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Questões práticas sobre holding familiar e proteção patrimonial

Agenda 15/08/2023 às 20:46

A holding familiar é um recurso jurídico para gerenciar, preservar e proteger o patrimônio de uma família, garantindo a sucessão sem conflitos.

1. INSERÇÃO DO TEMA

Até período recente, os negócios familiares tinham o sopro do improviso, o que, certamente, contribuiu para a derrocada de grandes grupos corporativos após a morte dos seus fundadores; outros foram à corrosão porque o empirismo inicial, que deu o impulso no início do negócio, já não era suficiente quando se tornou um complexo empreendimento.

Questões como concorrência, modernidade tecnológica, globalização e relações com clientes e fornecedores deixaram de serem as mesmas; a burocracia evoluiu, aumentando consideravelmente os controles sobre tributos e movimentações financeiras.

O meio corporativo tem histórias de conglomerados de empresas construídos com o trabalho incansável de uma pessoa ou de uma família, que, depois, com o falecimento dos fundadores, resultaram em impérios em ruínas; a estrutura destruída por desacertos na sucessão, pela dilapidação rápida por amadores que tomaram o controle das atividades e até pela falta de preparo dos sucessores que não participaram da evolução e do gerenciamento do potentado.

Logo, se manter um patrimônio ao longo de uma vida é algo desafiador, assegurar que ele se transfira sem riscos (e se mantenha em prol do núcleo familiar) é missão preocupante.

É nesse ambiente que se inserem duas figuras que estão umbilicalmente interligadas: a holding familiar e o sistema de proteção patrimonial. Elas estão efetivamente entrelaçadas; uma oferece o modelo jurídico e a outra representa o principal objetivo, que é o gerenciamento e proteção do patrimônio de uma família por várias gerações.

Na atualidade, aqueles empreendedores precavidos, detentores de patrimônio razoável, têm um planejamento jurídico e econômico de maneira a preservar aquilo que foi construído e a afastar os conflitos desnecessários na hora da transição.


2. O QUE É UMA HOLDING FAMILIAR?

Como referência estritamente prática, sem avanços acadêmicos, pode-se descrever a holding familiar como um recurso jurídico prévio com o propósito de administrar e preservar o patrimônio de uma família. Ela, a nova empresa, em si, não exerce qualquer atividade comercial; com efeito, o foco está na gerência, na conservação e no desenvolvimento do patrimônio, de forma que ele não seja atingido pelas variáveis da vida, a começar pelos humores dos relacionamentos interpessoais.

Com esse intento, uma holding pode advir como meio de proteção de vários bens, dentre os quais imóveis, joias, objetos de arte, cotas de empresas, instalações industriais, comerciais, hospitalares, clínicas, educacionais, editoriais, etc. Nesse caso, as pessoas que integram esse modelo jurídico se mantêm seguras como proprietárias das respectivas partes a que fazem jus no momento da constituição, não correndo o risco de que as suas cotas sejam comprometidas por fatores adversos.

Entenda-se que aqui se está a descrever a holding familiar, que visa proteger o patrimônio dos integrantes da família; isso é diferente de uma holding convencional (ou patrimonial), cujo fim é gerenciar e preservar o patrimônio como um todo, sem distinguir as partes. Não é sem razão que, no primeiro modelo, o centro das atenções é a garantia sucessória, para que a transmissão ocorra de forma pacífica e sem que, em momento anterior, se dê por qualquer recurso a subtração de parte ou do todo a que os sucessores legais fariam jus.

É evidente que, como todo ato jurídico, a constituição dessa empresa gestora exige cautela. Uma palavra, por vezes, é suficiente para abrir espaço para embates de interpretação do contrato social, quando não para alterar o sentido do projeto. Por isso o momento constitutivo não admite falhas; há de ser planejado com rigor técnico e com segurança prática para todos os envolvidos na causa. A se ter em mente que a holding familiar se justifica pela prevenção, seria um contra senso tê-la como um complicador a mais no conjunto dos negócios da família. Os profissionais envolvidos no assessoramento costumam descrever com clareza as regras sucessórias no contrato de abertura da empresa gestora, bem como antever diversas possibilidades na vigência da administração patrimonial.


3. PECULIARIDADES DO MODELO

Por conveniência didática, faz-se a seguinte relação de características:


4. EFEITO DE BLINDAGEM PATRIMONIAL

Para além da segurança do patrimônio, tem-se no campo das vantagens o planejamento sucessório (que afasta litígios vindouros) e proporciona aquilo que em direito ganha o rótulo de “blindagem patrimonial”, acautelando-se acerca de eventual incidente com a administração parcelada dos negócios. Veja-se, a propósito, que o casamento, a união estável e até os contratos sociais deixam o patrimônio exposto a terceiros; o divórcio, a separação de fato e a dissolução de uma sociedade empresarial são sempre suscetíveis a variáveis que podem fugir do controle de uma das partes; com a holding familiar o gerenciamento obedece a critérios técnicos, dentro de uma pessoa jurídica específica, sem interferências externas e sem o risco de subtração de bens.

