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Precedentes judiciais no CPC/2015: administração pública e os precedentes vinculantes

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Agenda 19/09/2023 às 11:10

É possível a aplicação dos precedentes judiciais vinculantes na Administração Pública, mas, há a necessidade de lei autorizativa do ente público competente, norma esta que fará a ponte entre o sistema judicial e o administrativo.

O artigo 37, caput, da CF prevê que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá ao princípio da legalidade.

Clássico é o ensinamento de que as pessoas podem fazer tudo o que a lei não proíbe, enquanto que a Administração Pública somente pode fazer aquilo que a lei permite. A Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados que não estejam previstos em lei (DI PIETRO, 2017, pp. 104-105).

Dessa forma, Weber Luiz de Oliveira (2019, pp. 181, 188-189) assevera que o princípio da legalidade e sua adoção absoluta são limitadores iniciais à aplicação dos precedentes vinculantes no âmbito da Administração Pública (extrajudicialmente). Deixando o agente público de atuar em consonância com a lei para atuar com fundamento em precedente judicial vinculante, poderá, inclusive, responder administrativamente, civilmente, e até mesmo criminalmente, pelos atos praticados.

O autor explica que a vinculação administrativa dos agentes públicos ocorre única e diretamente com a lei, por imposição de cláusula pétrea da CF (art. 5º, inciso II). Em suas palavras: os atos dos agentes públicos “devem ser respaldados por lei, e não por precedentes”. (OLIVEIRA, 2019, pp. 189-190).

Mesmo se o agente ou administrador público tiver ciência de precedentes vinculantes, e ainda que tais precedentes forem efetivamente a melhor interpretação do direito aplicável ao caso concreto, o sistema jurídico brasileiro delimita e obriga a atuação da administração nos termos da lei, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e criminal. (OLIVEIRA, 2019, p. 191).

Tais limites, repercussões e responsabilidades revelam a complexidade do tema da aplicação e incorporação de precedentes vinculantes pela Administração Pública, já que o agente público está submetido à CF, CE, leis, decretos, portarias, etc., mas não à jurisprudência vinculante. (OLIVEIRA, 2019, p. 192).

No entanto, isso não significa que a Administração não deva buscar a aplicação e incorporação dos precedentes vinculantes no âmbito administrativo, a fim de pacificar o conflito social e evitar a multiplicação desnecessária de litígios repetitivos. A questão que surge é como fazer isso de forma legítima e de maneira que observe o princípio da legalidade, dando ainda o necessário respaldo aos agentes e administradores públicos.

De logo, verifica-se que apenas as normas previstas pelo CPC/2015 não são suficientes para obrigar ou autorizar a Administração Pública a cumprir os precedentes vinculantes, pois são normas direcionadas unicamente ao processo civil, vinculando somente juízes e tribunais. (OLIVEIRA, 2019, pp. 199, 217, 229).

As exceções são os precedentes vinculantes que têm previsão constitucional (e já estão regulamentados) e vinculam diretamente a Administração Pública, tais como as Súmulas Vinculantes e as decisões em controle concentrado de constitucionalidade. Tais decisões têm aplicabilidade direta e já vinculam normalmente a Administração Pública (OLIVEIRA, 2019, p. 217).

Quanto aos demais precedentes vinculantes, ainda que previstos no CPC/2015, há necessidade edição de lei própria pelo ente público interessado autorizando o uso pela administração dos precedentes judiciais vinculantes. Em outras palavras, há necessidade da edição de lei autorizativa regulamentadora para aplicação de precedentes vinculantes pela Administração Pública. Somente “a lei autorizativa legitima a atuação da Administração e seus servidores”. (OLIVEIRA, 2019, pp. 203, 209, 213).

Esta lei autorizativa regulamentadora da aplicação de precedentes vinculantes pela Administração Pública consiste na “ponte de transição” entre os sistemas judicial e administrativo. A lei autorizativa serve ainda como um consenso entre os sistemas legislativo, administrativo e judiciário, principalmente pela exegese no sentido de que a Administração Pública deve se abrir à interpretação judicial já cristalizada em precedentes. (OLIVEIRA, 2019, pp. 227 e 230).

