O administrador judicial é órgão deveras importante no processo de falência e na recuperação judicial. Agente auxiliar do juiz condutor do processo, tal órgão não representa credores e muito menos devedor. Não defende este ou aquele interesse; não atua por eles. É órgão do processo que desempenha atividade sob imediata supervisão do juiz.
Sua conduta [omissiva ou comissiva] pode contribuir de forma significativa para sucesso ou fracasso da reestruturação judicial do agente econômico.
Eventuais incorretos atos comissivos ou atos omissivos seus poderão prejudicar a massa falida e credores, por exemplo, pela demora na arrecadação de ativos ou mesmo arrecadação em descompasso com os termos da lei, desídia, não cumprimento das obrigações legais, má administração dos ativos arrecadados, que não pertencem à massa falida, dentre outras questões não menos relevantes.
Para fins penais é ele, o administrador judicial, equiparado a funcionário público e, no mais, é mero colaborador do Estado, prestando serviços relevantes em tais processos [atividade administrativa, fiscalizadora, jurídica e liquidatária – esta, na falência1].
O ato de nomeação do administrador judicial é ato jurídico judicial, ato estatal, como convém a cargo que se há de exercer como um dos atos pelos quais o Estado consegue executar os bens do devedor e satisfazer os credores2. Diante da complexidade da recuperação judicial, que envolve milhares de credores e valores extraordinários, tem sido comum a nomeação de dois administradores judiciais.
A Lei 11.101/05, com redação deveras simplificada [e bastante simplista, por assim dizer] em relação ao ab-rogado texto legal de 1945, exige de quem anela o cargo tenha um requisito: idoneidade. O interessado ao cargo há de ser “profissional idôneo”. É o que diz a lei.
Consoante afirma Fábio Ulhoa Coelho, há simplificação e racionalização do procedimento de escolha3. A simplificação do procedimento da escolha de quem atuará nem sempre significa certeza de boa gestão.
Em 2022, uma vez mais se perdeu grande oportunidade de dar nova redação ao enunciado do art. 21 da Lei 11.101/05, incluindo, por exemplo, mais requisitos para nomeação de administrador judicial, esse órgão importante do processo. Nelson Abrão ensina:
A função demanda conhecimentos especializados e disponibilidade de tempo, para os quais a lei acena com uma aleatória remuneração...
[...]
Geralmente escolhidos entre advogados que militam nos procedimentos falimentares, subordinam-se apenas à autoridade do juiz que, tendo-os nomeado dentro do círculo de seu conhecimento pessoal, se vê constrangido quando for o caso de aplicar-lhes qualquer medida corretiva ou punitiva4
Nessa esteira, também poderia ter sido ampliada a regra do art. 32, quanto a tal órgão, para fins de responsabilizá-lo por má gestão, qual contido no art. 68 do diploma legal anterior.
Em resumo, enunciado do art. 60 do Dec.-Lei 7.661/45 era no sentido de que o síndico deveria ter reconhecida idoneidade financeira e moral, para fins de atuação nos processos judiciais.
Sobre o tema, disserta Pontes de Miranda:
Pode ocorrer que ao maior credor, ou um dos maiores credores, falte idoneidade moral ou financeira. ‘Idoneidade moral’ é a honestidade para o exercício da função do síndico, a exatidão no cumprimento dos deveres, a probidade no trato dos dinheiros alheios. ‘Idoneidade financeira’ é a situação econômica que assegure aos credores e ao falido, bem como a outros interessados na falência, a indenização de qualquer prejuízo que cause à massa falida e, por lei, seja reparável. Não há só indenizabilidade por negligência ou má administração, de modo que não se pode falar apenas em culpa5
Quanto ao síndico dativo – que não carecer ser comerciante, foi mais além: o terceiro deveria ter idoneidade e boa fama. Não obstante a ausência da previsão relativa à idoneidade financeira, quer-se crer, salvo melhor e mais abalizado juízo, que o magistrado, quando da nomeação, deve perquirir a respeito.
Prejuízos poderão ocorrer à massa falida, aos credores e a terceiros, prejuízos esses provocados [má gestão v.g.] pelo administrador judicial.
Aliás, os requisitos da idoneidade moral [Constituição Federal, art. 37 – princípio da moralidade] e financeira foram simplesmente substituídos pelo termo “idôneo”, contido no art. 21.
O administrador judicial há de ter suporte financeiro para cumprir eventual sentença que o condene pelos prejuízos causados à massa falida, à entidade recuperanda, a credores e a terceiros.
Dito de forma mais simples: o administrador judicial deve ter situação financeira capaz de fazer frente a eventuais indenizações por prejuízos causados – por negligência ou má administração da massa falida, por exemplo.
Ao determinar o processamento da recuperação judicial ou decretar a falência de pessoa jurídica, diz a lei, deve o juiz nomear administrador judicial.
