1. DA VIOLAÇÃO DO DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA: A PETIÇÃO INICIAL.
Não é incomum um trabalhador se deparar com os seus direitos sendo violados pelo seu empregador. Quando isto ocorre, o obreiro possui duas opções: ele pode ficar inerte e deixar os seus direitos serem violados ou ajuizar uma reclamação trabalhista, exercendo o seu direito do acesso à justiça.
O acesso à justiça, também conhecido como o princípio da inafastabilidade da jurisdição, é um direito constitucional que decorre do artigo 5º, inciso XXXV. Ele estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Conforme GONÇALVES1 ressalta, o acesso à justiça traduz o direito de ação em sentido amplo, podendo ser entendido como o direito de obter do Poder Judiciário uma resposta aos requerimentos a ele dirigidos.
Para tanto, o trabalhador, que figurará na ação como reclamante, deverá apresentar uma petição inicial (comumente conhecida na Justiça Trabalhista como reclamação, dissídio individual, ação trabalhista ou até mesmo processo trabalhista2), que poderá ser escrita ou verbal, conforme preceitua o artigo 8403 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Incumbe esclarecer que nada impede que o empregador figure como reclamante, tendo em vista que o empregado também pode violar os seus direitos. Em ambos os casos, a reclamação trabalhista poderá ser apresentada pessoalmente ou por seus representantes, ou pelos sindicatos de classe, na linha do que preceitua o artigo 839 da CLT4.
Não podemos deixar de conceituar o que vem a ser uma ação. Conforme a doutrina de MARTINS5, a ação é o direito de provocar o exercício da tutela jurisdicional pelo Estado, para solucionar dado conflito existente entre certas pessoas. Registre-se que para a existência do direito de ação, é necessário que haja legitimidade da parte, interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido. Todavia, GONÇALVES6 defende que:
O CPC de 1973 incluía, entre as condições de ação, a possibilidade jurídica do pedido. O atual não mais. Liebman, que sustentava inicialmente a existência de três condições, e cuja teoria foi acolhida pelo CPC, modificou mais tarde sua opinião e passou a sustentar que elas são apenas duas: a legitimidade e o interesse. Para ele, a possibilidade jurídica está absorvida pelo interesse de agir, porque não se pode considerar titular de interesse aquele que formula pretensão vedada pelo ordenamento.
Convém ressaltar, outrossim, que as normas elencadas no Novo Código de Processo Civil são aplicáveis, de modo supletivo e subsidiário, nos processos trabalhistas, conforme dispõe o artigo 157 .
Dito isto, não podemos olvidar de mencionar dois princípios que devem ser compreendidos ao mencionarmos o estudo da petição inicial: o princípio da iniciativa das partes e o princípio da inércia. Conforme ressalta HUMBERTO DALLA BERNADINA DE PINHO8 , o primeiro, cristalizado sob o brocardo nemo judex sine actore – não há juiz sem autor -, tem estrita relação com o segundo, ne procedat judex ex offcio – o juiz não pode dar início ao processo de ofício. Logo, o órgão jurisdicional deve ser provocado pelas partes.
PINHO salienta que o princípio da iniciativa das partes pode ser encontrado no artigo 2º do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece: “o processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial”. Por outro lado, a inércia vem prevista no artigo 141 do mesmo diploma, estabelecendo o seguinte: “O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”. Contudo, essa regra possui exceções, a exemplo dos artigos 730 e 738 do CPC, a seguir transcritos:
Art. 730. Nos casos expressos em lei, não havendo acordo entre os interessados sobre o modo como se deve realizar a alienação do bem, o juiz, de ofício ou a requerimento dos interessados ou do depositário, mandará aliená-lo em leilão, observando-se o disposto na Seção I deste Capítulo e, no que couber, o disposto nos arts. 879 a 903.
Art. 738. Nos casos em que a lei considere jacente a herança, o juiz em cuja comarca tiver domicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens.