Somente através dessa regulamentação legal autorizando a aplicação de precedentes judiciais vinculantes pela Administração Pública, haverá legitimidade para submeter casos específicos a estes precedentes, sem gerar responsabilidade da Administração e de seus agentes públicos. Além disso, por meio da publicação de lei, cumpre-se também o requisito da publicidade e transparência dos atos administrativos. (OLIVEIRA, 2019, pp. 192-193).

A abertura da literalidade legal, já explicitada acima quando falamos do princípio da legalidade, consentânea com o sistema dos precedentes vinculantes, no sentido de dar segurança jurídica, confiança, uniformidade e previsibilidade ao sistema jurídico, é um passo importante para assentar que a Administração Pública também pode se pautar consoante a interpretação uniforme dada pelos tribunais, mas desde que respaldada por autorização legal expressa nesse sentido. (OLIVEIRA, 2019, pp. 195-196).

Dessa forma, a Administração Pública não deve atuar somente mediante comandos do Poder Legislativo, mas também em consonância com os princípios constitucionais e em decorrência dos mandamentos do Poder Judiciário, já pacificados através de precedentes vinculantes, desde que haja autorização legal para tanto. (OLIVEIRA, 2019, p. 196).

A atuação da Administração Pública, visando compatibilidade aos precedentes vinculantes, não deve se limitar à mera atuação da Advocacia Pública dentro de processos judiciais (normas que autorizam dispensas de contestações, recursos, não ajuizamento de ações, dentre outros), mas sim ir muito além, de forma ampla e geral, buscando inclusive meios preventivos, meios consensuais, e a adoção de novas práticas administrativas, evitando-se novas ações judiciais e a recalcitrância na aplicação de legislação incompatível com a interpretação já pacificada dos Tribunais Superiores e explicitada por meio dos precedentes vinculantes. (OLIVEIRA, 2019, p. 197).

Nas precisas palavras do autor Weber Luiz de Oliveira:

"Não pode o administrador público ficar obtuso a essa nova concepção e realidade institucional e jurisdicional, aguardando passivamente eventual alteração legislativa para exercer o seu múnus. Contudo, também não pode ter uma atitude ativa sem respaldo em legislação, já que, querendo ou não, o princípio da legalidade lhe é impositivo (...).

(...)

Diante do destacado contexto dialógico, não pode a Administração Pública, sob pena de ofensa do princípio da igualdade, negar aplicação ao quanto decidido pelos tribunais em última instância. No Estado Constitucional atual, não se pode consentir com a emanação de duas interpretações, de dois entendimentos diversos acerca de uma dada norma jurídica para subsidiar as atividades públicas e privadas.

(...)

Diante do cenário exposto, o direito descrito sedimentadamente pela jurisdição, assentado em precedente obrigatório, deve ser considerado pela administração, que não pode, no contexto contemporâneo, ficar à mercê de legislações que não acompanham o desenvolvimento social e institucional.

(...)

Isso porque, muito embora exista a legalidade, essa, havendo dissenso, não pode ser excluída da apreciação jurisdicional e, portanto, da conclusão/solução desse dissenso pelo órgão incumbido constitucionalmente de dar a palavra final do Direito, mesmo que seja provisória. Após a participação efetiva dos agentes envolvidos nos processos judiciais (contraditório pleno e democrático de todos quantos sejam influenciados pelo debate então travado) é que se legitima a Administração em adotar os precedentes vinculantes. (OLIVEIRA, 2019, pp. 199-202, 211-212)".

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Com isso, acaba-se por garantir a igualdade e segurança jurídica, concretizando-se direitos fundamentais, entre jurisdicionados e administrados quando em idênticas situações jurídicas. Evita-se, em última análise, a judicialização de toda e qualquer controvérsia de direito público, reduzindo-se com isso a multiplicação repetitiva e desnecessária de processos judiciais. (OLIVEIRA, 2019, p. 205).

Em suma, “o isolamento da Administração Pública em um mundo legislado não cumpre os demais princípios constitucionais a ela vinculantes, notadamente o da eficiência, da moralidade e da igualdade”. (OLIVEIRA, 2019, p. 208).

Weber Luiz de Oliveira (2019, p. 218) ressalta, no entanto, que a Administração Pública também deve ter resguardado o seu direito de acesso à justiça, de modo que sempre tem o direito de interpretar as leis e se insurgir contra os precedentes vinculantes, já que se trata de técnica de julgamento que não é infalível nem livre de problemas.