Note-se que a blindagem não está restrita ao patrimônio total, mas avança para a guarda daquilo que corresponde à parte de cada membro da família. Não haverá dívida contraída de forma a comprometer o que é particular; não haverá transação que coloque em risco a segurança financeira de qualquer membro que esteja agrupado no contrato social. Com efeito, há sucessões que, aparentemente são vistosas aos olhos de terceiros, mas carregam o peso de uma planilha de dívidas com instituições bancárias, assim como passivos judiciais de diversas origens. Muitas vezes, os sucessores não têm a menor ideia desse cenário. Assim, ao oposto, uma empresa gestora tem a transparência e o controle necessários à salvaguarda patrimonial, evitando que os sucessores sejam frequentes destinatários de citações judiciais originárias do espólio.


5. VANTAGENS ADICIONAIS

A empresa constituída para a administração familiar geralmente dispensa o complexo processo de inventário que, não raramente, vem acompanhado de embaraços burocráticos e potenciais conflitos quanto ao expediente processual em si. Uma vez que o patrimônio familiar é incorporado pela empresa, as respectivas cotas são automaticamente transferidas aos herdeiros no contrato social (o qual, estritamente para facilitar a compreensão, sem rigor técnico, seria uma espécie de testamento consentido por todos). Quando tudo é formatado com precisão, dispensa-se o inventário judicial, que tem alto custo, as veredas da discórdia e, no mínimo, atrasa a posse e disponibilidade dos próprios bens. Eis, portanto, um componente a agregar no rol das vantagens.

Esse modelo ainda permite a redução da carga tributária sobre o patrimônio familiar, uma vez que os lucros obtidos pelas atividades profissionais atinentes às empresas abrigadas na holding não sobrecarregam o conjunto do patrimônio, mas são distribuídos proporcionalmente entre os membros da família. Isso produz um menor peso individual decorrente das taxas e tributos. Cada qual paga menos à Fazenda Pública do que pagaria fora da empresa.

Ainda nesse espectro, é possível que sucessores assumam cargos na administração da holding. Além da capacidade para a prática de atos civis, é obviamente relevante que nesse caso se agregue a qualificação para esse ofício e que exista regulamento de gestão, garantindo-se que não se abra espaço para desvios do que é de todos para fins pessoais.

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Quando o volume de empresas é grande e o patrimônio for exponencial, a segurança recomenda que a empresa tenha uma gestão profissional, a cargo de terceira pessoa; alguém que seja especializado na área, que fará a administração sem qualquer parcialidade, comprometido com os interesses coletivos. Aqui se potencializa o critério vantagem; e nisso convém destacar o cuidado do administrador na divisão das receitas de forma correta, proporcional à cota de cada membro da família. Por outro lado, é admissível – e por vezes producente – que um dos membros do grupo familiar seja o gestor. Um dos cônjuges, por exemplo, pode continuar no acompanhamento da atividade-fim, empregando a sua expertise e contribuindo para os melhores resultados naquilo que é produzido; e o outro cônjuge, se qualificado para tanto, assume a frente da empresa gestora, adstrito aos objetivos da sua constituição. Por vezes um filho, por vezes, um neto. Há abertura para escolha, considerando-se vários itens. O certo é que aquele que assumir esse comando terá no contrato social e no regulamento da holding um mapa, uma agenda, e isso dará estabilidade e nitidez.

É certo que o quadrante das vantagens é diretamente relacionado com a qualidade do contrato, que deve prever, inclusive, a possibilidade de saída de um membro da família dos quadros dessa empresa – e quais são os direitos disso decorrentes. Aquele que pavimentar a constituição deve ser visionário; imaginar oscilações em tudo que possa impactar o patrimônio e, também, o relacionamento entre os membros; precisa escrever e descrever, prever e precaver.


6. A CONSTITUIÇÃO DA HOLDING FAMILIAR

É evidente que a formação de uma empresa gestora é mais do que vantajosa – mas necessária – quando a família for detentora de um grupo de empresas ou possuir um patrimônio considerável; empreendimentos menores, todavia, também podem ser abarcados por essa figuração. Neste caso, é prudente levar em conta os encargos de constituição e manutenção. Há despesas contábeis, jurídicas e operacionais envolvidas no projeto e na execução; essas devem ser postas em cotejo com as vantagens sucintamente relacionadas neste texto, porém, em grossas tintas, é lícito afirmar que os valores despendidos nesse investimento são compatíveis com volume patrimonial mediano.

Uma vez definida a conveniência e a oportunidade, é feito o levantamento do patrimônio e formatada a planilha de sócios. Os profissionais encarregados do assessoramento jurídico devem se reunir com os pretendentes, ouvir as peculiaridades de cada um, esclarecer a todos sobre o modelo e traçar com transparência o formato de administração e os critérios sucessórios. A partir desse mapeamento, avança-se para a forma de constituição da sociedade, preferencialmente sociedade limitada, que amplia a proteção ao patrimônio. Na ordem, vêm ainda o planejamento tributário e elaboração do contrato social minucioso, sem margem para discussões futuras; e, por fim, a transferência do patrimônio para a holding que assume a administração.

Com esse desenho, pretendentes ao emprego desse método podem avaliar a conveniência e avançar para as consultas e formatação do plano. Procurou-se nesse texto, ainda que abreviado, abrir a janela da compreensão do sistema e contribuir para a tomada de decisão.

Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados. O autor presta consultoria às mais importantes estruturas da Administração Pública do país desde os anos 1990. Conhece os riscos da gestão e as formas de prevenir responsabilidades, o que o tornou conferencista internacional sobre matérias relacionadas ao serviço público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Léo Silva. Questões práticas sobre holding familiar e proteção patrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7349, 15 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105506. Acesso em: 22 dez. 2024.

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