionais e seus empregadores. Além de ser um direito social garantido pela Constituição Federal de 1988, que busca reduzir os riscos inerentes ao trabalho, ele também reflete um princípio fundamental do esporte: a prioridade pela segurança física, mental e sensorial dos atletas, independentemente da modalidade esportiva em que atuam.

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  1. Tal homenagem se deu porque a lei em questão foi idealizada quando Pelé (Maior Jogador de Futebol de todos os tempos, segundo a FIFA, e eleito pelo COI em 1999 como o Melhor Atleta do Século XX) era Ministro do Esporte no Governo brasileiro e presidente do Conselho do INDESP (Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto).

Sobre o autor
André Augusto Duarte Monção

Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. O acidente de trabalho do atleta profissional de futebol. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7342, 8 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105487. Acesso em: 22 nov. 2024.

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