Existiram diversos casos de repercussão geral e de recursos repetitivos (precedentes vinculantes obrigatórios nos termos do artigo 927 do CPC) nos quais houve completa falta de estabilidade, integridade e coerência das decisões, com jurisprudência vinculante volátil e contraditória, em curtos períodos de tempo. Além disso, não é incomum a existência de controvérsias constantes entre STF e STJ, com mudança significativa de precedentes vinculantes. Isto tudo, agravado pela violação da segurança jurídica e sem observância das regras técnicas de superação ou distinção de precedentes. (OLIVEIRA, 2019, pp. 218-220).

Conforme assevera Weber Luiz de Oliveira: “Nessa dimensão, não se pode perder de vistas que inúmeras decisões judiciais decorrem de um ativismo e de uma discricionariedade inadequada para os fins de sedimentação de teses jurídicas vinculatórias”. (OLIVEIRA, 2019, pp. 221-222).

Ou seja, a Administração Pública não pode se curvar cegamente aos precedentes judiciais, ainda que vinculantes. Deverá sempre ser feito um juízo de estabilidade e coerência do precedente vinculante, analisando a sua perenidade ou volatidade, possibilidade de distinção ou superação jurisprudencial, juntamente com análise dos custos administrativos e processuais, redução de litigiosidade, dentre outros parâmetros. Esta análise deve ser feita pelo órgão de representação jurídica (Advocacia Pública) em conjunto com a Administração Pública, para então se concluir pela adoção ou rejeição do precedente vinculante no âmbito administrativo (extrajudicial).

Nesse contexto, para se acatar um precedente vinculante no âmbito administrativo, além de lei autorizativa, deve existir o interesse da Administração Pública na aplicação deste precedente vinculante, em deferência à legalidade e na busca dos princípios constitucionais administrativos da igualdade, segurança jurídica, impessoalidade, moralidade e eficiência. O interesse da Administração Pública na aplicação de precedentes judiciais vinculantes também deve ser pautado de forma objetiva diante de determinada matéria jurídica, através de parâmetros de redução de litigiosidade, de custos administrativos e processuais, e de otimização do serviço público direcionado à coletividade. (OLIVEIRA, 2019, pp. 222-223).

Em suma, deve ser feita uma análise da existência de interesse público na adoção administrativa do precedente vinculante. Não somente deve se analisar a presença de interesse público secundário, mas especialmente de interesse público primário, pois a adoção do precedente em âmbito administrativo poderá criar pacificação social, redução de litigiosidade, redução de custos administrativos e judiciais.

Existem questões jurídicas que estão pacificadas há anos pela doutrina e pela jurisprudência vinculante, sem qualquer possibilidade de superação (overruling) ou distinção (distinguishing), as quais devem ser implantadas em âmbito administrativo. Recusar encampação administrativa destes precedentes vinculantes já completamente pacificados e cristalizados somente atende ao interesse público secundário, mas não ao interesse público primário, afinal a pacificação dos conflitos sociais, segurança jurídica, respeito à igualdade, e ao direito dos administrados já reconhecidos pela jurisprudência pacificada é interesse público primário.

Além disso, a adoção dos precedentes vinculante pela Administração Pública contribui para a redução da litigiosidade de massa, já que os entes públicos são os maiores litigantes na justiça. Milhares de ações relativas a direito administrativo (em especial servidores públicos), previdenciário e tributário podem ser estancadas e evitadas caso a Administração Pública adeque sua conduta ao precedente vinculante. Com isso, haveria redução dos custos e do tempo do processo, contribuindo para a celeridade da justiça e economia processual. Otimizar-se-ia, ainda, o tempo e custo da máquina pública jurisdicional e consequentemente da máquina administrativa (custos relativos à defesa judicial do ente público). (OLIVEIRA, 2019, pp. 237, 239).

Conforme exposto por Juarez Freitas:

"De mais a mais, no plano das ponderações de ordem sociológica, força reconhecer que o simples e firme acatamento das decisões judiciais pela Administração Pública, por si só, já desafogaria, sem celeumas, os nossos Tribunais, pois não há dúvida que a Administração Pública converteu-se na grande demandante ou demandada, no contexto que timbra pela imprevisibilidade de sua atuação". (FREITAS, 1998, p. 122).