Voltando ao conceito de petição inicial, PINHO9 esclarece que é a peça inaugural do processo, é o meio pelo qual o juiz toma conhecimento do fato constitutivo do direito alegado pelo autor. SANTOS10 complementa afirmando que a petição inicial é a declaração, do autor, de vontade de acionar e é, também, o ato introdutório do processo. GONÇALVES11 acrescenta que:
É por seu intermédio que se fixam os contornos da pretensão, pois nela são indicados os pedidos do autor e os fundamentos nos quais eles estão baseados. É também ela quem indica quem ocupará os polos ativo e passivo da ação, contendo os seus elementos identificadores. É pelo o seu exame que se verificará quais são os limites e os contornos do pedido e de seus fundamentos. Por causa disso, o exame da inicial tem enorme repercussão sobre a distinção ou identidade entre duas ações e para a questão da conexão ou continência. Também tem repercussão sobre o procedimento a ser observado, já que a matéria implicará a adoção de um ou outro.
Conforme destacam WAMBIER e TALAMINI12, a definição do início do processo ou do ingresso da parte na relação processual é importante para a definição da interrupção da prescrição, impedimento da decadência, prevenção do juízo, litispendência, atribuição de caráter litigioso ao bem disputado, e constituição do réu em mora.
Tecidas tais considerações, vejamos quais são os requisitos da petição inicial na reclamação trabalhista.
2. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL
Ao ajuizar uma reclamação trabalhista, o reclamante deve observar os requisitos previstos em lei. Conforme a lição de CORREIA e MIESSA 13, antes da entrada em vigor da Reforma Trabalhista, o artigo 840, parágrafo 1º exigia que a reclamação trabalhista contivesse a designação do juiz a quem fosse dirigida, a qualificação das partes, uma breve exposição dos fatos de que resultasse a reclamação, o pedido, a data e assinatura do reclamante ou de seu representante legal.
Ocorre que, com a nova redação do dispositivo, passou-se a exigir a necessidade de a reclamação conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e assinatura do reclamante ou de seu representante.
Deste modo, a partir da reforma da Consolidação das Lei do Trabalho, o pedido deve ser certo, determinado e com indicação dos valores de cada pedido, do mesmo modo que já ocorria com demandas sob o rito sumaríssimo.
Em relação a designação do juízo, a parte deve dirigir a petição inicial ao senhor doutor juiz do trabalho da Vara de Trabalho. Conforme ensina MARTINS14, a petição inicial só será dirigida ao juiz de direito nas localidades em que não exista Vara do Trabalho e aquele magistrado tenha jurisdição trabalhista.
No que tange à qualificação das partes, a petição deve conter os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no cadastro de pessoas físicas ou no cadastro nacional de pessoa jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu, conforme estabelece o artigo 319, inciso II, do Código de Processo Civil.
Prosseguindo, em relação à breve exposição dos fatos, significa que na petição deverá haver apenas a narração dos fatos. O § 1º do artigo 840 da CLT não exige que seja indicado o fundamento jurídico do pedido. Todavia, em certos casos não basta apenas a narração dos fatos, conforme ressalta MARTINS15, sendo necessário indicar a causa de pedir e a fundamentação jurídica do pedido, especialmente quando a matéria é de direito.
No que concerne ao pedido, este é um resumo do que o autor pretende receber. Por fim, o valor da causa é fundamental para que o reclamado possa saber quanto o autor pretende receber dele, aprimorando a sua contestação e facilitando a proposta de um acordo, caso ele entenda que os valores são devidos.
Registre-se que se tais formalidades não forem observadas, deve o juiz conceder prazo para emenda da petição inicial, findo o qual o processo é extinto sem resolução do mérito.
Essa oportunidade de emendar a inicial resulta do princípio da primazia da resolução do mérito, previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil16, que assim determina: “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
Neste sentido, percebe-se que o princípio da boa-fé e da cooperação influenciaram de modo positivo o processo do trabalho, ampliando a noção de acesso à justiça, ao primar pela continuidade da relação processual em detrimento da extinção do processo por vícios formais.