Segundo a regra do art. 33, será intimado para que, em 48 (quarenta e oito) horas, assine o termo de compromisso. Não comparecendo, o juiz nomeará outro administrador judicial.
O Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 141, de 10 de julho de 2023, fixando parâmetros a serem adotados pelos magistrados quanto a fixação dos valores devidos ao administrador judicial em falência e recuperação judicial.
Consoante art. 3º, no ato da nomeação na recuperação judicial, deve consignar que o administrador judicial terá o prazo de 5 (cinco) dias para apresentar orçamento acerca do trabalho a ser desenvolvido no curso do processo; informar o número de pessoas da equipe de trabalho, suas remunerações e a noção a respeito do volume e do tempo das atividades que deverão ser desenvolvidas.
Nos termos da Lei 11.101/05, o prazo para assinatura do termo de compromisso é de apenas 48 (quarenta e oito) horas [art. 33], de modo que, em, tese, haverá aceitação da nomeação sem que decorra o prazo de 5 (cinco) dias para apresentação do orçamento em juízo. Pode, obviamente, ser apresentado tal documento no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
Tome-se como exemplo uma grande companhia, que requer o regime e há a determinação do processamento da recuperação judicial. São inúmeros funcionários; há sede e várias filiais espalhadas pelo país. Ainda, milhares de credores farão parte da lista; o total do passivo chega aos bilhões.
O administrador judicial talvez não tenha tempo suficiente para apresentar o orçamento em 48 (quarenta e oito) horas ou até mesmo em 5 (cinco) dias.
A decisão que fixa a remuneração do administrador judicial é passível de agravo de instrumento.
No que se refere ao processo de falência, a recomendação é no sentido de que o valor inicial fixado terá validade de 6(seis) meses, sempre observado o teto de 5% sobre o valor dos ativos arrecadados, qual consta da lei [40% do valor total devido será pago após o julgamento da prestação de contas].
Consta da Recomendação que a cada 6 (seis) meses o valor fixado poderá ser objeto de reavaliação, considerando (i) os ativos até então arrecadados e (ii) os bens vendidos no período.
No processo de falência deve haver a celeridade quanto aos atos praticados, de modo que, por força do art. 108, logo após a assinatura do termo de compromisso, deverá o administrador judicial proceder a arrecadação de todos os ativos da entidade falida, elaborando-se o respectivo auto de arrecadação e tomando as demais providencias contidas no art. 110.
A realização do ativo – que independe da formação do quadro de credores - se inicia logo após o ato de arrecadação. Só o caso prático pode delinear os contornos relativos à arrecadação dos ativos, que é imediata, via de regra.
Eram estas as breves considerações.
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O Brasil deveria contar com lei própria a respeito do administrador judicial, qual consta do sistema francês, por exemplo. Mais que isso, quem administra os ativos da massa falida objetiva não pode(ria) atuar na fase da realização dos ativos (a partir do art. 139 da Lei 11.101/05). Quem deveria agir seria outra pessoa, nomeada pelo juiz condutor do processo, ou seja, deveria ser incluída na lei a figura do mandatário-liquidatário [liquidante judicial]. Este teria a função de liquidar todos os ativos arrecadados e pagar os credores. Ora, o administrador judicial, em determinada fase do processo falimentar, passará a ser credor da massa falida [e não da falida, saliente-se]. Noutros termos, terá crédito extraconcursal, por força do art. 84, I-D, da Lei 11.101/05. Sendo credor, não teria isenção necessária para estar à frente da venda dos bens arrecadados. Tem interesse, óbvio ululante, porquanto, crédito em seu favor existe. Bem esclarece Nelson Abrão: O mandatário-liquidatório é na verdade a pessoa encarregada por decisão judicial de representar os credores, recolhendo as propostas da classe, organizando a lista, ordem de pagamento, tendo a precípua qualificação para agir no nome e nos interesses dos credores. Cuida-se de um órgão do procedimento que se encarrega de um número de operações, tomando iniciativas, possuindo um estatuto que disciplina sua atividade... O síndico na falência. 2ª edição. Revista, atualizada e ampliada por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1999, p. 117. No Brasil, quando da vigência do Decreto 5.746/1929, o exercício das funções de síndico estender-se-ia até a realização da primeira assembleia de credores, conforme determinado pelo juiz na sentença que decreta a falência. Nesta, os credores elegeriam um liquidatário em substituição ao síndico na administração, com a função de promover a liquidação do ativo e ao pagamento do passivo, na forma deliberada pelos próprios credores ou, quando assim não o tivesse feito, de acordo com as prescrições específicas da lei. Op. cit., p. 103.
Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXIX. 3ª edição, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, pp. 9-10.
Comentários à nova Lei de Falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 58.
O novo direito falimentar: nova disciplina jurídica da crise econômica da empresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, pp.169-171.
Op. cit., p. 12. Destaques no original.