Merece ainda menção o aspecto qualitativo (ético) do bem-estar das pessoas e da sociedade, no sentido de obter a paz de seu conflito sem a necessidade de se socorrer ao Poder Judiciário em assunto já pacificado e cristalizado em precedente vinculante, já que o litigar em juízo denota a busca de uma solução ainda não engendrada extrajudicialmente. (OLIVEIRA, 2019, pp. 241-242).

Nas palavras de Weber Luiz de Oliveira:

"Se inexistir lesão ou se for sanada sem intervenção judicial, além da diminuição do número de processos, da litigiosidade, também, e pode-se dizer, principalmente, haverá concretização da paz no ambiente pessoal e comunitário, o que igualmente é objetivo da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º), de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos". (OLIVEIRA, 2019, p. 242).

Em suma, com a incorporação administrativa dos precedentes judiciais, já pacificados e cristalizados, atende-se ao interesse público primário, o que é o objetivo e a razão de ser da Administração Pública.


DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM CUMPRIR PRECEDENTES VINCULANTES

Conforme analisado, para que a Administração possa cumprir precedentes vinculantes, há necessidade de previsão legal expressa, em virtude do princípio da legalidade.

Além disso, há diversas vantagens e conveniências para que a Administração cumpra os precedentes jurisprudenciais vinculantes, especialmente aqueles já cristalizados e pacificados, seja em atenção ao cumprimento do interesse público primário, seja em razão da necessidade de observância dos princípios da igualdade, segurança jurídica, economia processual e eficiência.

Como também já exposto, a análise de conveniência e oportunidade em acatar a jurisprudência vinculante deve ser feita pela Administração Pública em conjunto com a Advocacia Pública.

Questão que agora surge é se existe um dever jurídico ou mera recomendação para que a Administração Pública acate os precedentes vinculantes na seara administrativa.

Juarez Freitas (1998, p. 117), em 1998, já defendia que decorre do sistema jurídico brasileiro a necessidade da Administração Pública em acatar, prontamente, as decisões definitivas ou pacificadas do Poder Judiciário. Cumpre ressaltar, que o autor escreveu sobre o tema em artigo específico sobre controle difuso de constitucionalidade, mas seus argumentos são aplicáveis ao tema aqui tratado.

Para Juarez Freitas (1998, p. 118), em decorrência da unidade de jurisdição, legalidade, confiança e segurança jurídica, a Administração Pública deve acatar os pronunciamentos irrecorríveis do Poder Judiciário, sob pena de fazer perecer a credibilidade do próprio sistema de controle.

Além disso, trata-se de uma questão de economia e eficiência no uso dos recursos públicos, tanto no Poder Executivo quanto no Judiciário:

"Neste passo e não raro, o combate severo e enérgico contra a sonegação, a improbidade administrativa ou a má-prestação dos serviços públicos resulta debilitado, já que malversadas ou desviadas as melhores energias em postulações ou recursos com o ânimo protelatório ou meramente rotineiro. Assim, desestimula-se a máquina fiscalizadora, compelindo-a a contemplar malabarismos hermenêuticos constrangedores em lugar de fazê-la ativa, exitosa e enérgica no cumprimento dos seus indelegáveis deveres. Em segundo lugar, a morosidade processual, além de se revelar fatal para cidadãos vitimados pela síndrome das vitórias com sabor amargo, acaba sendo dispendiosa e onerosíssima para os cofres públicos". (FREITAS, 1998, p. 119).

Desde que largamente pacificada a orientação, Juarez Freitas defende o dever lógico de acatamento dos precedentes judiciais e de emissões rápidas de súmulas administrativas conformadoras de tais diretrizes. Assim, a jurisprudência iterativa dos Tribunais, fonte material por excelência para Juarez, deve, com as devidas cautelas, ser objeto de eficiente e rápida expedição de súmulas administrativas ou de decisão normativa para adequar a conduta da Administração, atitude indispensável à harmonia dos poderes e para que o agente público não se converta em triste servo do não-Direito ou da erosão de sua própria credibilidade. (FREITAS, 1998, p. 118).

"Note-se bem: ao sustentar tal dever, não se está propugnando servilismo nem subserviência, tampouco a ímproba prevaricação. Afinal, em situações-limite, se houver completo e razoável convencimento do desacerto da posição jurisprudencial, mostra-se legítimo procurar alterá-la, mas percorrendo as vias apropriadas, jamais simplesmente pelo bafejo da absurda tese da 'falta de caixa'". (FREITAS, 1998, p. 121).