Ainda nessa linha, sob o aspecto do acesso à justiça, há quem entenda que o §1º do artigo 840 da CLT o dificulta. Para FREIRE17 :
A novidade altera as raízes históricas do direito processual do trabalho que, levando em consideração a hipossuficiência do empregado, bem como a possibilidade de jus postulandi, exigia apenas uma “breve exposição dos fatos em juízo.” Tais peculiaridades do processo do trabalho, aliadas à aplicação equivocada do princípio proteção ao hipossuficiente econômico (falamos “equivocado” pois o princípio da proteção é de direito material, e não processual), ensejavam até mesmo a aceitação de decisões extra e ultrapetitas na Justiça do Trabalho, o que reputamos inaceitável. As raízes históricas da Justiça do Trabalho, pois, também auxiliam no entendimento de tais peculiaridades, uma vez que está na sua gênese a realidade de que tal Justiça não pertencia ao Poder Judiciário, mas consistia em órgão administrativo, ligado ao Poder Executivo.
FREIRE prossegue afirmando que quase nenhum empregado se vale do jus postulandi quando ajuíza uma ação trabalhista, o que acaba ensejando a contratação de advogados para buscar a solução de seu conflito. Todavia, FREIRE18 reconhece que “a novidade enseja um aperfeiçoamento do processo do trabalho, numa mitigação dos princípios da simplicidade e informalidade que regem esse processo”.
Conforme já ressaltado, as normas do CPC são aplicadas de modo subsidiário e supletivo na Justiça do Trabalho. Nesta toada, deverão ser observados os artigos 319 e 320 do CPC, conforme assevera GONÇALVES19, eis naquele estão elencados os requisitos intrínsecos da inicial, ou seja, aqueles que devem ser observados na própria peça que veicula. Já no segundo, estão os extrínsecos, cuja relação diz respeito aos documentos que devem necessariamente acompanhar a peça.
3. FORMA
Quanto à forma, a petição inicial pode ser escrita ou verbal. Nesta segunda hipótese, a ação será reduzida a termo, em duas vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no §1º do artigo 840. Sendo ela verbal, o reclamante deverá apresentar-se no prazo de cinco dias ao cartório ou à secretaria, para reduzi-la a termo, sob pena de não poder ajuizar outra ação por período de seis meses, conforme preceitua o parágrafo único do artigo 786 da CLT.
Todavia, em algumas hipóteses, o reclamante não poderá apresentar o seu pedido verbalmente. MARTINS20 exemplifica que, no inquérito para apuração de falta grave, a petição inicial deverá ser escrita (artigo 853 da CLT), assim como no dissídio coletivo (artigo 856).
4. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL (RECLAMAÇÃO)
SERGIO PINTO MARTINS21 afirma que alguns juízes entendem que a petição inicial no processo do trabalho não pode ser indeferida, pois o empregado é o hipossuficiente. Ele entende que essa tese é possível se o empregado estiver postulando em juízo sem o patrocínio de advogado, pois não dispõe de conhecimento técnico para elaborar a petição.
Como efeito, o juiz poderá indeferir liminarmente a reclamação caso verifique que esta não observou os requisitos previstos no §1º do art. 840 da CLT c/c art. 330 do CPC. Neste sentido, ela poderá ser indeferida quando: a) for inepta, b) a parte for manifestamente ilegítima; c) o autor carecer de interesse processual e d) não forem atendidas as prescrições dos artigos 10622 e 321 do CPC.
Acerca dos motivos ensejadores do indeferimento da petição inicial, é importante destacar que a petição inicial será considerada inepta quando não tiver pedido ou causa de pedir, o pedido for indeterminado, da narração dos fatos não decorrer logicamente o pedido, ou a cumulação dos pedidos forem incompatíveis entre si.
Acerca da ilegitimidade da parte, é importante registrar que apenas a ilegitimidade extraordinária leva ao indeferimento da petição inicial. Ao revés, quando ocorrer a ilegitimidade ordinária, será hipótese de improcedência do pedido.23
Acerca do autor carecer de interesse processual, este fica caracterizado quando o interesse de agir não estiver presente, partindo sob a ótica da necessidade e utilidade da tutela jurisdicional. Acerca do tema, JUNIOR24 acrescenta que:
A constatação do interesse de agir faz-se, sempre, in concreto, à luz da situação jurídica narrada no instrumento da demanda. Não há como indagar, em abstrato, se há ou não interesse de agir, pois ele sempre estará relacionado a uma determinada demanda judicial.