Juarez Freitas (1998, p. 123) defende, ainda, que há extrema conveniência no acatamento das pacificadas decisões judiciais pela Administração Pública, ressaltando que o maior beneficiário de tal postura é o próprio contribuinte, e, consequentemente, o interesse geral (interesse público).

Em suma, para o citado autor, o pronto acatamento da jurisprudência iterativa pela Administração Pública se revela como decorrência natural dos princípios fundamentais da segurança jurídica, unicidade da jurisdição, moralidade, confiança e economicidade. Desse modo, a Administração Pública estará reservando energia e vigor para os combates verdadeiramente prioritários. (FREITAS, 1998, p.123). Neste aspecto, é interessante notar a ideia trazida por Juarez Freitas de eficiência e economicidade da própria Advocacia Pública, que não perderá recursos (tempo, energia, servidores, custos) em postulações ou recursos com o ânimo protelatório ou meramente rotineiro, sem qualquer chance de provimento, conseguindo focar seus recursos e energias nas demandas importantes e relevantes para o ente público.

Quanto à normatização sobre o tema dos precedentes judiciais na administração pública, a Lei nº 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), em seu artigo 30, trouxe importante inovação e acenou fortemente no sentido da existência de um dever da Administração em cumprir precedentes judiciais vinculantes, ao dispor que:

"Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão".

Conforme destaca Weber Luiz de Oliveira (2019, p. 153), a hipótese trazida por este artigo engloba a aplicação de regulamentos e súmulas administrativas, com caráter vinculante, em razão da existência precedentes judiciais. Há, com isso, um dever cogente das autoridades públicas em editar regulamentos e súmulas administrativas com o objetivo de aumentar a segurança jurídica e em resguardar a igualdade e boa-fé.

Diante disso, para Weber Luiz de Oliveira:

"Parece adequado afirmar, nesse cenário, que o art. 30 da LINDB, de certa forma, encampa o posicionamento de precedentes judiciais indiretamente vinculantes à administração pública (...), disciplinando, de maneira inicial, mas não integral, o que se denomina de “lei autorizativa” (ponte de transição) de aplicação de precedentes, porquanto impõe (o verbo utilizado é “devem”) uma atuação das autoridades públicas no sentido de dar aplicabilidade às normas, no cenário ora desenhado, precedentes judiciais vinculantes a serem respeitados administrativamente". (OLIVEIRA, 2019, p. 153).

Inclusive, no Estado de São Paulo, a Lei Orgânica da Procuradoria Geral (Lei Complementar nº 1.270/2015), dispõe que:

"Artigo 3º - São atribuições da Procuradoria Geral do Estado, sem prejuízo de outras que lhe forem outorgadas por normas constitucionais e legais:

XII - propor a extensão administrativa da eficácia de decisões judiciais reiteradas;

XIII - promover a uniformização da jurisprudência administrativa e da interpretação das normas, tanto na Administração Direta como na Indireta;

XVIII - representar ao Governador sobre providências de ordem jurídica reclamadas pelo interesse público e pela boa aplicação das normas vigentes;

§ 4º - As propostas de edição e reexame de súmulas, para os fins do disposto no inciso XIII deste artigo, serão formuladas ao Procurador Geral pelos órgãos superiores ou de coordenação setorial da Procuradoria Geral do Estado, pelos Secretários de Estado e pelos dirigentes das entidades da administração descentralizada.

§ 5º - As súmulas aprovadas pelo Procurador Geral passarão a vigorar após homologação pelo Governador e publicação no Diário Oficial do Estado.

§ 6º - Nenhuma decisão da Administração Pública Direta ou Indireta poderá ser exarada em divergência com as súmulas.

Artigo 45 - Será obrigatória a manifestação prévia das Consultorias Jurídicas nos expedientes que versem sobre:

IV - edição de súmulas para uniformização da jurisprudência administrativa e extensão administrativa de decisões judiciais reiteradas.

E na esfera federal, de forma semelhante, a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (Lei Complementar nº 73/93) prevê que:

Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:

XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;

XII - editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais;

Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência.

Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.

Art. 43. A Súmula da Advocacia-Geral da União tem caráter obrigatório quanto a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 desta lei complementar.

§ 1º O enunciado da Súmula editado pelo Advogado-Geral da União há de ser publicado no Diário Oficial da União, por três dias consecutivos.

§ 2º No início de cada ano, os enunciados existentes devem ser consolidados e publicados no Diário Oficial da União".

Com isso, conjugando-se o sistema de precedentes vinculantes previsto no Código de Processo Civil de 2015, com a previsão legal do artigo 30 da LINDB, com as previsões das Leis Complementares da Advocacia Pública (União e Estado de São Paulo), é possível verificar densidade normativa suficiente na esfera federal e estadual (Estado de São Paulo) para a incorporação dos precedentes judiciais vinculantes na seara administrativa.

A LINDB e as Leis Complementares que regulamentam a advocacia pública nessas duas esferas (federal e estadual) são textos normativos suficientes a autorizar e até mesmo determinar a incorporação dos precedentes jurisprudenciais pacificados e cristalizados junto à Administração Pública, buscando atender ao interesse público primário.

Sendo assim, em casos já pacificados e cristalizados, nos quais a Advocacia Pública reconhece e se conforma com o precedente, ou seja, nos casos em que não há mais interesse ou possibilidade em buscar mudança, superação ou distinção do precedente judicial vinculante, há sim dever de acatá-lo e implementá-lo na via administrativa através dos instrumentos jurídicos disponíveis (pareceres vinculantes, súmulas administrativas e até mesmo mudanças legislativas e regulamentares).

Em síntese conclusiva Weber Luiz de Oliveira assevera que (grifo nosso):

"Assim, do problema de pesquisa proposto, acerca da influência e possibilidade de aplicação dos precedentes judiciais nas atividades administrativas, extrai-se, em conclusão, que é dever da Administração Pública, principalmente por sua vinculação à juridicidade e à igualdade e busca de soluções consensuais às controvérsias postas sob sua apreciação, aplicar, nos termos das premissas destacadas, os precedentes vinculantes". (OLIVEIRA, 2019, p. 245).

Dessa forma, é dever do Poder Executivo implantar no âmbito administrativo precedentes vinculantes pacificados e cristalizados, principalmente para atender ao interesse público primário, igualdade, segurança jurídica, eficiência e economia processual.

Diante deste cenário, o direito assentado em precedente obrigatório e cristalizado deve ser considerado pela Administração, que não pode, no contexto contemporâneo, ficar a mercê de legislações que não acompanham o desenvolvimento social e institucional. (OLIVEIRA, 2019, p. 207).

Cumpre destacar que nem todos os precedentes vinculantes previstos no artigo 927 do CPC podem ou devem ser cumpridos imediatamente pela Administração.

Enquanto não formada a força suficiente do precedente, com discussões e debates exaurientes para formação de sua uniformidade e certeza, resta temerário o abandono do entendimento então legal para o judicial. (OLIVEIRA, 2016, p. 436).

Além disso, muitos dos precedentes do artigo 927 não são verdadeiramente qualificados a se tornarem vinculantes. Por exemplo, como já dito, existem diversas Súmulas do STF e do STJ já superadas e que não foram formalmente revogadas, que não servem como precedentes.

E mesmo os precedentes repetitivos do STJ e do STF com repercussão geral podem sofrer do mal da jurisprudência volátil, como já ressaltado e como já ocorreu em diversos casos práticos.

Por outro aspecto, os temas exclusivamente de direito estadual (com ausência de repercussão geral já reconhecida pelo STF) já pacificados nos Tribunais de Justiça ou mesmo nas Turmas de Uniformização dos Juizados podem, muitas vezes, servir como fonte de precedentes jurisprudenciais confiáveis e estáveis.

Portanto, cabe à Administração Pública, com o imprescindível apoio do órgão de Advocacia Pública analisar a força, uniformidade, estabilidade e cristalização dos precedentes judiciais vinculantes, e então se utilizar dos instrumentos jurídicos disponíveis a fim de implantá-los na seara administrativa, buscando solucionar definitivamente o conflito social, resguardando o interesse público primário, a segurança jurídica, a igualdade, além de buscar a redução da litigiosidade e dos custos a ela inerentes.

Sobre o autor
Fernando Marques de Jesus

Procurador do Estado de São Paulo. Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP (2013). Especialista em Ciências Penais pela Anhanguera-Uniderp/LFG (2014). Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade CERS (2022).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Fernando Marques. Precedentes judiciais no CPC/2015: administração pública e os precedentes vinculantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7384, 19 set. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105628. Acesso em: 22 nov. 2024.

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