Acerca dos elementos previstos nos artigos 106 e 321 do CPC, remete-se o leitor à leitura das notas de rodapé.
Prosseguindo, conforme ressalta MARTINS25 , nada impede que o juiz, verificando antes da primeira audiência que há algum defeito na petição inicial, determine que o demandante venha a emendá-la no prazo de dez dias, em consonância com o que dispõe os art. 765 da CLT26 e o art. 32127 do CPC.
Em verdade, um dos princípios norteadores do processo é o da cooperação. Deste modo, conforme preceitua o art. 6º do CPC, “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si, para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” E mais, o caput do art. 9º determina que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.” Assim, mais que uma possibilidade conferida às partes, trata-se de um direito resultante do ordenamento jurídico.
Logo, caso o juiz verifique que o vício da petição inicial é sanável, ele deverá oportunizar uma chance ao autor de emendá-la, em homenagem ao princípio da primazia da resolução do mérito.
5. PEDIDO
Mas afinal, o que é o pedido? SANTOS28 afirma que o pedido é objeto da demanda. É o objeto da ação e do processo. É o que o autor pede.
PINHO29 ensina que o pedido se subdivide em mediato e imediato. O pedido mediato é o bem da vida pretendido pelo autor. Já o imediato relaciona-se com o tipo de sentença pretendida.
Acerca do pedido, SANTOS 30 ressalta que por ele ser uma declaração de vontade, ele está sujeito à interpretação. Nessa toada, o Código de Processo Civil consagra o princípio de adstrição do juiz ao pedido da parte no artigo 492, que assim estabelece: “É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. Se a sentença se afastar desses limites, será considerada extra ou ultra petita31. Pois bem.
Como é sabido, no direito, a toda regra existe uma exceção. Exemplificando tal afirmativa, o artigo 322 estabelece que “O pedido deve ser certo”, e prossegue em seu § 1º: “Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios.” Ou seja, mesmo que o reclamante não tenha requerido expressamente os juros legais, a correção monetária, as verbas de sucumbência e os honorários advocatícios, esses pedidos serão considerados implícitos.
Além destas exceções, é possível também citar a multa do artigo 467 da CLT (a multa de 50% quanto aos títulos rescisórios incontroversos não adimplidos quando da audiência inaugural) e o pagamento da indenização em dobro, quando se torna inviável a reintegração (artigo 496, da CLT; Súmula 39632, II, do TST), conforme a doutrina de NETO, WENZEL e CAVALCANTE33 exemplifica.
E mais, o Código de Processo Civil, por ter adotado o modelo cooperativo de processo, estabelece ainda em seu §2º do artigo 322: “A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.”
Nesse sentido, JUNIOR34 esclarece que, em razão do princípio da cooperação, para o juiz decorre o dever de esclarecimento. Deste modo, caso ele tenha dúvidas a respeito de um pedido formulado pela parte, ele deverá intimá-la para que esclareça a sua pretensão.
6. REQUISITOS DO PEDIDO
O reclamante deve especificar o seu pedido. Na linha do que determina o artigo 324 do Código de Processo Civil, ele deve ser certo e determinado. Conforme ressaltam NETO, WENZEL e CAVALCANTE 35, com a entrada em vigência da Lei 13.467, a qual deu nova redação ao art. 840, CLT, o pedido, além de ser certo e determinado, deverá indicar o seu valor, sob pena de a demanda ser extinta sem resolução de mérito.
Todavia, na linha do que dispõe o § 1º do artigo 324 do Código de Processo Civil, é lícito formular pedido genérico imediato, nas ações universais36, se não puder o autor individuar na petição os bens determinados, quando não for possível determinar, de modo definitivo, as consequências do ato ou do fato ilícito ou quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.